A importância do advogado público na efetivação de acordos como aplicador do direito administrativo contemporâneo.

Resumo: O artigo aborda os principais características do neoconstitucionalismo no Direito Administrativo, apontado uma (re)leitura aos princípios constitucionais tradicionais, principalmente os princípios da legalidade, da indisponibilidade do interesse público e da supremacia do interesse público sobre o privado. Em consequência, investiga a importância do Advogado Público na formulação de acordos judiciais e extrajudiciais à luz desse novo paradigma. A análise se mostra pertinente vez que o Poder Público é quem mais litiga no Judiciário atualmente. Diante desse panorama e dos diversos princípios constitucionais aplicáveis, os advogados públicos estão autorizados a realizarem acordos em benefício ao Erário, ao próprio cidadão e em prol de teses jurídicas já sedimentadas.

Palavras-chave: Juridicidade. Interesse Público. Precedente. Advogado Público. Neoconstitucionalismo.

Abstract: This meta-paper address the main characteristics of neoconstitutionalism in Administrative Law, appointing a (re)reading of the traditional constitutional principles, especially the principles of legality, availability of public interest and supremacy of the public interest over private. Therefore, investigates the importance of the Public Lawyer in the formulation of judicial and extrajudicial agreements under this new paradigm. The analysis appears relevant considering the Government, which is currently the entity that is most  litigating in the courts. In this scenario and the various Constitutional principles, public lawyers are allowed to perform agreements that benefits the Treasury, the citizen himself and supporting legal arguments already sedimented.

Keywords: Juridicity. Public Interest Agreement. Precedent. Public Lawyer. Neoconstitutionalism.

Sumário: Introdução. 1. Breves considerações sobre o regime jurídico administrativo contemporâneo. 2. A utilização de acordos como fator de redução de litígios previstos na Constituição Federal. 3. Importância da realização de acordos para o Direito Público. 4. A realização de acordos à luz da jurisprudência e dos precedentes judiciais. 5. Função e atuação do advogado público. 6. O advogado público como auxiliador na motivação dos atos administrativos e na ponderação de interesses. Considerações Finais. Referências.

Introdução

Ao adentrar ao século XXI o Direito Administrativo está sendo obrigado a experimentar as contradições ideológicas presentes no Estado contemporâneo, deparando-se com o enfrentamento de novos temas, dentre os quais ganha relevância a adoção do consensualismo na esfera pública.

Nesse sentido, a busca de novas formas de solução de conflitos, em contraposição aos tradicionais antagonismo e autoritarismo do Direito Administrativo, faz-se necessária, inaugurando uma nova era de relacionamento entre a Administração Pública e os cidadãos.

Nessa transição de um modelo de gestão pública autoritário para um modelo de gestão pública aberta e democrático, a atividade administrativa necessita utilizar-se da técnica da ponderação dos interesses em conflito, de tal forma a buscar o equilíbrio das relações jurídicas.

O presente trabalho objetiva examinar a importância do advogado público na solução de conflitos entre particulares e o Poder Público. O tema ganha relevância diante da informação estatística de que o Poder Público é o maior litigante no Judiciário atualmente.

Essa nova visão do Direito permite a reflexão quanto à veracidade da afirmação de que o princípio da legalidade aplicado à Administração Pública explicita a subordinação da atividade administrativa à lei e, portanto, não havendo lei a autorizar a transação, tal não poderia ser celebrada, ainda mais que o Poder Público seria mero executor do interesse público, que é fixado em lei, e não poderia dele dispor.

A discussão proposta é relevante, e certamente merece reflexão da comunidade acadêmica, principalmente dos advogados públicos.

Ora, não é incomum a Administração Pública participar de diversas demandas semelhantes, repetitivas no dia-a-dia e, mesmo já sabendo da solução que será dada pelo mesmo Estado, mas agora pelo Poder Judiciário, continuar litigando indefinidamente, até a última instância recursal, mesmo já sendo possível antever o resultado.

Daí a importância da valorização do advogado público, legítimo operador do Direito, cuja função é aplicar a Constituição Federal e as novas maneiras de solução rápida e eficaz de litígios em que o interesse público está envolvido, ultimando aos fins estatais. Uma das maneiras de se atingir a essa finalidade é a análise das orientações definidas em precedentes judiciais definitivamente constituídos, orientando a Administração Pública em um novo agir, em respeito ao cidadão, à sociedade e ao próprio interesse público.

A nova ordem constitucional democrática reclama e possibilita a conformação de uma Administração Pública consensual e mais dialógica. Nas situações já judicializadas, o advogado público ganha ainda mais importância em seu papel de defender o interesse público com ferramentas jurídicas disponíveis à solução rápida do litígio, de menor custo ao Erário e de maior satisfação aos litigantes envolvidos.

De outro plano, para que a presente pesquisa científica se desenvolva e alcance os fins a que se propõe utilizar-se-á o método dedutivo, eis que ao estabelecer uma formulação geral, busca-se, em seguida, as partes do fenômeno, de modo a se chegar a uma percepção ou conclusão geral. Da mesma forma também será utilizada a técnica consistente na forma de pesquisa bibliográfica constante de livros, artigos, jurisprudência e sites da internet, enfim, produções jurídicas e literárias cujo conteúdo verse sobre a matéria a ser investigada nesta pesquisa.

1.Breves considerações sobre o regime jurídico administrativo contemporâneo.

O ordenamento jurídico confere à Administração Pública uma série de poderes e deveres destinados a regular, precipuamente, o exercício da autoridade[1] pública e a permitir a organização e funcionamento da máquina estatal, que consubstanciaram a formação do Direito Administrativo (SUNDFELD, 2001, p.104). Nascido e desenvolvido em duas ideias opostas (liberdade do indivíduo e autoridade da Administração), o Direito Administrativo busca, simultaneamente, a proteção dos direitos individuais em face do Estado e a satisfação dos interesses coletivos (DI PIETRO, 2001, p. 65).

Como corte metodológico adota-se como pressuposto que o Direito Administrativo se conformou e recebeu autonomicidade concomitantemente com a formação do Estado de Direito[2] com a função precípua de limitação do poder estatal soberano, sendo notadamente, fruto da sujeição da burocracia à lei e do advento do princípio da separação dos poderes[3]. No período absolutista a vontade do soberano representava a lei suprema, para a qual não existia conteúdo limitativo. Somente após com a queda desse regime que floresceram condições para a implementação de um ramo de direito destinado a solucionar questões públicas, inaugurando o período positivista. Somente após a Revolução Francesa, com o surgimento do Estado de Direito, em que a legalidade surge como essência da atividade estatal, que é possível identificar traços do ramo de direito publicista.

O Estado era abstencionista, mas com o tempo surgiram problemas sociais com a saúde, educação, cultura, previdência social e outros, que ensejou gradativamente em uma intervenção pontual do Estado na sociedade. Essa mudança da postura abstencionista do Estado deveu-se ao fato de que o Estado, atuando em conformidade com a lei, no sentido de não interferir nas relações individuais, não mais se mostrava apto a atender as necessidades de uma sociedade que clamava a atuação positiva do Estado. Naquele contexto histórico e com o surgimento do Estado Social de Direito – ou Estado do Bem-Estar Social –, para cumprir seu mister o Estado passou a ser também um prestador de serviços, por meio da criação de órgãos públicos e da descentralização administrativa, o que determinou o início de uma série de novas responsabilidades pertinentes ao Direito Administrativo. “Nesta nova fase de atuação do Estado como prestador de serviços, o principio dominante passou a ser o da finalidade, por meio da qual procurava aplicar, da melhor forma, os recursos públicos na prestação de serviços à coletividade” (ESPÍRITO SANTO, 2004, p. 1-46).

Não se pode perder de vista que a finalidade precípua do Direito Administrativo é a proteção das liberdades e dos direitos dos cidadãos (MOREIRA NETO, 2007, p.221). Logo, o Direito Administrativo não é um poder; mas um instrumento de realização dos direitos fundamentais.

