Resumo: O presente Artigo atravessa as várias esferas do Direito Civil, Processual Civil e Constitucional, a fim de se estudar acerca da possibilidade de penhora sobre o bem de família do fiador por dívida oriunda exclusivamente do contrato de locação. Há vários posicionamentos, tanto na jurisprudência como também entre os doutrinadores. Por sua grande relevância social, alguns juristas acreditam que a Lei 8.009/90, que dispõe sobre a proteção jurídica do bem de família, que após a inclusão do inciso VII no art. 3º pela Lei nº 8.245 de 1991, se tornou uma verdadeira ameaça ao direito fundamental de moradia do fiador, enquanto o verdadeiro responsável pela dívida é protegido pela mesma norma. É neste sentido que busca-se analisar através da doutrina e da jurisprudência a possibilidade de o único bem de família do fiador responder pelas dívidas do locatário, bem como analisar e sua receptividade pela Constituição Federal.[1]
Palavras-chave: Impenhorabilidade. Bem de família. Fiador. Contrato. Locação.
Abstract: This article goes through the various spheres of the Civil Law, Civil Procedure and Constitutional, in order to study on the possibility of lien on the family residential property of the guarantor for debt arising solely from the lease. There are several positions both in case law but also among scholars. For its social relevance, some legal experts believe that the Law 8.009/90, which provides for the legal protection of family residential property, that after the inclusion of item VII in art. 3rd Law No. 8.245 of 1991, has become a real threat to the fundamental right of property of the guarantor, while the real responsible for the debt is secured by the same standard. It is in this sense that we seek to examine through the doctrine and jurisprudence the possibility of single family residential property the guarantor liable for the debts of the tenant as well as analyze and their acceptability to the Federal Constitution.
Keywords: Unseizability. Family residential property. Surety. Contract. Lease.
Sumário: Introdução. 1. A Propriedade. 1.1. O Direito de Propriedade e a Função Social. 1.2. Modos de Aquisição da Propriedade Imóvel. 2. O Contrato de Fiança. 2.1. Conceito e Características. 2.2. Os Efeitos e Regras relativas à Fiança. 2.3. A Extinção da Fiança. 3. O Contrato de Locação. 3.1. Conceito e Características. 4. O Contrato de Fiança como Garantia do Cumprimento do Contrato de Locação. 5. A (Im) Penhorabilidade do Bem de Família do Fiador por Dívidas do Locatário. 5.1. O Bem de Família. 5.2. A Responsabilidade Patrimonial do Devedor por suas Dívidas. 5.3. A Responsabilidade Patrimonial do fiador por Dívidas do Locatário. 5.4. A CRFB/88 e a Impenhorabilidade do Bem de Família do Fiador por Dívidas do Locatário. 5.5. A Jurisprudência do STJ e do TJSC de 2000 à 2014 e a Responsabilidade Patrimonial do Fiador por Dívidas do Locatário. Considerações Finais. Referências.
Introdução
O presente Artigo tem como objeto a (im)penhorabilidade do bem de família do fiador nos contratos de locação.
O objetivo principal da pesquisa é investigar a responsabilidade patrimonial do fiador em contrato de locação por dívidas do locatário conforme a lei, a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina no período de 2000 à 2014.
Justifica-se a pesquisa pela divergência de interpretação do tema em acórdãos do Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de justiça de Santa Catarina, bem como ante a incongruência da norma que permite a penhora no artigo 3º, VII da Lei 8.009/90 frente as normas constitucionais e infraconstitucionais que protegem o bem de família.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a (im)penhorabilidade do bem de família do fiador por dívidas do locatário.
1. A PROPRIEDADE
A posse é “um fato do mundo natural, que, sobre a vontade de um sujeito recebe proteção jurídica”(VENOSA, 2006, p. 151). Nesse sentido a posse merece proteção jurídica por ser exteriorização da propriedade.
Silvio Rodrigues ensina que, a propriedade trata-se “de um direito que recai diretamente sobre a coisa e que independe, para seu exercício, de prestação de quem quer que seja” (2002, p. 76). Aquele que possui propriedade tem o direito da prerrogativa de usar, gozar e dispor da coisa, bem como o direito de reivindica-la de quem quer que injustamente a detenha, conforme o conceito transcrito no art. 1.228 no Código Civil.
Maria Helena Diniz arremata, dizendo que a propriedade foi concebida ao homem por sua própria natureza para que esta pudesse satisfazer suas necessidades e as de sua família (2007, p. 111). Por todos estes motivos é que se justifica a existência da propriedade pela função que ela representa às sociedades civilizadas.
Sílvio de Salvo Venosa ensina que o legislador, em vez de definir a propriedade, preferiu descrever de forma analítica os poderes do proprietário, quais sejam o usar, gozar, dispor e reivindicar (2006, p. 163).
Portanto, observa-se que a propriedade deixou de ter caráter absoluto e intangível como anteriormente se acreditava. Atualmente a propriedade sofre várias limitações, imposto por interesse público ou privado, e até mesmo sobre princípios norteadores da justiça e do bem comum.
1.1. O Direito de Propriedade e a Função Social
O direito a propriedade e sua função social estão garantidos pela Constituição Federal e sem dúvidas foi um marco importante para na história do direito.
A função social da propriedade vem ganhando espaço e abrindo discussões ao longo da história. “Sem dúvida, embora a propriedade móvel continue a ter sua relevância, a questão da propriedade imóvel, a moradia e o uso adequado da terra passam a ser a grande, se não a maior questão do século XX, agravada nesse início de século XXI pelo crescimento populacional e empobrecimento geral das nações. Este novo século terá sem dúvida, como desafio, situar devidamente a utilização social da propriedade” (VENOSA, 2006, P. 153).
De fato, a função social da propriedade veio regulamentar os poderes do proprietário, de usar, gozar e dispor de sua propriedade, não podendo usá-los como bem entender. A partir do momento em que o proprietário exerce a propriedade com o cunho de prejudicar outrem, torna-se um ato proibido, como bem descreve o parágrafo 2º do art. 1.228 do Código Civil.
Por essa razão que o abuso de direito é útil, pois torna-se uma ferramenta necessária no ordenamento jurídico atual, uma vez que a função social é um elemento interno do domínio, um pressuposto de legitimidade (FARIAS, ROSENVALD, 2011, p. 239).
Na propriedade urbana, por exemplo, o direto urbanístico visa organizar os espaços habitáveis, tornando as cidades, locais com boas condições para o desenvolvimento humano. Com a falta de planejamento urbano partindo da administração pública, bem como da própria sociedade, propicia relações sociais conflitantes e excludentes, gerando intolerância e violência (FARIAS, ROSENVALD, 2011, p. 251).
Após esta pequena consideração, compreende-se que a função social serve para controlar os atos do proprietário, bem como tornar a propriedade uma ferramenta de controle em prol do bem-estar coletivo.
1.2. Modos de Aquisição da Propriedade Imóvel
O Código Civil faz distinção sobre os modos de aquisição, quer seja para propriedade móvel, quer seja para propriedade imóvel.
No direito civil brasileiro, adquire-se propriedade imóvel pelo registro do título no Cartório de registro de Imóveis (art. 1.227 do CC), pela usucapião (art. 1.238 do CC), pela acessão (art. 1.259 do CC) e pelo direito hereditário (art. 1.784 do CC).
Os modos de aquisição de propriedade podem ser originários e derivados. “São originários os modos de aquisição da propriedade em que não há qualquer relação jurídica de causalidade entre o domínio atual e o estado jurídico anterior, como ocorre na hipótese da acessão ou da usucapião”, ou seja, é aquela aquisição a qual o indivíduo adquire sem que outra pessoa lhe transmita a propriedade. São derivados quando, “entre o condomínio do adquirente e do alienante, existe uma relação de causalidade, representada por um fato jurídico, tal o contrato seguido de tradição, ou o direito hereditário”, ou seja, quando houver transmissão de propriedade por ato inter vivos ou causa mortis (RODRIGUES, 2002, p. 93).
