Resumo: Aborda-se neste trabalho a polêmica acerca da inconstitucionalidade do projeto de lei que trata da castração química como medida punitiva para os autores de crimes sexuais. Faz-se também um contraponto entre a Constituição Federal de 88, o Pacto San Jose da Costa Rica, o Código Penal dentre outras, a fim de demonstrar a incompatibilidade de tal medida no atual contexto constitucional.[1]
Palavras-chave: Castração química. Inconstitucionalidade. Dignidade Humana.
Abstract: Approaches to this work the controversy about the constitutionality of the bill dealing with chemical castration as a punitive measure for sex offenders. It is also a contrast between the Federal Constitution 88, the Pact of San Jose Costa Rica, the Penal Code among others, to demonstrate the incompatibility of such a measure in the current constitutional context.
Keywords: Chemical castration. Unconstitutional. Human Dignity.
Sumário: Introdução; 1. Castração Química; 1.1 Origem; 1.2 Vantagens e desvantagens; 2 Pedofilia; 3 A Dignidade da Pessoa Humana; 3.1 Direitos Humanos; 4 A inconstitucionalidade da castração química face ao princípio da dignidade humana; Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata sobre a questão do Projeto de Lei 522/2007 sobre a castração química nas hipóteses em que o autor dos crimes tipificados nos arts. 213, 214, 218 e 224 for considerado pedófilo, conforme o Código Internacional de Doenças.
Esse projeto de lei tem levantado diversas críticas principalmente no tocante à sua constitucionalidade. Recentemente a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal considerou o projeto inconstitucional e fez algumas mudanças na sua matéria, mais especificamente sobre a voluntariedade do apenado em aderir ao tratamento.
Contudo, é inevitável não observar essa discussão do ponto de vista Constitucional, até porque, é por conta dela que diversas controvérsias têm sido levantadas. O projeto deixou de levar em consideração preceitos fundamentais defendidos pelo ordenamento Pátrio.
Com base na CF/88, faz-se uma análise segundo a dignidade da pessoa humana bem como o Pacto de San José que também veda o método adotado como forma de punir os criminosos sexuais.
1 CASTRAÇÃO QUÍMICA
1.1 Contexto histórico
Nos últimos anos, a castração química para autores de crimes sexuais tem sido tema de grandes polêmicas na seara jurídica nacional e internacional. Devido ao sensacionalismo que se criou em torno dessa matéria, grande parte da sociedade possui um conhecimento equivocado acerca da castração química, na medida em que acaba sendo relacionada a um castigo cruel e doloroso. A fim de se evitar tais “pré-conceitos” torna-se imperioso definir em que consiste a castração química e como ela se originou.
A imposição de castigos do homem em relação ao seu semelhante persiste ao longo da História, vez que “desde tempos imemoriais que o ser humano se tem mostrado bastante insensível ao sofrimento alheio, transformando esses momentos em verdadeira recreação, transcendendo o todo imaginável”[1]. Segundo o Aurélio, castrar consiste no ato de privar alguém, total ou parcialmente, dos órgãos de reprodução.
Historicamente, a castração remonta suas origens na Antiguidade, com a Lei de Talião, onde vigorava a máxima “olho por olho, dente por dente”. A técnica utilizada consistia no esmagamento, que de acordo com Bubeneck[2] caracteriza-se por submeter o corpo do condenado a pressões que culminam por romper ou quebrar ossos do esqueleto e triturar órgãos essenciais.
Marques[3] explica que a capação feita a macete consistia em colocar os testículos do condenado em local rígido para serem esmagados com um golpe certeiro, efetuado por um grosso pau roliço, parecido com um bastão ou cassetete ou marreta fabricada com madeira de lei.