Todavia, no atual contexto juspolítico a clássica dogmática administrativa necessita ser revistada. A promulgação da Constituição Federal de 1988, ao organizar constitucionalmente o país como um Estado Democrático de Direito (art. 1º, da Constituição Federal[4]) ordena a dupla submissão do Estado: à vontade do povo e à vontade da lei. Nesse contexto, o Estado Democrático é aquele em que a Administração Pública está adstrita à finalidade de realizar o interesse público (MOREIRA NETO, 2004, p. 46).

Acresce-se ao contexto o fato de que a Constituição Federal, ao erigir o administrado à condição de cidadão, expande a visão clássica e unilateral do Direito

Administrativo e põe em xeque a dogmática administrativa clássica. O Direito Administrativo deixa de ser, como o foi em sua origem, somente um meio de garantia do administrado, tornando-se um instrumento de melhor atendimento efetivo dos interesses coletivos, com reflexos significativos, inclusive, na dogmática do regime jurídico administrativo.

O regime jurídico administrativo que tipifica o Direito Administrativo e que foi desenvolvido com a finalidade de posicionar verticalmente a Administração nas suas relações jurídicas com vistas à “persecução monopolista do interesse público”[5], igualmente recebeu a confluência das sucessivas etapas históricas pelas quais passou o direito administrativo, para incorporar o direito do cidadão em face do Estado, esse agora enquanto colaborador e parceiro na realização do interesse público, em uma posição horizontalizada.

Um ordenamento jurídico constitucionalizado, conforme aduz Ricardo GUASTINI (2005, p. 49), caracteriza-se por uma Constituição extremamente invasora, intrometida, capaz de condicionar tanto a legislação, a doutrina, como a jurisprudência, a ação dos atores políticos, assim como as relações sociais.

Nesse cenário, a nova dogmática da interpretação constitucional envolvendo novas categorias, como os princípios, as colisões de direitos fundamentais, a ponderação e a argumentação, associada por sua vez a um efeito expansivo das normas constitucionais permeadas de conteúdo material e axiológico, irradia-se com força normativa para a constitucionalização do direito administrativo (BARROSO, 2006a).

Nesse sentido, o autor (BARROSO, 2006b, p. 69-70) relaciona três circunstâncias que devem ser consideradas no âmbito da constitucionalização do Direito Administrativo que denotam a incidência do “neoconstitucionalismo”[6] – movimento que surgiu no final do século XX, na Europa – sobre a sua estrutura e a superação de diversos paradigmas tradicionais do Direito Administrativo: a) a existência de uma vasta quantidade de normas constitucionais voltadas para a disciplina da Administração Pública; b) a sequência de transformações sofridas pelo Estado brasileiro nos últimos anos; c) a influência dos princípios constitucionais sobre as categorias do Direito Administrativo.

Com efeito, a partir do momento em que valores e opções políticas transformaram-se em normas jurídicas, tornou-se indispensável desenvolver uma dogmática específica capaz de conferir eficácia jurídica a tais elementos normativos.

Ao considerar a nova dogmática administrativa, agora constitucionalizada, é inevitável o enfrentamento dos paradigmas da clássica dogmática administrativa. Com efeito, é indubitável que o ponto de partida da discussão se dê a partir da noção de interesse público.

Como flexibilização de categorias do Direito Administrativo, Juarez FREITAS (2004, p. 28), seguindo o mesmo raciocínio, aponta “a mitigação do princípio da legalidade, havendo atividades administrativas exigíveis independentemente de previsão legal”. E arremata: “os princípios fundamentais são diretrizes superiores às regras, por definição, não devendo os agentes públicos – de modo passivo e acrítico – prestar mero acatamento às normas contidas em regras, tendo que não cumpri-las quando manifestamente violadoras dos princípios” (FREITAS, 2004, p. 29).

Na mesma linha escreveu Sara Morgana Silva Carvalho LOPES (2013): “Dessa forma, houve uma clara mitigação do princípio da legalidade ocasionada pelo advento do neoconstituicionalismo, pois a lei passou a ser submetida ao crivo axiológico das normas constitucionais, de maneira que a validade de uma lei evidencia-se não somente pelo modo pela qual foi constituída, mas também pela existência de compatibilidade desta com a Lei Maior”.

Conciliando as lições de Juarez FREITAS (2004, p. 44) e de Fábio Henrique Rodrigues de Moraes FIORENZA (2010), conclui-se que a subordinação da Administração Pública não é apenas à lei formal e de forma literal. Deve haver o respeito à legalidade, sim, todavia encartada no plexo de características e ponderações que a qualificam como sistematicamente justificável, com contornos mais abrangentes, atribuindo como parâmetro de atuação da Administração também os princípios constitucionais e as exegeses ampliativas dos direitos fundamentais consagradas pela doutrina e jurisprudência.

Em outros termos, com base no fenômeno da constitucionalização do direito administrativo o agir administrativo passa a vincular-se não somente à lei, mas a um “bloco de constitucionalidade” (ordenamento jurídico), doutrinariamente chamado de princípio da juridicidade administrativa.

A jurisprudência vem seguindo esta linha, a exemplo do AMS 2000.01.00.082743-7/AP, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região: “O princípio da legalidade adquire, atualmente, compreensão mais ampla, para significar princípio da constitucionalidade (Juarez Freitas), princípio da legitimidade (Diogo de Figueiredo Moreira Neto) ou princípio da juridicidade (Eduardo Soto Kloss), de modo a fazer prevalecer o fim do Direito (a justiça) sobre a literalidade da lei”.

Enfim, percorreu-se um longo caminho para a sedimentação da compreensão finalística da Administração Pública, como instrumento constituído pelo Estado para satisfazer o bem comum (BACELLAR FILHO, 2008, p. 37).

A Administração Pública no século XXI é instrumento de realização dos direitos fundamentais dos administrados, agora erigidos ao status de cidadão. Nesse novo contexto, a ordem jurídica constitucionalizada impõe uma abertura da argumentação racional, transparente, que gere estabilidade e previsibilidade, que não quebre a ideia do direito como pacto social de uma determinada comunidade e seja voltada para a promoção dos valores constitucionais democraticamente escolhidos (SCHWANKA, 2009, p. 70).

A necessidade de modificação da forma de relacionamento do Estado com o cidadão, com vistas a retirar a arrogância e onipotência predominante da figura estatal é pressuposto para permitir uma evolução necessária e justa, temperada pelo atendimento dos direitos e garantias individuais consolidados no texto constitucional.

Com efeito, deseja-se uma nova interação entre o cidadão e Administração, pelo aperfeiçoamento do canal de diálogo, notadamente daquele voltado à tomada de decisão, de tal forma a tornar informações mais acessíveis e transparentes. Não há dúvidas de que ao propiciar maior estabilidade nas relações entre Estado e Sociedade conferir-se-á maior legitimidade à ação estatal.

Para tanto, se faz imprescindível revisar categorias à luz das transformações paradigmáticas que conduzem ao controle mais dialógico, democrático e conciliatório, menos unilateral e preso à legalidade estrita, visto que o efeito da moderna concepção do Estado-Sociedade se traduz não mais na rigorosa separação do Estado e do Cidadão, mas em recíproca coordenação, como incentivo ao espírito de colaboração e de pacífica coexistência e participação (FREITAS, 2004, p. 17).

2. A utilização de acordos como fator de redução de litígios previstos na Constituição Federal.

Em breve apanhado, interessante ressaltar do clássico debate entre Ferdinand LASSALE e Konrad HESSE, citados por Emmerson GAZDA (2006) a contribuição do primeiro ao dar primazia aos “fatores reais de poder”, à primazia da realidade sobre a Constituição enquanto “folha de papel”, e a contribuição de HESSE em definir que tais fatores de poder uma vez jurisdicizados pelo constituinte assumem uma força normativa própria decorrente de uma “vontade de Constituição”.

Desse clássico debate pode-se extrair que a Constituição está assentada em valores próprios da sociedade, mas com força normativa que lhe é peculiar, decorrente de uma “decisão política fundamental”, observada com propriedade por Carl SCHMITT, citado por Emmerson GAZDA (2006).

