A importância da Comissão Européia na formulação dos principais tratados europeus

Resumo: O mundo jurídico é a normatização dos jogos de interesses decorrentes das relações de poder que se formam na esfera política, social e econômica. Diante deste fato, o presente artigo visa demonstrar alguns aspectos destas relações no processo decisório europeu, tendo como foco principal o poder de influência da Comissão Européia na formulação dos tratados comunitários. Para isto, faz-se necessário, primeiramente, uma breve explanação sobre a história e estrutura institucional da União Européia; em segundo, a demonstração de ser a União Européia um sistema político democrático com legitimidade decisional política e com poderes jurídicos autônomos; terceiro, a análise da relevância do processo de barganha e cooperação na União Européia; e, por último, a demonstração da importância da Comissão no quadro institucional da União Européia e na formulação e reforma dos tratados comunitários.


Sumário: 1. A União Européia. 2. Estrutura institucional da União Européia. 3. A União Européia como sistema político democrático de direito. 4. O processo de barganha e cooperação na União Européia. 5. A influência da comissão européia no processo político de formulação e reforma dos tratados comunitários.


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A UNIÃO EUROPÉIA


A União Européia (UE), além de ser um dos principais sujeitos internacionais da atualidade, representa uma nova forma de sistema político que visa o aprimoramento das relações econômicas, políticas e sociais entre os Estados europeus. É interessante perceber que a União Européia, apesar de ser formada por Estados europeus não se confunde com estes, sendo formada por instituições intergovernamentais e supranacionais e um corpo de legislação primária e secundaria em rápido crescimento, a chamada acquis communautaire.


Assim, a UE é um sistema político sui generis em que os Estados membros formam instituições para as quais delegam parte da sua soberania objetivando que decisões sobre questões específicas de interesse comum possam ser tomadas democraticamente na esfera política européia.


A idéia de integração européia foi, formalmente, realizada no dia 9 de Maio de 1950[1] quando o Ministro francês de Negócios Estrangeiros, Robert Schuman, propôs a integração das indústrias do aço e do carvão na Europa Ocidental. Tal idéia foi concretizada através da assinatura do Tratado de Paris em 1951 que estabelecia a Comunidade Européia do Aço e do Carvão (CECA) composta por seis Estados membros: Alemanha Ocidental, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos. O poder decisional sobre as indústrias do carvão e do aço nestes países passou a ser exercido por um órgão independente e supranacional denominado Alta Autoridade.


O grande êxito no desempenho das atividades realizadas pela CECA possibilitou que, em 1957, com a assinatura do Tratado de Roma, os seis países membros integrassem outros setores das suas economias. Assim, surgiu a Comunidade Européia da Energia Atômica (EURATOM) e a Comunidade Econômica Européia (CEE). Tais comunidades emergiram, formalmente, em 1967. Os direitos aduaneiros entre estes seis países foram totalmente supridos no dia 1º de julho de 1968. A união dessas três Comunidades originou a Comunidade Européia.


Em 1979, foi instituído o Sistema Monetário Europeu com o objetivo de estabilizar as taxas de câmbio e disciplinar as economias dos Estados membros.  A criação deste sistema foi uma resposta positiva às crises monetárias mundiais originárias do fim da convertibilidade do ouro em dólar em 1972 devido ao fim do Sistema de Bretton Woods e aos choques no preço do petróleo em 1973 e 1979.


A recessão econômica mundial do início da década de 80 provocou um pessimismo na Europa em relação à viabilidade do desenvolvimento da integração entre seus países, tal fenômeno ficou conhecido como europessimismo. Em 1985, tal pessimismo cessou quando a Comissão Européia, sob a presidência de Jacques Delors, publicou um livro branco que estabelecia um prazo para a conclusão do Mercado Comum Europeu. As Comunidades adotaram os objetivos deste livro branco e consagraram-no no Ato Único Europeu, assinado em fevereiro de 1986.


