No presente texto se sustentará a necessidade de uma prévia negociação sindical antes de se concretizarem as demissões em massa dos trabalhadores, bem como a limitação material das transações encetadas na negociação coletiva. As fontes inspiradoras foram as recentes eclosões sociais de demitiram milhares de trabalhadores e ainda, as decisões sobre o tema dos Tribunais do Trabalho da 2ª e da 15ª Região, tudo em contraponto ao debate econômico da “crise mundial”, como se exporá a seguir[1].
O ponto de partida é fixação da premissa de que nos anos de 2008 e 2009, que se inicia, a economia planetária – totalmente globalizada – sofreu e sofre com os diversos problemas noticiados dia após dia pela imprensa. Em época de recessão, como a história demonstra, custos são reduzidos, despesas são cortadas, a velhas formulas econômicas somadas às lições administrativas entram em cena, incluindo o corte de postos de trabalho. Ora, para um analista financeiro ou um administrador de empresas, embora simplória, a constatação anterior é real e permite desenvolver programas de recuperações para as empresas, e com isso possibilitá-las às novas partilhas de lucros por áureos tempos.
Porém, o cerne de uma crise global, a nosso ver, não repousa nessa fria análise mercadológica, mas sim num aprofundamento das desigualdades sociais, na eqüidistância da justiça social e, no empobrecimento da “classe-que-vive-do-trabalho” (ou fonte de renda de seu trabalho, para ampliar), como alude o sociólogo Ricardo Antunes[2].
De fato, ao que tudo indica a sociedade mundial está vivenciando uma crise econômica, que foi iniciada nos Estados Unidos da América, até então uma das principais potências econômicas mundiais. Nesse sentido os órgãos midiáticos noticiam reações das empresas à referida crise através de demissões em massa, corte de custos, fechamento de estabelecimentos, dentre outras medidas drásticas.
Tal cenário mundial faz surgir o acirrado debate acerca da legalidade da dispensa coletiva sem a passagem prévia e obrigatória pela negociação coletiva. Ou seja, coloca-se em confronto de um lado o direito potestativo (porque ainda não regulamentado) de o empregador dispensar seus funcionários e de outro lado a obrigatoriedade ou não da prévia negociação coletiva para a validação das demissões em massa.
No Estado de Direito o “Poder” devidamente organizado e com suas atribuições institucionais e estatais, delega a cada ente um papel específico no conjunto organizado de funções. Pela extensão do Estado e a incapacidade privada de alcançar todos os campos e setores, existem os “corpos intermediários”, como por exemplo, os sindicatos, que possuem parcelas de atribuições e competências estatais (“poderes” no sentido amplo). Os sindicatos, em suma, são os entes representantes dos interesses das categorias trabalhadoras/profissionais ou empresariais/econômicas, que possuem direitos, garantias e deveres assegurados por lei e com objetivos comuns de tutelarem os interesses de seus membros.
Jorge Luiz Souto Maior destaca que “o papel importante dos sindicatos é o de dar corpo e configuração à consciência de classe dos trabalhadores, possibilitando uma luta mais organizada e com maior força negocial em direção a conquistas mais abrangentes, generalizáveis, que possibilitem a melhoria das condições de vida e de trabalhão dos trabalhadores como um todo”[3].
O Brasil é signatário de diversos tratados internacionais sobre o tema (sindicatos) que, adicionados à evolução das lutas entre classes, culminou, com a instituição e proteção das entidades sindicais no âmbito constitucional, com regulamentações e limites à atuação sindical fixados por diversas leis.
Destaca-se a importância da organização sindical ao longo do texto constitucional de 1988 que obteve assento em diversos dispositivos. Estes partem da livre associação e do direito de reunião, como garantias e direitos individuais (art. 5° e seus incisos), passa pelo direito social, com sua imprescindibilidade nas questões trabalhistas (arts. 7° a 11) e chega às atividades jurisdicionais, como ente reconhecido para tutelar ou até intervir nos conflitos dos trabalhadores/categorias (art. 114), isso para não citar os demais dispositivos constitucionais correlatos, como por exemplo, à tributação, à ordem social e, aos dispositivos processuais para tutela coletiva. Como se vislumbra, trata-se de um organismo com “profundas raízes” no Sistema Jurídico Brasileiro, ou melhor, trata-se de um verdadeiro “ente” com garantias inerentes ao Estado Democrático Brasileiro.