A partir disso pode-se sair do plano do “dever ser” e passar para a compreensão do plano do “ser”, dentro da Teoria Pura do Direito, de Hans KELSEN, citado por Emmerson GAZDA (2006), com sua clássica pirâmide em que a Constituição encontra-se como “norma jurídica fundamental”.

O que se extrai dessas rápidas pinceladas sobre a Teoria da Constituição é que se está diante de um diploma legislativo diferenciado, com importantes substratos de cunho sociológico e político e com uma força normativa diferenciada em relação às demais normas jurídicas.

Dessa forma, qualquer análise do sistema jurídico de uma sociedade estabelecida com base em uma Constituição deve ser feita a partir de suas diretrizes, mesmo que o sistema jurídico não tenha Constituição escrita e rígida, que lhe garante maior eficácia. Essa conclusão parece óbvia, mas a verdade é que na prática é muito comum que a interpretação da Constituição seja feita com base nas normas jurídicas que lhe são subjacentes (GAZDA, 2006).

A Constituição Federal, pois, (i) traça o arcabouço da organização estatal e, após a Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, (ii) agregou a função de garantir direitos, estabelecendo um catálogo de direitos fundamentais que da Revolução Francesa até os dias atuais foi sendo cada vez mais aprimorado, com o surgimento de novas esferas de proteção ao ser humano.

O presente capítulo trata da estruturação do Estado-Administração brasileiro estabelecida na Constituição Federal e suas implicações no que se refere à atividade de conciliação em Juízo.

Em se tratando de conciliação, verifica-se que a Constituição Federal de 1988 é daquelas classificadas como analíticas, dispondo sobre a organização do Estado de forma mais específica nos Títulos III e IV, sendo os Capítulos VII (Da administração pública), do Título III (Do Poder Judiciário) e IV (Das funções essenciais à Justiça) do Título IV que interessam mais de perto.

A Constituição Federal é um sistema que, como bem delimitou J. J. Gomes CANOTILHO (2003, p. 1159) é “um sistema normativo aberto de regras e princípios” e não há hierarquia de normas dentro da Constituição.

Entre os fundamentos da República Federativa do Brasil estabelecidos no art. 1º, da Constituição Federal estão a cidadania (inciso II) e a dignidade da pessoa humana (inciso III), como forma de indicar logo de início os alicerces de atuação e de interpretação do Estado Constitucional brasileiro. No mesmo sentido, o art. 2º estabelece que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Por fim, do art. 3º, extrai-se uma diretriz importante no sentido de que entre os objetivos fundamentais do Brasil está o da construção de uma sociedade justa, impondo desde logo ao Estado que sua atuação seja voltada a tanto.

Além disso, é interessante quanto à questão uma leitura do preâmbulo da Constituição Federal de 1988, que, após explicitar a vontade de instituir um Estado Democrático e destinado a assegurar uma série de direitos fundamentais e da realização da justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, expressa o compromisso, “na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.

Ora, é certo que o preâmbulo não é considerado como parte da Constituição em termos de vinculação normativa, expressando apenas fórmula de promulgação da Carta Constitucional. Contudo, em termos de elemento indicativo de interpretação, reflete o momento histórico e a visão do constituinte originário sobre a Constituição. E nesse ponto verifica-se que a solução pacífica das controvérsias foi um dos objetivos do constituinte de 1988, o que deve ser considerado também no que se refere aos litígios internos entre particulares e/ou particulares e o Estado.

A orientação constitucional que se extrai, portanto, da análise dos princípios fundamentais contidos no Título I e da leitura do preâmbulo, é no sentido de que a sociedade brasileira pretende reduzir os litígios, alcançando uma situação de pacificação social que permita a construção de uma sociedade plural, harmônica, livre, justa, solidária, em que seja possível o desenvolvimento nacional e a realização do bem de todos. E a redução de litígios por certo envolve os litígios entre os integrantes do Estado e destes contra o Estado, na medida em que dizem respeito diretamente à vida das pessoas.

Assim, pode-se concluir que a litigiosidade é antagônica à finalidade e aos princípios da República do Brasil, na medida em que não contribui para uma sociedade fraterna e fundada na harmonia social.

3. Importância da realização de acordos para o direito público.

Um dos pilares do Estado de Direito é a fixação de um regime jurídico administrativo. Assim, é possível afirmar que com a Constituição de 1988 restou identificada a presença de um regime jurídico constitucional-administrativo fundado em princípios constitucionais expressos, outros de modo explícito e muitos outros que se extraem implicitamente, tais como da prescritibilidade, da lealdade e da boa-fé, da segurança das relações jurídicas, da razoabilidade e da proporcionalidade, entre outros.

Para a resolução de controvérsias, a Administração Pública democrática é conduzida a adotar formas mais dinâmicas em sua relação com o cidadão, com vistas a conciliar e equilibrar os interesses do particular e da Administração, relativos à boa, correta e justa governança dos contratos submetidos à égide do Direito Administrativo, para a consecução das atividades fins do Estado.

Almeja-se uma nova interação entre o cidadão e a Administração, por meio do aperfeiçoamento do canal de diálogo e transações múltiplas das partes, de tal forma a propiciar maior estabilidade nas relações entre Estado e Sociedade e pôr fim a litígios que, em regra, arrastam-se por anos até o pronunciamento do Poder Judiciário ou até mesmo nessa seara. Daí a importância da conciliação à luz desse novo paradigma.

Baptista MACHADO (1982, p. 46-108) elucida que o consenso entre os representantes do Estado – Administração – e seus parceiros sociais – cidadãos –, vem a representar uma segunda via de legitimação para a atuação estatal, traduzindo-se numa espécie de interpenetração do Estado com a sociedade.

Odete MEDAUAR (2003, p. 211) destaca a importância do consensualismo no âmbito da Administração contemporânea: “A atividade de consenso-negociação entre Poder Público e particulares, mesmo informal, passa a assumir papel importante no processo de identificação de interesses públicos e privados, tutelados pela Administração. Esta não mais detém exclusividade no estabelecimento do interesse público; a discricionariedade se reduz, atenua-se a prática de imposição unilateral e autoritária de decisões. A Administração volta-se para a coletividade, passando a conhecer melhor os problemas e aspirações da sociedade. A Administração passa a ter atividade de mediação para dirimir e compor conflitos de interesses entre várias partes ou entre estas e a Administração. Daí decorre um novo modo de agir, não mais centrado sobre o ato como instrumento exclusivo de definição e atendimento do interesse público, mas como atividade aberta à colaboração dos indivíduos. Passa a ter relevo o momento do consenso e da participação”.

No mesmo sentido, Almiro do COUTO E SILVA (1997, p. 64-65): “Fenômeno relativamente recente nas relações entre o Estado e os indivíduos na realização de fins de interesse público tem sido a busca de decisões administrativas por meios consensuais. Administração concertada, administração consensual, soft administration são expressões que refletem formas de democracia participativa, em que o Poder Público, ao invés de decidir unilateralmente, utilizando-se desde logo do ato administrativo, procura ou atrai os indivíduos para o debate de questões de interesse comum, as quais deverão ser solvidas mediante acordo. Por vezes esse acordo é estabelecido informalmente, antes de o Poder Público exarar ato administrativo. Então, o que aparece, juridicamente, é apenas o ato administrativo e não a solução consensual que ficou atrás dele e escondida por ele”.

Em monografia dedicada ao tema, Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO (2007b, p. 37-48) assevera: “Pela consensualidade, o Poder Público vai além de estimular a prática de condutas privadas de interesse público, passando a estimular a criação de soluções privadas de interesse público, concorrendo para enriquecer seus modos e formas de atendimento. […] a consensualidade é um enriquecimento do Direito Administrativo que a ele incorpora-se permanentemente”.

A busca pelo consenso representa um novo método de governar ou administrar que fomenta uma maior integração das forças sociais com vistas à estabilidade social e política, eliminando a má vontade e resistência que costumam acompanhar as intervenções agressivas da Administração.