Em 1992, foi assinado o Tratado de Maastricht[2] que entrou em vigor no ano de 1993 e estabeleceu a formação da União Econômica e Monetária (UEM). A formação da UEM ensejou na introdução de uma moeda européia única gerida por um Banco Central Europeu. Esta moeda única, o Euro, entrou em circulação em 2002, quando as notas e moedas em Euros substituíram as moedas nacionais em doze dos quinze países que compunham a União Européia naquela época: Bélgica, Alemanha, Grécia, Espanha, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Áustria, Portugal e Finlândia. Atualmente, o Euro assume o status de grande moeda mundial ao lado do dólar.


Em 1993, foram definidas na cúpula de Copenhague quais seriam as condições políticas e econômicas para que um país europeu pudesse se tornar membro da União Européia. Dentre as condições definidas estavam a de ter estabilidade democrática e institucional, ou seja, ser um Estado Democrático de Direito, possuir sistema pluripartidário, respeitar os direitos humanos, proteger as minorias, possuir uma economia de mercado fortemente capaz de lidar com a pressão da concorrência no Mercado Único Europeu, ter capacidade de assumir os direitos e obrigações decorrentes da legislação comunitária e aderir aos objetivos da união política, econômica e monetária.


Em 2004, a União Européia ganhou dez novos países: Chipre, República Checa, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia, Eslováquia e Eslovênia.


Após todas essas adesões, para que a UE pudesse continuar a funcionar de forma eficaz, tornou-se necessária uma reformulação do sistema decisional adotado até então. Por isto, através do Tratado de Nice, que entrou em vigor em 1º de fevereiro de 2003, foram estabelecidas novas regras definidoras das dimensões e do funcionamento das instituições da União Européia.


Em 2005, os países membros da União Européia eram Áustria, Bélgica, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Holanda, Polônia, Portugal, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Reino Unido, Chipre, República Tcheca, Letônia e Suécia.[3]


Atualmente, fazem parte da UE 27 países[4] e 490 milhões de pessoas.[5]


ESTRUTURA INSTITUCIONAL DA UNIÃO EUROPÉIA


Em relação à forma como está estruturada a União Européia, pode-se dizer que esta é constituída por várias outras instituições, cada qual com funções específicas. Tais instituições, descritas a seguir, são responsáveis pelo funcionamento harmônico do sistema político europeu.


O Parlamento Europeu (PE), cujas sedes estão localizadas na França, na Bélgica e em Luxemburgo, pode ser descrito como o fórum de discussão da União Européia, local em que os pontos de vistas políticos dos Estados membros se convergem.


As principais funções do Parlamento Europeu são partilhar com o Conselho Europeu o poder legislativo e exercer um controle democrático em todas as instituições da UE.


Já o Conselho da União Européia é o principal órgão legislativo da UE, reunindo representantes de todos os Estados membros. Juntamente com o Parlamento Europeu, o Conselho possui a função de determinar regras direcionadoras das atividades da União Européia como, por exemplo, regras que visam garantir e preservar a liberdade de circulação de bens, pessoas, serviços e capitais.


A maior parte das responsabilidades do Conselho são relacionadas às áreas de atuação em que os Estados membros decidiram delegar conjuntamente parte de suas respectivas soberanias conferindo poderes de decisão às instituições da União Européia. Este é o denominado primeiro pilar da União Européia.


No entanto, é interessante observar que o desenvolvimento da Política Externa e de Segurança Comum da União Européia (PESC) e coordenação da cooperação entre os tribunais e as forças policiais nacionais dos Estados membros em matéria penal estão relacionadas aos domínios de atuação em que os Estados membros não delegaram os seus poderes, mas apenas se comprometeram com uma cooperação mútua. Tal cooperação pode ser definida como intergovernamental. Este fenômeno representa o segundo e o terceiro pilares da União Européia.


