Resumo: A abordagem feita no presente trabalho pretende demonstrar primeiramente a evolução do relacionamento entre animais humanos e não humanos, e principalmente em que momento esses passaram a ser especiais àqueles. Aponta-se a época em que os animais eram apenas vistos como alimento para os homens, passando à época que começaram a serem vistos como companhia – situação que perdura até hoje. Com a evolução da situação dos animais, também foram abordadas as principais diferenças entre eles e os humanos, inclusive com relação a consideração que devem ter, por serem seres sencientes, portadores de dignidade. A análise da diferença entre os animais humanos e mão humanos fora com o principal objetivo de demonstrar como se conceder tratamento diferente aos animais, justamente em razão de suas diferenças, demonstrando assim a sua necessidade em possuir proteção legal. Depois, passa-se a abordar o direito penal em si, bem como é feito um pequeno estudo dos princípios do direito penal, apenas daqueles que podem ser utilizados na resolução do problema aqui apontado, qual seja, a ineficácia das atuais leis penais em casos de maus tratos a animais de estimação (ou de companhia, como preferem alguns autores). Necessária também foi a análise do bem jurídico que é tutelado no direito penal, para que se pudesse chegar ao ponto principal do trabalho: qual o bem jurídico tutelado quando se trata de animais de estimação, bem como a possibilidade e necessidade da majoração das penas a serem aplicadas àqueles que cometem crime de maus tratos contra os animais, sendo que no presente trabalho, o foco principal são os maus tratos cometidos contra os animais de estimação.[1]
Palavras Chave: Crueldade contra animais. Maus tratos. Animais domésticos. Seres sencientes. Animais não humanos.
Sumário:1 Introdução,2 Início do relacionamento entre os animais humanos não humanos,2.1 Diferenças e semelhanças entre animais humanos e não humanos,2.2 A dignidade dos animais não humanos: uma questão ética e moral,3 Breve análise principiológica do direito penal,3.1 Bem jurídico e a tutela do direito penal,4 Conceito de meio ambiente e o ambientalismo,4.1 O ambiente como sujeito de direito e a evolução histórica acerca do tema,4.2 O bem jurídico tutelado nos crimes em jurídico tutelado nos crimes de crueldade contra os animais de estimação,5 Considerações finais,Referências.
Há muitos anos se discute – entre os defensores e aqueles que são veementemente contra – a proteção aos animais, notadamente aos animais de companhia, ou de estimação. Os que se manifestam contra, alegam ser a proteção a essa espécie exacerbada e desproporcional, alegando, normalmente, que existem crianças abandonadas, que também necessitam de cuidados, e estão à sua própria sorte, sem ajuda de ninguém.
O estudo apresentado buscou, sem esgotar o assunto, demonstrar a necessidade que os pequenos animais têm de receber proteção igualada a que é reservada aos humanos, tendo em vista a sua incapacidade de autodefesa, e total submissão aos animais humanos.
O primeiro capítulo abordou a questão histórica, demonstrando que que por muitos anos o homem vem dedicando especial atenção aos pequenos animais, muitas vezes dependendo deles por serem sua única companhia, pagando preços exorbitantes por filhotes, que ou acabam sendo abandonados por falta de tempo ou falta de interesse ou então, que acarretam a exploração das chamadas matrizes, que acabam se tornando meras reprodutoras, sem qualquer cuidado e extremamente exploradas.
Por conta disso, pretende-se com o trabalho em análise, demonstrar que a sociedade já exige que o direito penal se manifeste acerca da crueldade que é praticada contra pequenos animais, e que cotidianamente se acompanha nas mídias, sem deixar a sociedade sem resposta com relação a esses casos.
O fato é que a legislação que aborda a questão, é genérica, não tratando os casos de crueldade contra animais domésticos de maneira eficaz, já que prevê pequenas penas, que na totalidade de casos pesquisados acaba se convertendo em prestação de serviços à comunidade, dando a impressão de impunidade àqueles que cometem crueldade contra os animais.
No segundo capítulo, buscou-se demonstrar o início da preocupação com o meio ambiente, fazendo-se uma abordagem com relação ao surgimento da legislação acerca do tema, bem como os motivos que levaram a sociedade atual a dar tanta importância para o tema.
Além disso, abordou-se a questão do meio ambiente como sujeito de direito com a intenção de demonstrar que, situações que eram absurdas de se imaginar no século retrasado e passado, acabaram tornando-se proibidas por lei e severamente punidas, o que faz com que se possa ter esperança ainda em acreditar numa legislação ambiental específica para os pequenos animais.
No terceiro capítulo, abordou-se a problemática proposta, ou seja, a questão do bem jurídico tutelado em casos que atingem os pequenos animais: quem são esses pequenos animais? Objetos? Ou sujeitos de direito? Na verdade, tentou-se demonstrar que no mundo em que se vive, não há mais espaço para considerar tais animais como objetos, como sempre o direito os considerou.
A existência de sensibilidade concedendo-lhes a possibilidade de sentirem, se relacionarem, e muitas vezes até se comunicarem, demonstra que tratá-los como coisas seria ignorar uma situação que está cada vez mais destacada, ou seja, que são praticamente membros da família, e em sendo assim, merecem respeito e consideração, e principalmente proteção.
Além de não poderem mais serem vistos como objetos, como coisas – situação jurídica atual dos animais de companhia – a intenção do trabalho também foi de se demonstrar que o fato da justiça cegar diante das necessidades dos não humanos, está causando a exaltação à impunidade daqueles que não respeitam outras espécies.
2 Início do relacionamento entre os animais humanos não humanos
A relação entre seres humanos e os animais existe há milhares de anos e acompanha a própria evolução humana. Porém, a história mostra que durante vários séculos o ser humano não manteve nenhuma consideração com os animais não humanos e com a própria natureza. (NOGUEIRA, 2012, p. 7)
Talvez por isso ainda hoje exista uma grande resistência dos governantes em estabelecer regras efetivas de proteção aos animais, notadamente no que diz respeito aos pequenos animais.
Fato é que esta categoria sempre foi ignorada no momento de se legislar acerca da proteção que deveriam ter, pois jamais foram individualizados do “meio ambiente” em si. Prova disso é que não há uma regra específica de proteção aos seus direitos.
Quando se fala em “direito dos animais” já se imaginam os direitos positivados – porém, como mencionado acima, nosso ordenamento jurídico não reconhece os animais como “sujeito de direitos”.
Porém, quando se menciona o termo “direitos animais”, já se remete à ética e moral que todos devem ter com relação a esses seres.
“Moral e ética que devem ser compreendidas como conceito basilares, inerentes à esfera dos direitos humanos elementares e que implicam na erradicação da exploração animal. Nesse sentido, os animais, semelhantes a nós, animais humanos, possuem direito moral, aquele direito que antecede a qualquer ordenamento jurídico, ou seja, qualquer direito positivo. Portanto, possuem direito à vida, à integridade de seus corpos e à liberdade (DUTRA, 2008,)”
Para que se compreenda o descaso para com os ditos “animais não humanos”, se faz necessário uma pequena abordagem histórica acerca do início do relacionamento entre estes e os “animais humanos”.
Desde sempre os animais são utilizados pelos humanos de diversas formas, começando com a caça, a domesticação para subsistência, o uso na agricultura, como símbolos religiosos, no comércio, dentre outras.
Fácil observar, com o passar do tempo, que a história do homem e dos animais nunca poderá ser analisada separadamente. Da mesma forma que a religião sempre acompanhou o homem na sua vida social, a história dos animais humanos e não humanos também passa pela filosofia e religião. (NOGUEIRA, 2012, p. 8).
“ Desde os povos primitivos, já haviam manifestações de crenças variadas, algumas envolvendo de formas distintas os animais. As especificidades e características físicas, tais como força, audição apurada, destreza e agilidade, dos animais, conferiam aos mesmos respeito e adoração por parte dos humanos, quase que um caráter mágico (LOURENÇO, 2008, p. 98)”
Na Antiguidade, os animais não humanos tinham grandiosa força simbólica, sendo considerados divinos pelos povos. Aliás, essa situação é observada em diversos países até os dias de hoje, como na Índia, local em que a vaca é considerada um animal sagrado (RODRIGUES, 2012, p. 40).
Além do exemplo da vaca no mundo hindu, tem-se ainda o totem como símbolo sagrado e ritualístico de algumas tribos indígenas, a teriomorfia (Deuses em forma de animais) dos egípcios, a mitologia greco-romana (o unicórnio, figura mitológica associada à pureza e à beleza, representava-se por um cavalo de um chifre só), a mitologia chinesa (o dragão, o tigre e a serpente são exemplos de animais associados à mitologia chinesa) e a idolatria de alguns animais, como o exemplo já citado, tratam-se de alguns poucos exemplos da sacralização e fascínio que os animais exerceram ao longo do tempo na sociedade humana. (NOGUEIRA, 2012, p. 9).
Isso tudo porque há muita semelhança e características em comum entre os animais humanos e não humanos. Todos são portadores de instintos e de finalidades como a procriação e a própria sobrevivência, ambas as espécies são dotadas de noção de autoridade, bem como capacidade de interação e principalmente de comunicação. (RODRIGUES, 2012, p. 37).
Claro que existem diferenças fundamentais entre os seres humanos e não humanos, e a maior delas talvez tenha estreita ligação com a cultura. Mat Ridley (2000, p. 204) assim se manifesta:
“O que faz os seres humanos serem diferentes é a cultura. Devido a prática humana de transmitir tradições, costumes, conhecimentos e crenças por informação direta, de pessoa para pessoa, há um tipo de evolução inteiramente novo acontecendo entre os seres humanos – uma competição não entre indivíduos ou grupos geneticamente diferentes, mas entre indivíduos ou grupos culturalmente diferentes. Uma pessoa pode prosperar em detrimento de outra não porque possui genes melhores, mas porque conhece ou acredita em algo de valor prático.”
Entre os primeiros grandes filósofos já se discutia o valor e o real direito no sentido dos animais receberem tratamento adequado e não cruel. Algumas escolas da filosofia antiga privilegiavam o poder do ser humano e a completa submissão de todas as outras formas de vida. Entretanto, os filósofos que não partilhavam dessa opinião aliados à filosofia moderna e ao conceito de ética em relação aos animais, conseguiram significativo progresso no sentido do reconhecimento de direitos de proteção dos animais.
Ao estudar-se o período das cavernas, abordado com mais detalhes nos próximos parágrafos, quando se analisa as pinturas ruprestes, estas já traziam destaque aos animais na qualidade de protagonistas das histórias narradas através de desenho, localizando-se sempre na sala de estar do homem primitivo (salão principal das cavernas). (NOGUEIRA, 2012, p. 9).
No princípio, os homens e os animais enfrentavam-se na disputa por alimentos, e com o passar do tempo, os homens – animais do gênero mamíferos – passaram a submeter os animais não humanos aos seus serviços, utilizando-se da justificativa de se tratarem de seres racionais e superiores na Terra, dominação esta que tem origem na tradição judaico-cristã. (RODRIGUES, 2012, p. 40).
Desde os seus primórdios, o Homem sempre teve uma relação bastante estreita com mundo animal, relação esta que estava interligada, pincipalmente, à sua própria subsistência e sobrevivência. Os animais sempre foram elementos integrantes do meio ambiente do homem da pré-história, não causando nenhuma estranheza que as primeiras representações artísticas sejam da fauna existente. (PEREIRA, 2014).
Segundo Chieppa (2002), a evolução histórica da influência dos animais na vida dos homens e a relação mantida entre eles é demonstrada através de três fases:
-Primeira fase: concepção arcaica do animal. Nessa fase, o animal era tido como uma entidade divina. Um exemplo disso é que no Egito Antigo o gato era considerado uma espécie sagrada e na atualidade esse tipo de interação ainda perdura entre os hindus, com a veneração do bovino como elemento sagrado.
-Segunda fase: concepção econômico-funcional do animal. A segunda fase traz como conceito o homem dominante, ou seja, a natureza é formada por elementos que servem apenas para suprir as necessidades do ser humano. A exploração econômico-financeira dos animais fica fácil de ser observada na produção de carne, leite, lã, pele, ovos utilização como força de trabalho.
-Terceira fase: concepção ética do animal. Tratou-se de uma visão fortalecida em razão do progresso de ramos como a biologia, etologia e medicina veterinária. O animal, conhecido então como “ser não humano”, passa a não ser mais visto como mero objeto a serviço do homem. É nessa fase que se criou uma legislação de proteção aos animais, notadamente nos países mais desenvolvidos.
Os humanos podem ter iniciado o aperfeiçoamento de ligação com os animais após terem passado de presas a caçadores. Essa alteração se deu a partir do desenvolvimento de ferramentas e armas para se defender, a partir de cerca de 2,6 milhões de anos atrás. (ALVES, 2010)
No desenvolvimento do primeiro período da Pré-História, chamado de Paleolítico, a espécie humana evoluiu, cresceu fisicamente, ampliou sua capacidade intelectual e desenvolveu a linguagem oral. No segundo período, este denominado Neolítico, o homem passou a organizar-se em tribos, onde prevalecia a propriedade coletiva dos meios de produção – esta, mais tarde, substituída pela propriedade privada. (MINIWEB, 2012)
No período paleolítico, a vida do homem era caracterizada pelo deslocamento constante de uma região a outra – o chamado nomadismo. Essa situação ocorria com o objetivo de busca por locais onde houvesse abundância de alimentos e um ambiente mais propício à sobrevivência. (MINIWEB, 2012)
Já no período neolítico – seguinte ao paleolítico – o homem já não dependia mais da caça e da coleta. Iniciou então o seu contato com a agricultura e com a criação de animais. Em razão de não mais necessitar se deslocar constantemente para garantir o seu sustento – abandonando assim o nomadismo – reformulou totalmente o seu modo de vida em grupo. Tornou-se sedentário, estabelecendo uma nova organização social, constituiu tribos unidas por laços familiares, aldeias e, mais tarde, cidades, situadas em áreas férteis, às margens de grandes rios. (MINIWEB, 2012)
As espécies organizaram-se de uma forma hierárquica, sendo que o Homo Sapiens ocupou a posição mais elevada. O Homo Sapiens Sapiens, ou seja, o homem atual, apareceu de maneira gradativa, muito lenta, sendo que os restos fósseis comprovam a transformação do homem como parte integrante do Reino Animal. (RODRIGUES, 2012, p. 41).
