Oldemar Nunes Filho: Bacharel em ciências jurídicas pela Universidade da Região de Joinville – Univille/SC. Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes/RJ. Membro do Núcleo de Pesquisa Escrita Científica da Faculdade Legale/SP. E-mail: oldemar.adv@gmail.com.
Resumo: O presente estudo tem o condão de colocar em pauta a tese de que a súmula n.º 372 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) não tem aplicabilidade perante os empregados públicos. Partindo dos princípios constitucionais e infraconstitucionais que regem a Administração Pública, serão confrontados com os princípios que regem o Direito do Trabalho na sua relação com os empregados públicos. Busca-se, também, delimitar a forma de atuação da Administração Pública quando empregadora, visto que o regimento jurídico se torna híbrido com o revestimento do direito do trabalho. Traçam-se então as características predominantes da Administração Pública na relação de trabalho. Serão abordados os aspectos gerais da Administração Pública e seus princípios, bem como os conceitos doutrinários de servidor público, empregado público, espécies e seus regimentos jurídicos. Pretende-se, ainda, demonstrar a divergência jurisprudencial e doutrinária acerca da aplicação da súmula n.º 372 do TST aos empregados e servidores públicos. Por fim, restará demonstrado que a Administração Pública, quando investida como empregadora, não deve ser equivalente ao empregador privado comum, tendo em vista a colisão dos princípios do Direito do Trabalho com o Direito Administrativo.
Palavras-Chave: súmula 372; inaplicabilidade; empregados públicos.
Abstract: This study has the potential to put in question the thesis that the summary n°372 of the High Court of Labor (TST) has no applicability to the public employees. Starting from the constitutional and infraconstitutional principles which govern the Public Administration, will be confronted with the principles govern Labor Law in their relationship with public employees. Seeks out, also, delimit the way the Public Administration acts while employer, once the legal regiment becomes hybrid with the facing of the Labor Law. Then the predominant characteristics of Public Administration in the working relationship are traced. The general aspects of Public Administration and its principles will be addressed, as well as the doctrinal concepts of public servant, public employee, species and their legal regiments. In addiction, intending to demonstrate the jurisprudential and doctrinal divergence about the application of summary n° 372 of the TST to the employees and public servants. Lastly, will remain demonstrated that the Public Administration, while invested as an employer, shouldn’t be equivalent to the ordinary private employer, given that the collision of the principles of Labor Law with Administrative Law.
Keywords: summary 372; inapplicability; public servants.
Sumário: Introdução. 1. Princípios da Administração Pública. 1.1 Princípio da legalidade. 1.2 Princípio da supremacia do interesse público. 2. Servidores e empregados públicos. 2.1 Emprego público. 3. Prevalência do Direito Público sobre o Direito do Trabalho. 4. Inaplicabilidade da súmula n.º 372 do TST. Conclusão. Referências.
Introdução
Em que pese o empregador detenha o poder de direção nas relações de emprego, por força dos princípios constitucionais dos quais a Administração Pública se submete, o poder de direção tem sua liberdade restrita aos diversos princípios da Administração Pública. Ademais, com fulcro no princípio da impessoalidade, toda a atuação da Administração Pública Direta e Indireta deve pautar-se na supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
Da mesma forma, o empregado público, ainda que submetido ao regramento da Consolidação das Leis do Trabalho, também se submete aos mesmos princípios que regem a Administração Pública.
A ideia central do presente estudo fixa-se na relação de direito público a qual a Administração Pública está vinculada e no direito privado trabalhista, quando esta adota o regime celetista aos seus empregados. Basicamente, aqui se defende que a aplicação da CLT ao empregado público não obsta à aplicação dos princípios administrativos, visto estar em consonância no ordenamento jurídico.
Por fim, pretende-se demonstrar que mesmo que a Administração Pública opte pelo regime celetista, não há uma exclusão total dos seus princípios constitucionais norteadores, o que faz com que a Súmula n.º 372 do TST, a qual aduz sobre a incorporação da gratificação dos cargos comissionados exercidos por dez anos ou mais, não tenha aplicabilidade perante à Administração Pública.