Há ainda o Tribunal de Justiça das Comunidades, órgão criado em 1952 pelo Tratado de Paris, que possui como função precípua garantir a interpretação e aplicação uniforme da legislação européia, conhecida tecnicamente por direito comunitário, em todos os Estados membros da União Européia. Assim, o Tribunal tem o dever de garantir que a legislação aplicada no âmbito dos Estados membros seja idêntica para todas as partes e em todas as circunstâncias. O Tribunal é competente para se pronunciar sobre os litígios entre os Estados membros, entre as instituições da UE e entre as pessoas físicas e jurídicas. Além disso, é também função do Tribunal esclarecer dúvidas a respeito da interpretação de Tratados e da legislação comum européia.


Outra relevante instituição da estrutura da União Européia é o Tribunal de Contas criado em 1977. Tal órgão é totalmente independente dos demais órgãos da União Européia e sua sede está localizada em Luxemburgo.


A principal função do Tribunal de Contas é a de controlar a totalidade das receitas e despesas da União e verifica se o orçamento está sendo bem gerido.


Há ainda a Comissão Européia que dentre todas as instituições que compõem a estrutura da União Européia, a Comissão Européia, politicamente independente, é a que possui as características de supranacionalidade presentes de forma mais explícita.


Na história de criação da União Européia, a Comissão tem sua origem em 1951, quando era chamada de High Authority of European Coal and Steel Community (Alta Autoridade). Nesta fase inicial, a Comissão atuava como secretariado e órgão proto-executivo no sistema institucional da União Européia. É desta experiência que o termo supranacional foi concebido no âmbito da formação da União Européia. O ônus para o desenvolvimento de credibilidade, perspicácia e base política de poder da Comissão foi deixado a cargo da própria instituição.


A Comissão Européia possui quatro funções principais dentre as quais a primeira é apresentar propostas legislativas ao Parlamento e ao Conselho. A segunda função da Comissão Européia, na sua qualidade de órgão executivo da União Européia, é a de gerir e executar as políticas e o orçamento da UE. É importante ressaltar que o controle do orçamento pela Comissão está condicionado à vigilância do Tribunal de Contas.


A terceira função é a de garantir a aplicação do direito comunitário em conjunto com o Tribunal de Justiça. O fato de a Comissão ser a guardiã dos Tratados da União Européia significa que, juntamente com o Tribunal de Justiça, a Comissão zela pela correta aplicação da legislação da União Européia em todos os Estados membros. 


A quarta função da Comissão é a de representar a União Européia internacionalmente incumbindo-lhe, por exemplo, negociar acordos entre a UE e países terceiros. Assim, é através da Comissão que os Estados membros da UE expressam conjuntamente seus ideais no cenário internacional.


A possibilidade de uma integração econômica e política entre os Estados membros da União Européia implicou na capacidade de tais países em decidir conjuntamente sobre inúmeras questões. A partir de tal necessidade, houve o desenvolvimento de políticas comuns desde a questão agrícola à questão cultural, jurídica e de segurança européia, criou-se então, a Política Externa e de Segurança Comum (PESC).


A experiência da integração supranacional na União Européia problematiza o tradicional paradigma da soberania. Isto é claramente notado quando a Comissão Européia toma decisões que vinculam os governos dos Estados membros.


As instituições descritas acima são complementadas por cinco outros importantes órgãos, quais sejam, o Comitê Econômico e Social Europeu, o Comitê das Regiões, o Banco Central Europeu, o Procurador Europeu, o Banco Europeu de Investimento.


Ainda há outras agências que integram o corpo da União Européia. Algumas dessas agências são o Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Européias, Serviço de Seleção do Pessoal das Comunidades Européias, Agências da Comunidade Européia como as de  Política Externa e de Segurança Comum e a de Cooperação policial e judiciária em matéria penal.


A UNIÃO EUROPÉIA COMO SISTEMA POLÍTICO DEMOCRÁTICO DE DIREITO


A União Européia é um sistema institucional que estabelece um sutil equilíbrio entre as necessárias transferências de soberania para instituições supranacionais e a conservação do poder pelos Estados nacionais.