Por sua vez, considerando a existência do ente sindical ele não está esvaziado de funções ou atribuições, pelo contrário, ele é (deveria ser) o detentor da incumbência de buscar o equilíbrio para a tensão constante entre o poder do capital e a classe operária, embora precipuamente, esta seja uma atribuição estatal (de pacificar os conflitos) que a delega a um “corpo intermediário”. Essa busca incessante de pacificação entre o capital e a classe operária, é constitucionalmente, assegurada pela “negociação coletiva”[4]. O atual panorama ao qual foi calcada a negociação coletiva, após a E.C 45/2004 e a nova redação do art. 114 da Constituição, permite afirmar que se trata de um pressuposto de existência e até validade dos conflitos e soluções desses na esfera coletiva do trabalho. A subtração ou esvaziamento do processo de “negociação coletiva” ocasiona a nulidade de todos os atos posteriormente praticados, pois, ao prever o parágrafo segundo do artigo 114 da Constituição o “comum acordo” para a deflagração de dissídio coletivo, obrigou as partes envolvidas a negociar (atenta-se ao início do parágrafo aludido que, in verbis: “recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva…”). Ora, afastar a negociação coletiva do processo sindical ou das lides coletivas trabalhistas é, mutatis mutantis, o mesmo que “trapacear no jogo de tabuleiro”, em que o trapaceador é a parte que surrupia as regras (o poder econômico) e o jogo de tabuleiro é o Estado de Direito
A consagração de um direito social, e porque não, individual do trabalhador, que é o reconhecimento sindical, só foi alcançado com muito esforço, com lutas e conquistas históricas, e com a evolução de um processo marcado pela fugacidade do mais forte sobre os mais fracos (poder econômico x trabalhadores). Com efeito, qualquer discurso em sentido contrário à opressão da classe operária é negar as evidências históricas, assim como negar o holocausto[5].
Prosseguindo, destaca-se que os objetivos fundamentais do Brasil (art. 3° da Constituição Federal) são dentre outros: “construir uma sociedade, livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos e quaisquer outras formas de discriminação”. Isso observando seus fundamentos, como a cidadania, a dignidade da pessoa (humana) e os valores sociais do trabalho e livre iniciativa (art. 1° do texto Constitucional). Esses objetivos só são alcançados quando respeitados os “seres” envolvidos no processo democrático, bem como seus direitos e deveres, pois cada parte ou ente constitucionalmente existente possui seu papel e sua força na sociedade.
Logo, combater os abusos no poder econômico, na livre iniciativa, no poder potestativo (e “direito”) da empresa, é permitir que uma sociedade “livre, justa e solidária” seja calcada. A boa-fé (lealdade e crença), os limites fixados pela função social da empresa, do contrato e da propriedade privada, são os nortes que deveriam ser observados pelo Poder Econômico, mesmo diante de uma “crise mundial”, uma vez que a “ética” nunca deveria deixar de ser observada.
Pelo exposto, questionam-se os atos das empresas em demitir inúmeros trabalhadores em curto período de tempo, sob o pretexto da inviabilidade econômica e financeira de manter os postos de trabalho diante da crise, optando por unilateralmente e na surdina “decidir” pela redução de empregos e encargos sociais, o que se designa por “dispensa coletiva dos trabalhadores, ou dispensa em massa ou demissão em massa dos trabalhadores”, e assim por diante. O problema social das demissões coletivas se agrava quando a empresa (“não social”) utiliza-se do subterfúgio de não avisar, de não negociar, de não encontrar alternativas por meio da negociação coletiva junto ao sindicato representante da categoria para evitar as demissões.
Arrisca-se um palpite ainda mais grave. Muitas empresas vêm se utilizando do argumento da crise para cortarem custos, mediante o corte de postos de trabalho, quando, de fato, não foram sequer afetadas pela tão alardeada crise econômica.
Por isso que parcela dessa ausência ou (in)submissão à negociação coletiva se atribui à “fraqueza do sistema sindical” brasileiro e da carência de efetividade dos instrumentos de pressão coletiva disponibilizados aos trabalhadores, como o esvaziamento do “poder de greve”. Isso sem contar pela opressão histórica do poder econômico sob a “classe-que-vive-do-trabalho”.
