O Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou simplesmente Seguro DPVAT, é, como cediço, o seguro que cobre as vidas e integridade física no trânsito, ou melhor, indeniza qualquer vítima de acidente de trânsito, não importando de quem seja a culpa, sendo um tentáculo da denominada responsabilidade civil acidentária.
A Lei que o regula é a de nº 6.194/74 e surgiu da preocupação àquela época de se repartir o bônus de todos usufruírem do trânsito com o ônus atestado pelos acidentes crescentes que vinham ocorrendo. Enfim, é mais uma vertente da função social da responsabilidade civil, por tratar-se de um seguro de proteção eminentemente social.
A referida legislação, ao longo desses anos, passou por diversas reformas. Uma delas, e a que mais interessa ao presente trabalho, foi perpetrada pela Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007, resultado da conversão da Medida Provisória nº 340, de 2006. Essa Lei nº 11.482/07 modificou, dentre outros dispositivos, os incisos do art. 3º da Lei DPVAT (nº 6.194/74).
Deixando-se de lado a questão da inconstitucionalidade formal da Medida Provisória convertida, à vista do art. 62 da Constituição Federal, atentemo-nos à discussão acerca da inconstitucionalidade material da Lei nº 11.482/07, tema bastante atual, em função de o STF estar apreciando uma ADI (nº 4627) sobre essa questão, cujo relator é o Ministro Luiz Fux[1].
Antes da referida reforma, o art. 3º e seus incisos da Lei do Seguro DPVAT tinha a seguinte redação original:
“Art. 3º Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no artigo 2º compreendem as indenizações por morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica e suplementares, nos valores que se seguem, por pessoa vitimada:
a) – 40 (quarenta) vezes o valor do maior salário-mínimo vigente no País – no caso de morte;
b) – Até 40 (quarenta) vezes o valor do maior salário-mínimo vigente no País – no caso de invalidez permanente;
c) – Até 8 (oito) vezes o valor do maior salário-mínimo vigente no País – como reembolso à vítima – no caso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas.”
Como se vê, a indenização para casos de acidente de trânsito tinha como parâmetro, nos casos de morte ou invalidez, o valor de 40 (quarenta) salários mínimos.
Com sua reforma, mediante a Lei nº 11.482/07, a sua redação passou a ser a seguinte:
“Art. 3o Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2o desta Lei compreendem as indenizações por morte, por invalidez permanente, total ou parcial, e por despesas de assistência médica e suplementares, nos valores e conforme as regras que se seguem, por pessoa vitimada: (Redação dada pela Lei nº 11.945, de 2009). (Produção de efeitos).
a) (revogada); (Redação dada pela Lei nº 11.482, de 2007)
b) (revogada); (Redação dada pela Lei nº 11.482, de 2007)
c) (revogada); (Redação dada pela Lei nº 11.482, de 2007)
I – R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) – no caso de morte; (Incluído pela Lei nº 11.482, de 2007)
II – até R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) – no caso de invalidez permanente; e (Incluído pela Lei nº 11.482, de 2007)
III – até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) – como reembolso à vítima – no caso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas. (Incluído pela Lei nº 11.482, de 2007)”
Ou seja, pela nova redação o parâmetro do valor a título de indenização pelo acidente de trânsito foi minorado para uma quantia estanque de R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), para os casos de invalidez e morte.
Porém, acontece que com essa redução no valor houve substancial retrocesso em garantia já adquirida pela população em geral, violando-se o princípio constitucional implícito de vedação ao retrocesso social. Isso porque, nas palavras da Douta Magistrada Suyene Barreto Seixas de Santana, atuante da Justiça de Sergipe, “a responsabilidade pela indenização do seguro DPVAT configura direito fundamental porque, de um lado corresponde ao princípio do solidarismo (artigo 3º, inciso I da Constituição Federal) e de outro, porque a referida indenização corresponde a direito individual homogêneo, o que o eleva à categoria constitucional (artigo 127 da CF c/c artigo 5º, X, da CF)”.
Por esse motivo, o Judiciário sergipano vem declarando a inconstitucionalidade material parcial do art. 8º da lei 11.482/07, naquilo referente às mudanças acima elencadas.