Foi nesse período, juntamente com o domínio de técnicas que substituíram, até certo ponto, os processos naturais, a fixação do homem num determinado espaço foi possível, pondo fim à vida nômade.
Segundo Montibeller Filho (2008):
[…] “esses passos trilhados pelo homem primevo resultaram na primeira forma de conceber a natureza caracterizada de forma inclusiva, pela qual parece haver uma relação umbilical entre homem e natureza. As relações humanas com o espaço, portanto, originaram da necessidade de compreensão de fenômenos desconhecidos que ocorrem. Para isso, em um primeiro momento, foi necessária a criação de um sentido antropomórfico de funcionalidade da natureza.”
O autor citado esclarece que com o fim do nomadismo as tribos conseguiam mais tempo para as manifestações culturais e melhoramento de suas técnicas. Tal fato, segundo Naves (2014, p. 7-26), entretanto, não rompeu com a relação entre o homem e natureza, mas concedeu a esta uma nova forma: mais complexa e caracterizada pela criação de mitos, pelos quais o homem buscava afirmar, por meio de narrativas, poemas e histórias, o seu lugar no cosmo.
O que se observa é que a relação entre os homens e os animais é muito antiga, mas que não se iniciou com o mesmo objetivo com que se concretizou milhões de anos depois. Se inicialmente o Homem caçava e recolhia os alimentos, com as mudanças climatéricas ocorridas, aumento de população e com a sua própria evolução cultural, os animais passaram a coabitar com o ser humano dando-se início ao seu processo de domesticação. (PEREIRA, 2014, p. 1).
A obtenção de todas estas informações foi possível através da análise da arte rupreste[2]. Tal arte conta com motivos de feição naturalista, onde existe a presença constante de seres humanos e animais. Os homens representados na arte rupreste encontram-se costumeiramente de forma isolada ou realizando algum tipo de ação coletiva, como o momento da caça, o parto de uma criança ou o intercurso sexual. Já com relação aos animais, predominam aqueles que serviam como alimento ou atacavam algum espaço habitado por homens[3].
Ao que se percebe, o homem, desde os primórdios, utiliza-se dos animais não humanos para sua própria satisfação, seja ela alimentar, de vestuário, para sua proteção pessoal, transporte, ou ainda como seu “proprietário”, quando se adentra na visão dos animais de estimação.
Observou-se, com o passar dos séculos, que o ser humano não foi um ser criado, mas sim produto da própria evolução, eis que descendente de uma forma muito mais primitiva. A conclusão que se chega é que o homem é um animal, eis que descende de ancestrais comuns do macaco (RODRIGUES, 2012, p. 36).
2.1 Diferenças e semelhanças entre animais humanos e não humanos
Sobre a convivência humana, já s chegou a óbvia conclusão que o homem é um ser eminentemente social – não vive de forma isolada, sendo a tendência sempre reunir-se em grupos. Também é certo que essa convivência em grupos lhe exige uma certa ordem, ordem esta que é determinada pela imposição de regras de conduta. Assim, o objetivo principal do direito é justamente determinar regras que permitam aos homens a vida em sociedade. (GONÇALVES, 2012, p. 19).
Essa convivência em sociedade certamente não inclui somente a convivência entre os homens em si, abrangendo também a convivência dos homens com os animais não humanos, já que o meio social é composto também por estes. Essa ligação e convivência íntima entre animais humanos e não humanos não pode mais ser negada e tão pouco ignorada, considerando seu aumento nos últimos anos.
Com a intenção de se conceder aos animais não-humanos proteção jurídica, semelhante – ou idêntica – a que se dá aos animais humanos, estuda-se as diferenças e semelhanças existente entre estes. Com isso, busca-se justificar a necessidade (aos que defendem) ou a impossibilidade (aos que são contra) da criação de leis capazes de estabelecer regras obrigando determinados comportamentos.
Sempre existiu grande preocupação em distinguir os animais humanos e não-humanos, e o que os faz diferentes – mas não superiores uns perante os outros – são suas características peculiares:
“Os animais humanos e não-humanos possuem características em comum, ainda que desenvolvidas em diferentes graus e de acordo com cada espécie. Todos são portadores de instintos e de certas finalidades como a sobrevivência e a procriação; possuem noção de autoridade, bem como interação e comunicação. Em contrapartida, o homem possui características particulares, cujos traços mais importantes são, provavelmente, os fatores estreitamente ligados a habilidades manuais e desencadeados pela capacidade de percepção de sua responsabilidade diante da exuberância da vida (RODRIGUES, 2012, p. 37).”
Em um mundo em que ainda não se obteve êxito na busca pela igualdade entre os humanos, onde se observa inúmeras formas – que poderiam ser classificadas como inadmissíveis – de discriminação racial e sexual, sabe-se que a busca de igualdade entre humanos e não-humanos chega a ser uma utopia.
“Estamos habituados a encarar a discriminação contra membros pertencentes a minorias raciais ou contra as mulheres como fazendo parte dos temas morais e políticos mais importantes com que se debate o mundo de hoje. Estes problemas são sérios, merecedores do tempo e da energia de qualquer pessoa responsável. Mas que dizer dos animais? Não estará o bem-estar dos animais numa categoria totalmente diferente, que só interessa às pessoas loucas por cães e gatos? Como pode alguém gastar o seu tempo com a igualdade dos animais quando a verdadeira igualdade é negada a tantos seres humanos? (SINGER, 1993, p. 46)”
Por mais que existam diferenças entre humanos e não-humanos, o que se percebe é que tais diferenças tornam-se despiciendas quando se observam as semelhanças entre as espécies. Um exemplo disso é que, da mesma forma que nascem os homens, nascem os animais – ou seja, através da reprodução:
“Todos os animais, seja na penumbra urbana de um salão de bar, seja num recife equatorial enluarado, têm em comum o mesmo ciclo de vida. A fusão de duas células de tamanhos diferentes, o óvulo e o espermatozoide, dá início ao processo de animalidade. O espermatozoide e o óvulo fundem-se em um só ovo fertilizado, que se divide por mitose e forma a blástula. À medida que prossegue a divisão celular, o ovo fértil transforma-se no embrião – muitas vezes uma bola oca de células. Assim como o embrião distingue os reinos animal e vegetal dos outros três, a blástula embrionária distingue os animais das plantas (RODRIGUES, 2008, p. 34).”
Com relação a semelhança existente entre os homens (animais humanos) e os animais (animais não humanos), destaca DUTRA (2008, p. 941), que foi a partir de Charles Darwin que inúmeros pesquisadores aprofundaram-se nos estudos neurosensoriais sobre animais e a conclusão é que a consciência e sentimentos não se tratam de atributos da raça humana.
Porém, o fato de serem semelhantes animais humanos e não humanos, não significa dizer que é possível lhes conceder exatamente os mesmos direitos. Peter Singer (2004, p. 18) bem explicou essa ideia de que não é possível conceder a dois grupos diferentes os mesmos direitos. O que se deve sim é ter consideração para com os componentes dos dois grupos:
“A extensão do princípio básico da igualdade de um grupo a outro não implica que devamos tratar ambos os grupos exatamente da mesma forma, ou conceder os mesmos direitos aos dois grupos, uma vez que isso depende da natureza dos membros dos grupos. O princípio básico da igualdade não requer um tratamento igual ou idêntico; requer consideração igual. A consideração igual para com os diferentes seres pode conduzir a tratamento diferente e a direitos diferentes.”
O autor ainda diz que a igual consideração por seres diferentes pode acarretar tratamentos e direitos distintos. Desta forma, deve-se dedicar preocupação e consideração proporcionais as diferenças e características de cada um. E exemplifica, de maneira bastante simples, a importância que a consideração que se deve ter às diferentes formas de vida:
“O que a nossa preocupação e consideração nos exigem poderá variar precisamente de acordo com as características daqueles que serão afetados pelo que fazemos: a preocupação relativamente ao bem-estar das crianças que crescem na América exigirá que as ensinemos a ler; a preocupação com o bem-estar dos porcos poderá exigir que os deixemos uns com os outros, num local onde exista alimentação adequada e eles tenham espaço suficiente para correr livremente. Mas o elemento básico – tomar em consideração os interesses do ser, sejam estes quais forem – deve, segundo o princípio da igualdade, ser ampliado a todos os seres, negros ou brancos, masculinos ou femininos, humanos ou não humanos (SINGER, 2004, p. 18)”
O exemplo utilizado é suficiente para explicar a real prática do princípio da igualdade entre animais humanos e animais não humanos, ou seja, não há qualquer necessidade de tratamento igual. Deveria haver sim a obrigatoriedade de tratamentos diferenciados, respeitando as particularidades dos seres em geral.
“O princípio da igualdade significa que a preocupação do homem para com os outros não deve se basear nas características inerentes ao ser, sob pena de cometer-se preconceitos infundados. Os interesses dos animais devem ser considerados a fim de fazer jus ao princípio da igual consideração de interesses, o qual deve ser defendido como um princípio moral básico e universal (RODRIGUES, 2012, p. 48).”
Peter Singer (2004, p. 19) denominou como especismo as atitudes preconceituosas ou tendenciosas de pessoas a seu favor próprio ou de seu grupo contra grupos de outra espécie, condenando expressamente esta prática:
“O especismo – a palavra não é bonita, mas não consigo pensar num termo melhor – é um preconceito ou atitude de favorecimento dos interesses dos membros de uma espécie em detrimento dos interesses dos membros de outras espécies. Deveria ser óbvio que as objeções fundamentais colocadas por Thomas Jefferson e Sojourner Truth relativamente ao racismo e ao sexismo também se aplicam ao especismo. Se a possessão de um grau superior de inteligência não dá a um humano o direito de utilizar outro para os seus próprios fins, como é que pode permitir que os humanos explorem os não humanos com essa intenção?”
Rebatendo aos discursos que defendem que os animais não humanos devem ser tratados de modo inferior porque se tratam de seres irracionais, Jeremy Bertham (apud Peter Singer, 2004, p. 19) fundamenta sua opinião contrária da seguinte forma:
“O dia chegará, no qual o resto da criação animal adquirirá aqueles direitos que jamais lhes deveriam ter sido negados pelas mãos da tirania. Os Franceses já descobriram que a escuridão da pele não é razão para que um ser humano seja entregue aos caprichos de um torturador. Chegará o dia em que perceber-se-á que o número de pernas, a pilosidade da pele, ou a terminação das vértebras sacrais, são razões igualmente insuficientes para se abandonar um ser sensível à mesma sorte. O que mais há que poderia traçar a linha insuperável? É a faculdade da razão, ou, talvez, a faculdade do discurso? No entanto, um cavalo adulto ou um cachorro, é, além da comparação, um animal mais racional e tratável, do que um bebe de um dia, ou de uma semana, ou mesmo de um mês. […] A questão não é se eles podem raciocinar, nem se podem falar, mas, podem sofrer?"
A ideia repassada pelo autor não é necessariamente se há racionalidade nos animais humanos ou não humanos, ou se podem ou não falar. O fato é que todos sentem dor, e por isso merecem consideração, o que o faz um seguidor de Singer (2004, p. 20) na oposição ao especismo acima conceituado.
Com relação a capacidade de sentimento, aplica-se aqui o já citado direito à igual consideração, eis que não possuindo o sofrimento (seja do animal humano ou não humano) qualquer justificativa – se é que existe uma justificativa para que alguém sofra – deve ser evitado.
[…] “o sofrimento, o sentimento de dor ou alegria dos Animais, deve ser comparado ao do homem, mesmo porque a dor sentida pelo Animal é tão má quanto a sentida pelo homem e o que as diferencia é apenas a quantidade de dor. A intensidade e a duração da dor provocarão um maior ou menor sofrimento. Se a mesma quantidade de dor for aplicada igualmente aos Animais e ao homem, o sofrimento será o mesmo (RODRIGUES, 2012, p. 48).”
Ademais, certo que se inteligência ou racionalidade fossem critérios para análise da superioridade humana sobre os animais, certamente e obrigatoriamente muitos dos seres humanos teriam que ser excluídos da sua própria raça, pois desprovidos dessas características.
Assim, observa-se que a racionalidade do ser humano – seu ato de raciocinar e ter sobre si uma consciência – como dito, serve como base da hipotética preponderância humana sobre os animais não-humanos, porém.
“Parece ser suficientemente óbvio que nem mesmo o mais inteligente homem consegue explicar sua insignificância no Universo. Pior que isso, não consegue orgulhar-se de tudo que sua inteligência foi capaz de fazer. Tampouco pode explicar seus atos depredatórios da Natureza, a construção de bombas nucleares com a possível destruição do planeta, a existência da guerra, da fome, da pobreza ou ainda, da violência do mundo em que vive (RODRIGUES, 2012, p. 46).”
Parece que autores que defendem o uso do sentimento como forma de igualar os seres humanos aos não-humanos são os que possuem o mais forte dos argumentos para tanto. Ainda na defesa de que deve-se utilizar o sentimento – e a capacidade de sentir dor ou prazer dos animais humanos ou não-humanos – como possibilidade de igualá-los, Peter Singer (1993, p. 44) justifica:
“Se um determinado ser não é capaz de sofrer nem de sentir satisfação nem felicidade, não há nada a tomar em consideração É por isso que o limite da senciência (para usar o termo como uma abreviatura conveniente, ainda que não estritamente precisa, da capacidade de sofrer ou de sentir prazer ou felicidade) é a única fronteira defensável da preocupação pelo interesse alheio. Marcar esta fronteira com alguma característica como a inteligência ou a racionalidade seria marcá-la de modo arbitrário. Por que motivo não escolher uma outra característica qualquer, como, por exemplo, a cor da pele?”
Existe ainda defesa à superioridade humana em razão da linguagem, porém, os defensores do contrário defendem sua tese em três explicações bastante convincentes. A primeira, bastante óbvia, é porque não é possível afirmar que os animais realmente não falam.
“Segundo, porque seria perfeitamente viável o entendimento de que eles não só falam por meio de linguajar próprio, não compreendido pelo homem, como também se comunicam de forma superior, a exemplo da telepatia entre golfinhos, que a maioria dos homens é incapaz de compreender. Sobretudo porque, embora o ser humano comunique-se através da linguagem, esta serve tão-somente para distingui-lo das demais espécies e não como parâmetro de mensuração da supremacia humana (RODRIGUES, 2012, p. 45).”
