Autores: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo. Advogada Pública com atuação em Direito Administrativo, Cível e Trabalhista, e na área da saúde. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Pós-graduada, com especialização em Direito Público (Direito Constitucional) e Privado (Direito Civil). MBA em Licitações e Contratos. (e-mail: julianavilela.adv@gmail.com); Adriana Martinelli Martins. Advogada Pública com atuação em Direito Administrativo, Civil e Trabalhista, e na área da saúde. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV. Pós-graduada lato sensu – Direito Constitucional Aplicado com Capacitação para Ensino no Magistério Superior, pós-graduada lato sensu – MBA Profissional em Comportamento Organizacional, pós-graduada Lato Sensu em Gestão Estratégica, Inovação e Conhecimento. (e-mail: adriana.martins@ebserh.gov.br); e Cláudio Maldaner Bulawski. Advogado Público. Graduação – Universidade Federal de Santa Maria. Pós-graduado em Direito Civil UFRGS e pós-graduado direito público – faculdade anhanguera. (e-mail claudio.maldaner@hotmail.com).
Resumo: O presente artigo tem como principal característica a análise da impossibilidade de aplicação de sanções de natureza contratual ao fornecedor registrado na ata de registro de preço, em decorrência da inviabilidade de efetivação de contrato (ou documento equivalente, tal como emissão de nota de empenho), em virtude de não manutenção das condições de habilitação, resultante de restrição inscrita no SICAF, advinda de aplicação de penalidade contratual por outro órgão público, por se configurar bis in idem, que seria uma segunda sanção administrativa a quem já sofreu, pela prática da mesma conduta, uma primeira, cabendo, apenas, a consequência administrativa de cancelamento da Ata de Registro de Preço.
Palavras-chave: Ata de Registro de Preço. Impossibilidade de realização de contrato ou emissão de nota de empenho. Sanção administrativa aplicada por outro órgão público. Inviabilidade de nova penalidade. Cancelamento da Ata de Registro de Preço.
Abstract: The main feature of this article is the analysis of the impossibility of applying sanctions of a contractual nature to the supplier registered in the price registration minutes, due to the impossibility of effecting the contract (or equivalent document, such as the issue of a commitment note), due to the failure to maintain the qualification conditions, resulting from the restriction registered in the SICAF, resulting from the application of a contractual penalty by another public body, as it constitutes a bis in idem, which would be a second administrative sanction for those who have already suffered, for the practice of the same conduct, a first, with only the administrative consequence of canceling the Price Record Minutes.
Keywords: Price Record Minutes. Impossibility of entering into a contract or issuing a commitment note. Administrative sanction applied by another public agency. Invalidity of new penalty. Cancellation of the Price Registration Act.
Sumário: Introdução. 1. Infrações e aplicação de sanções administrativas ao licitante e ao contratado: dever da Administração Pública. 2. Ata de registro de preço: natureza jurídica pré-contratual. 3. Da necessidade da manutenção das condições de habilitação pelo fornecedor registrado na ata de registro de preço para realização de contrato (ou emissão de nota de empenho). Princípio da boa-fé objetiva. 4 Impossibilidade de penalização do fornecedor registrado em ata de registro de preço em decorrência de penalidade inserida por outro órgão no SICAF durante sua vigência. Possibilidade De Cancelamento Da Ata. Considerações Finais. Referências.
Introdução
O presente estudo discorre sobre a impossibilidade de aplicação de penalidade ao fornecedor registrado na Ata de Registro de Preço, no decorrer de sua vigência, em virtude do impedimento de assinatura de contrato ou emissão de empenho, por estar o referido com restrição junto ao SICAF, decorrente de penalidade aplicada por outro órgão público resultante de descumprimentos da sua relação contratual com este.
Inicialmente, aborda-se no presente artigo o dever da Administração Pública de aplicar sanções aos licitantes e contratados, quando cometem infrações contratuais administrativas.
Em seguida, estuda-se a natureza jurídica pré-contratual da Ata de Registro de Preço, considerando tratar-se apenas de compromisso do fornecedor de realizar contrato futuro com a administração, de acordo com o preço registrado.
Após, esclarece-se a necessidade de manutenção das condições de habilitação pelo fornecedor registrado na Ata de Registro de Preço para possível realização de contrato (ou emissão de nota de empenho), em atendimento ao princípio da boa-fé objetiva.