Além disso, a escolha da via judicial para pleitear direitos em face da Administração Pública não inviabiliza, por si, a solução amigável do conflito. A Administração não é obrigada, pela simples existência do litígio, a deixar de reconhecer direitos que sejam, em sua análise mais atual, realmente devidos (SUNDFELD; CÂMARA, 2010, p. 2).

Não existe regra jurídica expressa que proíba a adoção do acordo (judicial ou extrajudicial) por parte da Administração Pública. Ao contrário, é possível identificar exemplos marcantes de previsão legislativa aceitando a solução consensual nos processos envolvendo o Poder Público (SUNDFELD; CÂMARA, 2010, p. 2-3), conforme se verificará na sequência, além da Constitucional já vista no capítulo anterior.

Fundados em um antigo preconceito, no sentido da necessária oposição entre o interesse público e o particular, entendem alguns que a Administração Pública em juízo não pode transigir, não pode desistir e está obrigada a prosseguir em qualquer feito, indefinidamente, enquanto houver algum recurso abstratamente possível (SUNDFELD; CÂMARA, 2010, p. 4).

Também instila esse quadro a compreensão, tantas vezes externada, segundo a qual se imagina competir aos advogados públicos, enquanto profissionais de atividade jurídica vinculada, sustentar o insustentável, ou contestar o incontestável, pois não lhes caberia dispor sobre os interesses deduzidos em juízo peto Poder Público (MADUREIRA, 2011, p. 3).

O Superior Tribunal de Justiça já entendeu não ser possível o Poder Público firmar acordo, conforme se extrai do RESP 1.198.424/PR: “TRANSAÇÃO. DIREITO INDISPONÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Discute-se nos autos a legalidade de acordo firmado entre o recorrente e o Município de Goioerê/PR, no qual se transacionou a compensação dos débitos existentes na Ação Civil Pública de n. 97/2001 com os créditos que seriam apurados na Ação Ordinária de Cobrança n. 300/2004, decorrentes de subsídios a que o autor teria direito pelo exercício do cargo de Vereador e Presidente da Câmara Municipal na gestão 1993/1996, além do pagamento de crédito remanescente a ser pago pelo Município no valor de R$ 15.000,00. […]. 2.  Outro aspecto relevante a ser apreciado diz respeito à impossibilidade de  Municipalidade firmar acordo semelhante ao que fora celebrado nos autos, em que reconheceu a existência de uma dívida e compensou-a com créditos discutidos em ação civil pública, vez que se tratam de direitos patrimoniais de caráter indisponível. 3. Segundo o disposto nos arts. 840 e 841 do novo Código Civil, a transação que previne ou põe fim ao litígio tem como características (i) a existência de concessões recíprocas entre as partes, o que pressupõe se tratar de direito disponível e alienável; (ii) ter por objeto direitos patrimoniais de caráter privado, e não público. Assim, in casu, por se tratar de direito indisponível, referente a dinheiro público, é manifestamente ilegítima a transação pecuniária homologada em primeiro grau. 4. Há, ainda, aspecto de suma importância atinente ao fato de que o acordo teve como finalidade compensar créditos provenientes de condenação sofrida pelo ex-edil em ação de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público, que tem como objeto a aplicação das demais penalidades previstas no art. 12, II, da Lei 8.429/92, inclusive o pagamento de multa civil de até duas vezes o valor desviado. Considerando esse dado, o acordo firmado entre as partes é expressamente vedado pelo art. 17, § 1º, da Lei 8.429/92. Portanto, a sentença que homologou transação realizada entre a Fazenda Pública Municipal e o recorrente, reconhecendo débito para com este último, mostra-se totalmente eivada de nulidade insanável. 5. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta parte, não provido”. (REsp 1198424/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/04/2012, DJe 18/04/2012).

Mas os tempos são outros. Atualmente, com base no princípio participativo, afirmado pela Constituição Federal, já se desenvolvem várias ações calcadas na colaboração, no entendimento e na soma de esforços de agentes privados e governamentais (SUNDFELD; CÂMARA, 2010, p. 4).

A decisão administrativa que possua o respaldo da participação popular terá maior eficácia e efetividade, obtendo-se, por consequência, maior eficiência na gestão administrativa e maior justiça na decisão. O fenômeno da administração participativa ou concertada é uma técnica essência de eficiência que visa substituir a tradicional Administração autoritária (OLIVEIRA, 2006, p. 401-427).

Gustavo Justino de OLIVEIRA (2005a, p. 569) afirma que a conformação da Administração Pública consensual não resulta na superação da administração imperativa, mas seguramente diminui seu campo de incidência. Segundo o autor, a expansão do consensualismo para considerável parcela das atividades perpetradas pela Administração provoca uma mudança de eixo do Direito Administrativo, que passa a ser orientado pela lógica da autoridade continuamente permeada e temperada pela lógica do consenso.

Almiro do COUTO E SILVA (2014) enfatiza a necessidade de compreender o princípio da confiança legítima como sendo um princípio de conteúdo autônomo. As ponderações do autor evidenciam o reconhecimento da existência do interesse público em se proteger a boa-fé e a confiança dos administrados, tema amplamente já debatido e reconhecido pelo direito alemão (COUTO E SILVA, 1987, p. 55).

A prevalência do princípio da confiança, em casos pontuais, mesmo quando ponderado em relação ao princípio da legalidade, não significa o fim do Estado vinculado à lei.

Nesse cenário de transição, conforme demonstra Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO (2002b), há sinais inequívocos, de que: “[…] esse novo Direito Administrativo, que surge enriquecido e expandido, não é mais o do Estado de Direito, em que lhe bastava a legalidade e a eficácia, e reinava soberano o princípio da supremacia do interesse público. Esse, é o Direito Administrativo do Estado Democrático de Direito, em que, além da legalidade, se demanda legitimidade, além da eficácia se exige eficiência e nele se afirma indisputável, sobre qualquer outras prelazias, o princípio da supremacia da ordem jurídica”.

Assim, a teoria clássica do Direito Administrativo no Estado Democrático de Direito contemporâneo, na busca de soluções consensuais, de acordos, de cooperação, de parcerias entre a Administração e os particulares, ou entre órgãos e entidades públicas, sofre o influxo de nova dogmática, acendendo a discussão desses novos modos de atuação administrativa. A evolução talvez não seja linear, nem unânime, porém se constitui uma tendência contínua, que só verá o seu termo, com um novo cuidado com o direito dos administrados (SCHWANKA, 2009, p. 94).

4. A realização de acordos à luz da jurisprudência e dos precedentes judiciais.

Uma das características do Estado Moderno é a separação dos poderes, de forma independente e harmônica entre si, evitando-se a situação do regime absolutista anterior. Nesse quadro, cada um dos poderes do Estado assume uma função primordial, não com exclusividade, mas com certa primazia de ação, distinguindo-se claramente o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Assim, pode-se dizer que o Estado é uno; as suas funções é que são partilhadas.

Na parte que interessa ao presente estudo, uma vez definida pelo Poder Judiciário a forma de tratamento de uma determinada matéria em que é litigante o próprio Estado, com o esgotamento por parte do Poder Executivo de todos os meios disponíveis até as instâncias superiores, a observância do princípio da separação dos poderes impõe que o próprio Estado, em nível de governo e administração (Poder Executivo), observe a decisão tomada (Poder Judiciário), sob pena de se contrariar toda a lógica da estrutura estatal, seus fins e razão de existência.

Uma das formas de realização do próprio Estado nessa seara é a definição pelo Poder Executivo de medidas a serem aplicadas pelos entes meramente administrativos em observância às decisões judiciais reiteradas (jurisprudência), independentemente de expressa previsão Constitucional de efeito vinculante, uma vez que a vinculação decorre da própria existência do Estado na formulação atual, o que já está fixado constitucionalmente.