Há esse tempo, o autor de um crime sexual recebia como pena, um dano igual ou parecido ao que havia praticado. Com o advento da Idade Média, período em que a Igreja utilizava-se da inquisição seguia-se os parâmetros da Lei de Talião. Curiosamente, há que se falar ainda que, a Igreja não a utilizava somente como forma de punição, mas também por “motivos religiosos”, a exemplo dos castaris, que necessitavam ter uma voz aguda para cantarem hinos nas igrejas. O tempo foi passando e a castração passou a ser utilizada como forma de impor humilhações aos inimigos vencidos em guerra. Já na metade do séc. XX, ela foi utilizada com o objetivo de “purificar a raça”, ao tornar vários tipos de criminosos estéreis.[4]
A época em que era colônia de Portugual, o sistema penal brasileiro tinha como base as ordenações Manuelinas, Filipinas e Afonsinas, as quais adotavam as seguintes penas: de morte, mutilação através do corte de membros, degredo, tormento, prisão perpétua e o açoite[5]. Frise-se que a imposição de penas desse tipo vigorou no Brasil, mesmo após sua independência, pois
“O homem que praticasse determinados atos sexuais considerados imorais ou criminosos poderia ser condenado à castração, então conhecida por capação que podia ser concretizada por várias maneiras, contanto que com o castigo o agressor não tivesse mais possibilidade de voltar a delinqüir devido a perda total do seu apetite sexual”.[6]
Como forma de ilustrar o contexto social daquela época, Marques traz ainda uma sentença datada de 15 de outubro de 1833, prolatada no Estado do Sergipe, em relação a uma tentativa de estupro, in verbis:
“SENTENÇA DO JUIZ MUNICIPAL EM EXERCÍCIO, AO TERMO DE PORTO DA FOLHA – 1883.
SÚMULA: Comete pecado mortal o indivíduo que confessa em público suas patifarias e seus boxes e faz gogas de suas víctimas desejando a mulher do próximo, para com ella fazer suas chumbregâncias.
O adjunto Promotor Público representou contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Senhora Sant´Anna, quando a mulher de Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra que estava de tocaia em moita de matto, sahiu dela de sopetão e fez proposta a dita mulher, por quem roía brocha, para coisa que não se pode traser a lume e como ella, recusasse, o dito cabra atrofou-se a ella, deitou-se no chão deixando asencomendas della de fora e ao Deus dará, e não conseguio matrimônio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreyo Correia e Clemente Barbosa, que prenderam o cujo flagrante e pediu a condenação delle como incurso nas penas de tentativa de matrimônio proibido e a pulso de sucesso porque dita mulher taja pêijada e com o sucedido deu luz de menino macho que nasceu morto.
As testemunhas, duas são vista porque chegaram no flagrante e bisparam a pervesidade do cabra Manoel Duda e as demais testemunhas de avaluemos. Dizem as leis que duas testemunhas que assistem a qualquer naufrágio do sucesso faz prova, e o juiz não precisa de testemunhas de avaluemos e assim:
Considero que o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento, por quem roía brocha, para coxambrar com ella coisas que só o marido della competia coxambrar porque eram casados pelo regime da Santa Madre Igreja Cathólica Romana.
Considero que o cabra Manoel Duda deitou a paciente no chão e quando ia começar as suas coxambranças viu todas as encomendas della que só o marido tinha o direito de ver.
Considero que a paciente estava pêijada e em consequência do sucedido, deu a luz de um menino macho que nasceu morto.
Considero que a morte do menino trouxe prejuízo a herança que podia ter quando o pae delle ou mãe falecesse.
Considero que o cabra Manoel Duda é um suplicado deboxado, que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quis também fazer coxambranças com a Quitéria e a Clarinha, que são moças donzellas e não conseguio porque ellas repugnaram e deram aviso a polícia.
Considero que o cabra Manoel Duda está preso em pecado mortal porque nos Mandamentos da Igreja é proibido desejar do próximo que elle desejou.
Considero que sua Majestade Imperial e o mundo inteiro, precisa ficar livre do cabra Manoel Duda, para secula, seculorum amem, arreiem dos deboxes praticados e as sem vergonhesas por elle praticados e apara as fêmeas e machos não sejam mais por elle incomodados.