Posteriormente, demonstra-se a impossibilidade de penalização do fornecedor registrado em Ata de Registro de Preço, pela impossibilidade de assinatura de contrato ou emissão de empenho, em decorrência de penalidade inserida por outro órgão no SICAF durante a vigência da ata, sendo viável, apenas, a medida administrativa de cancelamento da Ata de Registro de Preço.
O interesse e a escolha da temática do presente artigo originam-se da necessidade de demonstrar que a penalização de um fornecedor registrado em Ata de Registro de Preço, e que não tenha firmado contrato ou instrumento equivalente resultante desta, em decorrência de infração contratual cometida junto a outro órgão público, não é possível, pois seria caracterizado bis in idem, ou seja, o fornecedor seria penalizado mais de uma vez pela mesma infração.
E, por fim, o intuito do presente artigo é demonstrar que, na hipótese acima, caberia, apenas, a consequência administrativa de cancelamento da Ata de Registro de Preços, devendo a administração registrar novo fornecedor.
A apuração de infrações e aplicação de sanções administrativas pela Administração Pública ao licitante ou contratado faltosos é uma das cláusulas constantes no edital e no contrato administrativo, que decorre do interesse público, e que se visa resguardar, uma vez que a licitação tem como um dos objetivos maiores a economicidade das contratações para o Poder Público, e a falta, acaso cometida por um licitante/contratante, pode causar dano ao erário.
Sabe-se que a Administração, diferentemente da esfera cível e particular, é totalmente regida pelo Princípio da Legalidade, ou seja, enquanto o particular só pode ser proibido de fazer algo em virtude de lei, a Administração não pode em nenhum momento dela se afastar.
Isto implica dizer que, mesmo que por vezes não se vislumbre uma efetiva lesão ao erário, a Administração não pode deixar de apurar, haja vista a indisponibilidade do dinheiro público e a determinação de apuração nos dispositivos legais, como o previsto na Lei de licitações.
Assim, destaque-se que, muito embora a legislação estabeleça expressamente que a Administração “poderá” aplicar ao licitante e ao contratado sanções, a expressão não traz uma discricionariedade ao administrador público de aplicar ou não a sanção administrativa, quando verificada a infração pelo particular, trata-se, na verdade, de um dever!
Nesse sentido, entende o TCU:
“Acórdão: 2077/2017 – Plenário
Enunciado: 20
A apuração das condutas faltosas praticadas por licitantes não consiste em faculdade do gestor público com tal atribuição, mas em dever legal. A aplicação de penalidades não se restringe ao Poder Judiciário, mas, nos termos das Leis 8.666/1993 e 10.520/2002, cabe também aos entes públicos que exercem a função administrativa.
Acórdão: 1793/2011 – Plenário
9.2. determinar à (…) que: 9.2.1. oriente os gestores dos órgãos integrantes do Sisg: 9.2.1.1. a autuarem processos administrativos contra as empresas que praticarem atos ilegais previstos no art. 7º da Lei nº 10.520/2002, alertando-os de que a não autuação sem justificativa dos referidos processos poderá ensejar a aplicação de sanções, conforme previsão do art. 82 da Lei nº 8.666/1993, bem como representação por parte do Tribunal de Contas da União, com fulcro no art. 71, inciso XI, da Constituição Federal c/c o art. 1º, inciso VIII, da Lei nº 8.443/1992”. (grifos nossos)
Dessa forma, a única discricionariedade do Administrador está em, após o regular procedimento administrativo de apuração e constatação da falta, escolher a penalidade, dentre as sanções cabíveis e mais adequadas ao caso concreto: (i) a advertência; (ii) multa; (iii) suspensão temporária do direito de licitar e contratar com a Administração Pública/União, estas de competência do ordenador de despesas, e, ainda: (iv) a declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública, de competência do Ministro de Estado.
O poder deferido ao ente público de impor sanções aos seus contratados decorre do poder disciplinar. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (DI PIETRO, 2006, p. 105) define tal poder como “aquele que cabe à Administração Pública para apurar infrações e aplicar penalidades aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa”.