Outra forma de realização do Estado é a existência de uma diretiva implícita no sentido de realização de acordos em processos judiciais em que se afigurem situações idênticas ou semelhantes às já sedimentadas jurisprudencialmente. A partir da teoria política, verifica-se que a regra em casos consolidados pelo Judiciário deve ser a observância dos precedentes, com atuação voltada para a concretização das decisões proferidas.

Precedente, na lição de Luiz Guilherme MARINONI (2013, p. 213-214): “constitui decisão acerca de matéria de direito […] e não matéria de fato. […]. Contudo, para constituir precedente, não basta que a decisão seja a primeira a interpretar a norma. É preciso que a decisão enfrente todos os principais argumentos relacionados à questão de direito posta na moldura do caso concreto. […]. Em suma, é possível dizer que o precedente é a primeira decisão que elabora a tese jurídica ou é a decisão que definitivamente a delineia, deixando-a cristalina”.

Significa dizer que os precedentes legitimamente firmados pela atividade jurisdicional vinculam o Estado como um todo, o que inclui o Poder Executivo, como algo decorrente da própria natureza das coisas, da própria existência do Estado, que não pode logicamente ao mesmo tempo definir sua posição quanto a determinada questão pela função judicial típica e ao mesmo tempo descumprir tal posição no âmbito executivo.

Assim, a indiscutível força persuasiva que têm os precedentes judiciais na solução de casos concretos, notadamente em vista da crescente força vinculativa que lhes vem dando o legislador brasileiro faz com que se qualifique, juntamente com a jurisprudência, como padrão valorativo adequado a balizar a atividade interpretativa tendente à celebração de acordos no processo (MADUREIRA, 2011, p. 10).

Nessa seara, caberá a realização de acordos para pôr fim a litígios quando já existir precedente judicial pré-fixado ou jurisprudência consolidada.

5. Função e atuação do advogado público.

O Poder Judiciário exerce uma das funções do Estado e não parece lógico se falar em o Estado litigando contra seu próprio entendimento.

Outrossim, tem-se que a Constituição Federal de 1988, no Capítulo IV, do Título III, inseriu a Advocacia Pública como função essencial à Justiça, ressaltando, ainda, ao tratar do Advogado (em que se incluem os Advogados Públicos), sua indispensabilidade à Administração da Justiça (art. 133, da Constituição Federal[7]).

Ora, diante desse quadro constitucional específico, o Advogado Público é um agente administrativo com prerrogativas, atribuições e responsabilidades diferenciadas, tendo o dever de participar de forma efetiva do projeto constitucional quanto ao Poder Judiciário, dever este que se torna fortalecido frente a necessidade de pautar sua atividade a partir dos princípios administrativos e da busca de realização dos fins do Estado e previsões da Constituição quanto à sociedade brasileira.

Possui um regime jurídico híbrido: de um lado, um regime estatutário que vincula o advogado público à entidade pública; de outro, o regime legal que o liga a outra entidade (a OAB – Lei nº. 8.906/94) e possui normas próprias que são aplicáveis a todos os que exercem a atividade de advogado. Nessa linha já decidiu o Supremo Tribunal Federal, na ADI 2652: “[…] como ocorre, por exemplo, com os profissionais da advocacia que a exercem na condição de servidores públicos. Embora submetidos à legislação específica que regula tal exercício, também devem observância ao regime próprio do ente público contratante. Nem por isso, entretanto, deixam de gozar das prerrogativas, direitos e deveres dos advogados, estando sujeitos à disciplina própria da profissão (Estatuto da OAB, artigos 3º, § 1º, e 18)”.

Além disso, o art. 12, inciso I e II, do Código de Processo Civil estabelece que a representação judicial da União, do Estado, do Distrito Federal e dos Municípios se dará por meio de seus Procuradores (ou também pelo Prefeito, no caso dos Municípios).

Mesmo assim, apesar do tema ser controvertido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que os advogados públicos presentam o Estado; e não o representam, conforme se depreende do RESP 401.390/PR: “Veja-se, inicialmente, que a lei refere-se a "advogados". Vale dizer: as pessoas que  atuam  em  juízo, defendendo  interesses  de  terceiros.  Por defenderem  interesses  de terceiros, os advogados apresentam-se munidos de procuração. Os denominados advogados (ou  procuradores)  de  Estado não  são,  em  rigor, advogados (nem  procuradores). Com efeito, eles não atuam em lugar do Estado, mas como um de seus órgãos.  Assim  como o  juiz é o órgão pelo qual o Estado  executa sua função jurisdicional, o procurador é o órgão de que o Estado se vale, para defender-se e atacar, em juízo. Nunca  é  demais  lembrar  a  precisa  e  preciosa  observação  de  Pontes  de Miranda: o procurador não representa; ele presenta o Estado. Se assim ocorre, não faz sentido exigir-se do  advogado  de  Estado,  procuração  ou  credencial.  O  Procurador,  quando  é investido  em  seu  cargo  público,  está  automaticamente  habilitado  para funcionar  como  órgão estatal  de  comunicação  com  o  Poder  Judiciário.  Por  isso,  não  necessita  de  qualquer  outro documento ou formalidade, para funcionar em defesa da entidade a que se incorporou. Nesta seara, apenas uma prova seria razoável exigir do procurador: a de que ele realmente  integra  o respectivo  quadro funcional.  Semelhante prova (a  nomeação e a posse), entretanto, constitui-se  de atos, cuja comprovação é desnecessária. Exigir do procurador de Estado, a  cada  ato,  a  comprovação  de  sua  investidura  seria  disparate  tão  grande  quanto  a exigência  de  que,  cada  acórdão  viesse  acompanhado  de  certidão,  comprovando  que  os ministros que atuaram no julgamento são efetivamente magistrados” (REsp 401390/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2002, DJ 25/11/2002, p. 200).

Destaca-se da fala do Ministro José Antônio Dias Toffoli, quando Advogado-Geral da União em 2009, à necessidade de a Advocacia Pública orientar a atividade administrativa, conformando-a ao Direito, de modo a prevenir litígios desnecessários e, quanto tal for possível, de por a termo demandas que se demonstram virtualmente perdidas, a par da jurisprudência consolidada nos Tribunais brasileiros. Essa postura é absolutamente indispensável a que se assegure ao cidadão um acesso adequado à justiça (MADUREIRA, 2011, p. 3-4).

Nessa senda, impõe-se como exigência do princípio do acesso à justiça (art. 5°, incisos XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal[8]) uma atuação mais incisiva dos advogados públicos no sentido da compatibilização da sua atividade profissional, e do próprio agir administrativo, ao Direito (MADUREIRA, 2011, p. 4).

A Advocacia Pública detém a prerrogativa de exercer, em âmbito interno, o controle da atividade administrativa no que se refere aos aspectos jurídicos, pois a ela cumpre, e em regime de exclusividade, orientar a Administração Pública sobre como deve se dar a aplicação casuística do Direito. Com efeito, a Constituição confere aos advogados públicos, e somente a eles, a representação judicial e a consultoria jurídica dos entes políticos.

Assim, quando em juízo, o Advogado Público tem poderes mais amplos do que, por exemplo, um Chefe de Posto do INSS, agindo, no caso de atividade conciliatória, alicerçado na Constituição como integrante do Estado-Executivo incumbido de verificar a viabilidade dos acordos e submetê-los, uma vez aceita a proposta pela parte adversa, ao Estado-Judiciário para homologação. No mesmo sentido é a atuação na análise do manejo ou não de determinada peça recursal, diante do entendimento já consolidado pelo Judiciário sobre a questão ou da prova produzida.

Tem-se, portanto, que o Advogado Público, quando no exercício de suas atribuições de definir a viabilidade de um acordo ou da utilização das vias recursais, não atua propriamente como um servidor público comum. Age verdadeiramente como um agente político.

Nesse contexto, é interessante observar que, em relação aos acordos na esfera judicial, a concretização da vontade do Advogado Público enquanto agente político não se dá de forma isolada. Depende, ainda, para concretização, da atuação do Estado-Juiz, que tem na atividade homologatória do Magistrado responsabilidade igualmente relevante à do Advogado Público no que se refere ao zelo pela coisa pública.