 Conforme analisa Simon Hix (1990), este sistema pode ser considerado como político, apesar de não configurar um tradicional Estado Democrático de Direito, visto que possui os quatros elementos caracterizadores de um sistema político democrático.[6]


O primeiro desses elementos é ter um estável e bem definido conjunto de instituições para as tomadas de decisões coletivas e para regulamentação das relações governamentais entre e dentro destas instituições.[7]


O nível de estabilidade institucional e complexidade na União Européia é, sem dúvida, um dos maiores entre os regimes internacionais existentes atualmente.


O segundo elemento caracterizador de um sistema político é o fato de os cidadãos e grupos sociais procurarem alcançar os seus objetivos políticos diretamente através do sistema político ou por intermédio das organizações como os  partidos políticos. [8]


 À medida que as instituições da União Européia passaram a ter poderes de governo, um número crescente de grupos passou a demandar deste sistema a realização de seus interesses. Assim como em todos os sistemas políticos democráticos, as demandas na União Européia surgem a partir de uma rede complexa de grupos públicos e privados, cada qual competindo para influenciar o processo político da União Européia visando promover ou proteger seus próprios interesses.


O terceiro elemento caracterizador de um sistema político democrático é o fato de as decisões coletivas no sistema político terem um impacto significativo na distribuição dos recursos econômicos e na alocação de valores políticos e sociais por todo o sistema.[9]


As decisões na União Européia são altamente significantes. As políticas da UE cobrem virtualmente todas as políticas públicas, incluindo regulamentação do mercado, políticas sociais, de meio ambiente, agricultura, regionais, de pesquisa e desenvolvimento, comércio internacional, política externa, política de defesa, transporte, saúde pública, educação e cultura.  É importante ressaltar, também, que as leis formuladas no âmbito da União Européia são supremas em relação às leis nacionais.


O quarto elemento é que para haver um sistema político democrático deve existir uma interação contínua entre os resultados das decisões políticas, as novas demandas e as novas decisões. [10]


O processo político no sistema da União Européia é uma característica constante da vida política européia. É importante ressaltar que a União Européia não possui a legitimidade do monopólio no uso da força. O poder de coerção pela polícia e pelas forças de segurança permanecem como prerrogativas exclusivas dos governos nacionais dos Estados membros da União Européia.


Assim, na atualidade, a União Européia é um sistema político apesar de não configurar um tradicional Estado Democrático de Direito, sendo baseado em princípios fundamentais como o da garantia à liberdade, segurança e igualdade, que os Estados membros reconhecem e cuja concretização é de responsabilidade, principalmente, dos órgãos executivos da UE.


Uma importante característica do sistema político europeu é o fato de ter um ordenamento jurídico autônomo, de caráter obrigatório frente às instituições da União Européia, seus cidadãos e Estados membros. Possui regras cuja aplicação e interpretação deve ser realizada, uniformemente, em todo território da União Européia.


O PROCESSO DE BARGANHA E COOPERAÇÃO NA UNIÃO EUROPÉIA


Uma função importante é o papel que as instituições desempenham na dinâmica da barganha intergovernamental em que os governos buscam estabelecer posições vantajosas e defender suas preferências. Os governos transferem a soberania para as instituições internacionais em que os ganhos potenciais são grandes. As preferências das instituições são também uma importante variável que influencia no estilo e na essência da barganha intergovernamental.


A decisão de participar da integração européia envolve alguns sacrifícios em relação à autonomia nacional. Não obstante, há vantagens como, por exemplo, o fato de as instituições da UE  fortalecerem o poder estatal no âmbito internacional de duas maneiras: a primeira refere-se ao aumento na eficiência da barganha interestatal. A existência de um foro comum de negociação, procedimentos de tomada de decisão e monitoramento diminuem os custos de identificação, manutenção e criação de acordos. Isso faz com que haja um maior arranjo cooperativo.