Trata-se de uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza. Segundo há anos observa o doutrinador português Marcelo Caetano (CAETANO, 1932, p. 25), “o poder disciplinar tem sua origem e sua razão de ser no interesse e na necessidade de aperfeiçoamento progressivo do serviço público “.
A Ata de Registro de preços não se confunde com o contrato. Ela precede o contrato, pois possui natureza jurídica de acordo preliminar. Logo, ela nada mais é do que o compromisso que o fornecedor assume com a Administração Pública de realizar o fornecimento nas condições estabelecidas na licitação. Tal conceito está disposto no artigo 14 do Decreto nº 7.892, de 23 de janeiro de 2013, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços:
“Art. 14. A ata de registro de preços implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas, após cumpridos os requisitos de publicidade”.
Nesse mesmo sentido, Joel de Menezes (Niebuhr, 2015, p.683) define com sabedoria que “ …a ata de registro de preço é documento que formaliza relação pré-contratual unilateral, por meio da qual o seu signatário assume o compromisso de firmar contratos com a Administração em relação ao objeto consignado na ata, de acordo com as condições e preços ofertados por ele durante a licitação, dentro do prazo da validade da ata.”
Portanto, “Registro de Preços significa a licitação não para compras imediatas, mas para eleição de cotações vencedoras, que, ao longo do prazo máximo de validade do certame, podem ensejar, ou não, contratos de compra” (RIGOLIN, Ivan Barbosa; BOTTINO, Marco Tullio, 2002, p.227).
A ata é precedente ao contrato. Inclusive, de uma Ata de Registro de preços poderão ser realizados diversos contratos (instrumento contratual ou documento equivalente), respeitados a quantidade máxima estimada.
Logo, o Sistema de Registro de Preços reveste-se de três fases: licitação, assinatura da Ata de Registro de Preços e assinatura de Contrato ou termo equivalente, conforme necessidade da Administração. Sendo assim, após ser homologada com a melhor proposta, a empresa vencedora do certame assina Ata de Registro de Preço para promessa de fornecimento futuro e incerto de bens ou prestação de serviços.
Destarte, toda vez que a Administração necessita do item registrado na Ata de Registro de Preço, um novo contrato pode ser realizado, isto é, durante sua vigência (até 12 meses), vários contratos poderão ser efetivados, de acordo com a necessidade do órgão contratante. Pode, ainda, ser elaborado um único contrato, com prazo longo e prorrogável, o qual transmudará a característica de ata para relação contratual.
Quanto a manutenção da ata com realização de sucessivos contratos, esclarece-se que, em regra, na prática, a minuta de contrato é substituída por nota de empenho, nos termos do permissivo legal contido no artigo 15 do Decreto nº 7.892/2013 e no caput do art. 62 da Lei no 8.666/93, observada a recomendação contida no § 2º do mesmo artigo, in verbis:
“Art. 15. A contratação com os fornecedores registrados será formalizada pelo órgão interessado por intermédio de instrumento contratual, emissão de nota de empenho de despesa, autorização de compra ou outro instrumento hábil, conforme o art. 62 da Lei nº 8.666, de 1993.
Art. 62. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço.
(…)
Desta feita, após a assinatura de contrato ou emissão da nota de empenho pela Administração Pública, a relação existente passa a ser contratual. Contudo, sem a referida, entende-se que há relação apenas pré-contratual.
Como é cediço, antes de qualquer contratação para prestação de serviços ou pagamento à fornecedor, deve a Administração verificar no SICAF sua viabilidade, sem prejuízo de nova consulta ao CADIN, conforme disposto no artigo 30 da Instrução Normativa nº 03, de 26 de abril de 2018:
“Art. 30. Previamente à emissão de nota de empenho, à contratação e a cada pagamento, a Administração deverá realizar consulta ao Sicaf para identificar possível suspensão temporária de participação em licitação, no âmbito do órgão ou entidade, proibição de contratar com o Poder Público, bem como ocorrências impeditivas indiretas, observado o disposto no art. 29”.
Sendo assim, no decorrer da vigência da Ata de Registro de Preço, e anteriormente à assinatura de instrumento de contrato ou emissão de nota de empenho, deve a Administração consultar se a empresa (que possui seu preço registrado) mantém em dia toda a documentação exigida na fase da licitação.
