Resumo: Diante da constante prática de crimes contra a mulher, com violência doméstica e familiar, surge a necessidade da criação de uma lei que viesse a ampara-la. Com a criação da Lei 11,340/2006 (Lei Maria da Penha), obteve-se mecanismos para impedir essa pratica de forma mais ágil e eficiente. Entrementes surge a questão da aplicabilidade da pena, que segundo o art. 41 da referida Lei Maria da Penha, veda a aplicação das penas elencadas pela Lei 9.099/95, ou seja, seus institutos despenalizadores. Daí a importância de se conhecer os motivos que levaram o legislador a proibição desses institutos em casos de violência doméstica, seja qual for a pena culminada. Ao analisar os argumentos suscitados pelo Poder Judiciário brasileiro para deferir ou indeferir pedidos de aplicação de sanções pela Lei 9.099/95, nos crimes praticados contra a mulher com violência doméstica e familiar, o que acabou culminado na Súmula 536 do Superior Tribunal de Justiça, foi utilizada consulta a bibliografias do direito penal, leis e sumula do STJ.[1]
Palavras chaves: violência domestica, mulher, juizados, sumula.
Abstract: Faced with the constant practice of crimes against women, with domestic violence, there is the need to create a law to come to shelters it. With the creation of Law 11,340 / 2006 (Maria da Penha Law), was obtained mechanisms to prevent this practice more quickly and efficiently. Meanwhile the question arises of the applicability of the sentence, which according to art. 41 said Maria da Penha Law, prohibits the application of the penalties listed by Law 9.099 / 95, that is, their despenalizadores institutes. Hence the importance of knowing the reasons that led the legislature to ban these institutes in cases of domestic violence, whatever the penalty capstone. By analyzing the arguments raised by the Brazilian judiciary to approve or reject requests for sanctions by Law 9,099 / 95, in crimes against women with domestic violence, which eventually culminated in Sumula 536 of the Superior Court of Justice was used consulting bibliographies of criminal law, laws and emulates the STJ.
Key words: domestic violence, woman, courts, roster.
Sumário: Introdução. 1 Breve histórico. 2 A violência doméstica e familiar contra a mulher. 3 Juizados Especiais Criminais – JECrim. 4 Conflito entre a Lei Maria da Penha e a suspensão condicional do processo. 5 Jurisprudência/STJ. Considerações Finais. Referencias.
INTRODUÇÃO
A Lei 9.099/95, que trata da competência dos Juizados Especiais, foi criada com o propósito de dar celeridade a atuação judicial, reduzir as lides, celebrar composições amigáveis e desafogar as penitenciarias. Entretanto diante do grande numero de casos de violência domestica contra a mulher e da impunidade contra a mesma, a referida Lei se tornou inócua, pois com sua aplicação percebeu, o poder Judiciário, que estava ocorrendo uma sensação de impunidade em relação as crimes perpetrados contra a mulher.
Diante este cenário de impunidade nos casos de violência domestica, contra a mulher, surgiu no ano de 2006 a Lei 11.340, também conhecida como Lei Maria da Penha, com o proposito de proteger as mulheres e garantir-lhes um dos direitos básicos de todo o ser humano, o da “dignidade da pessoa humana”.
Diante do debate entre a inaplicabilidade da Lei 9.099/95 frente a Lei 11.340/2006, o presente projeto pretende, não de forma a exaurir todo o assunto, tratar de dois institutos despenalizadores da lei dos Juizados Especiais, o da transação e da suspensão condicional do processo, que são objeto da Sumula 536 do STJ, publicada em 15/06/2015, oriunda de reiteradas decisões de Habeas Corpus, indeferidas para conceder ao réu o beneficio dos institutos citados.
Percebe-se que da criação Lei Maria da penha, em 2006, até a publicação da Sumula 536 do STJ, em 2015, se passaram 9 anos, isto demonstra que apesar da vedação dos institutos da Lei dos Juizados Especiais, pelo artigo 41 da Lei Maria da Penha, em especial os dois citados anteriormente, alguns juízes vinham concedendo tal beneficio, ainda que posteriormente fossem vencidos pelas instancias superiores.
Breve Historico
A fim de diminuir o descaso com o qual era tratada a violência doméstica contra a mulher no Brasil, em 2005, um projeto de lei que visava à proteção das mulheres no âmbito doméstico foi aprovado na Câmara dos Deputados e, em julho do ano seguinte, foi criada a Lei 11.340/2006, também conhecida como Lei Maria da Penha. Ela surgiu, em homenagem à farmacêutica bioquímica, Maria da Penha Fernandes que ficou paraplégica por causa de um tiro nas costas dado pelo próprio marido e se tornou um ícone da luta contra a violência doméstica e a impunidade dos agressores.