Outra parte do escopo empresarial repousa no discurso inadmissível da ausência de norma (legal e posta) que vete a dispensa coletiva de trabalhadores no Brasil. Com efeito, o uso dessa “a-legalidade”, para que empresas demitam livremente e de forma aleatória trabalhadores, demonstra que as garantias e direitos individuais, sociais e coletivas, necessitam e muito de tutela e proteção pelos legitimados.
Nesse sentido, em recente decisão o Tribunal Regional do Trabalho da 02ª Região limitou a dispensa imotivada e coletiva dos trabalhadores de uma empresa remetendo as partes à prévia negociação coletiva. Pouco tempo depois, foi a vez do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, no polêmico caso envolvendo os trabalhadores da empresa Embraer, como se esmiuçará a seguir.
Ora, não é crivo que o abuso do poder econômico seja aceito e referendado pelo Estado, neste caso, o “Poder Judiciário”. O escopo econômico utilizado com o fito de evitar a todo custo a intervenção estatal na livre iniciativa ou no mercado econômico como sendo meio de enfraquecer e desestabilizar as relações “econômicas-financeiras”, de causar insegurança nas relações jurídicas e sociais, que é forma de “ditadura”, que é causa de retrocesso social e assim por diante, porém, se observados os objetivos e fundamentos da República do Brasil constatará que todos esses “pretensos argumentos” desmoronam[6].
Acredita-se que os debates econômicos estejam equivocados, pois a intervenção Estatal (nas demissões coletivas não negociadas) é meio de demonstrar segurança jurídica nas relações jurídicas e sociais, pois, muitos contratos de trabalhos “diretos” e individuais foram rescindidos imotivadamente, diversas famílias foram impactadas economicamente, comunidades inteiras dizimadas financeiramente, socialmente o exército de desempregados aumentou, as desigualdades se acentuaram, a precarização despontou, e ainda, coletivamente, o direito sindical brasileiro restou enfraquecido, isso é, se ainda existiam “forças” sindicais” no pais dos sindicatos pelegos”! (é o que se constata pelo reduzido número de greves deflagradas ou movimentos paredistas no país nos últimos anos e pelo excedente número de sindicatos cadastrados no Ministério do Trabalho).
E mais. Após as recentes decisões sobre o tema “demissão coletiva”, juridicamente muitos sustentaram que pelo fato de não existir norma expressa que limite a dispensa coletiva esta poderia ocorrer “livremente”, pois o juiz estaria restrito a decidir dentro da lei (e lei não existiria). Novamente o debate jurídico foi tomado pelo debate econômico e com este se confundiu, isto porque o sistema jurídico brasileiro não é fechado e tão pouco depende de leis para existir, a dogmática jurídica não se reduz ao exercício “cru” de subsumir o fato à norma e ponto. Num sistema legalmente “aberto”, a todo momento, se depara com artigos na própria lei como:
a) art. 4° da LICC: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costume e também com os principios gerais do direito.”
b) Art. 5º, da LICC: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”
c) Art. 8º, da CLT: “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito de trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direto comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”[7];
d) Art. 126, do CPC: “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”;
e) Art. 127, do CPC: “ O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei”;
f) Art. 335, do CPC, sobre provas: “Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.
g) Art. 1.109 do CPC, sobre jurisdição voluntária: “O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é, porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna”.
Assim, qualquer escusa do magistrado em solucionar o conflito que lhe fora proposto sob o escopo de ausência de normas, seria a negação da prestação jurisdicional, e violação aos direitos humanos mais básicos.
Outros exemplos poderiam ser perseguidos para justificar as interferências do Estado nas relações privadas (coletivas): um, que era dever do Poder Judiciário intervir no conflito social, considerando a lesão e as partes envolvidas; dois, que a ausência de norma expressa não exime o magistrado e julgar um “pedido juridicamente possível”; três, o “poder geral de cautela” que permeia a atividade jurisdicional possibilita o magistrado decidir utilizando-se de outras fontes do direito e não somente a lei; quatro, que um magistrado não pode decidir e pautar seus atos jurisdicionais “contra legem”, mas sempre, dentro da legalidade e “pro societate”, como nos dois casos aludidos (decisões dos TRT’s da 2ª e 15ª Região). Recorda-se que a partir do momento em que o Estado avocou a solução dos conflitos, ele passou a dever Justiça, como sustentava Norberto Bobbio.
Outro ledo equivoco é o de sustentar a ausência de normas para determinar a obrigatoriedade de submissão das partes envolvidas no conflito coletivo de trabalho à negociação coletiva.