Nesse sentido, transcreve-se a norma prevista no art.14, do Decreto n. 7.892/2013, segundo a qual “a ata de registro de preços implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas, após cumpridos os requisitos de publicidade”.
Quando a Administração resolve utilizar o sistema de registro de preços para atender as suas necessidades, presume-se que tenha realizado previamente um planejamento, com o intuito de verificar a melhor solução e o quantitativo estimado que poderá ser contratado.
Diante disso, entende-se que a boa-fé é um dos principais elementos que direciona a relação jurídica essenciais que norteiam a relação jurídica formada entre à Administração e o particular que participará da licitação, com interesse em efetivar contrato com aquela.
A conduta das partes deve ser orientada, conforme discorre Pablo Stolze (GAGLIANO, 2017, p.406) por uma “diretriz principiológica de fundo ético e espectro eficacial jurídico”. Segundo a doutrina, a boa-fé subjetiva consiste no estado de ânimo do sujeito que pratica determinado ato – animus; a boa-fé objetiva traduz-se em regra de comportamento, de conteúdo ético e juridicamente exigível.
É sabido, como já dito, que não existe um vínculo contratual com assinatura da ata de registro de preços. Todavia, as partes envolvidas no liame jurídico se encontram em posições próprias, devendo ser fiéis às obrigações assumidas, estabelecendo uma relação baseada na confiança que, consequentemente, produz segurança jurídica.
Contudo, nessas situações a atuação dos envolvidos deve ser direcionada pela boa-fé, em especial no sentido objetivo, de forma que a Administração se compromete a efetivar as contratações futuras com o fornecedor registrado ( e que foi o primeiro classificado no procedimento licitatório), e o licitante vencedor responsabiliza-se pela obrigação de fornecer seus bens e/ou serviços pelo valor e quantidade registrados.
Assim, fundamental a manutenção de tais compromissos sustentados pela boa-fé objetiva, que requer das partes agir conforme a confiança depositada, segundo a manifestação de vontade anterior, exceto na situação em que o valor registrado se torne menor que o do mercado, e, por tal razão, não possa ser exercido pelo fornecedor pois se tornou inexequível.
Outrossim, importante enfatizar que a ata de registro de preços é documento vinculativo, de caráter obrigacional.
Além disso, não se pode permitir que a Administração alimente falsas expectativas aos licitantes, se utilizando incorretamente do sistema de registro de preços, sem qualquer planejamento, e sem uma motivação adequada. Da mesma forma, não se pode permitir que o particular tenha comportamentos contrários, os quais venham a frustrar a expectativa que gerou no órgão licitante, por meio da sua anterior manifestação de vontade. É a chamada “Teoria dos atos próprios – venire contra factum proprium”.
Nessa linha de pensamento, Flávio Tartuce (TARTUCE, 2017, P.424) nos ensina que “pela máxima venire contra factum proprium non potest, determinada pessoa não pode exercer um direito próprio contrariando um comportamento anterior, devendo ser mantida a confiança e o dever de lealdade, decorrentes da boa-fé objetiva”.
Portanto, deve o licitante vencedor, que possui seu preço devidamente registrado, se manter apto a uma possível assinatura contratual (ou e emissão de nota de empenho), a fim de que seja mantida a segurança jurídica do ajuste.
Diante do exposto, em um primeiro momento, aparenta-se que, ao ser realizada a verificação da regularização do fornecedor registrado na ata junto ao SICAF e, constatada sua impossibilidade de contratar com o poder público, esse sofreria uma das penalidades previstas na Ata de Registro de Preço, conforme disposto no artigo 5º, X, do Decreto nº 7892/2013.
Contudo, a aplicação de uma sanção pelo(s) órgão(s) que possui(em) esse fornecedor registrado em ata, em decorrência de impossibilidade de emissão de empenho ou assinatura de contrato, por estar o mesmo com restrição junto ao SICAF decorrente de penalidade aplicada em relação contratual com outro órgão, configuraria “bis in idem”, pois, se órgão diverso penalizou a contratante por conduta inadequada naquele contrato específico, não cabe aos outros órgãos (que possuem o fornecedor registrado em ata) também penalizá-lo em contratos que não chegaram sequer a serem assinados, pois resultaria em um efeito cascata de penalidades.