Por título universal, o novo proprietário sucede o anterior em todos os seus direitos e obrigações. “Essa transmissão se dá por meio de atos causa mortis, em que o herdeiro (legítimo ou testamentário) ocupa o lugar do de cujus” (DINIZ, 2007, p. 129). Porém ressalta-se que este modo de aquisição de bens é disciplinado pelo direito das sucessões e não convém maiores delongas.
2. O Contrato de Fiança
2.1. Conceito e Natureza Jurídica
O contrato de fiança nada mais é do que um contrato de garantia, cujo objetivo é assegurar o cumprimento de outra obrigação, caso o afiançado não a cumpra.
O Código Civil, disciplina em seu art. 818, o conceito deste tipo de contrato: “Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra”.
A fiança é, antes de tudo, obrigação acessória, que pressupõe a existência necessária de outra obrigação principal, de que é garantia. Por exemplo, num contrato de locação com fiança, esta é acessória do primeiro. Se não houver a existência do contrato principal, não se pode acionar o devedor para cumprimento da obrigação.
A fiança classifica-se também como contrato unilateral, uma vez que o fiador obriga-se para com o credor, mas este nenhum compromisso assume em relação aquele, entende Washington de Barros Monteiro (2003, p. 376).
Porém, “entende Clovis que o contrato de fiança é bilateral imperfeito, porque se o fiador vier a pagar, sub-rogar-se-á nos direitos do credor primitivo, tendo ação contra o afiançado para ser ressarcido do que por causa dele despendeu. Todavia, como responde Espíndola, esse direito do fiador não resulta de alguma obrigação do credor e sim do dispositivo de lei” (MONTEIRO, 2003, P. 376). (Grifo nosso).
Ou seja, apenas mera interpretação doutrinária, de forma que ambos os entendimentos, são no sentido de que a fiança poderá ser bilateral imperfeita ou unilateral, ensejam que o fiador poderá demandar contra o afiançado pelo que pagou em seu lugar, e também poderá substituí-lo, percebendo os direitos contratados.
Outra peculiaridade é a gratuidade, no sentido de que apenas traz benefício para uma das partes (credor), sem que lhe imponha contraprestação. É também contrato oneroso com relação ao credor, mas gratuito, em regra, referentemente ao devedor. Isto porque há casos em que o afiançado remunera o fiador pela fiança prestada.
Não é difícil encontrar atualmente instituições bancárias e empresas especializadas que prestam e se responsabilidades em favor de seus clientes, trata-se da fiança bancária. É também uma hipótese que torna o contrato de fiança oneroso, pois é concedido mediante porcentagem.
Agora que já se apresentou o conceito e natureza jurídica dos contratos de fiança, passará a analisar seus efeitos e as regras necessárias para uso desta garantia.
2.2. Os efeitos e as regras relativas à fiança
Não são todas as pessoas que podem ser fiadoras, o Código Civil apresenta uma série de exigências para eficácia da referida modalidade de garantia, sob pena de nulidade do ato.
Qualquer pessoa que tenham a livre disposição de seus bens podem ser fiadoras, porém, é vedado aos cônjuges, sem a autorização do outro, com exceção no regime de separação absoluta. Se necessário for a anuência do cônjuge, nula será a fiança (MONTEIRO, 2003, p. 376).
Importante salientar, que o cônjuge ainda que tenha ciência da fiança prestada pelo outro, exige a lei, para que a fiança seja válida, que a ele seja dado sua outorga.
Cumpre-se salientar que somente o próprio cônjuge poderá alegar a falta de outorga do outro. Desta forma não poderá ser decretada a nulidade ex ofício, ensina Washington de Barros Monteiro (2003, p. 377).
Tal entendimento é pacifico no Superior Tribunal de Justiça que editou a Súmula 332, que dispõe o seguinte: “a fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia”.
É importante frisar que a fiança prestada pelo cônjuge comerciante originou divergências no seu entendimento, seja ela jurisprudencial e doutrinária; há casos em que se sustenta que tal hipótese seria desnecessária a intervenção do outro; porém a melhor orientação jurisprudencial e doutrinária é aquela que, ainda que comerciante um dos cônjuges, ainda assim se faz necessário o expresso consentimento do outro, haja vista que o Código Civil é genérico, abrangendo todo o tipo de fiança, quer seja civil ou comercial.
Se analfabeto for o fiador, a fiança prestada em seu nome será nula, porém será válida se for apresentado procuração pública outorgada por ele próprio. Caso seja por mandato, indispensável que este seja com poderes especiais.
A fiança pode ser classificada em convencional, legal e judicial. Convencional, porque decorre da vontade das partes, sendo necessária a outorga em contrato próprio ou no contrato principal; legal, porque decorre de imposição de lei, como por exemplo, a prestação de caução por risco iminente; ou ainda judicial, decorre da exigência de uma garantia de uma das partes no processo, que é também chamada de caução, explica Arnold Wald (2009, p. 320).
A fiança será sempre dada por escrito, porém o código civil não impõe maiores solenidades para prestação de fiança, podendo ser através de instrumento público ou particular, de simples carta, declaração ou outro documento, que serão dispostos a modalidade e extensão. Todavia é indispensável que as disposições em documento estejam em conformidade aos requisitos jurídicos (MONTEIRO, 2003, p. 378).
Ainda que o código civil não exija tantas solenidades, importante salientar que a “fiança jamais se presume; para que alguém possa assumir obrigações de outrem, preciso será ato expresso, formal, em que figure de modo explicito a responsabilidade contraída” (MONTEIRO, 2003, p. 378). Portanto o fiador só irá responder por aquilo expressamente mencionado no instrumento, e se alguma dúvida vier a surgir, será resolvida sempre a favor do fiador.
A fiança pode ser prestada sem consentimento do devedor, ou ainda, contra a sua vontade (art. 820 do CC). Em regra, o fiador intervirá no contrato a pedido do afiançado, prestando-lhe um favor. “Contudo, pode aquele afiançar à revelia do afiançado, pois a fiança é contrato restrito a fiador e credor e em que não figura o devedor” (MONTEIRO, 2003, p. 379).
Note-se ainda, que o art. 823 do Código Civil prevê que a fiança não poderá ultrapassar o valor da obrigação principal, caso contrário não será válida, senão até o limite afiançado. Este dispositivo deixa clara a intenção do legislador em evitar o enriquecimento sem causa do credor (GAGLIANO, FILHO, 2008, p. 597).
Outra peculiaridade do instituto da fiança é quanto a relação obrigacional entre fiador e o credor e entre o fiador e o afiançado. Pode-se classificar, portanto, em relação externa (fiador e credor) e interna (fiador e afiançado) (WALD, 2009, p. 321).
Na relação externa, poderá o fiador demandar ao credor os benefícios de ordem e de divisão, salvo se dispuser em contrário ou for a fiança solidária. “O benefício de ordem consiste na possibilidade dada ao fiador de, até a contestação da lide, indicar bens do devedor livres e desembaraçados existentes no município, suficientes para solver o débito, a fim de evitar a execução dos seus próprios bens” (WALD, 2009, p. 322)
No que tange a relação interna (fiador e afiançado), é admitido a sub-rogação do fiador nos direitos do credor contra o afiançado. Uma vez que pagou o débito daquele que deve, poderá investir-se dos direitos do credor, podendo obter a devolução do valor que pagou com os juros e demais encargos convencionados cumulados com perdas e danos.
Uma vez que a pessoa é fiadora, não ficará responsável para todo o sempre. A fiança extingue-se, em regra, com o pagamento da obrigação principal, por ser acessório a primeira.
Por óbvio, que por se tratar de um contrato, aplica-se aos modos de extinção dos contratos em geral, quanto às causas anteriores ou contemporâneas à sua formação, como por exemplo, a validade; ou por causas supervenientes, com a dissolução da obrigação, como exemplo, a resolução (dissolução do contrato por sentença judicial), resilição (dissolução do contrato feita por ambas as partes, que demonstram o desejo de romper o pacto) ou rescisão (interrupção do vínculo contratual por uma das partes) (GAGLIANO, FILHO, 2008, p. 620).