Hoje aos 71 anos, ela fora agredida pelo marido durante seis anos. Em 1983, por duas vezes, ele tentou assassiná-la. Na primeira tentativa, com uma arma de fogo, que a deixou paraplégica e, na segunda, por eletrocussão e afogamento. Mas o pior é que ele só foi punido depois de 19 anos e cumpriu apenas dois anos de prisão em regime fechado.
Como uma forma de punir mais severamente esse tipo de crime e é uma das conquistas femininas mais importantes da atualidade. O seu principal objetivo é coibir agressões domésticas e familiares, dentre elas qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, inclusive as de dano moral ou patrimonial.
A criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei no 9.099/95) ocorreu sob a inspiração da Lei no 7.244/84 que regulava os Juizados de Pequenas Causas, objetivando desafogar o contingente crescente de demandas judiciárias brasileiras, trazendo mais eficiência e eficácia à válida experiência do Juizado Informal.
A Lei no 9.099/95 passou a determinar o processamento e julgamentos dos crimes de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes cujas penas privativas de liberdade, atualmente, não sejam superiores a dois anos e multa, em seu máximo). De acordo com Código Penal mais de setenta por cento das condutas tipificadas como crime passaram à competência do Juizado Especial Criminal, além de todas as contravenções penais, inclusive as previstas em legislação esparsa, o mesmo se passando com os crimes desde que as penas privativas de liberdade estejam guardadas pelo limite legal.
O princípio da instrumentalidade das formas é contemplado aqui pelo artigo 13, da Lei no 9.099/95, , tendo em conta os princípios que orientam a criação desses Juizados (art. 2o da Lei no 9.099/95). Desta forma, todos os atos processuais são válidos ainda que praticados em descompasso com a lei, contanto que preencham as finalidades para os quais foram realizados.
2 A violência doméstica e familiar contra a mulher
A lei 11.340/06, intitulada como Lei Maria da Penha, traz no seu artigo 7º e incisos, as formas de violência, que são a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, e suas respectivas definições, praticadas contra a mulher.
Para Debert e Oliveira (2007, p.330) a vitima de sujeitos de direitos é constituída em esposa ou companheira; da mesma forma que o agressor passa a ser marido ou companheiro. Ambas apoiam a Lei Maria da Penha no sentido de que esta afasta o crimes praticados contra mulher do JEcrim, impedindo a aplicação da pena de cesta básica e passando a exigir a instauração do inquérito policial, entretanto quanto aos institutos da suspensão e o da transação, elas não se posicionaram.
Já em artigo intitulado Violência doméstica e familiar contra a mulher, Marcelo Lessa Bastos, dia que “não se aplicam, portanto, os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 em caso de violência domestica e familiar contra a mulher. Deste modo, em se configurando a violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja o crime e sua pena, não cabe transação penal nem suspensão condicional do processo nem composição civil dos danos extintiva de punibilidade”.
O problema em voga é que para todos os crimes praticados, independentemente da forma de violência e da pena culminada, não se aplica a Lei 9.099/95, como reza o art. 41 da Lei Maria da Penha, o que conforme Souza (2007, p.162) por ser uma lei posterior a dos juizados exclui os crimes de menor potencial ofensivo, “não havendo inconstitucionalidade, já que o legislador infraconstitucional agiu dentro dos limites que o constituinte lhe reservou”. Por exemplo, o crime tipificado no artigo 147 do Código Penal “ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causa-lhe mal injusto e grave”, prevê uma pena de detenção, de um a seis meses ou multa, o que possibilitaria o instituto da transação condicional do processo previsto no art.76 da Lei 9.099/95.
3 Juizados Especiais Criminais – JECrim
Sancionada em 26 de setembro de 1995, a Lei 9.099 criou os Juizados Especiais Criminais, com o intuito de agilizar os processos penais, cujos crimes sejam de menor potencial ofensivo e a pena máxima não ultrapasse 2 anos. A lei 9.099/95 ainda em seu art. 62, orienta-se por critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.
A Lei 9.099/95 preve ainda a transação penal (art. 76), exigência de representação nas lesões corporais leves ou culposas e suspensão condicional do processo (art. 89), também conhecida como sursis processual. E conforme, Gomes e Bianchini (2006) “além desses institutos despenalizadores, o art. 69 e seu parágrafo prevê uma medida descaracterizadora (ou seja: não cabe prisão em flagrante nos casos de infração de menor potencial ofensivo).”