Na prática, nem sempre os agentes públicos estão preparados para aplicar o Direito, o que se explica, em parte, pela diversidade da base de formação acadêmica dos profissionais que integram a Administração Pública, que é composta por médicos, ambientalistas, economistas, administradores, entre outros profissionais que não foram formados para aplicar o Direito, ou pelo menos que não acompanham a evolução da aplicação do Direito pela jurisprudência dos Tribunais brasileiros.

Não é por outro motivo que o ordenamento jurídico-positivo brasileiro confere à Advocacia Pública a prerrogativa de interpretar os textos legislativos. E de promover, a partir dessa sua atividade intelectiva, a juridicização e a uniformização da atuação dos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública.

Destarte, a Advocacia Pública é comumente chamada a corrigir possíveis impropriedades na aplicação do Direito, em atuação que pode ser preventiva ou curativa.

A conclusão, portanto, é que, enquanto na esfera administrativa em geral a realização de acordos depende de uma regulamentação específica por parte do Executivo (mais especificamente à União[9] e aos Estados Federados diante da sua grandeza geográfica que faz com que existam diversos advogados públicos labutando nas mais diversas regiões, o que costuma não ocorrer nos Municípios), no que se refere aos acordos na esfera judicial, têm os Advogados Públicos uma atuação que constitucionalmente não está vinculada à edição de atos administrativos específicos de autorização e/ou súmulas administrativas.

Dessa forma, aos órgãos de cúpula da Advocacia Pública cabe apenas a  regulamentação não obstativa dos acordos, verificando-se situação de inconstitucionalidade por ação quando restringem os acordos por via infralegal.

Além disso, há inconstitucionalidade por omissão quando, diante de diversos julgados reiterados ou de precedente já firmado, o Estado-Administração não traz facilitadores à atividade conciliatória com a edição de, por exemplo, súmulas administrativas. A inexistência de tais súmulas, contudo, não impede os acordos, suprindo-se a omissão inconstitucional em cada caso concreto pela atuação do Advogado Público que oficia nos autos.

Em consequência, a abertura de processo administrativo disciplinar pela realização de acordos com fundamento na ausência de ato administrativo de autorização específico ou de súmula administrativa viola a Constituição Federal e seu sistema de direitos fundamentais, gerando a responsabilidade do agente público que determinou a instauração do processo administrativo (GAZDA, 2006).

6. O advogado público como auxiliador na motivação dos atos administrativos e na ponderação de interesses.

A nova dogmática juspublicista tem sinalizado que a negociação se converteu em instrumento imprescindível para a tarefa de administrar.

Especificamente no tocante à utilização de métodos alternativos de solução de conflitos no âmbito do Direito Público, dentre os quais se insere a transação, é praticamente inevitável fugir do debate de temas controvertidos que ainda despontam discussões acaloradas entre os doutrinadores pátrios.

Refere-se, num rol meramente exemplificativo, à discussão acerca da questão do campo e “amplitude” da discricionariedade, da legalidade versus a juridicidade, da indisponibilidade e supremacia do interesse público, dentre outros, institutos que deságuam no tema da sindicabilidade dos atos da Administração Pública e que merecem releitura sob determinados aspectos, vinculada aos princípios constitucionais e não apenas à legalidade estrita.

Antonio Calvacanti MAIA (2005, prefácio) registra que: “argumentar significa acima de tudo, fornecer razões que dêem suporte a determinadas conclusões; é basicamente, uma atividade de justificação. […] Uma argumentação garante razões para que se acredite em uma certa conclusão, razões geradoras de convicção”.

Desse modo, ao efetuar a ponderação dos interesses em conflito, o administrador público deverá pautar-se pela justificação da escolha adotada, representando verdadeira motivação da decisão administrativa acordada.

Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO (2007, p. 101) apresenta uma distinção ímpar entre o princípio da razoabilidade e o princípio da proporcionalidade, ambos importantes para a técnica de ponderação. Segundo festejado jurista: “na perquirição da razoabilidade não se trata de compatibilizar causa e efeito, estabelecendo uma relação racional, mas de compatibilizar interesses e razões, o que vem a ser o estabelecimento de uma relação razoável. […] Assim que a aplicação do princípio da razoabilidade visa afastar o arbítrio que decorrerá da desadequação entre meios e fins, da desnecessidade de meios para atingir afins e da desproporcionalidade entre meios empregados e os fins a serem alcançados. […] Compreendida na razoabilidade está a proporcionalidade, exigente do equilíbrio justo entre os meios empregados, ainda que legais, e os fins públicos a serem alcançados, e que tanto  pode ser tomada como um princípio autônomo, como considerada como um requisito de razoabilidade. […] O princípio da proporcionalidade […] prescreve, especificamente, o justo equilíbrio entre os sacrifícios e os benefícios resultantes da ação do Estado”.

A partir dessa ótica, importa assinalar que é a discricionariedade – entendida com espaço de liberdade de atuação do administrador público, devidamente vinculada pelo ordenamento jurídico[10] – que possibilita a realização da transação pela Administração Pública, exatamente por meio da buscada compatibilização e ponderação dos interesses e valores envolvidos em cada caso concreto. Afinal, transacionar implica estabelecer um ponto de consenso para a resolução de controvérsias.

Com efeito, é ao administrador público, como gestor da coisa pública, que cabe o dever de efetuar a melhor escolha com vistas à otimização do interesse público. E o advogado público auxilia sobremaneira o administrador público nessa motivação.

Desponta nítido que a valoração dos fins a serem atingidos é relevante para a sindicabilidade do processo de transação, para o fim de avaliar eventual desvio de finalidade ou de poder na sua condução por parte do agente público.

Cumpre aduzir que poderão existir situações em que o agente público persiga finalidades privadas[11], desviando-se da busca pelo interesse público e violando princípios reitores do ordenamento jurídico.

Todavia, ainda que não seja imune a críticas, a democracia é o sistema político que possui a maior probabilidade de preservar o interesse público, devendo estar cercada de mecanismos aptos à preservação das instituições e à prevenção de ilicitudes (GARCIA; ALVES, 2008, p. 11).

É preciso que o tipo de interesse prevalente adotado pelos agentes públicos, no caso concreto, seja avaliado no contexto dos prejuízos reais e potenciais para a função pública e para a sociedade como um todo, sem deixar de se examinar a pluralidade dos interesses em jogo, seus desdobramentos e potencialidades nos horizontes individuais e sociais disponíveis relevantes (OSÓRIO, 2007, p. 397).

Quem melhor pode avaliar esse contexto no caso concreto é o advogado público, que valora a situação conforme os princípios e valores constitucionais (juridicidade), pesquisa e analisa jurisprudência e precedentes judiciais, auxilia na ponderação de valores em cada caso e se utiliza de todas as técnicas jurídicas disponíveis à solução do caso.

Ora, o Advogado Público é quem possui a autoridade intelectiva à promoção da escorreita aplicação do Direito pelos órgãos estatais, e que tem a potencialidade de prevenir a instauração de litígios potencialmente ruinosos para o poder público. De igual modo se fundamenta a sua autoridade para, em âmbito judicial, buscar reverter os efeitos do ato impugnado pelo postulante, sempre que verificar que a pretensão administrativa nele encartada encerra equívoco na aplicação do Direito (MADUREIRA, 2011, p. 6).

É a Advocacia Pública que tem a prerrogativa e a responsabilidade de proceder ao controle da juridicidade dos atos estatais quando da sua atuação nos âmbitos consultivo e contencioso.

Essa flexibilidade valorativa da aplicação do Direito, quando conjugada à vinculação da aplicação do Direito aos posicionamentos consolidados na jurisprudência dos Tribunais brasileiros, avulta a importância dos advogados públicos na correção de equívocos de interpretação cometidos pela Administração Pública. Não foi por outro motivo que o legislador atribuiu à Advocacia Pública, entre outras prerrogativas, a celebração de acordos no processo.