A segunda maneira prevê o fortalecimento do poder dos líderes políticos através das instituições da União Européia em relação aos grupos sociais no âmbito de suas políticas domésticas. Isso é o resultado do consenso entre os Estados membros com o objetivo de instituir um equilíbrio entre a eficiência da instituição União Européia em relação à influência doméstica.


A repercussão do institucionalismo na barganha interestatal na União Européia ocorre no cenário rico em informações. Assim, há um avanço de conhecimento sobre detalhes técnicos da formação de políticas da União Européia e os Estados membros passam a ter uma noção maior sobre as preferências e sobre os constrangimentos em relação aos outros Estados.


Governos nacionais têm um incentivo para cooperar quando a coordenação política os permite alcançar objetivos que não seriam possíveis isoladamente de serem alcançados. Esses incentivos existem, principalmente, quando a coordenação pode eliminar externalidades negativas[11] da política internacional.


Quando as externalidades são positivas, insignificantes ou quando há políticas unilaterais para determinarem um alto custo a uma das partes, há poucos incentivos para cooperar.


Normalmente, há conflitos sobre os termos precisos da cooperação devido a diferentes preferências dos governos em relação à distribuição dos ganhos e custos visto que estes, numa política de coordenação, são freqüentemente distribuídos desigualmente entre os Estados, causando conflitos internacionais e domésticos sobre ganhadores e perdedores.


As instituições da UE aumentam a eficiência de barganha, promovendo arranjos e regras de redução dos custos de transação. Tais instituições delegam e congregam soberania, tomando decisões centrais sobre assuntos fora do controle dos governos nacionais.


Assim, as possibilidades de cooperação entre os Estados membros aumentam quando há as instituições para monitorar, interpretar e reforçar as ações dos Estados Membros. Desta forma, o enforcement realizado pelas instituições permite aos governos ampliarem seus acordos internacionais. 


As políticas das instituições da União Européia variam de acordo com a natureza do processo de decisão a ser institucionalizado. Quando as conseqüências das decisões institucionais são calculáveis e concretas, a posição dos Estados será instrumental; quanto mais gerais e menos previsíveis são as implicações das decisões, maior o espaço para a atuação de líderes políticos.


A União Européia pode ser considerada como um jogo de coordenação com conseqüências distributivas, um jogo de barganha e de cooperação. As negociações são o processo de escolha coletiva no qual cada interesse conflitante é reconhecido.


Jogos de barganha possuem dois problemas analíticos que devem ser considerados na análise do processo de coordenação e de barganha decorrente da interação estratégica entre os Estados.


Um desses problemas é o da eficiência nas negociações visto que custos excessivos de identificação, negociação e cumprimento de barganhas podem obstruir a cooperação. Outro problema seria a implicação distributiva de barganha interestatal, ou seja, a escolha de um resultado específico entre várias possibilidades determina a distribuição de custos e benefícios entre os governos.


Análises de negociações têm identificado inúmeros fatores que podem influenciar os resultados distributivos da barganha internacional, entre eles a natureza das políticas alternativas e coalizões, o nível e a assimetria de informação.


Três suposições a cerca da barganha interestatal a melhor compreensão das tomadas de decisão na União Européia: a primeira é a de que a cooperação intergovernamental é voluntária, ou seja, nem coerção militar, nem sanção econômica são tratadas como um argumento de força. Democracias são avessas a riscos e evitam custos altos com conflitos. A segunda suposição é a de que o ambiente no qual a União Européia barganha é relativamente rico em informações. E a última suposição seria a de que os custos transacionais de barganha intergovernamentais são baixos.


Ao longo da história da União Européia, idéias de não-coerção e de um ambiente rico em informações, além da existência de um cenário institucionalizado não foram sempre as condições existentes.


As teorias de barganha e negociação sugerem prováveis determinantes do poder de barganha entre os Estados. Um desses determinantes seriam as alternativas políticas unilaterais. De acordo com esta perspectiva, a condição necessária para o sucesso dos acordos negociados entre governos racionais é a de que cada um desses governos perceba que o benefício da cooperação é maior ao da não cooperação. Porém, é importante ressaltar que governos racionais rejeitam a cooperação em favor de uma alternativa mais atrativa. Assim, governantes com alternativas mais atrativas não vão tolerar acordos inconvenientes, enquanto governos com alternativas piores ganham com a cooperação.