O princípio do non bis in idem assegura que uma punição administrativa já aplicada por um órgão afastará outra possível, por outro órgão, e pelo mesmo acontecimento, em razão de já ter o apenado sido penalizado por aquele fato.
Nesse sentido, Mello (MELLO, 2007, p. 210) aponta que a vedação ao bis in idem “impede a Administração Pública de impor uma segunda sanção administrativa a quem já sofreu, pela prática da mesma conduta, uma primeira [sanção].” Sendo assim, não há a possibilidade de um novo órgão impor uma nova sanção por fato idêntico.
Vejamos, nessa mesma linha, o entendimento do Tribunal de Contas da União no Acórdão 11909/2011 da Segunda Câmara:
“A aplicação de multa por tribunal de contas municipal obstaculiza a imposição de nova sanção pelo TCU se as ocorrências examinadas no órgão federal constituiram fundamentos para apenação do gestor no órgão de controle externo municipal. Nesse contexto, incide o princípio do non bis in idem, que não permite a apenação de dado responsável duas vezes pelo mesmo fato sob idêntico fundamento”. (grifo nosso)
Nestes termos, a ausência da documentação exigida, durante a vigência da Ata de Registro de Preço, antes da assinatura de novo contrato (ou emissão da nota de empenho), por estar o fornecedor com restrição junto ao SICAF, decorrente de penalidade aplicada por outro órgão, enseja apenas o cancelamento da ata de registro de preço previsto no art. 20, IV, do Decreto nº 7892/2013. In verbis:
“Art. 20. O registro do fornecedor será cancelado quando:
I – descumprir as condições da ata de registro de preços;
II – não retirar a nota de empenho ou instrumento equivalente no prazo estabelecido pela Administração, sem justificativa aceitável;
III – não aceitar reduzir o seu preço registrado, na hipótese deste se tornar superior àqueles praticados no mercado; ou
IV – sofrer sanção prevista nos incisos III ou IV do caput do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993, ou no art. 7º da Lei nº 10.520, de 2002.
Parágrafo único.
O cancelamento de registros nas hipóteses previstas nos incisos I, II e IV do caput será formalizado por despacho do órgão gerenciador, assegurado o contraditório e a ampla defesa”. (grifo nosso)
Assim, resta claro ausência de amparo legal para aplicação de qualquer sanção de natureza contratual ao fornecedor que tem seu preço registrado em ata, e que impossibilitou à administração realizar contrato com este (ou emitir nota de empenho em favor deste) por ter sido aplicada penalidade contratual por outro órgão público, pois tanto o art. 87 da Lei nº 8.666/93 quanto o art. 7º do Decreto Lei nº 10520 referem-se à infrações decorrentes de inexecuções contratuais, o que não pode lhe ser aplicado, já que nem mesmo chegou a ser firmada relação contratual.
Salienta-se que cancelar o registro do fornecedor consiste em uma providência administrativa legalmente determinada, e não possui a mesma estatura das reprimendas a que aludem as legislações supracitadas, devendo ser realizada uma interpretação restritiva sob a égide dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Acerca da matéria, Gilberto Pinto Monteiro Diniz (DINIZ, 2014, p.79) conclui; “… o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso constitui baliza para a prática de atos administrativos, cuja execução deve ser dotada na exata medida, para atingir o fim maior almejado pela Administração, o interesse público. Tal princípio ganha exponencial relevo e importância, em se tratando de atos de imposição de sanções, quando a Administração deve adotar providências adequadas e razoáveis para consecução dos fins pretendidos. O princípio da proporcionalidade, com efeito, consta expressamente no inciso IV do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784/1999 que assim dispõe: “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.
Conclui-se, portanto, que é incabível a aplicação de outra penalidade em virtude do impedimento de emissão de empenho ou assinatura de contrato, por estar o mesmo com restrição junto ao SICAF, decorrente de penalidade aplicada por outro órgão, sob pena de se configurar “bis in idem”, e por não poder ser aplicadas as penas referentes a descumprimento contratual, por se tratar de relação pré-contratual, cabendo, apenas, a medida administrativa de cancelamento da ata de registro de preço.