1 Princípios da Administração Pública
Existem princípios basilares que norteiam a Administração Pública previstos expressamente no caput da Constituição Federal de 1988 e outros princípios que não são expressos, mas são intrínsecos, tanto que foram incorporados no art. 2º da Lei 9.784/99. Assim, se classificam como princípios explícitos e implícitos.
É de se ressaltar que toda a Administração Pública, seja direta ou indireta, de quaisquer dos poderes dos entes federativos devem obediência a esses princípios. Vejamos dois dos principais.
O princípio da legalidade aduz que a Administração Pública está adstrita aos ditames da Lei, ou seja, só poderá agir conforme a Lei estabelece. Tem-se, portanto, que o administrador está vinculado à lei para atuar na Administração. Não existe liberdade pessoal. Tal princípio é o que estabelece o Estado de Direito, por isso é o principal princípio que norteia a administração.
Consagra Carvalho Filho que “o princípio da legalidade é certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita”. (2011, p. 21)
No entendimento de Di Pietro, este é justamente o princípio que nasce com o Estado de Direito, e se constitui como uma das principais garantias aos direitos individuais. Visto que a lei, no mesmo momento em que os define, também estabelece os limites de atuação do administrador que vise restringir direitos em prol da coletividade. (2010, p. 63)
1.2 Princípio da supremacia do interesse público
Em sua plenitude, o princípio da supremacia do interesse público incide na prevalência do interesse coletivo sobre o interesse particular. Vale dizer que o interesse da Administração, visto tratar-se de bens e serviços públicos em prol da coletividade, se sobressaem perante o interesse particular ou interesse privado.
Enquanto de um lado o Direito Privado deita-se sobre a igualdade das partes em suas relações jurídicas, de outro o Direito Público apresenta-se com poderes sobressalentes aos cidadãos, dada a prevalência do interesse coletivo sobre o individual. Assim, estabelecem diversas prerrogativas que são inerentes à administração (MEIRELLES, 2012, p. 44). Desse modo, por sempre atuar visando ao interesse público, que, por conseguinte é indisponível, nas relações que exerce a Administração Pública com seus administrados, àquela está em posição hierarquicamente superior.
Observando os princípios que norteiam a Administração Pública, restará demonstrado que na contratação de empregados públicos não se aplica somente o direito do trabalho, ante o caráter público dessas contratações. Assim, na aplicação do direito do trabalho aos empregados públicos, devem ser observadas as regras que aqui se demonstram superiores, visto se tratar da supremacia do interesse público.
2 Servidores e empregados públicos
Toda a atividade da Administração, poderes, seus atos e gestão dos bens públicos, operacionalizam-se pelo trabalho efetivo dos servidores públicos. Em outras palavras, pelas pessoas vinculadas no âmbito trabalhista com a Administração Pública, sendo chamado de ‘pessoal da Administração’. A Administração Pública só funciona com o serviço prestado por essas pessoas. (MEDAUAR, 2011, p. 278)
As normas contidas no art. 37 da CF/88 além de aplicar-se à Administração Direta e Indireta dos Estados, Distrito Federal e Municípios e a todos os poderes da União, aplicam-se consequentemente aos servidores públicos. (MEDAUAR, 2011, p. 279)
Servidor público é o termo empregado pela Carta Política de 1988, pois designa as pessoas que trabalham perante os entes estatais, de qualquer dos poderes (MEDAUAR, 2011, p. 281). Di Pietro conceitua os servidores públicos como sendo “as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos”. (2010, p. 513)
Já empregado público é a designação para os servidores públicos contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em analogia aos termos “empregado” e “empregador” (MEDAUAR, 2011, p. 281). Para Bruno e Olmo, empregados públicos “são aqueles que trabalham para ente estatal com vínculo de trabalho revestido de natureza contratual e, portanto, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho […]”. (2006, p. 14)
A expressão “emprego público” começou a ser utilizada quando a possibilidade de contratação de servidores sob o manto da legislação trabalhista passou a ser aceita no ordenamento jurídico pátrio. O que se distingue de cargo público é apenas o tipo de vínculo que se tem com o Estado, sendo que o ocupante de emprego público tem um vínculo contratual regido pela CLT, enquanto o servidor ocupante de cargo público tem um vínculo estatutário, regido pelo estatuto dos servidores públicos.