A INFLUÊNCIA DA COMISSÃO EUROPÉIA NO PROCESSO POLÍTICO DE FORMULAÇÃO E REFORMA DOS TRATADOS COMUNITÁRIOS


A idéia de formulação e reforma de tratados está relacionada com a capacidade de deliberação e com a delegação de poder a determinadas instituições européias.


O processo de integração Europeu se desenvolveu pelo fato de governos apontarem diferentes ênfases em assuntos diversos e, com isso estarem preparados a não atingir seus objetivos em determinados assuntos, mas alcançar suas metas em outros mais relevantes ao interesse nacional. O resultado desse processo de desenvolvimento da União Européia foi a gradual adição de novas competências à União Européia pelos Estados membros e o conseqüente aumento de poder executivo da Comissão.


O Tratado de Paris de 1951, por exemplo, que estabeleceu a Comunidade do Carvão e do Aço foi, essencialmente, um acordo entre a França e a Alemanha. Em consonância com a reconstrução e reindustrialização alemã, a França buscou aproveitar tal cenário para promover a produção e distribuição da sua indústria de aço e carvão. Tendo em vista assegurar tais objetivos, os Estados membros em questão delegaram certos poderes ao corpo supranacional, a Alta Autoridade, precursora da Comissão Européia como relatado anteriormente. Robert Schuman e Jean Monnet foram os principais idealizadores de tal projeto.


A distribuição e produção comum de aço e de carvão poderiam ser governadas através de reuniões ministeriais dos membros de governo, mas Schuman e Monnet argumentaram que tais arenas intergovernamentais poderiam sofrer desacordos, indecisões e procrastinações à medida que cada governo tenderia a defender seus próprios interesses. Com isso, Schuman e Monnet assinalaram que a eficiência no processo de tomada de decisão poderia ser garantida, apenas, pela delegação de responsabilidades a um corpo supranacional e pelo gerenciamento político de tal corpo. A combinação da tomada de decisão no âmbito intergovernamental e pela iniciativa e gerenciamento político pelo âmbito supranacional executivo presente no Tratado de Paris serviu de modelo para os Tratados posteriores.


Outro importante Tratado assinado foi o Tratado de Roma de 1957 que estabeleceu a Comunidade Econômica Européia (CEE) e a Comunidade Européia de Energia Atômica (Euratom), conforme relatado anteriormente.


Na Comunidade Econômica Européia, o processo de barganha ocorreu entre o objetivo alemão de criar um mercado comum e o objetivo francês de criar mecanismos de proteção para seus produtos agrícolas através da Política Comum Agrícola. Para alcançar tais objetivos foi delegado por meio deste Tratado em questão, à Comissão Européia poder de iniciativa no mercado comum e na administração da Política Comum Agrícola. Outra inovação trazida pelo Tratado de Roma foi a adoção de um procedimento legislativo que torna mais fácil para o Conselho aceitar as propostas da Comissão Européia ao invés de recusá-las. Tal inovação permite que a Comissão tenha significantes poderes de agenda-setting no estabelecimento de regras reguladoras do mercado comum.


Em 1986, foi assinado o Ato Único Europeu com o objetivo de progredir na integração européia e formar o mercado europeu unificado. Porém, um dos principais empecilhos para alcançar tais objetivos era o fato de as decisões, no âmbito europeu, serem tomadas através da unanimidade de votos. Assim, a Conferência Intergovernamental do Ato Único Europeu tinha como uma das suas principais metas a alteração do Tratado de Roma que previa a unanimidade de votos nos processos de tomada de decisão. Através dessa Conferência houve uma ampliação das situações em que o Conselho poderia deliberar por maioria qualificada e não por unanimidade de votos.[12]


O Presidente da Comissão Européia, Jacques Delors, defendia a União Econômica e Monetária como um passo importante no processo de integração. Para equilibrar os avanços da união comercial de que beneficiariam diretamente os empresários, propôs a aprovação de uma Carta Social[13] que garantisse benefícios sociais mínimos aos trabalhadores europeus.