Segundo SALIBA (2006) “a conciliação civil permite que o autor da agressão e a ofendida buscassem, com o auxilio de mediadores, a solução adequada para os problemas vivenciados no ambiente doméstico e familiar. A conversa entre as partes é sem duvida alguma o único e eficaz caminho para se combater a violência, não se apresentando a punição mais severa como forma de resolução de conflitos. A violência contra a mulher não é um ponto isolado na história, mas sim fruto de um processo cultural da sociedade moderna”.
Porém o legislador considera insuficientes as mediadas despenalizadoras da Lei 9.099/95, ainda que com a edição da Lei 10.455/02, que acrescentou ao art.69, paragrafo único da Lei 9.099/95, a previsão de medida cautelar, de natureza penal, consistente no afastamento do agressor do lar conjugal na hipótese de violência domestica, e ainda com a edição da Lei 10.886/04, que inseriu, no art.129 do CP, o paragrafo 9º, aumentando a pena, em decorrência de violência domestica, de ter meses para seis meses.
4 Conflito entre a Lei Maria da Penha e a suspensão condicional do processo
Em que pese a constitucionalidade do artigo 41 da Lei 11,340/06, ao afastar a incidência da Lei 9.099/95, não se deve interpreta-la precipitadamente, mas sim de modo a contextualiza-la com tal impeditivo.
Muitos julgados fundamentam-se pela inaplicabilidade da suspensão condicional do processo, por entenderem ser esta medida de caráter despenalizadora criado pela Lei 9.099/95 e que vai de frente as medidas criadas pela Lei Maria da Penha, visando a proteção do gênero feminino.
A suspensão condicional do processo, no período de 2 a 4 anos, coloca o agressor em estado de vigilância, e com a designação da audiência resolve-se o problema, por ser uma audiência rápida, e podendo também ocorrer na pauta de instrução.
Pode o juiz ao estabelecer o sursis, medidas de afastamento, de frequentar curso de reeducação, de pagar uma condição pecuniária, ou outra medida. E o interessante que ao evitar a condenação, não prejudica o acusasdo em sua reinserção no mercado de trabalho, e se já estiver trabalhando, evita que o mesmo venha a perder seu emprego.
Importante observar que a suspensão condicional do processo, não fica restrita ao Juizado Especial, destarte que o artigo 89 preve a pena mínima abstrata de um ano, não havendo limite para pena máxima, deixando claro que se aplica também a crimes não elencados na lei 9.099/95.
Nos casos da Lei Maria da Penha, cabem fiança e audiência de custodia, mas recusa-se a sursis. Há casos em que o acusado, recebe pena de detenção, substituída por restritiva de direitos, como tem ocorrido em diversas sentenças, senão vejamos no seguinte caso:
“APELAÇÃO CRIMINAL – ART. ARTS. 129, § 9º E 147 DO CÓDIGO PENAL C/C ART. 7º, I E II, DA LEI Nº. 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA)- SURSIS DA PENA – POSSIBILIDADE – REQUISITOS PREENCHIDOS – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO”. (TJRR – ACr 0010.12.015673-1, Rel. Des. MAURO CAMPELLO, Câmara Única, julg.: 15/12/2015, DJe 04/02/2016, p. 30).
Deste modo não se vislumbra quais razoes, podem ser alinhadas para se vedar a suspensão condicional do processo, uma vez que este visa os efeitos danosos de uma condenação criminal, dando chance para o dialogo com o acusado, o qual tem a oportunidade de colaborar com a justiça e com a vitima. Lembrando sempre, que a violência domestica não se restringe a violência entre marido e mulher, mas ocorre também entre mãe e filho, entre avos e neto, entre outras relações no seio familiar.
5 Jurisprudência/STJ
Recentemente o Superior Tribunal de Justiça editou a Sumula de nº536, ao anunciar que “a suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”.
O fundamento para a tal sumula foi baseada numa série de precedentes, dentre eles o pedido da concessão de Habeas Corpus 42092/RJ, conforme ementa a seguir:
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL (ARTIGO 129,§ 9º, DO CÓDIGO PENAL). CRIMES PRATICADOS POR PADRASTO CONTRA ENTEADA. LEI MARIA DA PENA. INCIDÊNCIA. DESNECESSIDADE DECOABITAÇÃO. EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE INTIMIDADE E AFETO ENTRE AGRESSOR E VÍTIMA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA PARA A DESCONSTITUIÇÃO DE TAL ENTENDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. DESPROVIMENTO DO RECLAMO.”
Com essa Sumula, o STJ reitera uma série de julgados que indeferem a aplicabilidade do instituto da Lei 9.099/95, qual seja da transação ou da suspenção do processo, aos crimes de menor potencial ofensivo, praticados com violência a mulher, regidos pela Lei Maria da Penha.
Acadêmico de direito na Faculdade de Mato Grosso do Sul
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