Considero que o Cabra Manoel Duda é um sujeito sem vergonha que não nega suas coxambranças e ainda faz isnoga das incomendas de sua víctima e por isso deve ser botado em regime por esse juízo.
Posto que:
Condeno o cabra Manoel Duda pelo malifício que fez a mulher de Xico Bento e por tentativa de mais malifícios iguais, a ser capado, capadura que deverá ser feita a macete.
A execução da pena deverá ser feita na cadeia desta villa. Nomeio carrasco o Carcereiro. Feita a capação, depois de trinta dias o Carcereiro solte o cujo cabra para que vá em paz.
O nosso Prior aconselha:
Homine debochado debochatus mulherorum inovadabus est sentetia qibus capare est macete macetorim carrascus sine facto nortre negare pote.
Cumpra-se a apregue-se editaes nos lugares públicos. Apelo ex-officio desta sentença para juiz de Direito deste Comarca.
Porto da Folha, 15 de outubro de 1833.
Assinado: Manuel Fernandes dos Santos, Juiz Municipal suplente em exercício.”
Com o passar dos anos e devido ao avanço das ciências, bem como das sociedades, a castração passou a ser de dois tipos, quais sejam: física ou química. A castração física no homem caracteriza-se pela perda do pênis ou dos testículos; enquanto que na mulher se dá pela perda dos ovários. Geralmente, esse tipo de intervenção acaba ocorrendo como forma terapêutica para tratamento de cânceres de próstata ou de ovário, a fim de tentar se obter a cura do paciente; ou ainda, em operações de mudança de sexo. Esse tipo de procedimento é irreversível.
A castração química, por sua vez, origina-se nos Estados Unidos da América, em 1996, e consiste na aplicação de hormônios que inibem o desejo sexual. A Califórnia foi o primeiro Estado a utilizá-la. Atualmente, os Estados da Geórgia, Montana, Oregon e Wisconsin admitem apenas o uso da castração química; enquanto que, a Flórida, Califórnia, Iowa e Louisiana admitem duas modalidades, a química e a cirúrgica voluntária. Já o Texas admite apenas esta última.[7]
Além dos EUA, outros países têm usado as seguintes medidas para fazer frente à pedofilia, quais sejam:
“Grã Bretanha: permite a castração química voluntária e possui um registro nacional de abusadores de crianças; Dinamarca e Suécia: admitem a castração química para casos extremos. As taxas de recidividade caíram acentuadamente; França: possui projeto de lei que prevê tratamento obrigatório, que pode ser psiquiátrico ou farmacológico, com administração de fármacos que inibem a libido; Áustria: a castração química foi proposta em 1999, porque as terapias tradicionais são insuficientes”.[8]
No Brasil, o assunto veio à tona quando um Psiquiatra da cidade de Santo André, em São Paulo, admitiu que vem realizando castração química em pedófilos que quiseram se submeter ao tratamento voluntariamente.[9]
1.2 Vantagens e desvantagens da castração química
Como não poderia ser diferente, a castração química tem sido objeto de bastantes críticas e adesões dos profissionais das diversas áreas de atuação.
Aqueles que defendem o uso da castração química em autores de crimes sexuais partem da idéia de que ela não seria uma pena cruel, mas sim um tratamento médico sem grandes gravidades físicas, na medida em que consiste na aplicação de dosagens do hormônio medroxiprogesterona (mais conhecido como Depo Provera) para que haja uma diminuição na libido desses sujeitos. Devido à perda do desejo sexual são grandes as chances do agente não voltar a delinqüir. Nos países em que ela vem sendo utilizada, pesquisas indicam que os casos de reincidência caíram de 75% para 2%, após o tratamento com hormônio. Esse é um dado que não merece ser desprezado, pois o uso dessa alternativa comprova que várias pessoas deixariam de serem vítimas de violência sexual.[10]
Dentre os efeitos negativos podemos citar: depressão, queda de cabelo, perda de massa muscular, fadiga crônica, impotência sexual irreversível etc. Há quem afirme ainda que não se trate de um tratamento médico, mas sim de mera possibilidade de contenção social[11]. Porém, deve-se levar em conta que não são apenas os fatores psicológicos que são relevantes na prática de um crime, mas também fatores sociais e culturais.