Considerações Finais
A Administração Pública, embora a legislação disponha quanto a possibilidade de aplicação de sanção ao licitante e ao contratante, tem o dever de realiza-la, quando verificada a existência de cometimento de infração pelo particular, não sendo, portanto, uma discricionariedade do administrador.
Todavia, quando a relação firmada entre o particular e a Administração Pública foi estabelecida através de uma Ata de registro de preço, essa não pode ser confundida com contrato, já que precede a esse, e tem natureza jurídica de acordo preliminar, ou seja, é uma relação pré-contratual. Sendo assim, ela é apenas um compromisso do fornecedor perante à Administração de fornecer nas condições estabelecidas na licitação.
Desta feita, apenas após a assinatura de contrato ou emissão da nota de empenho pela Administração Pública, decorrentes da Ata de Registro de Preço, é que a relação existente entre as partes passará a ser contratual.
No entanto, é certo que, no decorrer da vigência da Ata de Registro de Preço, há a necessidade da manutenção das condições de habilitação pelo fornecedor registrado, sendo essa uma condição para realização de contrato (ou emissão de nota de empenho). Por tal razão, anteriormente à assinatura do instrumento contratual (ou equivalente), a Administração tem o dever de consultar se a empresa (que possui seu preço registrado) mantém em dia toda a documentação exigida na fase da licitação.
Salienta-se que é obrigação das partes (administração e particular) manter os compromissos sustentados pela boa-fé objetiva, ou seja, devem agir conforme a confiança depositada. Assim, deverá a Administração se comprometer a efetivar as contratações futuras com o fornecedor registrado (e que foi o primeiro classificado no procedimento licitatório), bem como terá o licitante vencedor que se responsabiliza pela obrigação de fornecer seus bens e/ou serviços pelo valor e quantidade registrados.
Portanto, deve o licitante vencedor, que possui seu preço devidamente registrado, se manter apto durante a validade da ata de registro de preço para uma possível assinatura contratual (ou e emissão de nota de empenho), a fim de que seja mantida a segurança jurídica do ajuste.
Contudo, em que pese essa obrigação de manutenção das condições de habilitação pelo licitante registrado, anteriormente à assinatura do contrato ou da emissão da nota de empenho, quando da verificação das referidas condições, em principal junto ao SICAF, certo é que a existência de penalidade aplicada em relação contratual desse fornecedor com outro órgão não possibilita a aplicação de uma sanção pelo(s) órgão(s) que possui(em) esse fornecedor registrado em ata, em decorrência de impossibilidade de emissão de empenho ou assinatura de contrato (por estar o mesmo com restrição junto ao SICAF), pois tal se configuraria “bis in idem”, já que órgão diverso já o penalizou por aquele referido ato. Não caberia aos outros órgãos (que possuem o fornecedor registrado em ata) também penalizá-lo em contratos que não chegaram sequer a serem assinados, pois resultaria em um efeito cascata de penalidades.
Assim, a ausência da documentação exigida do fornecedor registrado na Ata de Registro de Preço, durante sua vigência, antes da assinatura de novo contrato (ou emissão da nota de empenho), por estar o fornecedor com restrição junto ao SICAF, decorrente de penalidade aplicada por outro órgão, enseja restritivamente apenas o cancelamento da ata de registro de preço previsto no art. 20, IV, do Decreto nº 7892/2013
Desta monta, conclui-se pela impossibilidade de aplicação de outra penalidade ao fornecedor nessa situação, cabendo, apenas, a medida administrativa de cancelamento da ata de registro de preço.
Referências
Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm
Decreto nº 7.892/2013, de 23 de janeiro de 2013. Regulamenta o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d7892.htm
CAETANO, Marcelo. Do poder disciplinar. Lisboa, 1932.
DINIZ, Gilberto Pinto Monteiro. Registro de Preços – Análise da Lei nº 8.666/93, do Decreto Federal nº 7.892/13 e de Outros Atos Normativos – 2 ed. Fórum. 2014.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006.
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2017.
MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de Direito Administrativo Sancionador: as sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 2007.
NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contratos Administrativos, 4. ed. rev. e ampl. – Belo Horizonte: Fórum, 2015.
RIGOLIN, Ivan Barbosa; BOTTINO, Marco Tullio. Manual prático das licitações: Lei nº 8.666/93. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 7ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método. 2017. pág. 424.
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