Para Singer (apud FELIPE, 2001, p. 22) se forem usados critérios como da razão e linguagem, haverá restrição no número de seres contemplados pelo princípio da igual consideração, mesmo – e principalmente – dentro da comunidade humana. A defesa é que os parâmetros utilizados devem ser sobre os interesses, e para ter interesses basta que o ser em questão seja capaz de sentir bem-estar e prazer, dor e sofrimento. Com isso, a utilização do princípio da igualdade torna-se infinitamente mais amplo, abrangendo não apenas seres da espécie Homo sapiens mas de todas as demais dotadas de sensibilidade e consciência.
Mesmo e um mundo em que as diferenças se sobressaem, entre os próprios humanos encontram-se diferenças gigantescas, pois é muito fácil de perceber que o planeta que se vive e é compartilhado entre todos, encontram-se pessoas inteligentes em suas diversas áreas, seja na matemática, espacial, musical entre tantas outras áreas. E não apenas isso, habitam o mesmo planeta não somente os animais humanos, mas os não-humanos também. Segundo Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros (2013, p. 118) o questionamento aqui é simples: porque somente aos humanos é dado o direito a uma vida digna? E muitas vezes, nem a esses é concedida garantia tão básica.
Segundo Dutra (2008, p. 940), alguns exemplos da prática do especismo tratam-se da criação de animais para serem utilizados como forma de alimento e a experimentação animal em laboratórios e centros de pesquisa – essa última bastante discutida no país no ano passado, por ocasião da invasão por ativistas, de um laboratório de testes na cidade de São Paulo[4].
A vida em sociedade exige a obediência a outras normas além das normas previstas em lei. Exige-se das pessoas que pautem sua conduta pela ética – que possui conteúdo muito mais abrangente que o direito em si – porque compreende, além de normas jurídicas, as normas morais. Enfim, para que consigam se relacionar e desfrutar de prestígio social, devem ter em mente que precisam seguir as regras de etiqueta e urbanidade. (GONÇALVES, 2013, p. 21).
Algumas pessoas insistem em defender que atualmente, a moral está ultrapassada. Enfrentam a moral como um sistema de proibições puritanas descabidas que se destinam, sobretudo a evitar que as pessoas se divirtam.
“Os moralistas tradicionais pretendem ser os defensores da moral em geral, mas o que defendem na realidade é um determinado código moral. Apropriaram-se desta área a tal ponto que, quando uma manchete de jornal insere o título: “bispo ataca a decadência dos padrões morais”, pensamos logo que se trata de mais um texto sobre promiscuidade, homossexualidade, pornografia, etc., e não sobre as verbas insignificantes que concedemos para a ajuda internacional às nações mais pobres nem sobre a nossa indiferença irresponsável para com o meio ambiente do nosso planeta. (SINGER, 1993, p. 07)”
Nos últimos anos, tem-se observado que o debate ético a respeito do tratamento que os seres humanos têm resguardado ao meio ambiente e consequentemente aos animais, ganha importância na mesma proporção que as espécies são extintas.
Fácil observar que nos últimos anos, direito e a questão ambiental encararam-se de maneira bastante clara. Segundo Milare (2013, p. 44) a realidade cada vez mais mutante do Planeta determinou aos indivíduos e à própria sociedade novas normas de conduta, o que ocasionou – quase que de maneira obrigatória – o Direito do Ambiente, ramo ainda considerado novo dentro do campo das Ciências Jurídicas.
A antiga ideia de que “o único propósito dos animais era prestar serviço ao homem” está sendo substituída – ainda de maneira bastante tímida – por laços éticos de afetividade e compaixão, e mais recentemente, de venerabilidade moral.
“Ainda que muitos membros da comunidade humana não se sintam constrangidos diante das atrocidades (verdadeiro holocausto) cometidas contra os animais, boa parte dessa comunidade sente esse constrangimento como uma questão moral relevante, e outra parte sofre, solidariamente, como esses seres excluídos de considerabilidade moral. (NOGUEIRA, 2012, p. 83)”
É preciso compreender que os direitos humanos nada mais são que direitos morais, desta forma, segundo DUTRA (2008, p. 944) “podemos estender esses direitos aos animais, uma vez que no campo moral, a positivação de direitos não é pré-requisito”.
Há a necessidade de relação de correspondência extremamente necessária entre o Direito e a Moral ou a Ética – isso porque Direito e Ética precisam conviver e entender-se:
“Não é raro confundirem-se questões jurídicas com questões morais ou vice-versa Um fato qualquer – social, econômico, comportamental ou de outra natureza – pode ser o objeto comum do Direito e da Moral. Embora essas duas ciências sejam afins, seus métodos se diferenciam, assim como difere a luz que cada um projeta sobre o fato analisado. (MILARÉ, 2013, p. 145)”
Segundo Milaré (2013, p. 145), é bastante interessante lembrar que muitas vezes, em conflitos sobre o certo e errado, o legal e o proibido, adentram-se em grandes discussões acerca da questão que nem sempre o que é moral em sua essência é legal, e de maneira inversa, nem sempre o que é legal e moral e eticamente aceitável.
Ensina Gonçalves (2013, p. 21):
“As normas jurídicas e morais têm em comum o fato de constituírem regras de comportamento. No entanto, distinguem-se precipuamente pela sanção (que no direito é imposta pelo Estado para constranger os indivíduos à observância da norma, e na moral somente pela consciência do homem, traduzida pelo remorso, pelo arrependimento, porém, sem coerção) e pelo campo de ação, que na moral é mais amplo.”
Comprovadas as diferenças e semelhanças entre os animais humanos e não-humanos, e que não são elas quem determinam a superioridade das espécies, o que precisa ser feito, é dar ênfase ao valor de cada ser – seja esse ser humano ou não-humano.
Fato é que atualmente não se admitem mais dúvidas ou questionamentos se os animais não-humanos são ou não dignos de considerabilidade moral, pois é indiscutível que sim.
“A capacidade de sentir dor e de sofrer seria suficiente para definir essa linha divisória ou ela nem deveria existir? A simples condição de estar vivo já garantiria essa condição moral independente da espécie? Se do fato de estar vivo deduz-se um valor, por uma questão de coerência, todos os seres dotados de vida merecem consideração moral (FELIPE, 2001, p. 85).”
Deve-se ignorar inteligência, personalidade, saúde, sexo ou raça. Independente de tudo isso, o valor deve ser absoluto, independentemente da utilidade que um desses seres possa ter para os outros. A base moral é que deve servir para embasar o respeito que deve-se aos outros.
Discute-se atualmente a possibilidade de outorgar aos animais um estatuto moral, ou ainda se devem ou não serem os animais considerados membros de uma comunidade moral. O objetivo dessa caracterização de um estatuto é buscar princípios que sirvam de norte às opções do que deve de fato ser considerado moralmente correto, ou então as atitudes que devem ser tomadas – e consideradas como boas – e ainda o que deve ser feito ou evitado pelas pessoas a fim de que suas ações possam ser consideradas dignas do ponto de vista moral.
Para que os animais sejam vistos de uma outra forma, e para que possam ser considerados como indivíduos que têm por sua própria natureza um valor, há a necessidade de mudança do enfoque dado ao tema.
Uma das maneiras adotada é rever o estatuto moral concedido aos animais, e uma das formas de se efetivar dito estatuto é considerar os animais não humanos como pessoas. Em uma primeira análise, certamente que o conceito de pessoa parece ser bastante compreensível, pois se está acostumado a usá-lo com frequência no cotidiano para indicar outros indivíduos, isto é, seres humanos – ou animais humanos. Mas em filosofia é um conceito muito controverso, principalmente, quando tenta-se fazer uso dele para construir a defesa consistente dos animais não-humanos como parte da comunidade moral (DI NAPOLI, 2013, p. 47-48).
3 Breve análise principiológica do direito penal
Impossível tratar de um assunto que vise analisar a falta de tutela a um bem jurídico, sem abordar alguns dos princípios do Direito Penal. Há a necessidade de abordagem do tema, mesmo porque é preciso compreender que o conceito de princípio aponta uma ordenação.
Esclarece-se, no entanto, que não serão analisados todos os princípios do direito penal, restringindo-se apenas a análise e destaque dos que realmente importam à presente pesquisa. Ressalta-se novamente, que o objetivo principal do trabalho em questão é demonstrar a ineficácia do direito penal no que diz respeito ao direito dos animais – com destaque aos pequenos animais, notadamente aos de estimação.
Nucci (2013, p. 87) explica o significado etimológico da palavra princípio, mencionando que existem vários significados para ela, entre os quais o mais lógico que é o momento em que algo tem origem, causa primária, elemento predominante na constituição de um corpo orgânico; até o significado que mais interessa ao direito, ou seja, preceito, regra ou lei; fonte ou causa de uma ação.
Ruy Samuel Spíndola (apud GRECO, 2009, p. 47), aduz:
“Pode-se concluir que a ideia de princípio ou sua conceituação, seja lá qual for o campo do saber que se tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de ideias, pensamentos ou normas por uma ideia mestra, por um pensamento-chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais ideias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam.”
Com base nessa conceituação, menciona GRECO (2009, p. 47) se pode dizer que os princípios são norteadores de todo um sistema normativo, sejam eles positivados ou não – isso porque podem ou não os princípios estarem previstos expressamente em textos normativos.
Como são vários os princípios abordados e analisados pelos doutrinadores penalistas, abordar-se-á no presente trabalho apenas aqueles que possuem ligação com o tema. Passar-se-á à análise.
I.Princípio da Legalidade
É um princípio que por alguns autores[5] é também é conhecido por “princípio da reserva legal” e está representado logo no artigo primeiro do Código Penal, que prevê não haver crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.
Trata-se, assim, de limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais.
Para Greco (2013, p. 2), o princípio da legalidade não pode ser igualado ao princípio da reserva legal, eis que quando se fala em legalidade, permitir-se-ia a adoção de quaisquer dos diplomas descritos no Artigo 59 da Constituição Federal, ou seja, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções.
“Por outro lado, quando se faz menção ao princípio da reserva legal, a interpretação limita-se a criação legislativa, em matéria penal, tão somente às leis ordinárias – que é a regra geral – e às leis complementares. (BARROS apud GRECO, 2013, p. 2)”
Conhecido por ser o fixador do conteúdo das normas penais incriminadoras, ou seja, os tipos penais. Significa dizer que os tipos penais – notadamente os incriminadores – só podem ser criados através de lei em sentido estrito, emanada do Poder Legislativo, respeitado o que prevê a Constituição Federal. (NUCCI, 2013, p. 89).
Sobre o assunto, explica Paulo Queiroz (2008, p. 40):
“A atribuição exclusiva do legislador para definir crimes e cominar penas constitui desde a Revolução Francesa a pedra angular do direito penal moderno, sendo a ideia de submeter a vontade do Estado ao império da lei inerente ao conceito mesmo de Estado de Direito. Que a atuação do Estado seja orientada por regras jurídicas que expressem a vontade popular é condição de legitimação democrática por meio do poder competente, o Poder Legislativo. E particularmente no âmbito jurídico-penal, em que se materializam as mais sensíveis restrições à liberdade, com maior força de razões se impõe o respeito ao princípio da legalidade.”
É um raciocínio positivista, de simples entendimento: se o fato corresponder à hipótese descrita em lei, há crime a ser sancionado. Caso contrário, o comportamento não tem implicação na ordem jurídica.
Jiménez de Asúa (apud GRECO, 2009, p. 122) trata do princípio em questão, dizendo que “todos têm o direito de fazer aquilo que não prejudica a outro e ninguém estará obrigado a fazer o que não estiver legalmente ordenado, nem impedido de exercer o que a lei não proíbe”.
Por sua vez, Batista (2007, p. 67) assim define o princípio ora estudado:
“O princípio da legalidade, base estrutural do próprio estado de direito, é também a pedra angular de todo direito penal que aspire à segurança jurídica, compreendida não apenas na acepção jurídica da “previsibilidade da intervenção do poder punitivo do Estado”, que lhe confere Roxin, mas também na perspectiva subjetiva do sentimento de segurança jurídica” que postula Zaffaroni. Além de assegurar a possibilidade do prévio conhecimento dos crimes e das penas, o princípio garante que o cidadão não será submetido a coerção penal distinta daquela predisposta na lei.”
Capez (2012, p. 57) estabelece aspectos políticos, históricos e jurídicos do princípio da legalidade. Traz como regra a garantia de que ninguém poderá ser punido pelo poder do Estado, nem sofrer violações em seu direito de liberdade e como exceção o fato de que as pessoas somente poderão ser punidas se – e quando – praticarem condutas previamente definidas como indesejáveis pela lei.
Esclarece Capez (2012) o aspecto político do princípio da legalidade, citando ensinamento de Alberto Silva Franco:
“A origem e o predominante sentido do princípio da legalidade foram fundamentalmente políticos, na medida em que, através da certeza jurídica própria do Estado de Direito, se cuidou de obter a segurança política do cidadão. Assim, Sax acentua que o princípio do nullum crimen nulla poena sine lege é consequência imediata da inviolabilidade da dignidade humana, e Arthur Kauffmann o considera como um princípio concreto de Direito Natural, que se impõe em virtude de sua própria evidência. (MOURULLO apud CAPEZ, 2012, p. 57).”
Greco (2013, p. 2) destaca quatro funções fundamentais do princípio estudado:
“1ª) Proibir a retroatividade da lei penal (nullum crimen nulla poena sine lege praevia);
2ª) Proibir a criação de crimes e penas pelos costumes (nullum crimen nulla poena sine lege scripta);
3ª) Proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas (nullum crimen nulla poena sine lege stricta);
4ª) Proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine lege certa)”
Observa-se assim que o objetivo principal do princípio da legalidade trata-se de segurança jurídica, que que parte da ideia da impossibilidade de criação de crimes, de incriminações vagas e indeterminadas, tendo assim o cidadão pleno conhecimento dos limites legais.