O emprego público “é a relação empregatícia estabelecida pelo poder público no regime da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT e legislação correlata” (FÜHRER, 2010, p. 83). Para Carvalho Filho “a expressão emprego público é utilizada para identificar a relação funcional trabalhista […]”. (2010, p. 663)
Em que pese o empregado público não detenha a estabilidade típica dos estatutários, não significa dizer que possa ser livremente demitido como se empregado comum fosse. A doutrina é unânime em dizer que os empregados públicos somente podem ser demitidos se motivadamente e após competente regular processo administrativo, sempre obedecendo o contraditório e ampla defesa. Não seria lógico pensar que o empregado público tenha que prestar concurso público para ingresso na função e ter a permissão de ser demitido sem justa causa. (MAZZA, 2014, p. 578)
Isso se baseia no fato de que mesmo que o regime aplicado ao empregado público seja de caráter predominantemente privado, não é exclusivamente privado, sofrendo influência dos princípios e normas do Direito Administrativo derrogatórios do regime privado. (MAZZA, 2014, p. 578)
Assim, conforme lecionam Bruno e Olmo, resta claro que apesar de manter a natureza contratual, a relação em que os empregados públicos mantêm com a Administração Pública recebe influência direta dos expressos mandamentos constitucionais. (2006, p. 39)
O regime jurídico celetista, também chamado de regime trabalhista, consubstancia-se na aplicação das regras constantes da CLT que regem a relação jurídica entre o servidor público e a Administração, sendo que aquele também é chamado de servidor celetista, pois seu contrato de trabalho é regido pela mesma lei que disciplina a relação de emprego privado.
Diferentemente do regime estatutário, o regime celetista caracteriza-se por uma norma única, pois qualquer dos entes da Administração que opte pela sua utilização, terá o seu regime disciplinado, basicamente, pela CLT.
A própria Constituição Federal delimitou em seu art. 173, §1º, II a sujeição das empresas públicas e sociedades de economia mista ao regime trabalhista. Desta forma, foi criada uma situação peculiar para os servidores da Administração Pública Indireta, os quais estão regidos na sua maior parte pelas normas trabalhistas.
É imperioso ressaltar, a priori, que assim como nas relações jurídicas comuns em que se insere a Administração Pública, também nas relações de trabalho em que ela é parte influem as normas constitucionais de direito administrativo e seus princípios norteadores.
O ente público, quando empregador, admitindo, assalariando e dirigindo a prestação pessoal do serviço tem toda sua atividade pautada na finalidade do atendimento às necessidades e interesses públicos, seja por meio dos serviços públicos, seja por meio da exploração da atividade econômica.
3 Prevalência do Direito Público sobre o Direito do Trabalho.
Sabe-se que é facultada à Administração Pública, direta ou indireta, quando da contratação de seu pessoal, adotar tanto o regime trabalhista quanto o estatutário, excetuando-se as fundações de direito privado, as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, pois estas devem adotar o regime trabalhista, nos termos do art. 173 da Constituição Federal.
Parte da doutrina trabalhista entende que quando o ente público adota o regime jurídico celetista, se equipara a empregador privado. Já a doutrina administrativista diverge de tal entendimento. Há, inegavelmente, divergência no entendimento quanto a supressão ou não do caráter público da Administração Pública quando empregadora. Mas não há que se falar em supressão dos preceitos constitucionais da Administração.
A exemplo disto, a Lei 12.618/12 que tratou do novo sistema de Previdência do Servidor Público Federal estabeleceu que as fundações que forem responsáveis pela gestão do sistema de previdência dos servidores públicos teriam natureza jurídica de Direito Privado, mas estaria sujeita às normas de Direito Público. Assim, a lei admitiu que essas fundações contratassem funcionários pelo regime celetista. É o que dispõe o seu art. 4º, §1º:
“Art. 4º É a União autorizada a criar, observado o disposto no art. 26 e no art. 31, as seguintes entidades fechadas de previdência complementar, com a finalidade de administrar e executar planos de benefícios de caráter previdenciário nos termos das Leis Complementares nos 108 e 109, de 29 de maio de 2001:
[…].
Ainda, dispõe o seu art. 7º a sujeição às normas trabalhistas na contratação de seus empregados, veja-se: “Art. 7o O regime jurídico de pessoal das entidades fechadas de previdência complementar referidas no art. 4o desta Lei será o previsto na legislação trabalhista”.