Importante ressaltar que tais efeitos só duram enquanto persistir o tratamento, o que não impediria que o condenado voltasse a cometer tais crimes, pois segundo Aguiar[12], o condenado que não quer, de fato, sua reabilitação, pode ser capaz de praticar crimes sexuais mesmo que esteja privado de sua testosterona. Há relatos, inclusive, de pessoas impotentes que praticaram crimes de conotação sexual.
Estudos médicos acerca da castração química afirmam ainda que,
“A castração com o Depro Provera não é, em tese, definitiva. O molestador tem que se apresentar sempre ao médico designado para continuar tomando as injeções no prazo indicado, sem as quais os testículos poderão, até mesmo aumentar a produção de testosterona acima dos níveis anteriormente verificados e causar uma alteração em sua libido de forma mais intensa do que a originalmente verificada”.[13]
No entanto, a principal crítica para a não utilização da castração química diz respeito a sua irreversibilidade, bem como pela violação aos princípios da inviolabilidade e da integridade física do indivíduo, mas
“Apesar do nosso ordenamento jurídico ter abolido de vez as penas cruéis, a discussão sobre a aplicação de uma pena peculiar para aqueles que cometem crimes de ordem sexual, destarte para aqueles praticados contra crianças através da chamada pedofilia, volta a tona agora de maneira mais presente, vez que tramita no Congresso nacional o Projeto de Lei nº 552/07 de autoria do Senador Gerson Camata para propor modificação no Código Penal com a pena de castração através da utilização dos recursos químicos, ou seja, a castração química para tais criminosos”.[14]
Diante de tanta polemica, a única certeza que se tem é que a maioria das vítimas de crimes sexuais são crianças indefesas, o que faz com que esses crimes sejam considerados cada vez mais repugnantes pela sociedade.
2 PEDOFILIA
Não há como se falar em castração química sem adentrar na questão da pedofilia, vez que
“(…) consideramos verdadeiros monstros: violadores de crianças, os quais, geralmente, são executados nas próprias prisões pelos seus colegas autores de outros delitos. Os sentenciados não toleram algozes sexuais de crianças e se transformam em carrascos, uma vez não confiantes na própria Justiça. Esse fenômeno social, o qual assola o mundo que se diz civilizado, chama-se pedofilia”.[15]
De acordo com Trindade[16], Pedofilia é uma palavra de origem grega, onde paidos significa criança ou infante, e philia, significa amizade ou amor. Dessa forma podemos afirmar que a pedofilia deve ser entendida como a atração sexual por crianças, e o sujeito que a pratica é denominado como pedófilo.
“Embora o pedófilo seja muitas vezes descrito como um tipo estranho, aversivo e repulsivo, capaz de despertar sentimentos de asco, frequentemente associado com o tipo marginal, com sujeitos vadios, desocupados, “sujos”, escroques ou solitários “ratos de biblioteca”, ainda assim parece impossível estabelecer um perfil ou uma imagem característica do agente pedófilo, pois muitos deles não se enquadram em nenhum tipo descritivo específico”.[17]
Em geral, os pedófilos são capazes de entender o caráter ilícito dos seus atos, pois estes
“(…) vão desde a carícia ao ato sexual (beijos lascivos, atuação por meio de conversa obscena, utilização de crianças em fotografia, filme e gravações pornográficas, exibicionismo sexual, conjunção carnal e coito anal), repercutindo as mais graves conseqüências para a vítima em seu desenvolvimento afetivo e social”.[18]
Esta realidade, infelizmente, reafirma a necessidade de que sejam tomadas providências no sentido de se proteger plenamente a criança, pois como se sabe não existe cura para a pedofilia, o que se tem é apenas uma melhora temporária. Por conta disso, quando se fala em violência sexual em face do menor, há uma tendência favorável ao uso da castração química nesses criminosos, pois a continuidade desses abusos sexuais não pode ser aceita.