Extingue-se também com o seu termo final, ou quando houver exoneração da garantia, ou com caso de novação da obrigação principal. Dentre outras situações, pode-se ainda elencar as hipóteses do art. 838 do Código Civil[i].
Os incisos supramencionados aduzem situações particulares de exoneração do fiador. Portanto, se observa, em regra, que o instituto da fiança nada mais é que uma garantia, feita por um terceiro ao contrato, que fica obrigado a pagar até o limite pactuado, caso o devedor não o faça.
3.1. Conceito e características
Os contratos de locação fazem parte do cotidiano da maioria das pessoas. Vê-se a locação presente em vários momentos na vida dos cidadãos, desde o aluguel de sua moradia até o carro que é alugado quando se está em outra cidade, desde o aluguel de uma roupa para uma festa até a casa de praia que se aluga para o descanso no final de semana.
Com a evolução social e econômica no mundo moderno, bem como pela crescente população nos grandes centros, resultaram em um sério problema habitacional. A Lei 8.245/91, conhecida como Lei do Inquilinato, surgiu como uma forma de defesa e proteção do inquilino, bem como, trouxe um estimulo para os proprietários de imóveis inabitados para que fossem locados, amenizando de certa forma os problemas habitacionais no país.
A Lei 8.245/91 trás na ementa que, “dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes”. Por isso observa-se que a referida lei, trata de dois aspectos, do direito material sobre a locação de imóveis urbanos, bem como o direito processual (WALD, 2009, p. 87)
Em princípio a Lei 8.245/91 divide em três as espécies de locação: a residencial, a não residencial e a locação para temporada.
Para a realização do contrato de locação, independente da espécie, é necessário que se tenha três elementos: coisa, preço e consenso.
A coisa deve ser infungível, ou seja, aquelas que não são passíveis de substituição por outra de mesma espécie, qualidade e quantidade, pois caso o bem seja fungível, o contrato será de empréstimo, e não de locação (FIUZA, 2010, p. 238).
Quanto ao preço, este é a contraprestação do locatário, cujo é denominado como aluguel, aluguer ou renda. Este pode ser pago em dinheiro ou com qualquer outro bem que as partes assim estabeleçam, o qual será certo e podendo convencionar índice de reajuste se a locação se der por um longo lapso temporal. Ressalta-se que é proibida, de qualquer forma, a vinculação do salário mínimo ou moedas estrangeiras, bem como materiais preciosos, para reajuste do aluguel (FIUZA, 2012, p. 238).
Via de regra, no Brasil, os pagamentos de aluguéis serão periódicos mês a mês, salvo disposição contratual em contrário. Ressalta-se que a obrigação de pagar aluguéis é quesível, isto porque serão pagos no domicílio do locatário, salvo se convencionarem de outra forma. Aqueles aluguéis inadimplidos deverão ser cobrados por via judicial e causando a resolução do contrato (FIUZA, 2012, p. 238).
E por fim, é imprescindível que haja o consenso. Como se trata de um contrato bilateral, é necessário que as partes acordem de forma livre e espontânea (FIUZA, 2012, p. 239).
Os contratos de locação podem ser por tempo determinado ou por tempo indeterminado. Porém ainda que indeterminado o prazo, não podem as partes tratarem o contrato como vitalício (GAGLIANO, FILHO, 2008, p. 156).
Em síntese, se o contrato for por tempo determinado, ao cessar o prazo estipulado, resolve-se o contrato e há a devolução do bem, caso contrário, o locador terá posse injusta e de má-fé (GAGLIANO, FILHO, 2008, p. 157).
Porém há casos em que o locador não se opõe a posse do locatário, então se presume que houve a prorrogação da locação pelo mesmo valor, agora por prazo indeterminado (GAGLIANO, FILHO, 2008, p. 157).
Cumpre-se salientar que o contrato de locação tem natureza pessoal e não real. Isto porque ainda que haja cláusula de vigência em caso de alienação, o contrato não atribui direito sobre a coisa alheia, embora lhe garanta a posse desta (WALD, 2009, p. 80).
Por fim, destacam-se as obrigações, pois todo o negócio jurídico gera aos contratantes não só direitos, mas também obrigações.
As obrigações do locador vêm estabelecidas no art. 566 do Código Civil, enquanto as obrigações do locatário, no art. 569 do mesmo diploma legal.
Da mesma forma, as obrigações do locador de prédios urbanos vêm estabelecidas no art. 22 da Lei 8.245/91, enquanto as obrigações do locatário, no art. 23 da mesma lei.
Compreendido o conceito e as características dos contratos de locação, passa-se analisar o contrato de fiança como garantia do contrato de locação, como verá a seguir.
4. O Contrato de Fiança como garantia de cumprimento do Contrato de Locação
É cediço que, ao se pactuar um contrato de locação, o que se espera é o pagamento do aluguel estabelecido. No entanto, nem sempre o locatário cumpre sua obrigação, que é pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação, trazendo prejuízos ao locador.
Todavia o ordenamento jurídico trouxe garantias ao locador, visando proteger e assegurar o cumprimento de uma obrigação. O art. 37 da Lei 8.245/91 reza as seguintes garantias contratuais: caução, fiança, seguro de fiança locatícia e cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento (DINIZ, 2008, p. 157).
Como já se tratou das espécies de garantias contratuais, explanaremos apenas sobre a fiança, cujo é o objeto central do presente trabalho.
Como já se sabe, a fiança é uma forma de garantia pessoal ou fidejussória, ou seja, aquela que é prestada por um terceiro ao locador, para garantir a obrigação caso o locatário não cumpra. Em princípio, todas as regras gerais relativas a fiança regulamentadas pelo Código Civil são aplicadas na locação, conforme já explanado alhures.
Por cautela, cabe-nos tratar das peculiaridades que podem divergir na fiança prestada nos contratos de locação.
Por advento da Lei 12.112/2009, o art. 39 da Lei 8.245/91 sofreu alterações no tocante a fiança. Originariamente, previa que, salvo disposição em contrário, quaisquer garantias da locação se estenderiam até a efetiva devolução do imóvel. No entanto, a nova redação dispõe o seguinte: “salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado” (TARTUCE, 2011, p. 401).
Ocorre que tal dispositivo entre em choque com o art. 835 do Código Civil[ii], pois gerou controvérsia quanto a desoneração do fiador.
Trata-se, portanto, de uma regra que se aplica a fiança com prazo indeterminado, ou seja, aquela que ocorre após o término do prazo contratual. Consoante o art. 835 do Código Civil, o fiador poderá exonerar-se a qualquer tempo, desde que o faça mediante notificação, judicial ou extrajudicial, entregue ao credor, neste caso o locador do imóvel. Após a notificação, o fiador ficará obrigado pelo prazo de sessenta dias, ficando após este prazo, totalmente exonerado de qualquer obrigação (TARTUCE, 2011, p. 435).
Importante frisar que na Lei 8.245/91, mais precisamente no inciso X do art. 40, o prazo estabelecido para exoneração do fiador é de cento e vinte dias (TARTUCE, 2011, p. 436).
Portanto, enquanto a Lei 8.245/91 prevê expressamente que o fiador fiará obrigado até a entrega do imóvel, o Código Civil regulamenta uma forma de exoneração da fiança mediante notificação ao locador.
Outra peculiaridade da fiança nos contratos locação é a figura do abonador, “que seria o fiador do fiador, hipótese em que se tem a subfiança”. Também existe a retrofiança, que ocorre quando o fiador exige do devedor outro fiador, podendo exercer seu direito de regresso (TARTUCE, 2011, p. 436).
Outra particularidade da fiança na locação de imóveis, diz respeito a substituição da modalidade da garantia, quando ocorrer algumas das hipótese do art. 40 da Lei 8.245/91[iii].
E ainda, ressalta-se que, uma vez que a locação seja firmada sem qualquer garantia descrita no art. 39 da Lei 8.245/90, o locador poderá exigir o pagamento antecipado dos aluguéis e encargos, até o sexto dia útil de cada mês vincendo. Este pagamento é válido somente para o mês subsequente, e não para os demais meses expressos no contrato (TARTUCE, 2011, p. 403).