Porém, estes empregados também estão vinculados aos regramentos e princípios que circundam a Administração Pública. A própria lei prevê fortemente essa sujeição ao direito público em seus arts. 8º e 9º:
“Art. 8º Além da sujeição às normas de direito público que decorram de sua instituição pela União como fundação de direito privado, integrante da sua administração indireta, a natureza pública das entidades fechadas a que se refere o § 15 do art. 40 da Constituição Federal consistirá na: […]
Art. 9o A administração das entidades fechadas de previdência complementar referidas no art. 4o desta Lei observará os princípios que regem a administração pública, especialmente os da eficiência e da economicidade, devendo adotar mecanismos de gestão operacional que maximizem a utilização de recursos, de forma a otimizar o atendimento aos participantes e assistidos e diminuir as despesas administrativas”.
Diante de tais precedentes normativos, não restam dúvidas de que o empregado público se diferencia em muito do empregado comum, não detendo este todos os deveres que àqueles, ante não se submeter às regras de Direito Público.
Desta forma, verificaremos que a súmula nº 372 do Tribunal Superior do Trabalho não deve ser aplicada aos empregados públicos da Administração Pública.
4 Inaplicabilidade da súmula n.º 372 do TST
Com fulcro no princípio da estabilidade financeira, o colendo Tribunal Superior do Trabalho editou a súmula nº 372 a qual aduz que o empregado de cargo comissionado, se ocupante por dez anos ou mais, não pode ter sua gratificação de função suprimida, mesmo que volte o empregado a ocupar o cargo de origem. Assim dispõe:
“GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. LIMITES. I – Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira. II – Mantido o empregado no exercício da função comissionada, não pode o empregador reduzir o valor da gratificação”.
O que aqui se defende é que essa súmula não deve e não tem aplicabilidade perante os empregados públicos. É cediço que a Administração Pública, direta ou indireta, deve pautar-se, principalmente, pelos princípios constitucionais elencados no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988.
Todas as entidades que integram a Administração Pública, seja direta ou indireta, devem obediência aos ditames constitucionais que norteiam o interesse público. O exemplo aqui discutido será o caso dos empregados públicos das empresas públicas e sociedades de economia mista.
Não obstante ser celetista o regime jurídico adotado por estes entes, nos termos do art. 173 da CF/88 nas relações com seus empregados, o manto do direito privado não reveste por completo o caráter público a que se destina. O emprego público, como o próprio nome diz, tem natureza peculiar em relação ao emprego privado comum.
Como mencionado, o empregado público, mesmo que submetido ao regramento da Consolidação das Leis do Trabalho, também se submete aos mesmos princípios que regem a relação de trabalho perante a Administração Pública.
Nesse contexto, Mazza aduz que “[…] o regime aplicado ao emprego público é predominantemente privado, mas não exclusivamente privado, sofrendo marcante influência de princípios e normas do Direito Administrativo derrogatórios do regime empregatício privado”. (2014, p. 578)
Corroborando tal entendimento, Reinaldo Moreira Bruno e Manolo Del Olmo lecionam que apesar de manter a natureza contratual, a relação em que os empregados públicos mantêm com a Administração Pública recebe influência direta dos expressos mandamentos constitucionais. (2006, p. 39)
Assim, a aplicação da CLT ao empregado público não obsta à obediência aos princípios constitucionais e administrativos, visto estar em consonância no ordenamento jurídico. Assim nem o poderia, pois, a Administração Pública não pode perder seu caráter e sua submissão aos princípios administrativos porque adotou, em relação aos seus empregados, norma infraconstitucional de direito privado.
É de se ressaltar que mesmo que a Administração Pública opte pelo regime celetista, não há uma exclusão total dos seus princípios constitucionais norteadores.