Nesse diapasão, dos diversos tratados internacionais que o Estado Brasileiro é signatário, há àqueles que versam especificadamente na imprescindibilidade dos Direitos Sindicais, que asseguram o direito de sindicalização e, sobretudo, de participação dos sindicatos nas “vidas” dos trabalhadores. Nesse sentido a Convenção n° 98 da OIT, ratificada pelo Brasil pelo Decreto Legislativo n° 49 de 1952 e promulgada pelo Decreto nº 33.196, de 29 de junho de 1953, que por si já fundamenta a “interferência” nas demissões coletivas, uma vez que os conflitos coletivos entre as partes envolvidas (trabalhadores organizados e representados por seus sindicatos e a empresa) deve sempre serem remetidos à negociação coletiva, como prevê o artigo 4° da Convenção. De igual sorte a Convenção n° 154 da OIT ratificada pelo Brasil pelo Decreto Legislativo n° 22 de 1992, promulgado pelo decreto nº 1.256, de 29 de setembro de 1994. Neste ponto, propositadamente, deixa-se de discutir as peculiaridades envoltas à Convenção 158 da OIT, ratificada e denunciada pelo Brasil[8].
Sobre a validade dos tratados internacionais no Direito brasileiro observa-se a nova tendência doutrinária e jurisprudencial. Em recente artigo Luiz Flávio Gomes[9] aponta que “os tratados de direitos humanos acham-se formal e hierarquicamente acima do Direito Ordinário”, isso em alusão a recentes manifestações do STF que concluíram que os tratados internacionais que foram submetidos à votação expressa necessária para aprovação de Emenda Constitucional (art.5° §3° da Constituição) terão efeitos impares, ou seja, que os tratados ao serem incorporados no sistema acabam por tornarem-se fontes “supra-ordinária” do direito, e que inclusive pode ser afastado (o direito ordinário) se contrariar uma norma internacional, e conclui o autor mencionando que: “do velho Estado de Direito legal ou legalista estamos evoluindo para o Estado de Direito constitucional e internacional”.
Ou seja, a previsão internacional, e porque não sistemica-interna, prevê a necessidade de negociação coletiva entre as partes envolvidas na relação de trabalho sempre que houver conflitos de interesses, o que permite afirmar a obrigatoriedade de se observar o processo de diálogo entre os envolvidos sob pena de “nulidade” procedimental ou até abusividade (para não dizer de má-fé[10], contrariedade aos bons costumes e ilicitude nas condutas) na decisão unilateral da empresa de demitir diversos trabalhadores (que é o fato corriqueiro na realidade empresarial do Brasil).
Portanto, a “bruta” atividade empresarial brasileira em praticar demissões em massa caracteriza violação da norma de conduta (a Convenção n° 98 da OIT), o que dentre outras sanções, evidencia uma prática anti-sindical rechaçada pela OIT, por seus órgãos, e mundialmente evitada. Com efeito, negar a validade ou vigência da Convenção n° 98 já ratificada é algo inimaginável para um estudante do direito ou um jurista que tranquilamente vislumbra sua incidência e seus efeitos no sistema jurídico brasileiro.
A ausência de um diálogo social entre a empresa demissionária, o governo (principalmente o Poder Executivo), e os entes sindicais não é a forma coesa e sensata de “sair de uma crise”, pelo contrário, agredir direitos consagrados e inerentes ao ser humano trabalhador é retroceder socialmente, e permitir que em breve tenhamos censuras, prisões perpétuas, penas de morte, arbitrariedades públicas e outras tantas mazelas muito conhecidas da sociedade, e que se busca esquecer após 1988.
Retomando às decisões dos E. Tribunais laborais retro citadas, a da 2ª Região culminou na declaração de nulidade da dispensa coletiva e determinação para que a empresa estipulasse negociação coletiva reduzindo os impactos sociais[11].
E a da 15ª Região na determinação de indenizar os trabalhadores da empresa com mais dois salários, além das verbas devidas pela rescisão, direito a mais 12 meses de plano de saúde, preferência na recontratação por até dois anos dos demitidos, e ainda mantença dos efeitos temporais das liminares concedidas suspendendo as rescisões dos contratos (nesta ainda não ocorreu o trânsito em julgado até o momento da publicação deste texto)[12].