“Os pesquisadores argumentam que os child molestors passam o tempo na prisão preparando fantasias sexuais sórdidas que envolvem as crianças. Explicam que essas fantasias são traduzidas realidades quando o criminoso volta a ter contato com crianças que segue à inevitável liberação dele da prisão. Afirmam ainda que a prisão, simplesmente, produz os criminosos mais furtivos. Pedófilos não querem ser encarcerados novamente; assim, eles pensam em modos novos para estuprar crianças evitando serem descobertos e presos novamente. A prisão aumenta tendências agressivas em pedófilos masculinos, enquanto a castração química se dirige para a raiz da causa do desvio sexual compulsivo”.[19]
A criança, como ser humano, espera proteção e cuidado por parte dos adultos. Isto por si só justifica a necessidade de se combater esse tipo de crime que não é mera ficção, e não deve ser tratado de forma impune pelo Estado.
3 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Como se sabe, os princípios exercem uma função fundamental em toda disciplina. No que tange a seara jurídica, os princípios constituem aquelas ideias fundamentais que sustentam todo um arcabouço inerente a um ramo do direito.
Para José Afonso da Silva, o princípio da dignidade humana “é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”[20]. Alexandre de Moraes também destaca a importância desse princípio quando diz que:
“A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico devem assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos Direitos Fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”.[21]
A Constituição de 1988 previu em seu artigo 1º, inciso III a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental. Tal princípio “não é um direito concedido pelo ordenamento jurídico, mas um atributo inerente a todos os seres humanos, independentemente de sua origem, raça, sexo, cor ou quaisquer outros requisitos”.[22]
Esse princípio estabelece uma obrigação de proteção da pessoa humana, por parte do Estado, de modo a respeitar e proteger, promovendo condições que tornem possível a vida com dignidade. Quando não se observa essas condições, sem dúvida tal princípio resta afetado.
No que tange ao debate desse trabalho, é notório a impossibilidade de se encaixar no ordenamento jurídico pátrio qualquer medida punitiva capaz de lesionar um princípio que tem como fundamento, algo intrínseco à condição de ser humano, a sua dignidade.
Embora a CF/88 tenha dado tanta importância para os direitos fundamentais, lamentavelmente, se observa a violação crescente desses direitos, bem como o descrédito pela dignidade humana. O Estado deve não só deixar de praticar atos que atentem contra essa dignidade, mas também deve prove-la, como forma de garantir o mínimo existencial a cada ser humano.
3.1 Direitos Humanos
O Tratado da Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecido como Pacto de San Jose da Costa Rica, busca a consolidação entre os países americanos do respeito à justiça social e à liberdade, baseando-se nos direitos humanos essenciais, independente da nação que a pessoa faça parte. É datado de 1969, mas foi assinado pelo Brasil somente em 1992.[23]
Com base na Emenda Constitucional n.º 45 de 2004, os tratados internacionais dos quais o Brasil faça parte, foram equiparados a Emendas Constitucionais, conforme observa-se no art. 5º, §§2º e 3º da CF/88:
“§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Esse tratado é composto por 81 artigos que prevêem desde direitos fundamentais (vida, liberdade, dignidade, integridade), proibição da escravidão e servidão humana, garantias judiciais, liberdades de consciência, religião, expressão, até a proteção da família. (idem)
O Pacto San José prescreve em seu art. 5º o Direito à integridade pessoal, enfatizando o respeito à integridade física, psíquica e moral. Assevera também que “ninguém será submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes”. Ressaltando ainda que, a pessoa que estiver privada da sua liberdade deve ser tratada “com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.