Lycurgo de Castro Santos esclarece que a ideia central do princípio em análise é a de que o juiz não pode, por vontade própria, ao seu livre arbítrio, estabelecer os crimes e as penas que lhe convém reprimir e castigar. Assim esclarece:
[…] “está ele, antes de tudo, submetido aos desejos da comunidade expressados na lei, que determinou previamente e com base em dados objetivos que a pena para satisfazer os aspectos de prevenção especial e geral com relação às infrações penais deve estar entre margens legais (teoria do espaço do jogo). Não se compreende como o juiz pode no caso concreto determinar que ao autor de um delito cabe uma pena abaixo do mínimo legal e que esta pena cumprirá os requisitos de prevenção geral, senão recorrendo a uma indesejável subjetividade que raia a arbitrariedade. (SANTOS, 1996, p. 182)”
Conclui-se assim que o princípio de legalidade reflete uma importante garantia processual ou jurisdicional. Segundo tal garantia, é unicamente através de um processo público, conduzido por um magistrado, com observância de todas as garantias ao processado, se pode emitir um juízo condenatório e aplicar uma pena criminal. A função de julgar e de medir a pena corresponde somente aos órgãos legitimados, jurisdicionais do Estado, e não aos demais poderes, ou aos particulares.
Também, não é qualquer Magistrado que poderá julgar um acusado, senão o previamente determinado pela lei (não o ad hoc). Esta garantia jurisdicional não é subsidiária em relação às garantias de direito substantivo, mas possuem uma relação necessária, com o escopo de tornar efetiva a proteção dos indivíduos (GIACOMOLLI, 2010, p. 449).
II.Princípio da intervenção mínima (da fragmentariedade e da subsidiariedade)
Como abordado no tópico anterior, o princípio da legalidade na esfera penal impõe limites ao arbítrio judicial, mas não impede que o Estado – observada a reserva legal – crie tipos penais inócuos e comine sanções cruéis e degradantes. Por isso da necessidade de limitar ou, se possível, eliminar o arbítrio do legislador.
Por isso o princípio da intervenção mínima traz a limitação no sentido de que o direito penal somente deve ser aplicado quando todos os outros meios de controle social ou outras formas de sanção revelarem-se insuficientes para a tutela do bem jurídico.
Nucci (2013, p. 92-93), assim o explica:
“Significa que o direito penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve ser vista como a primeira opção (prima ratio) do legislador para compor conflitos existentes em sociedade, os quais, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes.”
Busca-se, assim, punir o infrator de qualquer outra forma que não através do direito penal, entendendo-se que desta forma, estar-se-ia lhe concedendo a possibilidade de reabilitação pelo ato cometido de forma que não lhe prejudicasse. Somente na inexistência de outra forma de punição é que seria invocado o direito penal.
Nucci (2013, p. 93), traz um exemplo bastante interessante, mencionando que em delitos de trânsito, a esfera administrativa possui punições mais temidas pelos motoristas, do que a própria esfera penal. Isso em razão do elevado valor das multas e da pontuação no prontuário do motorista, que podem acarretar a perda da carteira de habilitação, sendo que isso tudo ocorre sem o devido processo legal.
Assim, é bastante fácil observar que a aplicação de uma multa penal seria sensivelmente menor do a aplicada na esfera administrativa.
Fato é que são bastante escassas as situações em que o direito penal poderá ser aplicado, pois – relembrando o princípio da legalidade – somente haverá crime quando a lei assim o descrever. Além disso, o direito penal somente será utilizado na ausência de outra forma de punir o fato tido como criminoso.
“Somente haverá Direito Penal naqueles raros episódios típicos em que a lei descreve um fato como crime; ao contrário, quando ela nada disser, não haverá espaço para a atuação criminal. Nisso, aliás, consiste a principal proteção política do cidadão em face do poder punitivo estatal, qual seja, a de que somente poderá ter invadida sua esfera de liberdade, se realizar uma conduta descrita em um daqueles raros pontos onde a lei definiu a existência de uma infração penal. (CAPEZ, 2012, p. 36)”
Rogério Greco (2009, p. 62-63) utiliza dois enfoques para a análise do princípio abordado:
a)Ab initio, ou seja, que deverá primeiramente servir de orientação ao legislador no momento da criação ou revogação das figuras típicas.
Para se verificar como este princípio pode servir de orientação ao legislador, necessário descobrir seu ponto de partida, e evidenciar a sua finalidade final.
Observando que o objetivo do Direito Penal é proteger os bens mais importantes e necessários ao convívio da sociedade, conclui-se que somente os bens de maior relevância é que merecerão a atenção do legislador – que, para protege-los, criará tipos penais incriminadores, os quais proibirão ou determinarão a prática de comportamentos sob a ameaça de uma punição (sanção).
b)Destaca a subsidiariedade do direito penal, que deve ser utilizado como última opção de intervenção do Estado.
Isso se dá e razão do direito penal ser medida drástica de intervenção, permitindo-se que outros ramos do ordenamento jurídico procurem fazer a proteção dos bens jurídicos.
Assim, somente se utilizaria o direito penal quando todos os outros meios se mostrarem ineficazes ou insuficientes à sua proteção.
Como princípio paralelo ao da intervenção mínima, existe ainda o princípio da fragmentariedade, o qual prevê que o direito penal deve se ocupar apenas com as condutas mais graves, aquelas que são consideradas verdadeiramente lesivas à vida e sociedade. Por isso se fala em “fragmentos”, ou seja, apenas parte de um todo. (NUCCI, 2013, p. 94)
Fernando Capez (2012) critica o sistema de criação normativa, definindo-o como defeituoso, trazendo ainda como grande problema a excessiva abrangência dos modelos objetivos, que não leva em consideração a diferença existentes em cada situação concreta. Menciona ainda o autor que não bastando esses problemas, existe ainda dentro do nosso país, a enorme variedade cultural, diferentes nações, com costumes, tradições e conceitos bastante diferentes (e divergentes), porém, sendo todos submetidos à mesma ordem de incriminação abstrata. E conclui:
“Nesse triplo problema — déficit do sistema tipificador, diversidade cultural e abrangência demasiada de casos concretamente diversos, mas abstratamente idênticos —, insere-se o caráter fragmentário do Direito Penal, fincando a questão: Como solucionar, por meio de descrições pontuais e abstratas, todos os variados problemas reais?
A resposta se impõe, com o reconhecimento prévio da existência da fragmentariedade e da necessidade de empregar critérios reparadores das falhas de todo o sistema, dentre os quais a intervenção mínima. (CAPEZ, 2012, p. 38)”
Outro princípio trazido por alguns autores como paralelo ao princípio da intervenção mínima, é o princípio da subsidiariedade, que estabelece justamente que o direito penal deve ser visto como subsidiário aos demais ramos do direito. Ou seja, somente com o fracasso de outras formas de punição e intervenção para a composição de conflitos, é que deve-se utilizar a lei penal para coibir comportamentos desregrados, que de alguma forma possam lesionar os bens jurídicos tutelados. (NUCCI, 2013, p. 93)
Concluindo, pelo princípio da intervenção mínima, o direito penal deve se ocupar apenas com situações que não possam ser resolvidas por outros ramos do direito, devendo ser aplicado unicamente nas situações em que todos os demais ramos falharam ou se mostraram ineficazes.
III.Princípio da Humanidade
Trata o princípio da humanidade, de um dos objetivos do direito penal, que deve pautar-se pela benevolência, garantindo o bem-estar da coletividade, incluindo-se o dos condenados. (NUCCI, 2013, p. 89)
O princípio em estudo está presente nos preceitos constitucionais, quando esta prevê que não haverá penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis. Ainda, deverá haver respeito a integridade física e moral do preso (artigo 5º, XLVII e artigo 5º, XLIX).
“O princípio da humanidade é o que dita a inconstitucionalidade de qualquer pena ou consequência do delito que crie um impedimento físico permanente (morte, amputação, castração ou esterilização, intervenção neurológica, etc), como também qualquer consequência jurídica indelével do delito. (ZAFFARONI, 2011, p. 160)”
Através da aplicação do princípio da humanidade é que se chega a conclusão que o condenado não deverá ser excluído da sociedade, apenas por ter infringido uma norma penal. Não podem, por isso, serem tratados como se não fossem seres humanos.
Nesse sentido, o princípio da humanidade das penas pode ser compreendido como a exigência que as penas sejam as mais humanas possíveis, tanto o que diz respeito a sua previsão legal, como em sua aplicação e execução. De qualquer forma, ainda restam dúvidas acerca da conceituação da expressão “penas humanas”, que constitui a base do princípio ora analisado.
Luigi Ferrajoli (2002, p. 318) fundamenta a necessidade da pena não ser degradante, demonstrando, para tanto, os seus argumentos:
“Isso quer dizer que, acima de qualquer argumento utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação à qualidade e à quantidade da pena. É este o valor sobre o qual se funda, irredutivelmente, o rechaço da pena de morte, das penas corporais, das penas infames e, por outro lado, da prisão perpétua e das penas privativas de liberdade excessivamente extensas.”
E conclui sua argumentação comparando o Estado que pune seus criminosos de maneira desumana aos próprios delinquentes que cometeram o crime:
“Devo acrescentar que este argumento tem um caráter político, além de moral: serve para fundar a legitimidade do Estado unicamente nas funções de tutela da vida e os demais direitos fundamentais, de sorte que, a partir daí, um Estado que mata, que tortura, que humilha um cidadão não só perde qualquer legitimidade, senão que contradiz sua razão de ser, colocando-se no nível dos mesmos delinquentes. (FERRAJOLI, 2002, p. 318)”
Por outro lado, Eugenio Zaffaroni (2011, p. 160), traz a tona situação bastante curiosa. Aduz que uma pena pode não ser cruel em abstrato, ou seja, em consideração ao que tem lugar na generalidade dos casos. Porém, pode causar um problema no caso concreto. Esclarece exemplificando:
“Isso pode acontecer, por exemplo, se a mulher do criminalizado está doente e os filhos abandonados e sem meios de subsistência, se o criminalizado padece ou contraiu alguma grave enfermidade ou está próximo da morte, se sofreu um acidente ou uma violência carcerária grave, etc.”
Da mesma forma que todos os demais princípios, o princípio ora analisado – da humanidade – também encontra inúmeras dificuldades, em comparação às regras, de ser reconhecido sua vinculatividade jurídica, cujo reconhecimento depende, primordialmente, da aprovação de sua natureza normativa.
IV.Princípio da adequação social
Visando utilizar o direito penal apenas em casos em que há certa relevância social, e excluir condutas tidas como socialmente adequadas, desenvolveu-se o princípio da adequação social. Segundo ele, entende-se que as ditas condutas socialmente adequadas não poderiam constituir delitos, e por conta disso não se revestem de tipicidade (BITENCOURT, 1996, p. 345).
O tipo penal pressupõe uma atividade seletiva de comportamento, optando por criminalizar apenas aqueles que sejam contrários e nocivos ao interesse público, para serem considerados infrações penais. E é por isso que o princípio em estudo estabelece que condutas tidas como “normais” dentro da sociedade e, por isso, aceitas, não podem sofrer este tipo de valoração negativa, sob pena de a lei incriminadora padecer do vício de inconstitucionalidade (CAPEZ, 2012, p. 35).
A utilização do princípio, assim, demonstra-se necessária naquelas situações em que a legislação se mostra velha e antiquada, quando os esquemas normativos são difíceis de se adequar com a realidade atual, que se mostra sempre em constante transformação. É caso hoje no Brasil da exploração de motéis, que, em tese, configuraria o delito previsto no art. 229 do Código Penal (LOPES, 2000, p. 32).
Segundo o princípio em análise, algumas condutas como as lesões corporais praticadas durante as competições esportivas, como ocorre no boxe e do futebol, a circuncisão, a intervenção cirúrgica realizada com o consentimento do paciente, que, em tese, configurariam a tipicidade de lesões corporais, ou ainda a destruição de coisa alheia realizada por empresa de demolição, regularmente contratada, que configuraria o tipo de dano, não poderiam ser analisadas pelo Direito Penal, pois seriam consideradas típicas condutas inseridas no campo da normalidade das relações sociais, e por isso não seriam colocadas a análise do Direito Penal (SANTORO FILHO, 2001, p. 108-109).
Rogerio Grecco (2009, p. 82), assim define o princípio em questão:
“Desta forma, encontra-se o legislador na qualidade de pesquisador e selecionador das condutas ofensivas aos bens jurídicos mais importantes e necessários ao convívio em sociedade, impedido de criar tipos penais incriminadores que proíbam condutas que já estejam perfeitamente aceitas e toleradas por essa mesma sociedade, pois, caso contrário, estaria, na verdade compelindo a população a cometer crimes, uma vez que, estando a sociedade acostumada a praticar determinados comportamentos, não mudaria a sua normal maneira de ser pelo simples fato do surgimento de uma lei pena que não teve a sensibilidade suficiente para discernir condutas inadequadas socialmente daquelas outras que não são toleradas pela sociedade.”
Em análise a aplicação deste princípio, observa-se que as condutas socialmente adequadas não encontram fundamentação legal nos tipos de injusto – assim consideradas pela legislação aplicável. Essas condutas tidas como normais, não possuem a desvalorização que motiva a formulação de modelos de comportamentos ilícitos pelo legislador, e em sendo assim, não constituem uma ofensa ao bem jurídico resguardado.
Explica Queiroz (2008, p. 48), que a intervenção do Estado só encontra justificativa quando a isso se preste, sob pena de inexistência de relação lógica de adequação (utilidade) ente o meio (Direito Penal) e o fim (prevenção de delitos). E complementa:
“Por isso não faz sentido algum insistir em reprimir, por exemplo, os chamados crimes sem vítimas, como o porte ilegal de droga para uso pessoal ou a contravenção do jogo do bicho, que devem ser objeto de regulamentação administrativa apenas. Aliás, a política nacional de drogas, além de ser um grande equívoco, constitui um fracasso retumbante: droga, licita ou ilícita, não é um problema de polícia, mas um problema de saúde pública. (QUEIROZ, 2008, p. 48)”
O presente trabalho de monografia pretende abordar qual é especificamente o bem jurídico tutelado nos casos em que ocorre violência contra os animais domésticos. Ainda, pretende uma análise da ausência de previsão legal nos casos de maus tratos a animais de estimação – especificamente de estimação, que pela legislação atual, são comparados aos animais silvestres, e obviamente que com esses não se igualam.
Acredita assim que a pequena análise dos princípios acima abordados, serve de embasamento para o que será abordado no próximo capítulo, tendo em vista que seriam possivelmente aplicados para a resolução do problema tratado no presente trabalho.