Ora, as decisões mencionadas são difusoras no sistema jurídico pátrio, mas os E. TRT’s ao concluírem pelo vício no negócio jurídico e pela ilicitude na conduta dos agentes envolvidos restringiram-se, pois: ou determinaram as empresas a indenizar os obreiros (com diversas formas), ou remeteram as partes a um acordo específico para as demissões. Outros mecanismos jurídicos poderiam ter sido utilizados e mais efetividade às normas trabalhistas alcançadas, incluindo, aplicações de sanções às empresas. Porém, o marco difusor foi a consideração e evidencialidade pacífica de abusividade e ilicitude nas condutas dos empregadores em praticarem as demissões em massa, e sempre unilaterais.
Em tempo, não se sustenta que uma vez negociada coletivamente a demissão em massa dos trabalhadores se justifica ou fundamenta, pelo contrário, como se verá a seguir. O que se salienta é a imprescindibilidade da negociação como pressuposto de existência e até validade de eventuais demissões.
Nesse sentido, algumas idéias legislativas surgem para socorrer o descalabro descumprimento dos preceitos assegurados aos trabalhadores e aos representantes de classes. Como o Projeto de Lei n° 6.356/2005[13] do Deputado Federal Vicentinho, que em suma prevê os “índices” para se ter a demissão coletiva nos casos descritos e remete as partes à negociação coletiva. Em que pesem as críticas pontuais ao projeto, e algumas bem fundamentadas, fato é que a saída (se é que há) encontrada para o problema é a mesma que hoje se busca e que a OIT recomenda: “a ampla negociação coletiva” (para aquilo que a negociação seja possível).
A Constituição Federal ao “flexibilizar” os direitos trabalhistas assim o fez prestigiando a Negociação Coletiva e a atividade sindical (art. 7° inciso XIII e XIV), além das diversas previsões na CLT e legislações esparsas, como por exemplo, nos institutos das férias coletivas, da suspensão do contrato de trabalho para qualificação do empregado, na contratação de trabalhadores por prazo determinado (tempo parcial, previsto na lei 9.601/98), no banco de horas, na participação dos lucros e resultados, e outros tantos (inclusive com a recente atribuição de personalidade jurídica e capacidade de negociação às centrais sindicais, pela lei n° 11.48/08).
Assim, diante de tantas evidências que remetem à “negociação entre as partes envolvidas no conflito”, questiona-se: “POR QUE RETROCEDER SOCIALMENTE?” “Por que romper o pacto de uma sociedade justa, fraterna e solidária e que valoriza o ser humano trabalhador (dignidade humana)? E as gerações futuras, o que farão diante da sucumbência pública e social quanto aos direitos trabalhistas mínimos mundialmente consagrados?
A mantença do atual sistema sindical em suas bases corporativistas é a critica contumaz que os especialistas realizam, mas em oportunidades criadas pelas “crises” para a evolução do sistema sindical, a estagnação persiste e todo o debate teórico de emancipação aparentemente desaba.
Recorda-se da conclusão lançada por Jorge Luiz Souto Maior para quem: ”fazer valer o direito do trabalho, mais que uma questão de justiça, é um resultado inexorável de nossa responsabilidade histórica. Nesse sentido é que devemos ser homens de nossa época, o que pressupõe reconhecer que direito social que herdamos é o resultado do sacrifício de muitas vidas. Não podemos transmitir aos nosso sucessores um mundo novamente marcado pelas máximas capitalistas do “quem pode mais chora menos” e do “salve-se quem puder”, pois elas já nos conduziram a duas guerras mundiais e, certamente, nos conduzirão à terceira, da qual, no entanto, não restará notícia”[14].
As soluções não são mirabolantes e não estão assentadas numa fórmula mágica, mas sim em pequenos atos e atitudes, como: as dos E. Tribunais Trabalhistas que valoraram a atividade sindical; no respeito pela sociedade e pelo governo à liberdade sindical e à negociação coletiva; as soluções dos conflitos na esfera coletiva e não individual (demissão coletiva versus demissão individual); e assim, desvincular-se do debate econômico global que busca fundar-se no individualismo-consumista e por sua vez no enfraquecimentos dos agentes sociais e coletivos e pautar-se no coletivismo e na real democracia.