Percebe-se que o Pacto de San José, no Brasil, foi elevado a um status constitucional, justamente por se tratar de direitos fundamentais, que integram o direito positivo brasileiro. Desse modo, seu texto pode ser citado para fundamentar decisões, bem como corroborar entendimentos adotados no cotidiano.
4 A INCONSTITUCIONALIDADE DA CASTRAÇÃO QUÍMICA FACE A PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
A utilização da castração química é incompatível com o texto normativo constitucional. Isso porque, ao ser usada como medida de punição para quem comete crimes contra criança ou adolescente fere não só princípios fundamentais, mas também diversos dispositivos constitucionais.
A Carta Magna prevê em seu artigo 5º inciso XLVII a impossibilidade de existir penas de morte, de caráter perpétuo, de banimento e cruéis. Tal vedação é norteada por princípios fundamentais, pelos quais a própria República Federativa fundamenta-se (art. 1º, III). É possível corroborar esse entendimento em todo o arcabouço constitucional.
No artigo 5º, inciso XLIX, a CF/88 assegurou “aos presos o respeito à integridade física e moral”, impossibilitando qualquer medida exploratória de direitos aos detidos por parte do Estado.
O referido art. 5º, no seu inciso X, destaca ainda, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, honra e imagem. Assim, aquele que atentar contra esse inciso, estará retirando do apenado direitos concedidos pela Constituição.
O Código Penal, em consonância com a Carta Magna, traz no artigo 38 outros direitos atribuídos aos detentos, prescrevendo: “O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”.
Vê-se que, embora esteja privado de sua liberdade, o preso continua protegido pela dignidade humana, sendo que, qualquer conduta que viole ou venha retirar esse manto de proteção, estará agindo contra a segurança jurídica do país.
Partindo do mesmo raciocínio, a Lei das Execuções Penais de 1984, impõe às autoridades “o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”.
Por sua vez, o Pacto San José da Costa Rica, em seu artigo 5º, assevera que é direito de toda pessoa ser respeitada na sua integridade física, psíquica e moral. Da mesma forma, preceitua que ninguém deverá “ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes”, e que “toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, em parecer sobre o projeto de lei 522 de 2007, descreveu:
“A questão da possibilidade de tratamento químico de condenado por pedofilia em nosso sistema jurídico não é simples. Numa leitura apressada de nossas normas, poder-se-ia fugir do âmago do problema apenas relatando que o nosso sistema jurídico não autoriza violação à integridade física do condenado por parte do Estado.
(…) o indivíduo tem um direito que pode arguir contra o Estado. Tal direito individual consubstancia-se na idéia política de liberdade negativa: há fronteiras dentro das quais os homens são invioláveis, que impedem a imposição da vontade do Estado ou da de um homem sobre outro”.[24]
A castração química configura uma pena degradante, pois “priva de dignidades, torna, vil estraga, deteriora aquele que é submetido a ela. É ainda cruel, pois desumana, dolorosa, prejudica enormemente a vida daquele que a receba como parte da reprimenda”.[25]
O referido projeto, de relatoria de Marcelo Crivella (PRB-RJ), teve sua matéria modificada após a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania reconhecer a sua inconstitucionalidade, passando então, contra vontade do seu criador Gerson Camata, de tratamento compulsório para tratamento voluntário. Nesse novo texto, o condenado poderá ter sua pena reduzida em um terço caso aceite submeter-se a tal procedimento.[26]
O condenado é induzido a submeter-se ao tratamento com o intuito de ter sua pena diminuída, abrindo mão de um direito indisponível que é o direito a vida e saúde, vez que ninguém poderá dela dispor, nem mesmo para angariar outros benefícios. Se assim o fosse, o indivíduo poderia vender seus próprios órgãos (rim, fígado) com o fim de obter lucro.