Questão bastante controversa quando se trata do direito dos animais é justamente o ponto principal a ser abordado no presente trabalho: qual é o bem jurídico tutelado. O objetivo principal do Direito Penal moderno consiste na proteção de bens jurídicos tidos como essenciais não somente ao indivíduo, mas também a uma coletividade.
Nucci (2013, p. 73), faz uma abordagem inicial sobre o termo bem, que primeiramente destaca o que indica tal palavra, aduzindo que trata-se de algo positivo, como um favor, uma benesse, um proveito ou uma ventura.
Após, aponta – do ponto de vista material – o mesmo termo indica algo capaz de satisfazer as necessidades da pessoa humana, integrando seu patrimônio. Já quando a abordagem do termo trata-o como “bem comum”, analisa-se o nível de condições favoráveis ao sucesso da coletividade.
Por sua vez, para elucidar a questão, importante trazer à análise o que de fato abrange o conceito de bem jurídico:
“Os bens jurídicos, principalmente entre nós, por força de sua relevância patrimonial, e, principalmente, como decorrência da amplitude do vocábulo bem, abrangem, além de todo o aspecto patrimonial, outros bens que gravitam na ordem jurídica e que recebem também proteção. Destarte, o vocábulo bem, com a amplitude já assinalada, abrange "coisas corpóreas e incorpóreas, coisas materiais ou imponderáveis, fatos e abstenções humanas” (MONTEIRO, 2012, p. 140).”
Nucci (2013, p. 73-74), resume que o bem se apresenta diretamente ligado aos mais ricos interesses humanos, seja essa análise feita do ponto de vista material, seja sob o aspecto moral ou ético.
Observando-se o conceito de bem nesse aspecto, após a verificação do surgimento de um bem existencial, cujo interesse para o desenvolvimento das relações sociais é indiscutível e inegável, caso seja considerado merecedor de tutela jurídica, é o momento em que se começa o trabalho de reconhecimento e valoração do bem pelo Direito, o qual se torna, finalmente, um bem jurídico.
A concepção de bem jurídico remonta, primeiramente, à ideia de bem existencial, indispensável ao desenvolvimento social, o qual, consoante lição de Bianchini, Molina e Gomes (2009, p. 232):
[…] “é o bem relevante para o indivíduo ou para a comunidade (quando comunitário não se pode perder de vista, mesmo assim, sua individualidade, ou seja, o bem comunitário deve ser também importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que, quando apresenta grande significação social, pode e deve ser protegido juridicamente. A vida, a honra, o patrimônio, a liberdade sexual, o meio-ambiente etc. são bens existenciais de grande relevância para o indivíduo.”
O legislador fica vinculado a somente elevar à categoria de bem jurídico aqueles valores efetivamente concretos, que de fato acarretam na proteção da pessoa humana ou que tornem possível – ou assegurem – sua participação nos destinos democráticos do Estado e da vida social. (“Critérios de seleção de crimes e cominação de penas”, Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Ed. RT, 1992, nº. 0, p. 79 e 81).
Só haverá sentido na permissão ou proibição de alguma conduta, se o objetivo precípuo disso for o de impedir uma lesão ao um bem jurídico (PRADO, 1992, p. 50):
“O legislador, ao proibir ou determinar condutas, não pode deixar de tomar em atenção que essas condutas são produtos de seres humanos, inseridos socialmente em condições reais de motivação e formação, e que tanto a proibição quanto a determinação só terão sentido se objetivarem impedir uma lesão concreta de bem jurídico.”
Segundo Prado (1992, p. 53-54), em um Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal é quem deve delinear quais são os valores elementares da comunidade. Assim, é a Constituição que deve ser o ponto jurídico-político referencial quando se trata de delimitar o que é o injusto penal – e que essa delimitação deve ser reduzia às margens da mais estrita necessidade.
Não discordando desse posicionamento, Santos (2007, p. 5) se manifesta, primeiramente levantando o questionamento acerca de quais seriam os critérios levados em consideração para selecionar os bens ou interesses jurídicos tutelados penalmente. Traz como resposta a tal questionamento, e em sintonia com a teoria constitucionalista do delito, que
[…] “os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal são selecionados por critérios político-criminais fundados na Constituição, o documento fundamental do moderno Estado Democrático de Direito: realidades ou potencialidades necessárias ou úteis para a existência e desenvolvimento individual e social do ser humano – por exemplo, a vida, a integridade e saúde corporais, a honra, a liberdade individual, o patrimônio, a sexualidade, a família, a incolumidade, a paz, a fé e a administração públicas constituem os bens jurídicos protegidos contra várias formas de lesão pelo Código Penal.”
Já para Bettiol (1997, p. 229-230), o bem jurídico está profundamente ligado às concepções éticas e políticas dominantes, e por conta disso, com as alterações e mudanças que ocorrem com o passar do tempo e do ambiente, assume significado e conteúdo diversos. O direito penal, circunscrito a valores de épocas determinadas, encontra neles a sua razão de ser, como organismo de tutela.
Conforme explica Nucci (2013, p. 74), há bens tutelados pelo Direito, eleitos pelo ordenamento jurídico como indispensáveis à vida e sociedade, bens estes que são merecedores de proteção e cuidado. E menciona:
“A partir dessa escolha, o bem se transforma em bem jurídico. Dos mais simples aos mais complexos; dos inerentes à natureza humana às criações alternativas da vida moderna; dos ligados à dignidade humana aos vinculados a puros interesses materialistas; todos os bens jurídicos gozam do amparo do Direito. Os mais relevantes e preciosos atingem a tutela do Direito Penal, sob a ótica da intervenção mínima.”
Desta forma, após a breve abordagem do que significa bem e o que pode ser elevado à categoria de bem jurídico, passa-se a analisar os bens jurídicos que merecem a tutela do Direito Penal, pois observa-se que, sob a visão da intervenção mínima, não são todos os bens que são protegidos por essa área do Direito.
Interessante colocação acerca da escolha dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal e feita por Batista (2007, p. 116). Menciona que, por vezes, a seleção de interesses jurídicos que venham a merecer a tutela penal é realizada por representantes da classe minoritária dominante, e, assim sendo, seja carregada de proselitismos, uma vez que:
[…] “numa sociedade dividida em classes, o direito penal estará protegendo relações sociais (ou ‘interesses, ou ‘estados sociais’, ou ‘valores’) escolhidos pela classe dominante, ainda que aparentem certa universalidade, e contribuindo para a reprodução dessas relações. Efeitos sociais não declarados da pena também configuram, nessas sociedades, uma espécie de ‘missão secreta’ do direito penal.”
Trata-se de uma visão bastante crítica do tema, pertinente e atual, eis que é sabido que o legislador penal muitas vezes edita as mais diversas normas incriminadoras, com o único objetivo de proteger a interesses particulares ou mesmo de minorias reinantes, deixando sem resposta o restante da sociedade, que talvez mais necessite da referida proteção legal.
O assunto será aprofundado quando do enfrentamento do assunto principal do presente trabalho, que visa demonstrar a falta de tutela penal específica aos animais não humanos.
Segundo Zafaffaroni (2002, p. 398-399) não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um bem jurídico, posto que os tipos não passam de particulares manifestações de tutela jurídica desses bens. Embora seja certo que o delito é algo mais que a lesão a um bem jurídico esta lesão é indispensável para configurar a tipicidade.
É por isto que o bem jurídico desempenha um papel central na teoria do tipo, dando o verdadeiro sentido teleológico à lei penal. Sem um bem jurídico, não há um “para quê?” do tipo e, portanto, não há possibilidade alguma de interpretação teleológica da lei penal.
Na legislação federal, não aparece em qualquer lugar da história da legislação ambiental, qualquer definição para o termo “meio ambiente”, até a entrada em vigor da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente – Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981. Nessa oportunidade, surgiu a definição sobre meio ambiente no seu artigo 3º, inciso I:
“Artigo 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas […]”
No Estado de Santa Catarina, estabeleceu-se por meio ambiente como sendo “a interação de fatores físicos, químicos e biológicos que condicionam a existência de seres vivos e de recursos naturais e culturais” (artigo 2º, inciso I da Lei 5.793/18980).
O Rio Grande do Sul, por sua vez, em sua legislação estadual, artigo 3º, II da Lei 7.488 de 14 de janeiro de 1981 traduz o meio ambiente como sendo:
“Conjunto de elementos – águas interiores ou costeiras, superficiais ou subterrâneas, ar, solo, subsolo, flora e fauna -, as comunidades humanas, o resultado do relacionamento dos seres vivos entre si e com os elementos nos quais se desenvolvem e desempenham suas atividades.”
Limitou-se aqui apenas à definição federal, e referente aos dois estados do sul, mas como se observa – até porque nos outros estados os termos utilizados para definição do meio ambiente em quase nada se altera – que a maioria das conceituações estaduais, assim como a federal, não limita o campo ambiental apenas a homem, abordando sempre todas as formas de vida, o que antecipa a denominação federal. (MACHADO, 2010, p. 56).
Silva (2004, p. 27) assevera que o conceito de ambiente (e aqui não se fala do meio ambiente, e sim do ambiente) deve ser globalizante, abrangendo toda a natureza original e artificial, bem como bens culturais correlatos, o que compreende, em consequência, o solo, água, ar, flora, belezas naturais, patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico.
Outra forma de conceituar o ambiente é o analisando a partir do ponto de vista humanista, e sendo assim, tem-se que o ambiente compreende a natureza e as modificações que o homem introduz nela. Conforme explica Souza Filho (1997, p. 10), sob essa análise, o ambiente traduz-se em:
[…] “terra, a água, o ar, a flora e a fauna, as edificações, as obras-de-arte e os elementos subjetivos e evocativos como a beleza da paisagem ou a lembrança do passado, inscrições, marcos ou sinais de fatos naturais ou da passagem de seres humanos.”
Para o trabalho em questão, além da conceituação ampla de ambiente e meio ambiente, necessário analisar-se e refletir a respeito dos modos de interação entre as partes que compõe o todo, ou seja, a relação existente entre animais não humanos e animais humanos e sua relação com o ambiente.
E o que possibilita a análise dessa interação, é a análise das correntes da ética ambiental, através de conceitos tradicionais da subdivisão entre o antropocentrismo radical (que é representado pelos especistas), e o antropocentrismo moderado, e as correntes sensocêntrica, biocêntrica e ecocêntrica. (MEDEIROS, 2013, p.34).
Segundo Medeiros (2013, p. 35), os antropocentristas radicais entendem que pertencem a uma categoria especial, e que por conta dessa posição de destaque, têm o direito de oprimir os outros, principalmente aqueles que não estão de acordo com essa ideia.
Lamentavelmente, a convivência em harmonia e respeito com os seres vivos não humanos foi renunciada pelos homens, que deixaram de sentirem-se parcela da natureza.
“As razões que embasam o antropocentrismo radical geralmente se apoiam na argumentação na falta ou suposta ausência de racionalidade, de autonomia ou mesmo de moralidade dos demais animais. Esses critérios eram válidos até bem pouco tempo para mulheres, negros, escravos, judeus, africanos, indígenas americanos, e, logicamente, para as “bestas”. Ainda o são, no mínimo, enfrentadas como válidas para animais não humanos […] (RODRIGUES, 2012, p. 38).”
Diz que a ruína ambiental que o mundo vive atualmente é consequência da visão antropocêntrica, considerando o fato de o homem se achar superior aos demais seres vivos, e com base nisso, se achar também no direito de agredir e devastar o meio ambiente. São palavras de Nogueira (2012, p. 34):
“A ética ultrapassada do antropocentrismo (“Ética do Cowboy” ou “Ética da fronteira”) insiste em conquistar o que permanece selvagem. Não mede esforços para a colonização e exploração da natureza. O que vale é a conquista e a descoberta.
E nesse afã de descobrir e utilizar primeiro, a única preocupação é em patentear e fazer dar lucro. O único valor atribuído à natureza é o valor econômico. É sólida a dependência humana dos recursos naturais (trabalho, alimento, vestuário, transporte ou lazer), e a expressão “civilização humana” é virtualmente sinônima de “conquista da natureza.”
Certo que a relação entre homem e natureza é fundamental e extremamente necessária. A vida dos animais não humanos associa-se à do homem
No antropocentrismo moderado, existe defesa ao ambiente, mas com determinado valor instrumental ou utilitário a ser considerado. Sob essa ótica, o interesse desenvolvido pelo bem estar humano não necessita obstruir os interesses dos animais não humanos, podendo, inclusive, promove-los. Mas ainda assim, no antropocentrismo moderado, adite-se que apenas os animais humanos são moralmente relevantes, mas ainda assim entende-se que fazem parte de um todo, e que esse todo deve ser preservado. (MEDEIROS, 2013, p. 35).
Desta forma, o homem percebeu que os recursos naturais não são infinitos e não durarão eternamente, começando a desenvolver uma preocupação com a conservação ambiental, estabelecendo-se limites para a intervenção humana no meio ambiente. (NOGUEIRA, 2012, p. 45).
Lourenço (2008, p. 331-332) entende que o antropocentrismo moderado encontrou sua base no que prevê o artigo 3º, I da Lei 6.938/81, a qual estabelece que, conforme já citado nos conceitos de meio ambiente, que este trata-se de “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, o qual protege, de maneira simultânea, o meio ambiente, toda a forma de vida e o ser humano, que é justamente o titular do bem jurídico que a norma ampara.
Porém, aduz o autor que a proteção oferecida pela norma ainda não é suficiente para que se evite as várias formas de maus tratos e causas de sofrimento desnecessário a que são expostos os animais, pois o ser humano continua tendo o direito de matar animais – com meios cruéis -, derrubar árvores, e muitas vezes por questões superficiais – isso quando existe algum motivo para a crueldade (se é que se pode dar qualquer motivo para a crueldade). (LOURENÇO, 2008, p. 333).
Foram as inúmeras catástrofes naturais (que no Brasil causaram fizeram com que 12,8 milhões de brasileiros sofressem com enchentes, secas ou deslizamentos, somente entre os anos de 1986 e 2005), bem como o egoísmo incomensurável preocupado apenas com a sua própria condição de existência levaram o homem a (re)pensar a sua visão sobre consciência ambiental. (NOGUEIRA, 2012, p. 45).