Num exercício interpretativo mais preciso, observa-se que as normas jurídicas já possibilitam uma ampla liberdade sindical, com efetivação da atividade negocial e respeito ao Direito do Trabalho, bastaria a aplicação dos tratados internacionais, das normas constitucionais e infraconstitucionais. Assim, por exemplo:
A ordem econômica deve, conforme a Constituição: “Art. 170 –(…), fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; (…) VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego;”
E como no texto constitucional não há letra morta, a interpretação harmônica destas prescrições com os artigos introdutórios da Carta de 1988[15] (artigos 1° a 11°), permitem analisar que o norte a ser perseguido é o do bem comum, da igualdade (material e formal), do bem estar, da dignidade humana, do pleno emprego (trabalho digno), da paz social e assim por diante, mas sempre com equilíbrio de forças e valoração do ser humano.
Há tempos a norma infraconstitucional já aponta elementos, que se analogicamente utilizados, permitem impor ao empregador limites ao poder potestativo (e abusivo de demitir coletivamente). Por exemplo, o art. 165 da CLT acena que para os membros da CIPA, detentores de estabilidade provisória, necessário que a empresa ao dispensá-los justifique e comprove o motivo de ordem disciplinar, técnico, econômico ou financeiro.
Os primeiros passos para a aplicação de algumas idéias aqui desenvolvidas e sustentadas foram postas em práticas pelos E. Tribunais Regionais do Trabalho com as recentes decisões mencionadas. Mas ainda falta muita consciência de classe, jurídica, social e econômica[16].
Um último ponto merece ser aprofundado, para que equívocos na interpretação não sejam cometidos e, sobretudo, para alcançar a exata proposta do presente texto.
No que se refere a obrigatoriedade da negociação coletiva prévia às demissões em massa, dois principais posicionamentos doutrinários opostos foram rapidamente formados. A primeira corrente entende que para a demissão em massa não há que se falar em prévia negociação coletiva, na medida em que não se pretende estabelecer condições de trabalho, pelo contrário, o que se pretende é justamente a extinção do vínculo empregatício, o que não encontra óbice no ordenamento jurídico vigente no país (posição já superada pelos argumentos retro apresentados).
O segundo posicionamento doutrinário arrima-se no sentido de que apesar de não existir norma regulamentadora da dispensa arbitrária ou sem justa causa, o que mantém vigente o pode potestativo de o empregador imotivadamente dispensar o trabalhador, tal “dispensa” está inserida na esfera individual do contrato de trabalho.
Ocorre que a dispensa coletiva não está adstrita a esfera individual da relação de emprego, mas diz respeito a um direito essencialmente coletivo, afeto não só aos trabalhadores individualmente considerados, mas a toda a comunidade ao qual está inserido, às diversas famílias que perdem sua fonte de sustento, ao verdadeiro problema social que o desemprego causa. A corrente que defende o direito de rescindir centenas de contratos de trabalho sem qualquer restrição não observa a magnitude da questão, que a retira da esfera eminentemente privada e individualizada do contrato de trabalho remetendo-a à pública ou difusa e coletiva.
A denúncia vazia de um contrato de emprego é aceita tendo em vista a ausência de regulamentação do art. 7, I, da CF e pela duvidosa validade da denúncia da Convenção 158 da OIT pelo Brasil. Mas, além disso, a dispensa individual rege-se pelo também Direito Individual do Trabalho, não obrigando o empregador, até então, a motivar a dispensa.
Por outro lado, as dispensas em massa são regidas pelo Direito Coletivo do Trabalho, que possui normas de ordem pública, na medida em que diz respeito a direitos que extravasam a esfera meramente individual, ou seja, interesses coletivos e difusos, pois atingem simultaneamente grupos de trabalhadores e toda a sociedade indiretamente.
Na medida em que as demissões coletivas são matéria afeitas à esfera coletiva do Direito do Trabalho, resta afirmar que se demonstra obrigatória a tentativa de negociação coletiva prévia entre as representações sindicais das categorias profissional e econômica envolvidas. Através da negociação coletiva as partes podem procurar soluções diversas para lidar com os problemas econômicos atravessados pela empresa sem que seja necessária a dispensa coletiva de trabalhadores.
Ademais, pela prévia negociação coletiva o sindicato profissional pode servir como filtro ético, considerando que pode constatar se os argumentos de uma referida crise são verdadeiros. Ou seja, o sindicato está mais próximo da realidade da empresa, na verdade, está inserido em sua dinâmica econômica, através de seus representados e, por isso, tem aptidão para notar se a crise afetou verdadeiramente a empresa que negocia coletivamente.