Para Abdala: “[…] É indício seguro de que os empregados de empresas paraestatais têm, do ponto de vista constitucional, tratamento de servidores públicos no que tange aos preceitos que objetivam a preservação dos princípios contidos no art. 37, caput. E assim o é porque os princípios mencionados aplicam-se a toda Administração Púbica, inclusive a Indireta. Ou seja, o Texto Constitucional guarda no particular, a necessária coerência normativa sistemática. […] Ainda que pessoas jurídicas de direito privado, e ainda que submetidas ao mesmo regime jurídico típico da iniciativa privada no que tange a suas obrigações trabalhistas e tributárias, as empresas paraestatais não perdem a condição de instrumentos do Estado para a consecução do interesse coletivo. […] Em qualquer destas hipóteses, a Administração Pública move-se pelo interesse coletivo, interesse este que é, por determinação constitucional, o fundamento indispensável para que o Estado venha a explorar atividade econômica (CF, art. 173, caput)”. (1992, p. 55-56)
O próprio texto condiciona que a Administração Direta e a Indireta devem se nortear pelos princípios elencados no art. 37 da Carta Maior. Ele aduz que mesmo que submetida ao regime de direito privado, e inclusive aos ditames do direito do trabalho, não há de se afastar a característica da Administração quanto a sua supremacia, visto que pautada no interesse coletivo.
Seguindo o mesmo norte, posiciona-se Barros: “Ora, os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que resguardam a moralidade administrativa aplicam-se a todos os entes da administração direta e indireta, por força do que dispõe o art. 37, caput, da Constituição da República. Inegável, portanto, que também alcançam as empresas públicas e sociedades de economia mista”. (2011, p. 431)
A doutrinadora trabalhista reconhece que tanto as empresas públicas quanto as sociedades de economia mista se sujeitam aos ditames constitucionais quanto à Administração Pública. Defende ainda que não há que separar o caráter público dos empregados contratados pela Administração. Isso fundamenta todos os regramentos que estes empregados obedecem, diferentemente dos empregados comum.
Nesse enfoque, é o entendimento de Mello: “De toda sorte, o fato é que a personalidade jurídica de direito privado conferida à sociedade de economia mista ou empresas públicas, sejam elas prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica, não significa, nem poderia significar, que, por tal circunstância, desgarrem da órbita pública ou que, comparativamente com as pessoas jurídicas de direito público seja menor o nível de seus comprometimentos com os objetivos que transcendem interesses privados. […] Por isso, assujeitam-se a um conjunto de regras de direito público – que vincam sua originalidade em contraste com as demais pessoas de direito privado”. (1991, p. 31)
Mello entende que mesmo que a Administração Indireta explore a atividade econômica, sendo exceção à atividade do Estado na prestação de serviços públicos, esta não se desata do seu caráter público e suas sujeições.
Nesta seara, “a Administração Pública ao instituir, com autorização da lei, opção pelo regime celetista, especialmente nos órgãos da administração indireta, está se socorrendo de meios de atuação próprios do Direito Privado na relação de trabalho. Contudo, não se equipara ao empregador privado. Vemos claramente a imposição de normas constitucionais complementando a dinâmica do regime celetista, como, por exemplo, com a exigência de acesso por concurso de provas e títulos e o respeito pelo empregado público aos preceitos insculpidos no art. 37 do texto constitucional, especialmente a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. (RAMOS, 2015)
O autor defende que ao adotar o regime celetista dos empregados públicos, a Administração, ainda assim, não deve ser comparada ao empregador comum, por decorrência, o empregado público também não deve ser comparado ao empregado comum, pois este tem obrigações diversas de empregados comuns de empresas privadas comuns.
Nesse mesmo sentido, o egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região se posicionou:
“REGRAS APLICÁVEIS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONTRATAÇÃO SOB O REGIME DA CLT. NÃO-EQUIPARAÇÃO AO EMPREGADOR PRIVADO. ADSTRIÇÃO A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PECULIARES. O ente público, ainda quando efetua contratações sob a égide da CLT, não pode ser equiparado ao empregador privado, sobretudo porque se encontra adstrito a princípios constitucionais peculiares. O permissivo constitucional para a contratação de servidores públicos sob o regime da CLT não afasta o regramento constitucional específico aplicável à Administração Pública, que visa, justamente, proteger o interesse público. Dentre estas regras constitucionais próprias estão os artigos 37, caput, incisos XIII e XIV, e 169, § 1º, incisos I e II”. (SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, RO 0149300-50.2009.5.15.0043, Rel. Olga Ainda Joaquim Gomier, j. 2 de julho de 2010)
Este colendo Tribunal entende que a hipótese de contratação de servidores em regime celetista não pode afastar todo o regramento constitucional da Administração.