Neste sentido, ainda há de salientar que o locador não poderá exigir mais de uma garantia locatícia, sob pena de nulidade e ainda poderá incorrer em contravenção penal, punível com prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze meses do valor do último aluguel atualizado, revertida em favor do locatário, consoante o disposto no art. 43 caput e inciso II da Lei 8.245/90 (TARTUCE, 2011, p. 403).
Por fim, como já visto anteriormente a respeito das regras gerais do instituto da fiança, por ser uma garantia pessoal, o fiador responderá com seu patrimônio para o cumprimento da obrigação. Porém é cediço que existem bens de família – que é o imóvel residencial do casal ou entidade familiar – e que são revestidos de proteção contra a penhora oriunda de dívida civil. Neste norte, passa-se ao estudo e investigação a respeito da impenhorabilidade do bem familiar do fiador.
Em seguida, abordar-se-á acerca da impenhorabilidade do bem de família do fiador nos contratos de locação, tratando do bem de família, da responsabilidade patrimonial do devedor por suas dívidas, bem como do fiador por dívidas do locatário, a Constituição Federal e a impenhorabilidade do bem de família do fiador, e por fim, analisar-se-á a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de Santa Catarina no período de 2000 a 2013.
5. A Impenhorabilidade do bem de família do fiador por dívidas do locatário
5.1 O Bem de Família
O Código Civil Brasileiro de 2002, disciplina o bem de família em seus artigos 1.711 à 1.722, diferente da codificação de 1916, que tratou do bem de família na parte geral, nos artigos 70 à 73, no capítulo Dos Bens. Tal deslocamento da disciplina entre os códigos ocorreu, pois entendeu-se que por uma melhor interpretação metodológica, tal disciplina deveria ser tratada no capítulo Do Direito Patrimonial, que se destina ao estudo Do Bem de Família.
No entanto, como norma de ordem pública imposta pelo estado, adveio a Lei 8.009/90, em defesa da entidade familiar, tratando em específico da impenhorabilidade do bem de família.
A doutrina conceitua de várias formas o bem de família, visando uma ilustração para melhor compreensão do instituto, todas voltadas no sentido de que o bem de família tem o cunho de seguridade patrimonial familiar.
Dentre os conceitos, destaca-se que o bem de família é o “bem jurídico cuja titularidade se protege em benefício do devedor – por si, ou como integrante de um núcleo existencial – visando à preservação do mínimo patrimonial para uma vida digna” (GAGLIANO, FILHO, 2011, p. 389).
No mesmo sentido, o bem de família pode ser conceituado como “o imóvel utilizado como residência da entidade familiar, decorrente de casamento, união estável, entidade monoparental ou outra manifestação familiar, protegido por previsão legal específica” (TARTUCE, 2012, p. 478).
Por fim, e não diferente dos demais conceitos, o bem de família é “um meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde ela se instala, domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem a maioridade” (GONÇALVES, 2009, p. 526).
A preservação do patrimônio familiar tem por escopo a garantia à vida e a dignidade da pessoa humana, abrangendo nesse contexto a proteção à moradia, que é a maior meta das políticas do Estado. É neste sentido que o legislador introduziu as leis destinadas à proteção do patrimônio formado pelos bens que as pessoas utilizam para sobreviverem individualmente ou no convívio familiar.
“Isto porque, na escala de valores, existe uma hierarquia, devendo os de menor importância ceder lugar aos que lhe estão acima. O direito a um crédito não pode, na sua satisfação, acarretar consequências ou efeitos tão drásticos que ferem a dignidade e o próprio direito de viver. Evidente que, entre o direito ao pagamento de uma dívida e o de morar, este fica numa escala imensamente superior, merecendo privilégios na proteção” (RIZZARDO, 2005, p.855).
Neste contexto, percebe-se que o princípio da dignidade da pessoa humana encontra refúgio também no que se refere à proteção do bem familiar, com o intuito de reservar um bem que se tornará impenhorável frente à possíveis credores (GAGLIANO, FILHO, 2011, p. 390).
Importante frisar que a entidade familiar não se limita ao núcleo familiar marido, mulher e filhos, mas também se estende para os imóveis daqueles que são solteiros, os viúvos cujos filhos não residem mais naquele imóvel. Por certo, a jurisprudência vem classificando estas situações que também merecem tal amparo legal, pois a necessidade de abrigo e moradia é o mesmo de uma família comum (GAGLIANO, FILHO, 2011, p. 390).
O bem de família se divide em: bem de família voluntário e bem de família legal ou obrigatório.
O bem de família voluntário é aquele que pode ser instituído pelos cônjuges, pela entidade familiar ou por terceiro, através de escritura pública ou testamento, desde que tal reserva não ultrapasse um terço do patrimônio líquido daqueles que fazem a instituição, visando desta forma, proteger eventuais credores (TARTUCE, 2012, p. 479).
Já o bem de família legal ou obrigatório é aquele regido pela Lei 8.009/90, a qual prevê as regras específicas quanto a proteção do bem familiar legal (TARTUCE, 2012, p. 482).
O art. 1º da Lei 8.009/90 dispõe o seguinte: “Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”
Ocorre que com o advento da Lei 8.009/90 não é mais necessário a instituição voluntária, consoante as formalidades previstas no Código Civil, que como dito, por se tratar de ordem pública, tornou impenhorável o bem de família (GONÇALVES, 2009, p. 535).
Porém não são todas as dívidas que são revestidas pelo manto da Lei 8.009/90, existem casos em que a penhora do bem de família é possível, conforme vê-se no art. 3º da referida lei[iv].
A lei 8.245/91 acrescentou o inciso VII ao art. 3º da lei 8.009/90, o qual se estabelece mais uma exceção à regra da impenhorabilidade legal do bem de família, qual seja, a obrigação decorrente de fiança em contrato de locação (GAGLIANO, FILHO, 2011, p. 402).
Se o fiador for demandado pelo locador, visando à cobrança dos aluguéis atrasados, poderá o seu único imóvel residencial ser penhorado para a satisfação do débito do inquilino (GAGLIANO, FILHO, 2011, p. 402).
De toda forma, não se afasta a hipótese de obrigar o fiador solidariamente por dívidas do locatário. Porém, por se tratar o contrato de fiança meramente acessório, seria justo ou razoável o fiador ser responsabilizado com seu único imóvel residencial, ou seja, seu único bem de família?
Neste sentido, chega-se ao objeto principal da pesquisa, partindo do estudo da legislação competente para apurar até onde é coerente ser o fiador responsabilizado com seu único bem de família, conquanto a mesma regra não ser aplicada ao imóvel do locatário. Desta forma, passa-se a verificar a responsabilidade patrimonial do devedor por suas dívidas, bem como a responsabilidade patrimonial do fiador por dívidas do locatário.
5.2. A Responsabilidade Patrimonial do Devedor por suas Dívidas
A responsabilidade patrimonial é tratada no Código de Processo Civil, a partir do art. 591, o qual dispõe o seguinte: “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
Por simples análise, pode-se se observar que a responsabilidade do devedor por suas dívidas é de ordem patrimonial, ou seja, não atinge a liberdade ou a integridade corporal do devedor (DESTEFENNI, 2009, p. 88).
Todavia, não se pode confundir a prisão civil por dívida decorrente de pensão alimentícia tratando-a como responsabilidade pessoal, pelo contrário, trata-se de uma exceção prevista em lei com o único objetivo de efeito coativo e não satisfativo, em outras palavras, serve como reprimenda ao devedor apenas, pois ainda que fique preso, a dívida permanecerá e este ficará obrigado pelo pagamento (SANTOS, 2009, p. 68).
Importante frisar ainda que, a responsabilidade patrimonial aqui tratada, é aquela que consiste no vínculo de natureza processual que sujeita os bens de uma pessoa, devedora ou não, à execução. Isto significa que o patrimônio do devedor só responderá pela dívida quando vencido em ação de conhecimento ou quando figurar como devedor em um título executivo extrajudicial (DONIZETTI, 2012, p. 929).