Partindo dessa premissa formal, da obrigatoriedade da negociação coletiva prévia à dispensa em massa, outra questão de ordem material surge: E se o Sindicato Profissional concordar com a dispensa em massa? O Direito Coletivo do Trabalho impõe, além do requisito formal da obrigatoriedade de prévia negociação coletiva, algum limite de conteúdo à negociação?
Para responder essa indagação deve-se perquirir acerca das características do direito em pauta na negociação coletiva. Os direitos do trabalhador estão previstos na Constituição Federal e detêm a qualidade da fundamentalidade, compondo o núcleo imutável (e mínimo – com as cláusulas de não retrocesso social) da carta magna. Ademais são direitos de ordem pública, voltados para a sociedade de trabalhadores considerados hipossuficientes em suas relações com “o patrão”. Por tal razão detêm estes direitos laborais a qualidade da indisponibilidade.
A fundamentalidade e a indisponibilidade não são caracteres que tornem os direitos trabalhistas irrestritos. Os direitos fundamentais podem sofrer restrições tanto em seu exercício quanto para o seu exercício, principalmente, quando há conflito de bens jurídicos tutelados. Ocorre que as restrições ou estão previstas diretamente na Constituição Federal (restrições diretas ou imediatas) ou são colocadas para que o legislador infraconstitucional o faça (restrições legais ou reserva legal), porém em todas as hipóteses princípios supremos preponderam, como da isonomia e suas peculiaridades, da liberdade, da proteção ao hipossuficiente, da boa-fé, da função social da propriedade, dos contratos, da empresa, da eticidade, dentre outros.
O fato é que a negociação coletiva não tem aptidão ou permissão para renunciar (coletivamente) aos direitos trabalhistas das categorias envolvidas. Pela negociação coletiva somente é possível que haja transação de direitos cuja indisponibilidade seja apenas relativa, ou seja, a Constituição Federal deve prever a sua “flexibilização” mediante convenção ou acordo coletivo (art. 7, VI, XIII, XIV, CF). Nos demais casos, onde não há o permissivo constitucional, os direitos se revestem de indisponibilidade absoluta e não poderão ser transacionados de forma a piorar a situação dos trabalhadores por meio da negociação coletiva. Com efeito, a negociação coletiva cabe para que melhorias nas condições de trabalho sejam implementadas, e a ruptura do pacto laboral definitivamente, “não é melhoria em qualquer condição” (nem mesmo para a empresa).[17]
No caso em destaque, a despedida arbitrária ou sem justa causa deverá ser regulamentada por lei complementar, tratando-se de restrição legal de direitos, não afeita à negociação coletiva.
Assim, entende-se que a Constituição Federal impõe à negociação coletiva limites materiais, proibindo que a transação coletiva entre os sindicatos representativos leve à extinção em massa dos contratos de trabalho, por se tratar a proteção da relação de emprego de direito de indisponibilidade relativa, porém com restrições adstritas à reserva legal.
Dessa forma, deverão os sindicatos envolvidos na negociação coletiva buscar soluções diversas para o enfrentamento da crise, sem que isso signifique a resolução coletiva dos contratos de trabalho. A propósito, as partes dispõem de ferramentas constitucionais para a solução do impasse, sendo certo que a Carta Maior permite a redução salarial e a redução de jornada pela livre negociação coletiva das partes (art. 7º, VI e XIII, CF), desde que com compensações e alterações momentâneas e isonômicas a setores ou membros da categoria.
Portanto, a defesa da negociação coletiva como forma de evitar a demissão coletiva é um passo rumo a real democracia, rumo ao efetivo uso do Poder do Povo, rumo à valorização do ser humano enquanto cidadão e de valorização do trabalho enquanto elemento vital à sociedade. Uma última ressalva merece ser realizada, a de que as propostas e idéias aqui defendidas só nos servem se possuirmos um sistema sindical forte e legítimo, que num ciclo vicioso só se consegue com a liberdade sindical e o direito negocial.
A autora é doutoranda em direito do trabalho pela USP, mestre em direito do trabalho pela PUC/MG, professora de direito do trabalho e processo do trabalho da PUC/MG e autora de livros na área trabalhista.
Advogado e professor de Direito, especialista, mestre e cursando doutorado em Direito
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