Com efeito, a Administração Pública não pode ostentar interesses verdadeiramente públicos incompatíveis com o ordenamento jurídico. Nos chamados “casos difíceis” haverá a necessidade de uma fundamentação racionalmente rastreável, democraticamente visível e juridicamente justificada (OSÓRIO, 2007, p. 398).

De sorte que para o controle da finalidade dos atos discricionários, ou seja, para o controle do mérito administrativo, há de ser verificado se o mesmo está inserido nos limites estabelecidos pela proporcionalidade, efetuando-se, por derradeiro, um controle por princípios da atuação discricionária da Administração. Em suma, não se trata apenas de controlar o núcleo da apreciação ou da escolha, mas de diminuir o espaço em que o administrador faz escolhas de acordo com a conveniência e oportunidade (BINENBOJM, 2008, p. 208).

Sem detrimento disso, cabe ainda registrar a questão dos conceitos jurídicos indeterminados, os quais admitem valorações diferentes, igualmente comportando um espaço de livre apreciação por parte dos órgãos administrativos técnicos e especializados, sem, contudo, poder ser confundido com a discricionariedade.

Gustavo BINENBOJM (2008, p. 208) coloca em relevo: “No Brasil, a doutrina só mais recentemente caminho uno sentido de reconhecer a existência de uma categoria de conceitos indeterminados, cuja valoração administrativa é insuscetível de controle jurisdicional pleno. Tal categoria seria integrada pelas decisões que envolvem a densificação dos conceitos de prognose, ou seja, ‘aqueles cujo preenchimento demanda uma avaliação de pessoas, coisas ou processos sociais, por intermédio de um juízo de aptidão’. Embora não se confundam, tanto discricionariedade quanto conceitos indeterminados são técnicas legislativas que traduzem a abertura das normas jurídicas, carecedoras de complementação. […] Nesses casos, como afirma Andreas Krell, ‘o legislador transfere para a Administração uma parte de sua ‘liberdade de conformação legislativa’[…]”.

Luís Roberto BARROSO (2004, p. 280) aduz que “além de não ser neutro, o direito não tem a objetividade proclamada pelo raciocínio lógico-formal de subsunção dos fatos à norma. Ao revés, é a indeterminação dos conteúdos normativos a marca do direito”. Por isso, destaca Thomas da Rosa de BUSTAMENTE (2005, p. 60): “o aplicador do direito é, a todo momento, chamado a realizar juízos de valor, seja porque a própria lei o exige por meio de conceitos indeterminados, conceitos normativos ou espaços de discricionariedade, seja para dar vazão a uma colisão de valores juridicamente protegidos”.

É precisamente neste processo que surge, para o intérprete, a tarefa de buscar a justificação de enunciados jurídicos, que é muito mais do que a simples subsunção de descrições de fatos a enunciados normativos obtidos por processo de dedução. A exigência de valorações por parte do jurista é algo incontroverso (ALEXY, 2001).

Não raras vezes, o administrador público se depara com situações em que necessita proceder a valorações e em que é necessário estabelecer critérios para justificar suas decisões.

Deveras, a adoção de métodos alternativos para a solução de controvérsias no âmbito do Direito Público obriga ao administrador público – investido no exercício da gestão pública –  realizar ponderações entre a legalidade, moralidade, proteção da confiança legítima e da boa-fé e da eficiência, à luz do princípio da juridicidade administrativa, visando à consecução do melhor interesse público no caso concreto.

A propósito, vale conferir as ponderações a respeito de Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO (2007a, p. 558): “[…] a melhor realização possível da gestão dos interesses públicos, em termos de plena satisfação dos administrados com os menores custos para a sociedade, ela se apresenta, simultaneamente, com um atributo técnico da administração, como uma exigência ética a ser atendida, no sentido weberiano de resultados, e como uma característica jurídica exigível, de boa administração dos interesses públicos”.

Entende-se que o interesse público, na grande maioria das vezes, tem condições de ser realizado com maior eficiência em um contexto de harmonia e, simultaneamente, com a satisfação dos interesses privados. Finalmente, na medida em que se permite a superação dos conflitos com ampla participação dos interessados, assegura-se, como consequência, maior estabilidades nas relações administrativas, aumentando o grau de segurança das partes envolvidas (BAPTISTA, 2003, p. 266-267).

Em outras palavras, a discricionariedade administrativa precisa apresentar-se motivadamente vinculada ao sistema jurídico, sob pena de vício de nulidade do ato administrativo (FREITAS, 2007, p. 13).

Com esteio na tendência ora revelada, Juarez FREITAS (2007, p. 13-14) leciona que “o direito público, notadamente o direito administrativo, precisa ser convertido no direito da motivação consistente e do controle principalista e fundamentado das decisões estatais”.

O princípio da proporcionalidade traz a importante atribuição do advogado público atuar com razoabilidade na hierarquização do direito aplicável.

Assim, por questões técnicas, é o Advogado Público que possui melhor autoridade intelectiva à promoção da correta aplicação do Direito ao caso concreto, no âmbito da administração pública. Ele que tem o condão de prevenir litígios e verificar qual a melhor situação de acordo em cada caso, considerando todos os princípios envolvidos à preservação do interesse público.

Considerações finais.

A Administração Pública, ao longo da história, manteve uma considerável autonomia e conveniente distanciamento, tornando-se relativamente inacessível a interferências externas em suas atividades, até mesmo dos próprios cidadãos. Assim, a dogmática da disciplina destinada a submeter as atividades da Administração Pública à lei foi construída sobre a ideia central de que “o interesse público é um interesse próprio da pessoa estatal, ‘externo e contraposto aos dos cidadãos’” (MOREIRA NETO, 2007b, p. 10-11).

Devido à enorme expansão da intervenção do Estado, essa via autoritária não é mais susceptível de ser usada de forma exclusiva. Atualmente, não somente o cidadão depende da Administração, mas igualmente a Administração Pública depende da cooperação e parceria do cidadão para o desempenho de suas atividades-fins.

A Constituição Federal, ao erigir o administrado à condição de cidadão, expande a visão clássica e unilateral do Direito Administrativo e põe em xeque a dogmática administrativa clássica. O texto constitucional, ao dispor de forma expressa, no caput do art. 37, os princípios a serem observados por toda a Administração Pública no exercício da função administrativa, além dos princípios implícitos, modifica a perspectiva de um Direito Administrativo respaldado na lei e amplia o alcance e o sentido da legalidade, nascendo dessa exegese o princípio da juridicidade.

Presencia-se, no Direito Administrativo brasileiro, intensa mudança e releitura de paradigmas, desencadeada, principalmente, como resposta à necessidade de modernização do aparelho estatal o qual se exige que seja, ao mesmo tempo, transparente e eficaz; participativo e imparcial; legal e eficiente, cujas escolhas administrativas devam ser razoáveis, equitativas, fundadas no consenso dos destinatários e destinadas, sobretudo, à otimização do interesse público. A interpretação jurídica das instituições do Direito Administrativo passa a ser submetida a uma compreensão concreta e pragmática dos valores constitucionais.

Configura-se, por isso mesmo, um cenário de transição de uma gestão pública autoritária para uma gestão pública democrática, cujas margens discricionárias abrem um espaço de valoração para que o administrador público, à luz dos comandos constitucionais, persiga o melhor interesse público possível, mediante uma solução concertada com o administrado, tanto para prevenir, como para pôr fim a controvérsias. A Constituição traça os preceitos basilares de desempenho da Administração Pública ao mesmo tempo em que determina sua democratização.

É a ponderação de princípios, bens e valores constitucionais que deverá nortear a resolução de eventuais conflitos entre Administração e cidadão. A Administração Pública se realiza buscando soluções que visem ao equilíbrio e à proteção dos interesses legítimos envolvidos em cada caso concreto, com o auxílio da advocacia pública.

É ela que cabe melhor analisar a jurisprudência e a valoração de cada caso, a fim de verificar a melhor solução a ser dada ao caso concreto.