Outro ponto importante do art. 591 do Código de Processo Civil, diz respeito aos bens presentes e futuros. Presentes são os bens que o devedor já possuía no momento em que surge a obrigação; já os futuros, são aqueles bens adquiridos após a constituição da dívida enquanto não estiver extinta (DONIZETTI, 2012, p. 930).
O devedor normalmente é o responsável primário pela execução com seus bens, ou seja, aqueles que estão sob seu poder.
Todavia, o art. 592 do Código de Processo Civil aponta os casos em que terceiros acabam sendo atingidos pela execução, isto é, pelos atos praticados pelo processo executivo. Os bens de terceiros podem responder a execução nas seguintes hipóteses: Adquirir uma coisa litigiosa; estão na posse de bens do devedor; e, mantém alguma relação com o devedor (sócio ou cônjuge) (DESTEFENNI, 2009, p. 88).
Como visto no art. 591 do Código de Processo Civil, observa-se que este se relaciona com o disposto no art. 391 do Código Civil, que assim dispõem: “pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”.
Porém, para toda regra há uma exceção, por isso o art. 649 do Código de Processo Civil[v], enumera quais são os bens absolutamente impenhoráveis.
Os bens absolutamente impenhoráveis em nenhuma hipótese se submetem a execução, por isso é denominada, doutrinariamente, como impenhorabilidade relativa, isto porque a própria lei anuncia que há ressalvas, portanto, não é absoluta (DESTEFENNI, 2009, p. 90).
Cumpre-se informar que a penhora aqui tratada é o “[…] ato pelo qual se apreendem bens para empregá-los, de maneira direta ou indireta, na satisfação do crédito exequendo” (DONIZETTI, 2012, p. 967). Após tal constrição, poderá o credor adjudicar ou usufruir o bem, ou ainda, aliená-lo por iniciativa particular ou em hasta pública (leilão ou praça).
Por outro lado, o art. 655 do Código de Processo Civil[vi], elenca a ordem de preferência para a penhora de bens do devedor.
Desta forma, ainda que a lei determine que todos os bens do devedor respondem por suas dívidas, haverá exceções quantos aos bens a serem expropriados, incluindo também à impenhorabilidade do bem de família tratado na Lei 8.009/90, estudada alhures.
Ressalta-se ainda que a responsabilidade patrimonial não se restringe apenas à execução por quantia, mas sim, por todas as espécies de execução, inclusive as decorrentes de inadimplemento de aluguel.
Desta forma, passará a expor sobre a responsabilidade patrimonial do fiador por dívidas do locatário, senão veja-se a seguir.
5.3. A Responsabilidade Patrimonial do Fiador por Dívidas do Locatário
Conforme exposto anteriormente, a responsabilidade patrimonial é a sujeição de um bem de determinada pessoa ao cumprimento de uma obrigação. Porém, para que o fiador tenha responsabilidade frente a uma obrigação, é necessário que o devedor principal esteja em mora, e que o fiador seja demandado em ação de execução ou processo de conhecimento.
Partindo dessas considerações, passa-se a analisar a responsabilidade patrimonial do fiador observando o disposto no art. 595 do Código de Processo Civil: “O fiador, quando executado, poderá nomear à penhora bens livres e desembargados do devedor. Os bens do fiador ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação do direito do credor. Parágrafo único. O fiador, que pagar a dívida, poderá executar o afiançado nos autos do mesmo processo”.
Da análise do dispositivo, único correspondente sobre a responsabilidade patrimonial do fiador no que diz respeito ao processo civil, observa-se a menção aos benefícios de ordem, o direito de regresso contra o afiançado, bem como reza que os bens do fiador ficarão sujeitos a execução, caso os bens do devedor não forem suficientes para suprir a obrigação.
Mas afinal, qual é a responsabilidade patrimonial do fiador civil? A resposta mais coerente seria que, “responde com seu patrimônio pessoal” como se devedor principal fosse (GAGLIANO, FILHO, 2008, p. 599)
Ao passo do entendimento acima, pode-se observar que consoa com o art. 818 do Código Civil, o qual define que “pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra”.
Portanto, havendo uma obrigação não cumprida pelo afiançado, o fiador responde com seu patrimônio pessoal, com as mesmas regras do art. 591 e seguinte do Código de Processo Civil, já tratado anteriormente.
Porém há uma peculiaridade, como já exposto anteriormente no item Do Bem de Família, que infelizmente poderá o fiador, em ação de execução promovida pelo locador, ter seu único bem de família executado para satisfazer o débito do locatário.
No entanto, existem duas Súmulas do Superior Tribunal de Justiça que visam revestir de proteção jurídica o fiador nos contratos de locação, uma vez que este não pode ficar completamente desamparado.
A Súmula 268 do Superior Tribunal de Justiça[vii] reza que “o fiador que não integrou a relação processual na ação de despejo não responde pela execução do julgado”. Ou seja, não haverá possibilidade de executar o fiador que não participou do polo passivo da ação de despejo.
Já a Súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça[viii], é no sentido de que o fiador não poderá ser responsabilizado por aquelas obrigações que foram acrescidas no contrato sem seu consentimento. A Súmula em epígrafe possui a seguinte redação: “o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”.
Portanto, responde o fiador com seu patrimônio pessoal, desde que incluído no polo passivo de uma ação de execução ou em uma ação de conhecimento. Com relação à penhorabilidade do bem de família do fiador por dívidas do locatário, observa-se que o inciso VII, art. 3º da lei 8.009/90 permite a penhora, porém resta-nos a esclarecer se tal dispositivo afronta ou não o art. 6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
5.4. A CRFB/88 e a (Im)penhorabilidade do Bem de Família do fiador por Dívidas do Locatário.
O direito à moradia vem disciplinado no Capítulo 2º que dispõe sobre os Direitos Sociais, mais precisamente no art. 6º, da Constituição Federal Brasileira. Tal dispositivo foi acrescentado através da Emenda Constitucional 26, de 14 de fevereiro de 2000.
Todavia “pode até parecer mais uma ‘filigrana dos nossos legisladores’, para tornar o texto constitucional mais parnasiano do que ele já é”, comenta Uadi Lammêgo Bulos (2012, p. 807), o qual entende que os legisladores preocupam-se em ter uma Constituição rica em detalhes e escrita de forma tão poética que se esquecem de que o verdadeiro sentido é a eficácia do que lá está escrito.
Mas afinal, do que se trata o direito a moradia? “O direito de moradia consiste na posse exclusiva, e com duração razoável, de um espaço onde se tenha proteção contra intempérie, e, com resguardo da intimidade, as condições para a prática dos atos elementares da vida: alimentação, repouso, higiene, reprodução, comunhão. Trata-se de um direito erga omnes”. (CUNHA, 2004, p. 138)
Diante do conceito acima, pode-se dizer que o direito a moradia não está ligado diretamente ao direito de propriedade, regulamentado pelo Direito Civil, mas sim, ligado ao dever do Estado em promover ou facilitar o acesso a moradia, seja ela própria ou alugada.
Apesar da incorporação do direito de moradia somente após a Emenda Constitucional 26, de 14 de fevereiro de 2000, não se pode dizer que a Constituição Federal estava totalmente desamparada. No art. 23, IX, os entes federativos tem competência administrativa para promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (LENZA, 2012, p. 1078).
“Também partindo da ideia de dignidade da pessoa humana (art. 1º,III), direito à intimidade e à privacidade (art. 5º, X) e de ser a casa asilo inviolável (art. 5º, XI), não há dúvida de que o direito à moradia busca consagrar o direito à habitação digna e adequada, tanto é assim que o art. 23, X, estabelece ser atribuição de todos os entes federativos combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos” (LENZA, 2012, p. 1078).
Portanto, deve-se entender que a proteção da moradia, embora incluída somente depois da Emenda Constitucional nº 26/2000, já havia sido incorporada à Constituição.
A Lei 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, encontra fundamento no art. 6º da CF/88 e uma das ressalvas da lei (art. 3º, VII), reza pela não proteção do bem de família do fiador em contrato de aluguel (LENZA, 2012, p. 1078).