Tal fato fez com que reformulasse o pensamento antropocêntrico, criando as subdivisões acima apontadas.
“O passar dos anos e o gigantesco aumento das tragédias naturais provocadas pela mão humana despertaram uma reação mundial voltada à preservação do meio natural. Reações dessa ordem se apresentam mediante uma alteração da consciência da humanidade referentemente à saúde ambiental. Essa conscientização sobre o estado do meio ambiente do planeta não deixou de registrar consequências no ordenamento jurídico, culminando, então, no desenvolvimento do direito à proteção ambiental (MEDEIROS, 2013, p. 36)”
Assim é que o sensocentrismo é considerada a ética centrada nos animais, e em sua teoria, reafirma a consideração de valor aos animais não humanos, considerando que todos, também os animais não humanos – notadamente aqueles que conseguem experimentar sofrimento, sentir dor ou bem-estar, devem ser moralmente considerados (MEDEIROS, 2013, p. 36).
Já no que diz respeito ao biocentrismo, apresenta-se a proposta de implantar o núcleo ético jurídico na vida, não se fazendo mais qualquer distribuição entre as diversas e variadas formas de vida existentes. É bastante simples sua concepção: vida é vida – não importa se humana ou não humana. (NOGUEIRA, 2012, p. 48).
Essa corrente privilegia a posse da senciência (o fato de poder sentir sofrimento ou bem-estar) como condição suficiente, sustentando que todos os seres vivos são moralmente consideráveis, e que por isso merecem respeito, tendo os animais humanos obrigações morais com eles (MEDEIROS, 2013, p. 36-37).
Rodrigues (2012, p. 52) aborda a justificativa da corrente biocêntrica de maneira bastante interessante. Questiona se a vida de um chipanzé dotado de consciência vale menos ou mais que a vida de um ser humano com deficiência mental e, portanto, não deve ser considerado pessoa, titular de direitos e deveres, mas com capacidade para o sistema jurídico, questionando ainda qual seria o critério usado para avaliar a situação.
Peter Singer (1998, p. 115), pondera a situação da seguinte forma:
“Deveríamos admitir que, do ponto de vista dos próprios seres diferentes, cada vida tem igual valor. Os que adotam esse ponto de vista admitem, por certo, que a vida de uma pessoa pode incluir o estudo da filosofia, mas que tal estudo não pode fazer parte da vida de um rato; mas dizem também que os prazeres de um rato são tudo que um rato tem e que, portanto, pode-se presumir que signifiquem, para ele, tanto quanto os prazeres da vida de uma pessoa significam para ela. Não podemos dizer que uma é mais ou menos valiosa do que a outra.”
Muito embora o biocentrismo defenda que o homem tem deveres diante dos demais seres vivos, e que a natureza como um todo seja também sujeito de direitos, o cerne da questão é o valor intrínseco de cada ser vivo, o que lhes atribui direitos possíveis de se evitar situações de risco a qualquer forma de vida, e não somente a vida humana (NOGUEIRA, 2012, p. 48).
Por certo que cada vida – seja humana ou não humana – tem seu próprio valor, vale pela sua simples existência, e por isso, a proteção aos animais decorre simplesmente de uma postura ético-moral que considera a vida como bem supremo de qualquer criatura – independente da classe que pertença (RODRIGUES, 2012, p. 52-53).
E finalmente, em análise a última vertente ideológica do ambientalismo – no ecocentrismo – a consideração moral recai especificamente sobre a vida – seja ela animal ou vegetal. Nessa vertente, nenhum ser vivo é excluído dessa considerabilidade moral, sendo que o bem jurídico a ser tutelado, nesse caso, é todo o sistema ecológico. A vida, no ecocentrismo, possui um valor instrumental para o conjunto, que precisa dela para existir (NOGUEIRA, 2012, p. 59).
Conclui-se então, que o passar do tempo e a evolução da sociedade trouxeram constante transformação no Direito, a depender sempre do seu objeto – fatos e alegações subjetivas – que requerem sua regulamentação e das demandas o bem coletivo – como ocorre com o meio ambiente. Desta forma, para haver uma adequação do direito com as exigências da sociedade, foi necessário regular as relações supraindividuais, como as próprias ao meio ambiente, bem como outros bens difusos, a fim de proteger material e processualmente relações onde não havia o enquadramento perfeito no sistema posto – que era essencialmente individual (RODRIGUES, 2012, p. 179).
Foi assim que toda a opinião que já era formada sobre o assunto começou a mudar, exigindo-se dos legisladores e governantes total e irrestrito interesse pela causa ambiental, já que o descaso com que era abordado tal assunto tão importante não trazia bons resultados para toda a sociedade.
Com isso, passa-se a uma breve análise da legislação ambiental, sua origem e como está na atualidade, a ponto de se chegar finalmente, ao problema abordado no presente trabalho, que é justamente a deficiência da legislação no que diz respeito aos animais de estimação.
A devastação ambiental não é recente, porém, no Brasil, a preocupação com o assunto, em nível constitucional, surgiu somente na Constituição Federal de 1988, situação que já tinha ocorrido na Constituição de outros países da América Latina, como Equador e Peru, em 1979, Chile e Guiana, em 1980, Honduras em 1982, Panamá em 1983, Guatemala em 1985, Haiti e Nicarágua em 1987 (MACHADO, 2010, p. 117).
Segundo depoimento de historiadores, no tempo do Brasil Colônia, prevalecia mais o interesse de particulares do que o interesse público, sendo que o interesse nacional sequer era sonhado. A exportação de madeira e monoculturas era o que caracterizava o ciclo – as quais estenderam-se por todo o território nacional à custa da preciosa vegetação nativa, como ocorreu com a cana de açúcar, por exemplo (MILARÉ, 2013, p. 235).
José Bonifácio de Andrada e Silva, denominado de “Patriarca da Independência”, portador de larga experiência internacional e senhor de apreciáveis conhecimentos científicos e jurídicos, embora nos remotos tempos em que viveu (faleceu em 1838), já previu o caos que ocorreria com relação a natureza:
“José Bonifácio chamou a atenção, até com veemência, para a depredação do solo pátrio e das suas riquezas, previu a desertificação “com os paramos da Líbia”, a erosão devida a tantas causas; acentuou a precariedade do que hoje chamamos de recursos renováveis. Naquele mesmo século, algumas dezenas de pensadores e escritores alertaram o país para a degradação do seu mundo natural; inclusive, alguns deles associavam tal calamitoso estado de coisas à economia escravagista (MILARÉ, 2013, p. 236).”
A intenção do presente trabalho, porém, não é se estender por toda a longa história que envolve a evolução da legislação ambiental. Importante, porém, destacar – até porque isso não difere muito com o que ocorreu durante muitos anos em nosso país – como menciona Milaré (2013, p. 237), que na prática, somente os delitos que atingissem a Coroa ou os interesses fundiários das classes dominantes eram, de maneira exemplar, punidos. O patrimônio ambiental coletivo – como temos hoje – era sequer imaginado.
Cita-se isso com a intenção de demonstrar que, situações que eram absurdas de se imaginar no século retrasado e passado, acabaram tornando-se proibidas por lei e severamente punidas, o que faz com que se possa ter esperança ainda em acreditar numa legislação ambiental específica para os pequenos animais, diante da inexistência de uma nos dias atuais, e ineficácia da existente em relação a estes animais, tratados como generalidades dentro da fauna.
Assim, dando enfoque ao que se pode chamar de atualidade dentro do assunto abordado – evolução da legislação ambiental e em que momento o meio ambiente passou a ser efetivamente “sujeito de direito” dentro da legislação nacional – cita-se que antes da Constituição Federal de 1988, a proteção ambiental era garantida pela Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981 – lei que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
Além dessa lei, havia ainda o Código Florestal, o Código de Caça, o Código das Águas, o Código de Mineração e outras leis esparsas, sendo que somente com fundamento na legislação de 1981 que o Ministério Público propôs as primeiras ações civis públicas – eis que nenhuma das legislações anteriores previa essa possibilidade e disciplinasse o procedimento. Foi somente com a edição da Lei 7.347 de 24 de julho de 1985[6] as ações civis públicas se tornaram constantes e eficazes (SIRVINSKAS, 2011, p. 66).
Doutrinadores citam a existência de quatro marcos importantes dentro da postura recente de proteção ao patrimônio ambiental e busca pela tutela do ambiente, segundo doutrina de Edis Milaré (2013, p. 240-241):
-Primeiro marco: edição da Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981, conhecida como Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que entre tantos benefícios, introduziu no mundo do direito o conceito de meio ambiente como objeto específico de proteção em seus vários aspectos; instituiu o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA)[7]; estabelece, em seu artigo 14, § 1º, a obrigação do poluidor de reparar os danos causados, de acordo com o princípio da responsabilidade objetiva (ou sem consideração da culpa) em ação a ser movida pelo Ministério Público.
-Segundo marco: a época do seu início coincide com a edição da Lei 7.347 de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública como instrumento processual específico para a defesa do ambiente – o que possibilitou que a agressão ambiental se tornasse caso de justiça. Foi através dessa lei que entidades estatais, paraestatais e principalmente associações civis ganhassem força para provocar a atividade jurisdicional, e juntamente com o Mistério Público conseguissem diminuir as agressões ao meio ambiente.
-Terceiro marco: é determinado pela promulgação da Constituição Federal, em 1988, o onde finalmente o progresso com relação a preocupação ambiental se fez notável, eis que concedido ao meio ambiente pela Carta Magna uma disciplina rica, tendo um inclusive um capítulo próprio abordando o tema. Em contrapartida, as constituições estaduais passaram a se preocupar também com o assunto, incorporando o tema também em suas leis maiores.
-Quarto marco: por fim, o último marco é determinado pela edição da Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, a qual prevê sanções penais e administrativas possivelmente aplicáveis à condutas e atividades lesivas ao meio-ambiente. Tal lei é conhecida como Lei dos Crimes Ambientais, e representa sem dúvida, grande avanço na proteção do meio ambiente, pois dá efetividade às possíveis punições aos agressores, com a previsão de sanções administrativas e tipificação de crimes ecológicos. Incluiu também a pessoa jurídica como sujeito ativo nos crimes ambientais.
Assim, brevemente se fez uma abordagem à evolução da legislação ambiental, com o único e exclusivo objetivo de demonstrar que em nenhum momento dos marcos históricos que a fundamenta, fora dada importância ou fora sequer feita menção aos animais de estimação – até hoje sem previsão específica para os crimes brutais que são cometidos contra eles.
Com base em tudo que foi abordado no presente trabalho, por certo que a conclusão não poderia ser diferente: é certo que os animais merecem ter direitos regidos por leis assim como são os direitos humanos. Mesmo que já existam de forma abstrata, necessário que se criem regras dentro do sistema jurídico – e não regras gerais e subjetivas como as que já existem – mas sim, objetivas e específicas, tratando especialmente dos animais de estimação.
A maioria dos seres humanos acredita que o mundo natural tem valor na medida em que beneficia seus interesses, e que o direito é produzido pelos homens apenas para disciplinar suas relações (SILVA, p. 165).
Danielle Tetü Rodrigues (2012, p. 106), faz uma interessante abordagem sobre da genialidade humana com todas as suas criações tecnológicas em comparação com o descaso do homem com os animais:
“Ora, mas para que serve a genialidade humana em presentear o mundo com maravilhosas escrituras dotadas de profundos ensinamentos, imensas obras arquitetônicas como os belíssimos arranha-céus e os gigantes aviões capazes de sustentarem-se no ar, ou mesmo com a criação de esplêndidas espaçonaves, comunicações instantâneas entre Continentes, ou máquinas pensantes hábeis a substituir o ser humano, se não é capaz de sensibilizar o homem com a Natureza, com os valores da compaixão, da gratidão, do amor aos Animais como um ser dotado de vida e de sensações? Se não é capaz de elevar o grau de consciência, discernimento e percepção sensorial no homem, capacitá-lo a perfilhar que o futuro dos Animais deve ocorrer por meio de atos humanos voluntários racionais, ou simplesmente esclarecer que o homem faz parte de um complexo sistema de relações e inter-relações com o ambiente, em que a vida deve ser preservada como obrigação primordial daqueles que se dizem racionais?”
Para explicar a possibilidade de tornar os animais sujeitos de direito, o professor Tagore Trajano (apud NOGUEIRA, 2012, p. 318-319) explica que quem possui ou não personalidade jurídica é definido pelas condições sociais e o momento histórico que se vive. Não se trata de atributo natural do ser humano, e sim uma imputação jurídica. Com isso, explica que ser pessoa não constitui condição essencial para ser sujeito de direito, para ter personalidade jurídica reconhecida. Isso se trata de ato do legislador.
Da mesma forma que foram imputados direitos aos humanos, deverá ocorrer com os animais também. Por certo que esse reconhecimento trará profundas mudanças nas culturas das civilizações, inclusive no que diz respeito as estruturas dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, nem como na política e práticas econômicas. Mas as mudanças ocorrerão, essencialmente, na libertação do homem da visão materialista nele embutida e da manipulação dos animais por ele imposta (RODRIGUES, 2012, p. 107).
Necessária pequena abordagem sobre o princípio da dignidade humana, antes de se propor sua extensão aos animais não humanos. Para isso, traz-se o que se chama de “conceito jurídico ousado”, elaborado por Ingo Wolfgang Sarlet (apud MEDEIROS, 2013, p. 188), que menciona que se pode observar na dignidade da pessoa humana:
[…] “um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável da própria e nos destinos da própria existência e da vida em comunhão.”
Há entendimentos que os direitos do homem, os direitos humanos e os direitos fundamentais são valores todos interligados à dignidade humana, sendo que dos três, os primeiros não estão positivados dentro da norma jurídica, os direitos fundamentais estão positivados, e os direitos fundamentais são aqueles ligados não somente à dignidade, mas também tem ligação à limitação de poderes – são normalmente positivados através de tratados (GEORGE MARMESLTEIN apud NOGUEIRA, 2012, p. 286).
Em uma análise superficial, observa-se que o ordenamento jurídico confere proteção somente aos interesses do homem, seja na concepção física ou moral, sobrando aos Animais – por sua caracterização como “coisa” ou como “animais irracionais” – a exclusão da tutela jurídica (RODRIGUES, 2012, p. 110).