A liberdade provisória desses criminosos sexuais ficaria condicionada à submissão ao tratamento hormonal. Diante disso, sua decisão sobre aceitar ou não esse tratamento, não pode ser considerada livre e voluntária.
Outro ponto relevante, diz respeito à vedação do “bis in idem”, vez que ninguém será punido mais de uma vez pelo mesmo fato. É o que ocorreria nesse tipo de caso, pois além da pena privativa de liberdade, o apenado seria é instigado a aceitar outra pena, considerada cruel e desumana, como pressuposto para obtenção de sua liberdade.
O Conselho Nacional de Medicina não indica a castração química como tratamento para controle da pedofilia. O medicamento utilizado para inibição da libido, o Depo-provera, deverá ser utilizado com uma aplicação ao mês, durante 90 dias.[27]
O objetivo do tratamento é apenas conter o desejo sexual exagerado, contudo, seus efeitos colaterais são inúmeros: “insônia, convulsões, depressão, tontura, dor de cabeça, nervosismo, sonolência, perda de cabelo, aumento de pêlos, cansaço, reações no local da injeção, febre, redução da tolerância à glicose”, perda de cálcio dentre outros. (idem)
Nesse contexto, observa-se como a norma constitucional é ferida diante de tantas atrocidades, sendo incompatível com os preceitos defendidos, na medida em que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Por conta disso, não se pode concordar com um projeto de Lei que desrespeita a superioridade da Carta Magna, violando princípios fundamentais sob os quais a própria nação é constituída.
Inúmeras vezes, ao longo da História, o homem cometeu diversas atrocidades justificadas por ideologias. Zaffaroni[28] destaca o genocídio indígena americano, o tráfico de homens africanos e o colonialismo mais cruel e explorador. “Cada atrocidade foi cometida em nome da ‘humanidade’ e da ‘justiça’. (…) cada ideologia tinha sua ideia do homem e, na medida em que a realizava, tudo estava justificado pela necessidade”.
É inaceitável que um projeto de lei venha trazer um arcabouço punitivo em descompasso o texto constitucional, justificando-se pela necessidade de punição especial para esse tipo penal, achando que, todas as mazelas seriam resolvidas.
Agir de forma cruel com esses indivíduos seria o mesmo que punir ladrões amputando seus braços ou difamadores cortando as suas línguas, para em seguida lhes conceder suas liberdades. É lamentável que o texto normativo seja diversas vezes ignorado, com medidas abusivas e rechaçadas de violabilidade.
É necessário que as autoridades tenham consciência de que esse projeto não se encaixa na Constituição Federal de 1988, por ferir, inúmeras vezes, seus preceitos normativos, o que seria uma grande ameaça à segurança jurídica do país.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta de castração química oferecida pelo Projeto de Lei torna-se incompatível com o texto normativo da Constituição Federal de 1988. Isso porque, a castração como medida de punição, para quem cometem crimes contra criança ou adolescente, fere não só princípios fundamentais, mas também diversos dispositivos constitucionais.
É possível corroborar esse entendimento em todo o arcabouço constitucional, posto que tal vedação é norteada por princípios fundamentais pelos quais a própria República Federativa fundamenta-se (art. 1º, III).
A Carta Magna prevê em seu artigo 5º inciso XLVII a impossibilidade de existir penas de morte, de caráter perpétuo, de banimento e cruéis, ao passo que o inciso III, prescreve que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
No que toca a vedação do “bis in idem”, é notório que ocorreria esse tipo de caso, pois além da pena privativa de liberdade, o apenado seria instigado a aceitar outra punição, como pressuposto para obtenção de sua liberdade com maior brevidade.
É cristalina a impossibilidade de se encaixar no ordenamento jurídico qualquer medida punitiva capaz de lesionar um princípio que tem como fundamento, algo intrínseco à condição de ser humano, qual seja, sua dignidade.
Acadêmica do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB, São Luís/MA
Acadêmica do curso de Direito da Unidade de Ensino Superio Dom Bosco – UNDB, São Luís/MA.
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