Uma vez levada a matéria ao guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal[ix], este decidiu, com sete votos a favor e três contras, que “o único imóvel (bem de família) de uma pessoa que assume a condição de fiador em contrato de aluguel pode ser penhorado, em caso de inadimplência do locatário”, e como visto, não viola o direito de moradia enquanto direito fundamental.
Fortalecendo o entendimento, nos termos do direito de liberdade, ninguém é obrigado a ser fiador; contudo, assumindo esse encargo, terá de arcar com responsabilidades (LENZA, 2012, p. 1078)
E ainda, muito pelo contrário do que se parece, além de não violar o direito de moradia estampado no art. 6º da Constituição, a penhorabilidade do bem de família do fiador se uniu a ele, uma vez que o direito de moradia como visto, é o acesso ao cidadão a habitação, e não como unicamente o direito de propriedade imobiliária. Desta forma, quando se cria esse método facilitado de garantia locatícia, menos onerosa que a fiança bancária, está se estimulando e reforçando os contratos de locação, levando o direito de moradia aqueles que não possuem imóvel próprio (BULOS, 2012, p. 808 – 809).
Porém, veja-se que no julgado supracitado, houveram votos desfavoráveis a penhora do bem de família, sob o argumento de que a mesma regra não é aplicada ao afiançado, ou seja, esta diante de um forte indício de que há a violação ao princípio da isonomia, ainda que o fiador tenha conhecimento do risco que esta assumindo, não pode o contrato acessório da fiança trazer mais obrigações do que o contrato principal.
Tal corrente minoritária vem ganhando força e alguns doutrinadores como Flávio Tartuce, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, bem como os Ministros vencidos Eros Grau, Carlos Ayres Brito e Celso de Mello.
Desta forma, sem mais delongas, encontra-se diante de uma questão de pura interpretação; de um lado os que acreditam que a penhorabilidade do bem de família do fiador não afronta o direito a moradia e, pelo contrário, veio a contribuir com o acesso à habitação; e de outro, aqueles que entendem ser uma afronta ao princípio da isonomia bem como direito de moradia.
Cabe agora, trazer ao leitor, uma análise jurisprudencial de como o Superior Tribunal de Justiça, bem como o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, vem julgando casos semelhantes.
O Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado pacificamente favorável ao entendimento majoritário, qual seja, a favor da penhorabilidade do bem de família do fiador, veja-se alguns exemplos em linha cronológica dos julgados entre os anos de 2000 à 2013:
PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. REDUÇÃO DA PENHORA. MOMENTO DE ALEGAÇÃO. ART. 685, I E II DO CPC. IMÓVEL CARACTERIZADO COMO BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. CABIMENTO. ART. 82 DA LEI 8.245/91. INC. VII, ARTS. 1º E 3º DA LEI 8.009/90.MULTA CONTRATUAL. REDUÇÃO DE 10% PARA 2%. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. I – Consoante a regra inscrita no art. 685, I e II do CPC, a alegação de excesso ou o pedido de redução da penhora dever ser formulado na execução, após realizada a avaliação. Na hipótese, o v.acórdão recorrido, em sede de embargos à execução, indicou como momento apropriado para este mister a exata regra do mencionado dispositivo processual, no que aplicou ao litígio a adequada solução. II – A Lei 8.245/91, ao inserir o inciso VII no art. 3º da Lei 8.009/90, autorizou expressamente a penhora do bem de família para garantir débitos decorrentes de fiança locatícia.
III – O Código de Defesa do Consumidor não se aplica às relações locatícias, descabendo na espécie, com apoio nesta norma, vindicar a redução da multa – contratualmente pactuada entre as partes -, de 10% para 2%. IV – Recurso especial conhecido, mas desprovido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 302603. Relator Ministro Gilson Dipp. Julgamento 06/04/2001. Publicado em 04/06/2001. Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 25/10/2013).
E continua:
LOCAÇÃO. FIANÇA. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. ARTIGO 82, LEI 8.245/91. ARTIGO 3º, LEI 8.009/90. NOVA REDAÇÃO. O ordenamento jurídico pátrio possui como regra a impenhorabilidade do bem de família. Porém, com as disposições trazidas pela Lei 8.245/91, em seu artigo 82, que não confere ao referido bem, ainda que seja o único, o caráter da impenhorabilidade, nova redação foi dada ao artigo 3º da Lei 8.009/90, mormente pela introdução do inciso VII em seu rol. Configura-se válida a penhora do bem de família para garantir débitos decorrentes de fiança locatícia. Precedentes do STJ. Esta Corte tem como recomendação mais adequada a orientação segundo a qual o bem, se for indivisível, será levado por inteiro à hasta pública, cabendo à outra metade proprietária, 50% do preço alcançado. Recurso especial provido (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 583484. Relator Ministro Paulo Medina. Julgamento 02/03/2004. Publicado em 29.03.2004. Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 25/10/2013).
A seguir veja-se um exemplo de acórdão no período em que a constitucionalidade o Art. 3º, VII, da Lei nº 8.009 era questionada:
PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – COISA JULGADA – TERCEIRO – INEXISTÊNCIA – ART. 472 CPC – FIANÇA – OUTORGA UXÓRIA – AUSÊNCIA – INEFICÁCIA TOTAL DO ATO – FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO. I – A coisa julgada incidente sobre o processo de conhecimento e consequente embargos opostos por um cônjuge não pode atingir o outro, quando este não tiver sido parte naqueles processos. (art. 472, do Código de Processo Civil). II – A ausência de consentimento da esposa em fiança prestada pelo marido invalida o ato por inteiro. Nula a garantia, portanto. Certo, ainda, que não se pode limitar o efeito dessa nulidade apenas à meação da mulher. III – Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000). Recurso provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 631262, Relator Ministro Feliz Fischer. Julgamento 02/08/2005. Publicado em 26/09/2005. Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 25/10/2013).
Após o Supremo Tribunal Federal estabelecer sua interpretação sobre a constitucionalidade do art. 3º, VII da Lei 8.009/90, a questão voltou a ser pacífica, conforme os acórdãos a seguir:
RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. POSSIBILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI 8.009/90 E ART. 82 DA LEI 8.245/91. PRECEDENTES DESTA CORTE. CONSTITUCIONALIDADE. DECISÃO DO STF. 1. É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é legítima a penhora sobre bem de família de fiador de contrato de locação, a teor do inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90, acrescentado pelo art. 82 da Lei 8.245/91, inclusive para os pactos anteriores à vigência deste diploma legal. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 407.688, declarou a constitucionalidade das mencionadas normas, em face do disposto no art. 6º da Constituição da República, que consagra o direito à moradia a partir da edição da Emenda Constitucional 26/2000. 3. Recurso especial conhecido e provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 876511. Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Julgamento 17/04/2007. Publicado em 07/05/2007. Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 25/10/2013).
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. É possível a penhora de bem de família como forma de garantir a obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, não obstante a Emenda Constitucional 26/00 tenha incluído a moradia entre os "direitos sociais". Precedentes do STF e STJ. 2. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (Súmula 83/STJ). 3. Recurso especial conhecido e improvido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 856753. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Julgamento 06/09/2007. Publicado em 22.10.2007. Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 25/10/2013).