Ao mencionar que as pessoas são "humanas", existe um significado embutido, querendo dizer que como humanas, podem ser consideradas gentis. Por sua vez, mencionar que são "bestiais", "brutais" ou, simplesmente, que se comportam como "animais", é justamente o contrário, sugerindo que se tratam como pessoas cruéis e maldosas. Dificilmente detêm-se a considerar que um dos únicos animais que que mata sem qualquer razão é justamente o animal humano. Julgam-se os leões e os lobos, por exemplo, como animais selvagens porque matam, mas em momento algum analisa-se que matam por um único motivo: eles têm de matar. Se não o fizerem, morrem de fome (SINGER, 2004, p. 154).
Lenio Streck (2013, p. 2), em artigo denominado “Quem são esses cães e gatos que nos olhas nus”, publicado no site jurídico CONJUR[8], ao falar sobre o fato de uma pessoa ter atirado pela janela de um apartamento dois cachorros – que dizia serem de estimação, e se pensa aqui o que faria se não tivesse nenhuma estima pelos cães – aborda essa questão da seguinte forma:
“Costumamos empregar à palavra predador um sentido negativo. Mas não paramos para atentar que o predador tem motivos para fazê-lo. Tem, por necessidade de sobrevivência, que matar e devorar outro ser para poder sobreviver. Portanto, não há mal em ser carnívoro. Mas somente o ser humano (ou animal humano, como queriam alguns) mata por prazer ou perversão. Quem é o animal em um safári? Numa tourada? Ou nas hoje abandonadas (e ainda bem) “farras do boi”? Em todos esses casos o molestar, ferir e matar faziam parte de uma espécie de catarse pública em busca do mórbido, tudo sob a máscara da violência simbólica — de que se trata(va) de uma tradição.”
E tanto se aborda a dignidade humana – e tão somente a humana -, tanto se fala e se busca a proteção aos direitos fundamentais do homem – e tão somente do homem -, buscando-se sempre dar-lhe toda proteção, que se esquece sempre do que o homem, om toda essa proteção que lhe é dada, é capaz de fazer, impunemente, aos animais que rotula como “coisa” ou como seres desprovidos de sentimento.
O homem – àquele mesmo a quem é dado toda a proteção ao que chama de dignidade – ser racional e pensante, a quem caberia (supostamente) a total responsabilidade de prestar cuidados por um animal de estimação, se quem se torna responsável, é o mesmo que abandona-o à sua própria sorte em situações de dificuldade ou doença (exatamente nas oportunidades em que o animal mais precisa dele). É o homem “pensante” aquele que esquece que cães e gatos podem viver por até vinte anos e que nesse período precisam de espaço e cuidados especiais para seu crescimento, precisam ainda mais de carinho e atenção (RODRIGUES, 2012, p. 100).
Necessário um entendimento que ferir a dignidade humana coletiva, independente de uma lesão considerada de modo individual, há ofensa à dignidade como um todo. Pergunta-se:
“Quais as características que tornam o homem detentor do direito a uma vida digna? Qual o seu diferencial perante os outros seres vivos? Ou mesmo, perante os outros seres do Reino Animal? O que concede condição de natureza humana? De humanidade? A condição de ser humano? Quais as razões para uma dignidade além da vida do animal humano? Como bem destaca Souza afinal, que é o animal? (SOUZA apud MEDEIROS, 2013, p. 202-203)”
Essas são os grandes e necessários questionamentos no presente trabalho: qual a diferença entre um homem e um animal de estimação, por exemplo, em se falando de dignidade? Quais as razões que sustentam o fato de que o homem não pode ser ferido em sua dignidade, não pode ser maltratado, não pode ser abandonado – e, em sendo, sabe-se que será severamente punido – ao passo que contra os pequenos animais, aqueles às vezes que se pagam valores exorbitantes para tê-los em sua companhia, pode-se fazer todo e qualquer tipo de maldade, que nada, absolutamente nada de grave acontecerá com o opressor?
Com base no que é possível essa diferenciação entre raças –que se denomina especismo – se já fora demonstrada a possibilidade que os animais têm de sentir dor e prazer? Sabe-se que cada um dos seres humanos carrega em seu âmago valores próprios e culturais que lhe concedem um conceito de bem-viver. Porém, quando se entra na questão de respeito a vida de outras espécies, o jogo de interesses sempre fala mais alto. (NOGUEIRA, 2012, p. 342) assim se manifesta:
[…] “Contudo, quando se trata de entender, conceituar e respeitar a vida de seres de outras espécies, a humanidade perde-se em interesses, desejos e comodismos, que impedem que se chegue a um consenso razoável de proteção da vida além da humana. Nesse momento, é necessário que o direito, como instrumento máximo de pacificação social, intervenha para politizar os debates em busca de uma justiça ambiental, cujo sentido existencial baseie-se em atender em igual consideração de interesses tanto o homem quanto o animal, ambos como resultado da perfeição divina.”
Muito embora ainda o festival de horrores que se veja com frequência em manchetes dos telejornais ou em notícias veiculadas na internet, é certo que, ainda que em pequena parcela, o povo está cada vez mais consciente sobre a necessidade de se concentrar os Animais mais respeito, como seres sencientes que são, e dotados de percepção, inteligência e, lógico, de vida. (RODRIGUES, 2012, p. 105).
A pressão que existe em torno da questão dos animais não humanos já conseguiu lhes trazer pequenos benefícios. Peter Singer (2004, p. iii) menciona que as indústrias de cosméticos já começaram a investir na descoberta de alternativas para os testes em animais. Tal situação logo se espalhou para a indústria química em geral. Os donos dos animais de estimação (objetos do presente trabalho) estão, de certa forma, mas educados e conscientes, embora, como dito acima, demasiado o número de animais nas ruas, morrendo em abrigos ou abandonados à própria sorte.
Sabe-se que a existência de uma legislação específica que punisse os maus tratos a animais de estimação – que jamais poderão ser comparados a animais silvestres, como prevê a legislação atual – é apenas o começo para a resolução do problema, pois leis feitas para pessoas mal educadas certamente não se prestam para seu fim.
Nogueira (2012, p. 344) aborda várias modificações legislativas significantes que poderiam resolver vários problemas éticos na questão dos pequenos animais: proibição de animais no ensino, em atividades de lazer, proibição de abate insensível, proibição de criadouro cruel (carne de vitela, por exemplo), e principalmente, a inclusão dos animais não humanos como sujeito de direitos, dotados de personalidade jurídica, questão primordial para a formação de uma dogmática em defesa dos animais e do meio ambiente.
Mas a questão sequer é notada pela maioria das pessoas, pois ninguém para e doa seu tempo para analisar estas questões que por terem se tornado comuns, já não causam nenhuma indignação ou espanto.
Sobre essa questão, Gary L. Francione (2008, p. 14), em seu artigo “Animais como propriedade”, justifica o desinteresse demonstrado em vários casos da seguinte maneira:
“Embora supostamente proibamos que se cause sofrimento desnecessário aos animais, não questionamos se determinados usos de animais são de fato necessários, ainda que a maior parte do sofrimento que impomos aos animais não possa ser caracterizada como necessária em qualquer sentido significativo. Em vez disso, perguntamos apenas se determinado tratamento é necessário, dados usos que não são, em si, necessários. Consideramos os costumes e as práticas das várias instituições de exploração e presumimos que as pessoas envolvidas na atividade não infligiriam um grau maior de dor e sofrimento do que o essencial para o propósito em particular, porque seria irracional fazer isso, assim como seria irracional, por parte do dono de um carro, danificar seu veículo sem nenhuma razão.”
Assim, lutar contra uma política de proteção aos animais – considerando que a vigente é obviamente insuficiente e ineficaz – é apenas retardar uma situação que com o tempo se tornará cada vez mais inevitável. Comprova-se com isso que a racionalidade do homem – ser “humano” – está cada vez mais estagnada e direcionada apenas à visão do lucro, consumismo e bem-estar individual, típicos da raça humana, justamente por se considerar superior a tudo e a todos, acreditando que tudo que existe no mundo lhe deve ser útil – e não necessariamente respeitado (RODRIGUES, 2012, p. 106)
O fato de se sustentar que deva existir uma dignidade para além da vida do animal humano, de uma responsabilidade fundamentada em um dever fundamental do animal humano para com o animal não humano se dá simplesmente por questões de justiça e principalmente compaixão. Se trata assim não somente de uma questão de direito, mas também de uma questão ética, seguindo para uma relação de direitos e deveres (MEDEIROS, 2013, p. 202).
As ideias quanto a natureza dos animais não humanos, e o raciocínio incorreto que se tem acerca das consequências que advêm da concepção da natureza, contribuem igualmente para o apoio das atitudes especistas tidas pelo ser humano.
“Sempre gostamos de nos considerar menos selvagens do que os outros animais. […] Os humanos matam outros animais por desporto, para satisfazer a sua curiosidade, para embelezar o seu corpo e para agradar ao seu palato. Os seres humanos também matam membros da sua própria espécie por ganância ou sede de poder. Mais, os seres humanos não se satisfazem com a simples morte. Nota-se, através da história, a sua tendência para atormentar e torturar tanto os seus congéneres como os outros animais, antes de os matarem. Nenhum outro animal revela grande interesse nesta prática. (SINGER, 2004, p. 154).”
Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros (2013, p. 188) destaca que o planeta é habitado e compartilhado por todas as criaturas. Entre tais criaturas, encontram-se aquelas consideradas inteligentes em suas várias formas (linguísticas, matemáticas, espaciais, musicais), e entre tais criaturas, um mundo não só de humanos, mas um mundo de seres vivos. Com base nisso, destaca alguns questionamentos:
“O questionamento mais óbvio seria por que, então, somente as criaturas humanas têm direitos a uma vida digna? Defende-se que todos os animais, sejam humanos ou não humanos, possuam o direito de uma existência digna. Outra dúvida pertinente seria o que precisamente consiste esse direito a uma existência digna. […] É mister a advertência à situação ser uma questão de urgência e de justiça, e não apenas um embate de simpatia e compaixão. Nussbaum alerta, ainda, para ilustrar, as condições dos animais de circo, que são mantidos e jaulas imundas e minúsculas, sem alimentação adequada, aterrorizados e, por vezes, espancados, recebendo cuidados minimamente suficientes para a apresentação no picadeiro no dia seguinte. (MEDEIROS, 2013, p.188)”
Destaca-se a ausência de punição específica prevista pela legislação ambiental aos casos de maus tratos a pequenos animais, sendo que os casos que envolvem tal situação, são julgados genericamente, com fundamento no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais – Lei 9.605/1998[9] – que tipifica como crime o ato de praticar abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. A pena para este tipo de crime é a detenção, que pode ir de três meses a um ano, além de multa.
Note-se que pelo dispositivo citado, os animais de estimação – domésticos, como menciona a lei – são equiparados aos animais silvestres. A pena, ínfima, determina detenção por pequeno período, pena esta que pode facilmente ser convertida para pagamento de multa.
Além disso, ainda não existe punição efetiva aos maus tratos cometidos contra os animais domésticos. Fala-se isso com base em vasta busca por decisões efetuada em sites de conteúdo jurídico, não se encontrando basicamente nenhuma decisão considerável, punindo agressores de animais de estimação, acerca do assunto.
O que se encontra a respeito do assunto, resume-se a punições àqueles que mantém em cativeiro animais silvestres, ora determinando que os animais sejam devolvidos ao se habitat natural, ora permitindo que – quando já domesticados – permaneçam sob a guarda de seus criadores. Fora encontrada apenas uma exceção dentre tantas decisões que abordam apenas crimes contra animais silvestres[10] – o que faz concluir, como amostragem, que os casos punidos são minúsculos se comparados da quantidade de situações que envolvem maus tratos a animais domésticos.
O projeto do novo Código Penal prevê a aplicação de penas de um a quatro anos de prisão para aqueles que cometem maus tratos contra os animais. Pois bem, a legislação especial que trata do caso – Lei dos Crimes Ambientais – por sua vez, prevê penas de três meses a um ano, e multa.
Ao que parece, o projeto do Código Penal pretende o "endurecimento" das penas, porém, na prática, isso não irá ocorrer. O fato de ser incluído no Código Penal a punição aos que praticam maus tratos contra animais, deu a falsa sensação de que finalmente os agressores seriam punidos.
Porém, no Código Penal, em seu artigo 44, prevê a possibilidade de substituição das penas restritivas de liberdade pelas restritivas de direito, em algumas situações, quais sejam:
“I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.”
As penas restritivas de direito, como o próprio nome explica, são aquelas que limitam o dia a dia do condenado de alguma forma, como a proibição de frequentar determinados lugares ou outra coisa que o julgador venha a fixar, mas que não levam a pessoa à prisão.
Dessa forma, o artigo 44 é bastante claro: quando a pena for de até 4 anos – como é o caso dos maus tratos a animais previsto no projeto do novo código penal – o agressor preenche os requisitos exigidos pela legislação para a substituição da pena, ou seja, o agressor terá direito a substituição da pena restritiva de liberdade para a pena restritiva de direitos, ou seja, em resumo, restará impune.
Ao que parece, a solução mais eficaz seria a alteração do artigo 32 da legislação que trata especificamente dos crimes ambientais, aumentando a pena lá prevista para de dois a cinco anos, o que impediria a substituição da pena, tornando assim o crime realmente “punível”, dando à sociedade a resposta esperada àqueles que cometem agressões aos animais. Trata-se de uma análise matemática: se houvessem modificado o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais para 2 a 5 anos de reclusão, não seria atingido pela brecha da lei que permite trocar a pena de prisão por uma pena que restringe alguns direitos quando a pena prevista for de até 4 anos.
Fica bastante fácil de perceber que além de não existir uma legislação específica que se preocupe com o a situação dos animais de estimação – já que os aborda juntamente com animais silvestres, equiparando-os – a pena prevista (e inclusive a pena proposta pelo novo Código Penal) não se torna eficaz, obviamente não atingido o objetivo proposto.
Analisando a questão sob outro ângulo, fica bastante fácil de perceber que talvez não seja o aumento de pena que irá reduzir os maus tratos cometidos contra animais. Certo é que o direito penal deve ser visto como última forma de controle social, pois trata-se da intervenção estatal mais violenta que existe.