Em Luxemburgo no ano 1986 foi assinado o Ato Único Europeu que passou a vigorar em julho de 1987.


As mudanças estruturais necessárias para a renovação e prosseguimento do processo de integração europeu ocorreram através do Ato Único Europeu devido a capacidade de Comissão Européia em liderar o processo político juntamente com o apoio transnacional das elites industriais que exerciam substancial influência sobre os governos nacionais. Apesar, de os governos nacionais configurarem também como atores importantes neste processo de negociação do Ato Único Europeu, eles não desempenharam um papel decisivo para o sucesso dessas negociações. A Comissão, com o apoio destes grupos transnacionais, foi capaz de mobilizar grupos governamentais para formar o mercado único europeu. (Sandholtz; Zysman, 1994, p.98).


Assim, a Comissão Européia juntamente com as lideranças de grandes empresas transnacionais européias foram os precursores para as mudanças e para o desenvolvimento das relações regionais na integração européia em 1992. Nos processos de negociação intergovernamentais, durante o Ato Único Europeu, a Comissão não apenas promoveu mecanismos para tais negociações como também tomou iniciativas que possibilitaram vários progressos positivos para a integração européia como, por exemplo, a publicação do Livro Branco de 1985 que previa prazos para a formação do mercado único interno.


O Ato Único Europeu foi um marco na transformação da década de 80 para a de 90. Aprovado pelos europeus, este documento inicia uma integração ligada à liberalização do mercado europeu e a reforma dos procedimentos decisionais europeus, objetivando um mercado interno unificado.


Os Estados membros delegam poderes a organizações supranacionais como a Comissão Européia para diminuir os custos transnacionais de se fazer política através do monitoramento das instituições. Apesar disso, percebe-se, através da analise do Ato Único Europeu, receio dos Estados membros em delegar poderes a instituições supranacionais nas áreas particularmente ligadas a soberania ou a segurança nacional, ou seja, aquelas áreas ligadas ao segundo e terceiro pilar do Tratado de Maastricht.


Quanto menos atrativo é o status quo e quanto maior são as expectativas de ganhos com o aumento da cooperação, maior será o incentivo aos governos de agregar-se ou delegar poder a determinadas instituições.


O nível de risco político para governos individuais ou grupos de interesses com preferências determinadas são minimizados pelos bons resultados da cooperação. Os governos possuem incentivos para delegar poder de decisão apenas quando existe pequena probabilidade de que os efeitos cumulativos distribuídos de decisões delegadas ou conjuntas não serão contrários aos interesses primordiais do governo nacional.


No jogo de interesses, como no caso do Ato Único Europeu, percebe-se que a imparcialidade da Comissão Européia em relação aos interesses de determinados Estados membros e grupos de interesses se torna questionável na prática. A habilidade de selecionar determinadas propostas dentre várias propostas viáveis conferiu à Comissão Européia considerável poder no processo político decisório europeu. Este poder é particularmente decisivo quando o status quo não é atrativo. Apesar de a Comissão Européia operar sobre circunstâncias limitadoras e de pressão política, ela é, geralmente, capaz de avançar nas negociações.


O Tratado da União Européia, conhecido também como Tratado de Maastricht, assinado em 1992, institucionalizou o plano da Comissão Européia para a União Econômica e Monetária. Com tal medida, novos fundos foram prometidos para as políticas de coerção, a política social da União Européia foi fortalecida, novas proteções para a área social, de saúde, educação e transporte foram introduzidas e a cidadania da União Européia foi estabelecida. Mais uma vez foi delegado à Comissão o poder de iniciativa legislativa a administração de tais políticas. Contudo, o Conselho recusou-se em delegar força executiva à Comissão nos dois novos pilares que eram separados do pilar principal da Comunidade Européia.