Explica Ramos (2015), categoricamente, que “a consonância da disciplina celetista com o Princípio da Supremacia do Interesse Público é indispensável no regime do emprego público. […] Segundo sua disciplina as normas de interesse individual não podem preponderar sob as normas de interesse público, e assim, a relação de emprego público não pode se desvincular dessa diretriz na construção de sua dinâmica operacional”.
Nesta seara, sempre deve haver a harmonia entre as normas público e privada, dado o caráter híbrido da Administração quando empregadora. Porém, essas normas de direito privado não preponderam sobre as de direito público, justamente porque estas têm supremacia em relação àquelas.
Ainda, vale destacar a doutrina de Lima: “Cumpre salientar que o Direito do Trabalho, ainda que celetista, não é igual para o setor público e para o setor privado. […] E, embora todos sejam regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, os empregados públicos possuem um regime de trabalho que os difere profundamente dos trabalhadores do setor genuinamente privado, porque sobre o público incidem as regras do direito público”. (2009, p. 4827-4831)
Para a aplicação correta do regime de emprego público, deve haver completa consonância entre a disciplina trabalhista e o princípio da supremacia do interesse público. Ou seja, as normas de interesse privado não podem preponderar sob as de interesse público. Neste diapasão, a relação de emprego público não deve se desvincular dessas diretrizes.
A súmula em comento se refere àquela gratificação de função em que o empregado recebe por exercer cargo de confiança ou cargos em comissão. Dessa súmula, o mandamento é que decorrido dez anos com o empregado exercendo a função gratificada, este incorpora esta gratificação ao seu patrimônio jurídico, não havendo possibilidade de suprimir ou reduzir o valor da gratificação visto que haveria uma estabilidade pelo decurso do tempo, salvo justo motivo. O que ocorre é que alguns tribunais estão aplicando a referida súmula aos empregados públicos no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista.
O que aqui se defende é que não há, em qualquer hipótese, a aplicação dessa súmula aos empregados públicos, ainda, no exercício de função de confiança. Portanto, pelas regras que regem a Administração Pública predominarem – pelo princípio da legalidade e da supremacia do interesse público – sobre os regramentos privados da CLT, não há aplicação da referida súmula.
Não há como incidir os efeitos da súmula nº 372 do TST aos empregados públicos, visto que por força do princípio da legalidade, não há lei que defina a incorporação da gratificação de função aos empregados exercentes de função comissionada por dez anos ou mais. Assim já se posicionou o egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região:
“GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO COMISSIONADA PARA AUXILIAR. FCA. INCORPORAÇÃO AO SALÁRIO BÁSICO. IMPOSSIBILIDADE. NORMAS INTERNAS DO SERVIÇO FEDERAL DE PROCESSAMENTO DE DADOS – SERPRO. […]. Logo, a pretensão de integrar a gratificação ao salário básico ofende a norma interna do empregador e, indiretamente, o princípio constitucional da legalidade, que norteia a Administração Pública (art. 37 da CRFB)”. (SANTA CATARINA. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, RO 0003195-67.2012.5.12.0016, Rel. Mari Eleda Migliorini, j. 25 de junho de 2013)
No caso, entendeu o TRT catarinense que tal incorporação afrontaria o princípio da legalidade, por não decorrer tal benefício por lei. Nessa esteira, ainda:
“GRATIFICAÇÃO. INCORPORAÇÃO. AO SALÁRIO. EMPREGADOR EMPRESA PÚBLICA. Mesmo com base no comando constitucional de que empresa pública que explora atividade econômica, como a ECT, sujeita-se ao regime próprio das empresas privadas, sendo seus empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, não pode o ente público assumir obrigação de incorporar gratificação de função ao salário do empregado, conforme previsto na Súmula nº 372 do TST, porque implica aumento de despesa sem a devida correspondência no lastro financeiro de suas receitas e infringe os princípios previstos no art. 37 da Constituição”. (SANTA CATARINA. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, RO 02427-2007-032-12-00-6, Rel. Lourdes Dreyer, j. 23 de maio de 2008) (Grifo nosso).