Sobre a subsidiariedade do direito penal, manifestou-se Paulo Queiroz (2008, p. 31):
“Com efeito, a natureza subsidiária – e não principal – do direito penal diante de outras formas de controle social decorre, em primeiro lugar, da circunstância de o direito penal constituir como regra a forma mais violenta de intervenção do Estado na vida dos cidadãos. E se o é, impõe que somente quando não forem realmente suficientes outros modos de intervenção cabe recorrer legitimamente ao direito penal para proteção de bens jurídicos (princípio da proporcionalidade em sentido amplo).”
Em contrapartida, cabe destacar a impossibilidade de defesa dos animais, tornando a disputa entre humanos e não humanos completamente injusta e desproporcional. Não houve possibilidade nenhuma de defesa, por exemplo, naquele caso em que uma enfermeira espancou a chutes, pontapés e até com um balde uma minúscula cadela da raça yorkshire, até leva-la à morte, na frente da própria filha[11]. Que tipo de tratamento pode ser conferido a uma pessoa assim? Acredita-se que em casos envolvendo pessoas assim, não há qualquer outro meio de intervenção que se possa recorrer e que possua efetivamente alguma eficácia no momento da punição.
Também pensar que o fato de que a lei não cumprirá seu objetivo pois as penas são considerados ineficazes eis que os crimes são cometidos por razões emocionais, psicológicas ou morais, não resolverá o problema causado pelas pessoas que maltratam os animais.
Queiroz (2008, p. 17) mostra-se bastante cético no que diz respeito às leis e sua função:
“No particular, a questão fundamental parece residir nisso, porém: pretender mudar a realidade por meio de leis é grandemente utópico. O melhor exemplo disso é a própria Constituição Federal cujo projeto de um Estado (Social) e Democrático de Direito tem sido sistematicamente desacreditado pela realidade, particularmente no que diz respeito ao capítulo dos direitos sociais: direito à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, entre outros. Aliás, combater o racismo, a desigualdade social, o preconceito, o desemprego, a fome etc. por meio de leis é apenas um modo particular de proclamar retoricamente: “sejam bons, sejam solidários, sejam éticos, respeitem o próximo etc.”; no essencial, a Constituição encerra, portanto, uma simples carta de (boas) intenções.”
Além disso, não bastasse a violência que é presenciada quase que semanalmente nos meios de comunicação – sempre contra animais de estimação, comprados e por quem fora pago pequenas fortunas – não é de hoje que o direito trata os animais como coisas. Agindo desta forma, tem-se que o sistema jurídico atual está completamente ausente às suas necessidades de moralização. Por óbvio que os animais não são pessoas, da mesma forma que não são coisas – e por conta disso, conceder um tratamento jurídico de propriedade aos seres vivos, é desmoralizar o sistema (NOGUEIRA, 2012, p. 316).
João Batista Villela (apud NOGUEIRA, 2012, p. 316) destaca que os animais (semoventes) sempre foram tratados como objeto, mencionando ainda que o Código Civil de 2002 (“recente no tempo e velho nas ideias” como menciona o citado autor), perdeu excelente oportunidade de corrigir a distorção cometida no que diz respeito a definição dos animais.
Menciona ainda que não há necessidade de se ter conhecimento específico acerca do que se tratam exatamente os animais, para se saber que são portadoras de dignidade. Afirma ainda Villela que as leis criadas e respeito à dignidade animal acabam não perdurando muito no sistema jurídico atual – citando como exemplo a Lei 11.977/05[12] do Estado de São Paulo.
Quanto a natureza jurídica dos animais, importante a lição de Ackel Filho (2001, p. 61-63):
[…] “não pode mais ser simplesmente referida como coisa ou bem. É que esses seres, porque providos de vida biológica e outros elementos, incluindo psiquismo ativo, já mereceram do Estado outro status. Não são simplesmente apenas coisas ou meros números. Mas individualidades biopsicológicas, que vêm recebendo o reconhecimento jurídico em todas as partes do mundo. […] Considerar os animais meras coisas, como desprovidas de vida e sentimentos, afronta a consciência ética da humanidade. Se há pessoas que assim os considere, desprezando seus direitos, a imensa maioria dos habitantes do planeta nutre sentimentos de respeito pelos animais. É daí que verte esse elemento moral, traduzido na justiça do reconhecimento dos seus direitos e da repulsa a todas as formas de crueldade e biocídio.”
O próprio Superior Tribunal de Justiça já se manifestou acerca da existência de sensibilidade e demonstrações de afeto pelos animais, o que lhes retira a condição de “coisa”. Segundo o acórdão proferido no Recurso Especial nº. 1.115.916-MG, a prefeitura de Belo Horizonte apresentou recurso especial ao STJ impugnando decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que proibiu o uso de método cruel para o controle de animais doentes no centro de zoonose da cidade. O questionamento dessa prática surgiu em razão de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público estadual mineiro[13].
O município, por sua vez, equiparou os animais a coisas, utilizando o Artigo 1.263 do Código Civil[14], citando o instituto da ocupação, mencionando que “os animais recolhidos nas ruas – e não reclamados no Centro de Controle de Zoonose pelo dono no prazo de quarenta e oito horas -, além dos que são voluntariamente entregues na referida repartição pública, são considerados coisas abandonadas. Assim, a administração pública poderia dar-lhes a destinação que achar conveniente”.
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso do município, em seu voto, o relator, Humberto Martins ressaltou que “não há como se entender que seres, como cães e gatos, que possuem um sistema nervoso desenvolvido e que por isso sentem dor, que demonstram ter afeto, ou seja, que possuem vida biológica e psicológica, possam ser considerados como coisas, como objetos materiais desprovidos de sinais vitais”.
Em crítica à crueldade, o ministro Relator mencionou que “a condenação dos atos cruéis não possui origem na necessidade do equilíbrio ambiental, mas sim no reconhecimento de que os animais são dotados de uma estrutura orgânica que lhes permite sofrer e sentir dor”. “A rejeição a tais atos, aflora, na verdade, dos sentimentos de justiça, de compaixão, de piedade, que orientam o ser humano a repelir toda e qualquer forma de mal radical, evitável e sem justificativa razoável”, completou.
E o fato da justiça e de todo o sistema legislativo ignorar completamente as necessidades dos animais de estimação, Vania Marcia Damasceno Nogueira (2012, p. 315) assim define:
[…] “A clássica compreensão de tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, busca igualdade. Pelo direito se realizam os valores de justiça. Cabe ao sistema jurídico proporcionar as condições organizacionais para essa complexa e gratificante tarefa. Se o sistema é falho ou funciona mal, vira um poderoso instrumento de manutenção de injustiças. Um sistema jurídico cego não significa que seja imparcial, como a Deusa romana, significa que seja ignorante e despreparado para atender os anseios sociais de justiça. Um sistema jurídico cego, que ignora as modificações e necessidades sociais, torna-se obsoleto e ultrapassado e não cumpre o fim máximo da pacificação.”
Com relação aos animais de companhia – ou de estimação – sabe-se que inúmeras foram as pesquisas feitas em hospitais, abrigos e asilos, as quais demonstram que os pacientes que estabelecem contato com animais não humanos durante o tratamento conseguem estabelecer um elo maior com os animais humanos (MEDEIROS, 2013, p. 209).
O grande problema reside no fato de que os animais não humanos – notadamente os de estimação – são vistos como oportunidade promissora de renda, sendo que são criados e reproduzidos, por muitas pessoas, com o único objetivo de auferir renda, sem qualquer preocupação ao bem-estar e com a dignidade desses bichos.
Enquanto produzem lucros, enquanto servem para alimentar seus status e seus luxos, são tratados – em razão do interesse – com uma certa “consideração”. Fato é que quando sua utilidade se extingue – seja por doenças, pela idade avançada ou pela perda da “beleza” – são abandonados à sua própria sorte, sem qualquer amparo, no momento que mais precisariam disso.
Podem, de certa forma, serem comparados aos humanos, naqueles casos em que enquanto seus familiares se beneficiam com sua renda, são amparados e muitas vezes disputados, com o único objetivo de obterem vantagem. Porém, na senilidade, momento que mais precisariam de alguém próximo, com alguma compaixão, são largados em casas de repousos ou asilos, sem nenhum carinho daqueles que mais se beneficiaram durante toda a vida.
A respeito disso, pertinente a doutrina de Danielle Tetü Rodrigues (2012, p. 212):
“A racionalidade humana deve alterar a crença de que tudo o que existe foi criado para o ser humano, considerado como o centro do Universo e o dono de tudo que existe. É imoral ignorar os direitos fundamentais e indiscutíveis como o direito a vida e a liberdade, assim como considerar apenas as consequências econômicas advindas da privação da liberdade dos não-humanos. Então, aliam-se aos direitos jurídicos, consignados pelos textos da dogmática jurídica, os direitos morais que obrigatoriamente devem prevalecer mesmo na ausência da Lei.”
Com relação aos direitos dos excluídos, sabe-se que a história da humanidade é recheada de situações extremamente degradantes e desconcertantes sobre negação jurídica de direitos a alguns seres vivos, ainda atualmente – obesos, homossexuais, drogados, alcoólatras, negros, portadores de necessidades especiais, pobres. Mesmo assim, mesmo nessa condição de renegados pela sociedade, existem diversos grupos de seres humanos que lutam pelos seus direitos, lhe garantindo respeito e consideração. Porém, no que diz respeito aos animais, o sistema jurídico é completamente ausente e alheio aos seus direitos. Eles por certo não possuem voz para defender seus direitos, muito menos para produzirem sua autodefesa. Para piorar, a tutela jurídica é escassa, e muitas vezes se coloca em jogo a saúde humana como bem jurídico tutelado, em total detrimento à vida e integridade física do animal (NOGUEIRA, 2012, p. 317).
Não há que se falar e igualdade de direitos dos não humanos com os humanos, como já mencionado anteriormente, até mesmo porque existe uma série de direitos concedidos aos animais humanos que seria impossível de se transmitirem aos não humanos. Cada umas das espécies possui o seu potencial, os seus problemas e principalmente as suas necessidades.
A intenção é de se demonstrar que o fato da justiça cegar-se diante das necessidades dos não humanos, está causando a exaltação à impunidade daqueles que não respeitam outras espécies. Equiparar, por exemplo, animais de estimação – ou de companhia – a animais da fauna silvestre, punindo brandamente àqueles que cometem atrocidades contra esses bichos, é publicizar a impunidade, e porque não dizer INCENTIVAR os psicopatas sociais a descarregar suas neuroses e frustrações em animais que merecem ser tratados com o mínimo de dignidade.
Enquanto não houver legislação específica, preocupada com o fato desses animais estarem jogados a própria sorte, sem qualquer amparo no mundo jurídico, certamente as notícias de crueldade e extremo descaso só aumentarão, calando as poucas vozes que se manifestam a seu favor.
Trabalhar com esse tema tratou-se de um grande desafio, pois a questão é bastante urgente, polêmica e a discussão extremamente necessária, buscando viabilizar uma legislação eficaz no sentido de frear a crueldade cotidiana contra os animais de estimação.
A legislação existente é extremamente falha quando trata dos animais de estimação juntamente com os animais silvestres, não lhes fazendo a necessária diferença justamente em razão das suas desigualdades. O trabalho abordou apenas a questão dos pequenos animais, animais de estimação, ou animais de companhia, como preferem denominar alguns autores.
Tratam-se animais domésticos, sem qualquer noção de autodefesa, totalmente ligados aos seus “proprietários” – fala-se em propriedade, pois conforme abordado no trabalho, ainda são vistos como coisas, objetos – e extremamente dependentes destes. Por conta disso, mereceriam uma legislação que punisse com mais veemência aqueles que praticam os mais diversos atos de crueldade contra esses animais indefesos – até mais indefesos do que os demais.
A legislação citada não se presta para punir as pessoas que cometem crueldade contra animais de companhia. Como dito, são equiparados aos animais silvestres. A pena, ínfima, determina detenção por pequeno período, pena esta que pode facilmente ser convertida para pagamento de multa.
Além disso, abordou-se ainda que efetivamente não existe punição aos maus tratos cometidos contra os animais domésticos. Fala-se isso com base em vasta busca por decisões efetuada em sites de conteúdo jurídico, não se encontrando basicamente nenhuma decisão considerável, punindo agressores de animais de estimação, em razão de crueldades praticadas por estes.
Equiparar, por exemplo, animais de estimação – ou de companhia – a animais da fauna silvestre, punindo brandamente àqueles que cometem atrocidades contra esses bichos, é publicizar a impunidade, e porque não dizer INCENTIVAR os psicopatas sociais a descarregar suas neuroses e frustrações em animais que merecem ser tratados com o mínimo de dignidade.
Estudos foram feitos no sentido de que os animais possuem capacidade de sentir, podendo ser chamados de seres “sencientes” e só por isso já mereceriam mais cuidado e atenção, notadamente no tocante a uma legislação que lhes assegure punição àqueles que cometem contra si os crimes de maus tratos e crueldade.
O problema principal da falta de maiores cuidados com os animais de estimação, parece ser mesmo o descaso dos legisladores, bem como a falta de interesse da maioria, pois ainda não é considerável o número de pessoas que buscam por justiça para essa classe de seres, que como dito, possuem sentimento, conseguem sentir dor, prazer e retribuir aos seus “proprietários” todo o carinho que lhes é dedicado.
Como abordado no trabalho, não é questão de se falar e igualdade de direitos dos não humanos com os humanos, até mesmo porque existe uma série de direitos concedidos aos animais humanos que seria impossível de se transmitirem aos não humanos. Cada umas das espécies possui o seu potencial, os seus problemas e principalmente as suas necessidades.
E é com base nessas necessidades que se tentou demonstrar a grande crueldade e covardia que é observada diariamente nos noticiários, do que ocorre em relação a esses animais indefesos, crueldade esta que acaba trazendo à tona a impunidade, pios as penas previstas são ineficazes para punir os agressores, que acabam, no máximo, cumprindo penas brandas de prestação de serviço à comunidade, ou pequenas multas, que acabam por tornar o crime praticado bastante banal.
Acredita-se que o aumento das penas aos agressores, a conscientização da população bem como a consideração com os pequenos animais, seriam soluções mais eficazes do que as apresentadas atualmente, sendo que com isso, acredita-se num futuro melhor para essas espécies que tanto oferecem aos seres humanos, sem jamais exigir-lhes nada em troca.
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