DIREITO CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. LOCAÇÃO. FIANÇA. BEM DE FAMÍLIA. PENHORABILIDADE. GARANTIA OFERTADA EM FAVOR DA FAMÍLIA. DESNECESSIDADE. FIADOR QUE INTEGRAVA O QUADRO SOCIETÁRIO DA EMPRESA AFIANÇADA. RETIRADA POSTERIOR. AÇÃO DE EXONERAÇÃO. INEXISTÊNCIA. MANUTENÇÃO DA OBRIGAÇÃO. EMBARGOS REJEITADOS. 1. O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal firmaram o entendimento no sentido de ser possível a penhora de bem de família como forma de garantir a obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, nos termos do art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, incluído pela Lei 8.245/91, que, por sua vez, não faz nenhum tipo de restrição à origem da fiança, se em favor da própria família ou de terceiros. 2. O art. 3º, VII, da Lei 8.009/90 visa facilitar a concretização dos negócios locatícios, possibilitando que também os proprietários de um único imóvel sejam aceitos como fiadores. Destarte, limitar sua aplicação aos casos de fiança prestada em favor da própria família do fiador importaria em dar ao dispositivo legal interpretação não-condizente com o espírito da lei, praticamente inviabilizando sua utilização. 3. Hipótese em que o fiador-varão, à época da assinatura do contrato de locação, integrava o quadro societário da empresa afiançada, não tendo, após sua retirada, buscado exonerar-se na forma prevista no art. 1.500 do Código Civil de 1916. 4. Embargos declaratórios rejeitados. (BRASIL. Superio Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração 951649. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Julgamento 08/05/2008. Publicado em 23/06/2008. Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 25/10/2013.).
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE IMÓVEL DO FIADOR. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.1. O Superior Tribunal de Justiça, na linha do decidido pelo Supremo Tribunal Federal, tem entendimento firmado no sentido da legitimidade da penhora sobre bem de família pertencente a fiador de contrato de locação. 2. Os argumentos expendidos nas razões do regimental são insuficientes para autorizar a reforma da decisão agravada, de modo que esta merece ser mantida por seus próprios fundamentos. 3. Agravo regimental não provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental 160.852. Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 21/08/2012. Publicado em 28/08/2012. Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 25/10/2013).
Consoante os julgados acima, também apresenta-se os julgados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o que causa espanto e ao mesmo tempo alegria a este autor, uma vez que a corrente minoritária vem tomando força também no Estado de Santa Catarina.
No acórdão abaixo, observa-se que o fiador é exonerado da fiança pelo qual não anuiu, somente ficando responsável pela parte da dívida anterior ao acordo firmado entre a administradora contratada pelo locador e o locatário.
APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – ACOLHIMENTO – ACORDO PARTICULAR DE DÍVIDA – – INEXISTÊNCIA DE ANUÊNCIA DOS GARANTIDORES – RESPONSABILIDADE SOMENTE PELAS DÍVIDAS ORIUNDAS DO CONTRATO LOCATÍCIO – PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DOS FIADORES DA LOCATÁRIA/DEVEDORA – EXEGESE DO ART. 3º, INC. VII, DA LEI Nº 8.009/90 – EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE – LEGITIMIDADE DA IMOBILIÁRIA PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO DE EXECUÇÃO – PODERES CONFERIDOS PELO PROPRIETÁRIO – EXCESSO DE PENHORA – MATÉRIA A SER CONHECIDA NA AÇÃO DE EXECUÇÃO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A imobiliária tem legitimidade ativa para deflagrar ação de execução, se lhe foi outorgada procuração do proprietário para tanto, não infringindo, assim, o disposto no artigo 6º do Codex Instrumentallis. 2. Ocorrendo acordo sem anuência dos fiadores, configura-se uma relação jurídica distinta do contrato de locação, a qual desvincula a garantia, não alcançando, portanto, o objeto da composição, a fiança prestada, pois esta jamais é presumida. (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 2001.020180-1 de Itajaí. Relator Desembargador Dionízio Jenczak. Julgado em 10/11/2003. Disponível em <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 25/10/2013) (grifo nosso).
No próximo acórdão, trás a hipótese de o fiador recusar o benefício de ordem, agindo desta forma, será responsabilizado com seu único bem de família.
EMBARGOS À EXECUÇÃO – TÍTULO EXTRAJUDICIAL – CRÉDITO DECORRENTE DE ALUGUEL E DEMAIS ENCARGOS – ART. 585, IV, DO CPC – HIGIDEZ DA CÁRTULA – FIANÇA CONCEDIDA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO – PENHORA DE BENS DO FIADOR – ART. 3º, VII, DA LEI N. 8.009/90 – COBRANÇA DIRETA CONTRA OS FIADORES – RENÚNCIA AO BENEFÍCIO DE ORDEM – POSSIBILIDADE – SENTENÇA REFORMADA – RECLAMO PROVIDO. Nas execuções envolvendo matéria locacional, o que se executa não é propriamente o contrato de locação sob a incidência do art. 585, II, do CPC, mas o crédito decorrente do aluguel e demais encargos locatícios, conforme art. 585, IV, do CPC, que dispensa a subscrição de duas testemunhas. O art. 3º, VII, da Lei n. 8.009/90, ao permitir a penhora de bem de família para garantia de fiança prestada em pacto locatício, não ofende o direito social de moradia aludido no art. 6º da CF/88. Renunciando ao benefício de ordem, os fiadores figuram como devedores solidários e principais pagadores. (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 1999.000757-0 de Chapecó. Relator Desembargador Monteiro Rocha. Julgado em 16/09/2004. Disponível em <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 25/10/2013) (grifo nosso).
A seguir, vê-se um julgado a favor da corrente minoritária, onde o bem de família do fiador não responde pelas dívidas decorrentes do contrato de locação, onde vislumbra-se a tese de afronta ao direito fundamental de moradia.
APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – CONTRATO DE LOCAÇÃO – FIADOR – PENHORA RECAÍDA SOBRE O ÚNICO IMÓVEL RESIDENCIAL – IMPENHORABILIDADE – BEM DE FAMÍLIA – PROTEÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DA MORADIA – EXEGESE DO ARTIGO 1º DA LEI N. 8.009/90 E ARTIGO 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Estando a moradia erigida a um direito fundamental a ser protegido, conforme preconizado no artigo 6º da Constituição Federal, deve ser reconhecida a impenhorabilidade do imóvel pertencente ao fiador de contrato locatício quando único e utilizado pela entidade familiar para fim residencial. (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 2008.069706-5 da Capital. Relator Desembargador Fernando Carioni. Julgado em 16/12/2008. Disponível em <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 25/10/2013).
O julgado seguinte trás uma manifestação interessante do relator Desembargador Cesar Abreu, que ensina que para a eficácia do disposto no art. 3º, VII da Lei 8.009/90 é necessário que o fiador renuncie ao benefício da impenhorabilidade no próprio contrato de fiança, somente neste caso, haveria a possibilidade da penhora recair sobre o bem de família do fiador.
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE. CONTRATO DE LOCAÇÃO. PENHORABILIDADE DE IMÓVEL DE FIADOR (ART. 3º, VII, DA LEI N. 8.009/90, INSERIDO PELO ART. 82 DA LEI N. 8.245/91). POSSIBILIDADE. EXCEÇÃO, CONTUDO, QUE NÃO PODE DECORRER DE MERA GARANTIA DE FIANÇA, MAS DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DO FIADOR QUE, ASSIM PROCEDENDO, RENUNCIA À IMPENHORABILIDADE. INEXISTÊNCIA, IN CASU, DE TAL PROCEDIMENTO. PRIMAZIA DO DIREITO SOCIAL À MORADIA CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO (ART. 6º). 1. Penhorabilidade do bem do fiador (art. 3º, VII, da Lei n. 8.009/90). Pois bem. A proteção ao bem de família está prevista no art. 1º da Lei n. 8.009/90. Porém, quando se tratou de bem familiar do fiador executado em contrato de locação, o tema ganhou relevo no âmbito do STF, que, ao julgar o RE n. 407.688-8/SP, decidiu, por maioria de votos, pela sua penhorabilidade, conforme o inc. VII do art. 3º da citada lei, a qual foi acrescida pela Lei n. 8.245/91. O STJ, de igual forma, firmou esse entendimento. Contudo, há de se atentar para um ponto importante, não discutido nas Cortes Superiores, qual seja, o de que a exceção, que permite a penhorabilidade do bem de família, não pode decorrer de mera e formal garantia de fiança, exigindo, para que se efetive, a manifestação expressa do fiador, que, por esse ato, renunciaria à proteção da impenhorabilidade. (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 2007.005313-6 de Chapecó. Relator Desembargador Cesar Abreu. Julgado em 12/11/2009. Disponível em <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 25/10/2013) (grifo nosso).