Tal Tribunal entendeu que se aplicasse a regra contida na súmula em debate, afrontaria a própria Constituição Federal. Assim também se posiciona o e. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região:
“INCORPORAÇÃO DA GRATIFICAÇÃO POR FUNÇÃO. […] O reclamante é empregado público contratado sob o regime das normas celetistas, entretanto devem ser observados os Princípios e normas que regem a Administração Pública, em especial o da legalidade. Portanto, não encontra amparo legal a pretensão do reclamante de incorporação dos vencimentos auferidos em virtude da nomeação para cargos de confiança. Saliente-se que as vantagens postuladas são vinculadas aos cargos e somente fazem jus em recebê-las, os seus ocupantes. Ademais, a proteção contra a irredutibilidade salarial consubstanciada na Súmula n.º 372, do C. TST, não alcança o autor, sendo inaplicável na hipótese. Destaque-se que a construção jurisprudencial retro mencionada objetiva tutelar o trabalhador que exerceu por longo tempo função diversa daquela para a qual foi contratado, com enfoque na estabilidade financeira daquela decorrente. Na hipótese vertente, o ocupante de função comissionada, em que pese não prever o seu termo final, é conhecedor de que a sua ocorrência pode se dar a qualquer momento. Nesse sentido, entendo que as regras celetistas não se aplicam ao empregado público, pois o exercício de cargo de confiança possui caráter precário, devendo ser respeitado o Princípio da Legalidade”. […]. (SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, RO 0126600-12.2009.5.15.0001, Rel. Luiz Felipe Bruno Lobo, j. 08 de outubro de 2010) (Grifo nosso).
Não há como o Judiciário determinar à Administração Pública criar despesa ou situação jurídica que a lei não determine. Ao adotar a súmula aos empregados públicos, há clara interferência na harmonia dos três poderes.
Ademais, no exemplo mencionado acerca dos regramentos das estatais, nos termos do art. 1º do Decreto nº 3.735 de 24.01.2001, cabe ao Ministro de Estado e Planejamento, Orçamento e Gestão deliberar sobre salários e alterações de valores correspondentes.
A aplicação da súmula nº 372 do TST aos empregados públicos perfaz evidente afronta aos princípios da legalidade e da separação dos três poderes, visto que o Tribunal Superior do Trabalho estaria legislando ao aplicar a súmula à Administração Pública, o que é defeso constitucionalmente.
Nos casos em que o judiciário aplica a referida súmula, os empregados públicos ao retornarem ao cargo de origem, ou seja, o seu cargo efetivo, deixando de exercer o cargo de confiança, se possuírem mais de dez anos no cargo em comissão, estes não perderiam o pagamento da gratificação de confiança.
A permanência desses empregados no cargo efetivo de origem recebendo a gratificação de função comissionada sem exercer a função de confiança, também implica afronta ao princípio da eficiência.
Diante de todo o exposto, é hipótese conclusiva que a utilização da súmula nº 372 do Tribunal Superior do Trabalho aos empregados da Administração Pública se reveste do manto da ilegalidade.
Conclusão
Restou cabalmente demonstrado que devido ao fato da Administração Pública se ater ao fiel cumprimento dos princípios que a norteia, ainda que tangencialmente atingida por princípios de outros ramos do direito, a adoção do direito trabalhista não lhe esvazia o caráter público a que se destina.
A Administração Pública quando contrata servidores em regime jurídico celetista não se exime da observância aos seus próprios princípios basilares, notadamente o da legalidade e o da supremacia do interesse público sobre o privado.
Verificou-se que a adoção da súmula n. 372 do Tribunal Superior do Trabalho aos empregados públicos fere a legalidade estrita, visto que não há previsão legal acerca da gratificação de função por lapso temporal. Mesmo que se admita que ao empregado se reservou o princípio da estabilidade financeira, não pode o judiciário trabalhista, ultrapassando sua competência típica, legislar por meio de súmulas ou orientações jurisprudenciais.
A jurisprudência, lentamente, caminha para um entendimento uníssono. Porém, é certo que alguns tribunais ainda se mantém resistentes a uma hierarquia de precedentes que, por muitas vezes, olvidam da ramificação sistemática do direito brasileiro.
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