Com relação ao Tratado de Amsterdã, assinado em 1997, a maior inovação trazida foi a transferência de provisões para o estabelecimento da livre circulação de pessoas na Comunidade Européia como cumprimento de parte do Tratado da União Européia. Os governos notaram que as provisões oferecidas através do pilar da justiça e assuntos de política doméstica no Tratado de Maastricht falharam. Para resolver tal situação, os governos acordaram novamente em delegar direitos em relação à política de iniciativa à Comissão Européia, mas também autorizou que tais políticas de iniciativa  poderiam ser realizadas pelos Estados membros.


Assim, a delegação seletiva de poderes políticos e administrativos à Comissão pelos governos dos Estados membros foi um dos principais motivos facilitadores para a formulação e assinatura dos Tratados europeus foi.  A barganha interestatal e cooperação européia permitiu o fortalecimento do processo integratório europeu.


 


Referências:

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Notas:

[1] Esta data é celebrada anualmente como o Dia da Europa de acordo do dados oficiais do site da UE.

[2] No Tratado de Maastricht, foi a primeira vez que o termo União Européia foi utilizado oficialmente.

[3] Disponível em: http://europa.eu.int/index_pt.htm . Acesso 20.04.07.

[4] Os 27 os Estados membros da EU, quais sejam, Bulgária (Balgarija), Bélgica (Belgique), República Checa (Ceská Republika), Dinamarca (Danmark), Alemanha (Deutschland), Estónia (Eesti), Grécia (Ellas), Espanha (España) França (France), Irlanda (Ireland), Itália (Italia), Chipre (Kypros-Kibris), Letónia (Latvija), Lituânia (Lietuva), Luxemburgo(Luxembourg), Hungria (Magyarország), Malta (Malta), Países Baixos (Nederland), Áustria (Österreich), Polónia (Polska), Portugal (Portugal), Roménia (România), Eslovénia (Slovenija), Eslováquia (Slovensko), Finlândia (Suomi), Suécia (Sverige), Reino Unido (United Kingdom). Disponível em: http://www.eurocid.pt. Acesso 08.03.08.

[5] Disponível em: http://europa.eu.int/index_pt.htm . Acesso 20.02.08.

[6] HIX, Simon (1990). The Political System of the European Union. St. Martin’s Press. New York.p.2.

[7] HIX, Simon (1990). The Political System of the European Union. St. Martin’s Press. New York.p.2.

[8]HIX, Simon (1990). The Political System of the European Union. St. Martin’s Press. New York.p.3.

[9] HIX, Simon (1990). The Political System of the European Union. St. Martin’s Press. New York.p.3.

[10] HIX, Simon (1990). The Political System of the European Union. St. Martin’s Press. New York. p.4.

[11] As externalidades negativas ocorrem quando políticas de uma nação impõem custos domésticos a uma outra como, por exemplo, protecionismo e desvalorização competitiva. Já as externalidades positivas ocorrem quando políticas de uma nação geram benefícios a uma outra.

[12] Disponível em http://www.historiasiglo20.org/europortug/actounico.htm. Acesso em 24/09/2005.

[13] A Carta comunitária dos direitos sociais, conhecida como Carta Social, foi aprovada em 1989, na forma de uma declaração, por parte de todos os Estados membros com exceção da Inglaterra. É um instrumento político que dispõe sobre o respeito de determinados direitos sociais nos Estados que fazem parte da União Européia.

Disponível em http://www.historiasiglo20.org/europortug/actounico.htm. Acesso em 24/09/2005.

Informações Sobre o Autor

Verônica Vaz de Melo

Mestre em Direito Internacional pela PUC Minas. Analista internacional graduada em Relações Internacionais pela PUC Minas. Especialista lato sensu em Direito Público pela PUC Minas. Advogada.


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Equipe Âmbito Jurídico

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