É a satisfação das necessidades coletivas que determina que a Administração adote em cada caso concreto, a melhor solução possível, como resposta ao seu dever de boa administração, com eficiência e economicidade. Atuar conforme o Direito é atender aos fins de interesse geral, atentar para a boa-fé, com observância da adequação entre meios e fins na atuação administrativa.

Assim, propugna-se pela utilização de acordos visando à prevenção e à resolução de conflitos. Verificou-se que é um dever do Estado realizar o acordo quando este se mostrar possível.

A lei não consegue antever todos os casos da vida real. Portanto, a mera observância da lei pelo simples método da subsunção não mais atende aos reclamos de uma sociedade plural e heterogênea como a nossa, razão pela qual a técnica da ponderação de valores a cada caso concreto, diante da releitura dos princípios constitucionais administrativos, é a solução mais célere para o término de litígios entre a Administração Pública e o Cidadão. Para a solução do caso concreto, a Administração Pública está jungida a todos os princípios constitucionais, expressos e implícitos, e não somente à legalidade.

Dessa maneira, o administrador público, no exercício das escolhas administrativas, está obrigado a perseguir a melhor solução para cada caso concreto que demande sua atuação, sendo imprescindível a atuação da advocacia pública nesse mister.

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SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Acordos na execução contra a Fazenda Pública. Biblioteca Digital Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 8, n. 30, jul./set. 2010. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=69424>. Acesso em 10/06/2014. Material da 5 aula da disciplina Fazenda Pública em Juízo, ministrada no Curso de Pós-Graduação de Direito Público-Anhanguera-Uniderp I Rede LFG, 2013.
Notas:
[1] “Um primeiro modo de entender a Autoridade como espécie de poder seria a de defini-la como uma relação de poder estabilizado e institucionalizado em que os súditos prestam obediência incondicional. […] A Autoridade, tal como a temos entendido até aqui, como poder estável, continuativo no tempo, a que os subordinados prestam, pelo menos dentro de certos limites, uma obediência incondicional, constitui um dos fenômenos sociais mais difusos e relevantes que pode encontrar o cientista social. Praticamente todas as relações de poder mais duráveis e importantes são, em maior ou menor grau relações de Autoridade […] Como poder legítimo, a Autoridade pressupõe um juízo de valor positivo em sua relação com o poder. […]. Portanto, a expressão ‘poder legítimo’ deve ser entendida aqui no sentido de poder considerado como legítimo por parte de indivíduos ou grupos que participam da mesma relação de poder…” (BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. Trad. Carme Varriale et al. 8. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, v. 1, p. 88-91).
[2] Celso Antonio Bandeira de MELLO define o direito administrativo como sendo um ramo do Direito Público que, como tal, ocupa-se dos interesses da sociedade, e que se destina a disciplinar o exercício da função administrativa do Estado e dos órgãos que a desempenham (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 27). Maria Sylvia Zanella DI PIETRO registra que, como direito autônomo, o direito administrativo nasceu ao final do século XVIII e início do século XIX (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 23).
[3] A doutrina assinala que, dentre a clássica trilogia das funções do Estado – legislativa, executiva (ou administrativa) e jurisdicional– a função mais difícil de ser conceituada é a função administrativa pela enorme heterogeneidade das atividades que nela se inserem. (cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 27). De forma diversa, Hans KELSEN defende que as funções estatais são apenas duas: criar – legislar- e executar o Direito, o que tanto pode ser feito pela Administração como pela Jurisdição (Cf. KELSEN, Hans. Teoria general del derecho y del Estado.México: Imprenta Universitária, 1950, trad. Eduardo García Maynes, p. 268-269). Oswaldo Aranha Bandeira de MELLO, igualmente defende a existência de apenas duas funções no Estado, porém em posição distinta da de KELSEN: a administrativa e jurisdicional. A primeira seria destinada a integrar a ordem jurídica mediante a execução das atividades de legislar e executar, enquanto que a segunda teria por objeto o próprio Direito, desempenhando, portanto, função eminentemente jurídica. (MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de.  Princípios Gerais de Direito Administrativo. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, v. 1, p. 30-38). Nessa temática, o importante é a compreensão de que a construção da trilogia foi composta tendo em vista a proposta de MONTESQUIEU que objetivou impedir a concentração de poderes para a preservação da liberdade dos homens contra abusos e tiranias dos governantes. (cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de.  op. cit., p. 29). Sobre a definição de função administrativa, Marçal JUSTEN FILHO conceitua: “A função administrativa é o conjunto de poderes jurídicos destinados a promover a satisfação dos interesses essenciais, relacionados com a promoção dos direitos fundamentais, cujo desempenho exige uma organização estável e permanente e que se faz sob regime jurídico infralegal e submetido ao controle jurisdicional”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 28).
[4] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […].
[5] Expressão é de Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO (2007, p. 47).
[6] Sobre os temas “neoconstitucionalismo” e “constitucionalização do direito” confira-se, dentre outros: SANCHÍS, Luis Prieto.Justicia constitucional y derechos fundamentales. Madrid: Trotta, 2003. pp. 101-135; POZZOLO, Susanna. Um constitucionalismo ambíguo. In: CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo (s). Madrid: Trotta, 2003. p. 187-210; ZAGREBELSKY, Gustavo.  El derecho dúctil. Madrid: Trotta, 1999; GUASTINI, Riccardo. La constitucionalización del ordenamiento jurídico – el caso italiano. In: CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo (s). Madrid: Trotta, 2003. p. 49-73; FIGUEROA, Alfonso García. La teoria del derecho em tiempos de constitucionalismo. In: CARBONELL, Miguel.  Neoconstitucionalismo (s). Madrid: Trotta, 2003. p. 159-186; SANCHÍS, Luís Prieto.  Constitucionalismo y positivismo.México: Distribuiciones Fontamara, 1999; FIORAVANTI, Maurízio. Constitución. De la antiguidad a nuestros dias.Madrid: Trotta, 2001. p. 71-164.
[7] Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
[8] Art. 5º […]: XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; […];LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
[9] A legislação federal relativa à organização e funcionamento da Advocacia Pública estabelece: (a) que os Pareceres exarados pelo Advogado-Geral da União (LC n° 73, art. 40), assim como aqueles lavrados pela Consultoria-Geral da União e ratificados pelo Advogado-Geral da União (LC n° 73, art. 41 ) se aprovados peto Presidente da República e publicados juntamente com o despacho presidencial, vinculam a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhes dar fiel cumprimento (LC n° 73. art. 40, § 1°); (b) que também obrigam, embora apenas aos respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas, os Pareceres das Consultarias Jurídicas, aprovados pelo Ministro de Estado, pelo Secretário-Geral e pelos titulares das demais Secretarias da Presidência da República ou pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (LC n° 73, art. 42); e (c) que as Súmulas editadas pela Advocacia-Geral da União vinculam todos os membros da Advocacia Pública Federal (LC n° 73, art. 43).
[10] Gustavo BINENBOJM defende que com a nova concepção de discricionariedade, ocasionada, principalmente, pela principialização do direito brasileiro que aumentou a margem de vinculação dos atos discricionários à juridicidade, formou-se a convicção de que não há diferença de natureza entre o “ato administrativo vinculado” e o “ato administrativo discricionário”, sendo a diferença o grau de vinculação. […] Se os atos vinculados estão amarrados à letra da lei, os atos discricionários, por sua vez, estão vinculados diretamente aos princípios. (BINENBOJM, 2008, p. 210).
[11] Trata-se aqui de finalidades econômicas ou outros tipos de vantagens, como as relacionadas com a carreira política, administrativa ou outras vantagens de marca pessoal, nem sempre menos relevantes do que as vantagens patrimoniais diretas. (OSÓRIO, 2007, p. 396).

Informações Sobre o Autor

Rafael Schreiber

Procurador do Município de Joinville (SC), Especialista em Direito Público pela pós graduação da LFG, Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV e graduado em Direito na Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB. Presidente da APROJOI. Advogado


Equipe Âmbito Jurídico

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