No Agravo de Instrumento próximo, o qual tem origem a cidade de Balneário Camboriú, vê-se a decisão em conformidade com o entendimento majoritário.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. IMPUGNAÇÃO À PENHORA. INDEFERIMENTO NA ORIGEM. – CONTRATO DE LOCAÇÃO. PENHORA QUE RECAI SOBRE ÚNICO BEM DO FIADOR. REGRA DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO. ART. 3º, VII, DA LEI N. 8.009/90. CONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. – DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. “Pacífico o entendimento deste Superior Tribunal de ser penhorável o imóvel familiar dado em garantia de contrato locativo, em face da exceção introduzida no inciso VII do artigo 3º da Lei n. 8.009, de 1990 pela Lei do Inquilinato. (STJ – AgRg nos EDcl no Ag 1023858/RJ. Rel. Min. JORGE MUSSI. j. em 28.08.2008)”. (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 2011.026722-6 de Balneário Camboriú. Relator Desembargador Henry Petry Junior. Julgado em 23/02/2012. Disponível em <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 25/10/2013)
No julgado seguinte, percebe-se uma tentativa frustrada do fiador em obstaculizar o processo expropriatório de seu único bem de família. Em resumo, utilizou-se de sua filha menor para interpor Embargos de Terceiro alegando a impenhorabilidade e a ofensa ao direito de moradia, o qual logrou êxito em primeiro grau, sendo-lhe concedida a medida liminar de manutenção de posse. Contudo veio a perder em segundo grau, pois o voto foi no sentido de que o pai da infante estaria agindo má-fé, pois o mesmo é representante da embargante. Sobre a legitimidade para interpor Embargos de Terceiro da menor, o voto foi favorável.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FIANÇA PRESTADA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO. PENHORA E ADJUDICAÇÃO DE IMÓVEL DE PROPRIEDADE DOS FIADORES. DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. DETERMINAÇÃO EXPEDIDA PELO JUÍZO 'A QUO'. EMBARGOS DE TERCEIRO DEDUZIDOS PELA FILHA MENOR DOS GARANTES, OBJETIVANDO OBTER A PROTEÇÃO DA LEI N. 8.009/1990. CONCESSÃO DE LIMINAR DE MANUTENÇÃO DE POSSE. ILEGITIMIDADE ATIVA 'AD CAUSAM'. PREFACIAL REJEITADA. PENHORA DE IMÓVEL DOS PRESTADORES DE FIANÇA EM CONTRATO LOCATÍCIO. AUTORIZAÇÃO LEGAL EXPRESSA PARA TANTO. CONSTITUCIONALIDADE DO INC. VII, ART. 3° DA LEI N. 8.009/1990. TEMA PACIFICADO NA JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA. LIMINAR CASSADA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. PRESSUPOSTOS DELINEADOS. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES CORRESPONDENTES. AGRAVO DE INSTRUMENTO ACOLHIDO. 1 Para fins de tutela da Lei n. 8.009/1990, a todos que compõem a entidade familiar e se abrigam no imóvel penhorado é conferida a legitimidade para defender o bem objeto da constrição judicial, com a utilização dos os meios processuais pertinentes, uma vez que referida normatização visa proteger a entidade familiar como um todo. Em tal contexto, restringir essa proteção somente ao proprietário ou possuidor direto do imóvel constritado é ir de encontro aos próprios escopos finalísticos da lei de impenhorabilidade do bem de família. (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 2010.040516-0 de Joinville. Relator Desembargador Trindade dos Santos. Julgado em: 28/02/2013. Disponível em <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 25/10/2013).
Como se depreende dos julgados colhidos, percebe-se que em sua maioria segue a corrente majoritária, no entanto no Estado de Santa Catarina há muitos casos em que foi protegido o direito de impenhorabilidade do imóvel do fiador, e com estas linhas encerro o presente Artigo Científico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito do presente artigo foi revelar a possibilidade da penhora recair sobre o único bem de família do fiador locatício, utilizando da interpretação doutrinária, da legislação vigente, bem como do entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no período entre os anos de 2000 até 2014.
Resta esclarecer que a penhorabilidade do bem de família do fiador por dívidas do locatário, não fere o direito fundamental de moradia, seguindo a corrente majoritária, qual seja do Supremo Tribunal Federal.
Embora a corrente majoritária – a favor da penhora – ainda esteja no topo da maioria dos julgados, há de se destacar os entendimentos divergentes no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, vez em que não exaurido tamanha discussão acerca do assunto.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, consoante a corrente minoritária, entende que a penhora só é possível caso o fiador renuncie o benefício da impenhorabilidade expressamente no contrato de fiança. Veja-se que tal posicionamento faz menção ao julgado pelo Supremo Tribunal Federal, onde afirma que este ponto não foi discutido naquela ocasião.
Neste sentido, a penhora não recairia sobre o bem de família do fiador em todas as hipóteses, pelo contrário, pois o contrato de fiança não admite interpretação extensiva, conforme o art. 819 do Código Civil, portanto se não há a renúncia ao benefício da impenhorabilidade, não poderá responder seu único bem de família pela dívida do locatário.
Veja-se ainda, que houveram três votos contrários à decisão pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que havendo a penhora, afrontará o direito a moradia estampada no art. 6º da Constituição Federal, qual foi incluído pela Emenda Constitucional 26, de 14 de fevereiro de 2000.
De toda forma, ainda que prevaleça o entendimento majoritário, informa-se que este vem sendo respeitado nas cortes inferiores e principalmente pelo Superior Tribunal Justiça.
Ocorre, porém, refletir se há justiça em tal entendimento, ao passo que caso o locatário possua um único imóvel, este não responderá pela dívida, enquanto o imóvel do fiador – terceiro, por meio de um mero contrato acessório – ficará obrigado com seu bem de família.
Ora, uma vez que trata o locatário e o fiador de formas desiguais, estaria se ferindo o princípio constitucional da isonomia, pois a obrigação decorre do mesmo fato jurídico, neste caso, representado pelo contrato de locação.
Acredita este pesquisador que o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal padece de vícios, porque não se discutia apenas a receptividade do inciso VII, do art. 3º da Lei 8.009/90 pela Constituição Federal, mas sim, deveria ser apreciada quanto à forma de aplicação de tal norma, evitando que se ferisse o direito a moradia, bem como o princípio da isonomia.
Como visto alhures, o Supremo Tribunal Federal acredita que facilitando os contratos de locação – atribuindo a fiança como garantia – irá facilitar o acesso aos menos favorecidos a moradia. Porém tal medida é paliativa, e não resolve o problema social de moradia, haja vista que o Governo tem a obrigação de lançar políticas públicas para o acesso a uma residência própria para a classe de baixa renda.
Como não há um entendimento sólido frente a tal interpretação normativa, acredita-se que com a evolução do Direito, a corrente minoritária tome força e faça jus ao direito fundamental a moradia, bem como torne-se pacífico o entendimento de que é impenhorável o único bem de família do fiador.
Contudo, apesar de não confirmar a afronta ao direito a moradia, não quer dizer que este autor concorda com tal medida, apesar de respeitar o entendimento diverso.
Isto porque após a jornada para escrita de tal trabalho científico, ficou claro que a decisão do Supremo Tribunal Federal apresenta alguns pontos controversos. Primeiro por não reconhecer a afronta ao princípio da isonomia, uma vez que trata de forma desigual o fiador e o locatário em relação a mesma situação jurídica, colocando o fiador em desvantagem ao locatário. Em segundo lugar, acredita-se que fere ao direito fundamental a moradia, pois o Estado estimulando as locações residenciais, estará tomando uma medida paliativa ao acesso a moradia, e não resolvendo o problema habitacional no Brasil.
Quanto às jurisprudências colhidas no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, causou enorme satisfação em ver que o entendimento minoritário vem ganhando força, para justamente, proteger a família do fiador, obedecendo a função social que o direito e a justiça deve resguardar para todos os cidadãos.
Por fim, alerta-se que a presente pesquisa não teve o escopo de esgotar o tema, mas de contribuir para a racionalização do mesmo na sociedade.
Advogado graduado pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI
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