A importância do caso MGM v. Grokster para o futuro do Direito Autoral na Internet

A Suprema Corte dos EUA poderá admitir o julgamento de um caso crucial, envolvendo a disputa entre detentores de direitos autorais e fabricantes de softwares de redes peer-to-peer. O caso Metro- Goldwyn Mayer Studios v. Grokster, foi decidido anteriormente por uma corte de apelações e provavelmente receberá o writ of certiorari para ser revisto pela Suprema Corte, devido sua significativa importância para o direito autoral (copyright). Alguns acreditam mesmo que o resultado do julgamento desse caso pode deitar reflexos não somente sobre o futuro da indústria dos fabricantes de software, mas também sobre o desenvolvimento da própria Internet (ou pelo menos sobre a forma como nos utilizamos dela).

Como todos se lembram, Napster foi o primeiro software popular que permitia aos usuários trocarem arquivos de áudio sem ter que pagar coisa alguma. Depois de uma longa batalha judicial, o responsável pela criação e distribuição do software foi considerado um “infrator colaborativo”, que, à luz do direito autoral (copyright law), significa uma pessoa que não pratica diretamente um ato ilícito mas colabora de alguma maneira com a infração cometida por outra. Os usuários do Napster praticavam as atividades consideradas ilegais – troca de obras protegidas pelo direito autoral -, apesar do software não ter sido criado e distribuído com a deliberada intenção de permitir isso, ou não ter ficado provado que a empresa fabricante estimulava esse tipo de prática ilegal. O Napster hoje foi transformado num site legal, em que os usuários, pelo pagamento de uma mensalidade, podem “baixar” todo tipo de música. Entretanto, outras empresas continuaram a fornecer softwares para redes P2P apesar do potencial uso ilegal deles – para piratear músicas e vídeos protegidos pelo direito autoral –, e a Grokster Ltd. é justamente uma dessas companhias.                   

Os autores da ação no caso MGM v. Grokster, um grupo de influentes gravadoras e produtoras de filmes de Hollywood, argúem que mais de 90 por cento de arquivos distribuídos hoje em dia através de redes P2P são pirateados. Eles pedem à Corte que considerem Grokster e a outra empresa ré (StreamCast Network) responsáveis pelos atos de seus usuários, um tipo de responsabilidade secundária, que, em termos de doutrina do direito autoral é conhecida como “infração contributiva” (contributory infringement).

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De seu lado, os demandados insistem que a Suprema Corte deve aplicar um precedente de sua própria jurisprudência, firmado no julgamento de Sony v. Universal City Studios, um caso decidido em 1984. Nesse outro julgamento, a Corte considerou que a concepção e distribuição de tecnologia que às vezes seja empregada em infrações ao direito autoral não dá margem à responsabilidade secundária do fabricante, desde que a tecnologia em questão possa substancialmente ser empregada para outros fins não ilegais. A isenção dos fabricantes e distribuidores da responsabilidade solidária foi interpretada, por alguns especialistas, como uma forma que a Corte encontrou de preservar o incentivo à inovação tecnológica. Os réus do caso Grokster defendem que a adesão ao padrão jurisprudencial criado no caso Sony preservará o mesmo interesse. Os autores refutam esse argumento alegando que a situação presente não guarda nenhuma similaridade com o passado, quando a Corte teve que decidir o caso Sony, e que é necessário modificar os padrões da responsabilidade solidária estabelecidos antes, de forma a proteger os ganhos da indústria do entretenimento, adotando um padrão mais estrito de responsabilidade.   

De fato, o caso submetido atualmente à Suprema Corte não é totalmente análogo ao caso Sony. Em 1984, a Corte deparou-se com o problema causado pela disseminação do Vídeo Cassete, um tipo de equipamento que possibilita aos usuários fazer cópias digitais de filmes e programas transmitidos pelos canais de televisão. Mas, naquela época, o uso mais comum que era feito do equipamento consistia em gravar um filme para ser visto em horário mais conveniente ao usuário, uma forma de utilização tradicionalmente aceita pelas cortes judiciárias como espécie de “uso legítimo” (fair use), enquadrada portanto dentro das limitações ao direito autoral. Hoje em dia os usuários do Grokster e softwares semelhantes estão fazendo cópias de arquivos de áudio e vídeo e os redistribuindo pela Internet, um uso que, diferentemente do que ocorreu no passado, não pode ser enquadrado como legítimo à luz do direito autoral. Em suma, o uso mais comum feito pelos usuários do Grokster é ilegal, por afrontar os direitos autorais de titulares de obras intelectuais. As estatísticas demonstram que nove entre dez usuários de redes P2P pirateiam músicas e filmes protegidos pela propriedade intelectual. Essas circunstâncias factuais existentes entre um caso e outro tornam de difícil previsão eventual decisão pela Suprema Corte no mais recente deles. Quem vencerá a batalha judiciária final é difícil de prever, mas certamente não será uma simples questão de aplicar velhos precedentes a novas realidades.         

Os efeitos de uma futura decisão, todavia, são mais fáceis de imaginar. Ambas as partes exageram os efeitos do resultado de tal decisão.       

As empresas demandadas alegam que, se a Corte decidir contra seus interesses, o resultado será em forma de um “efeito congelante” para o desenvolvimento de novas tecnologias. Acrescentam que muitas tecnologias de elevado uso social, que se favorecem dos padrões jurisprudenciais antes estabelecidos (no caso Sony), simplesmente desaparecerão, com a falência das respectivas empresas que as exploram. O resultado, em suma, será desencorajador para muitos potenciais inventores e investidores de capital de risco, forçando-os a abandonar projetos que resultariam em benefício da sociedade como um todo. O cenário, todavia, não é tão terrível como os réus pretendem desenhar. O resultado de uma decisão desfavorável a eles poderá ser muito parecido com a situação criada após o julgamento do caso Napster, quando o seu inventor e original explorador terminou por aceitar o desenvolvimento de uma nova versão do seu esquema on line de distribuição de arquivos de música. Tal resultado poderia unicamente forçar os fabricantes de softwares para redes P2P a obter licença dos titulares dos direitos autorais ou incluir algum tipo de mecanismo tecnológico que impeça a transferência, pelos usuários, de obras não licenciadas. Esse tipo de decisão, ao contrário do que argumentam as rés, não impedirá de forma aguda o surgimento de novas tecnologias ou o fluxo de novas idéias.

Por outro lado, os autores, que têm enormes interesses econômicos em jogo, também estão pintando um quadro catastrófico, caso a decisão reverta contra eles. Argumentam que a maciça distribuição de arquivos de áudio e vídeo, possibilitada pelas novas tecnologias e redes P2P, não somente está reduzindo os ganhos dos titulares dos direitos autorais, mas ameaça as bases da indústria do entretenimento e o sistema de incentivo em que se baseiam as leis de proteção à propriedade intelectual. Esses argumentos, da mesma forma que os levantados pelas rés, não refletem a realidade. Se a Suprema Corte decidir contra os autores, as gravadoras e produtoras de filmes certamente irão descobrir novos modelos de negócios para a distribuição digital que compense as perdas trazidas com a revolução das redes peer-to-peer.

Está previsto que a Suprema Corte ouvirá argumentos no caso MGM v. Grokster na data de hoje (29 de março), somente para decidir se consente ou não que seja julgado por ela, o que nos deixa ver que ainda teremos um longo caminho antes que o futuro dos serviços de música (e filmes) on line seja finalmente decidido.


Informações Sobre o Autor

Demócrito Reinaldo Filho

Magistrado em Pernambuco.


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Equipe Âmbito Jurídico

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