Nesse sentido, as decisões judiciais vão no caminho de reconhecer a inconstitucionalidade do art. 8° da Lei n° 11.482/2007. Cite-se, por todos, o processo de nº 201045201837, 8º Juizado Especial Cível de Aracaju/SE, julgado em 27/10/2010, o qual cita também decisão da Turma Recursal de Sergipe (pode-se conferir também, no site do TJ/SE, “www.tjse.jus.br”, o processo nº 201045201674, 8º Juizado Especial Cível de Aracaju/SE, publicado em 27/10/2010) (destacou-se):
“Na primeira Lei (n° 6.194/74), o cálculo do seguro era com base nos 40 maiores salários mínimos vigentes à época da liquidação do sinistro, enquanto que com a nova redação dada pela lei n° 11.482/07, o valor foi fixado em R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), valor este estático, com correção a incidir a partir da época do sinistro, ficando evidente a desvantagem para o segurado com a adoção da nova lei quando do cálculo do valor final a ser recebido.
Percebe-se, assim, a violação ao princípio do não-retrocesso social, pois a idéia por detrás do referido princípio é fazer com que o Estado sempre atue no sentido de melhorar progressivamente as condições de vida da população. Qualquer medida estatal que tenha por finalidade suprimir garantias essenciais já implementadas para a plena realização da dignidade humana deve ser vista com reservas e somente pode ser aceita se outros mecanismos mais eficazes (e igualmente vantajosos) para alcançar o mesmo desiderato forem adotados, o que não é o caso dos autos. Tal posicionamento vem sendo aceito neste Estado, por diversos Juizados, bem como pela Egrégia Turma Recursal (Processos: 200840301282; 200883520186; Recursos Inominados: 201000800595; 201000800840)
Hoje, temos a certeza da aplicação do presente princípio no ordenamento jurídico brasileiro. Não apenas pela interpretação evolutiva dos direitos fundamentais, mas também (e principalmente) pela máxima efetividade destes (artigo 5º, §1º, da Constituição) e pela inserção, dentre os objetivos da República, do desenvolvimento nacional (artigo 3º, inciso II, da Constituição).
Com a nova redação ficou patente a violação do conteúdo material da Constituição Federal face à adoção de medidas legislativas que não cumprem os objetivos do artigo 3º da Magna Carta, especialmente, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária.
A responsabilidade pela indenização do seguro DPVAT configura direito fundamental porque, de um lado corresponde ao princípio do solidarismo (artigo 3º, inciso I da Constituição Federal) e de outro, porque a referida indenização corresponde a direito individual homogêneo, o que o eleva à categoria constitucional (artigo 127 da CF c/c artigo 5º, X, da CF).
Evidente que tal princípio (do não-retrocesso) não deve ser visto como uma barreira, um empecilho para mudanças dos direitos fundamentais, o que se espera é um dever de não tomar medidas retrocessivas que atentem contra as conquistas já atingidas em termos de legislação, no sentido de usurpá-las ou mesmo flexibilizá-las desarrazoadamente.
O princípio da vedação ao retrocesso social exige do legislador e do aplicador do Direito uma postura preservadora dos avanços obtidos pelo conjunto social. É a forma que o Constitucionalismo Dirigente criou de preservar direitos, não somente em benefício dos cidadãos do presente, mas da sociedade justa e solidária que programaticamente se busca deixar para as futuras gerações. (Recursos Inominados 201000800595; 201000800840 – Egrégia Turma Recursal dos Juizados Cíveis da Comarca de Aracaju; bem como processo 200840301282, 3º Juizado Especial Cível de Aracaju)
Na seara do direito internacional, o Brasil foi signatário dos seguintes tratados que reconhecem os direitos sociais como direitos humanos fundamentais, a exemplo da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), Protocolo de São Salvador (1988) adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e o Pacto de São José da Costa Rica, sendo que neste último, acolheu expressamente o princípio do não retrocesso social, também chamado de aplicação progressiva dos direitos sociais, princípio esse elucidado anteriormente.
Em que pese o mínimo existencial não está expressamente previsto na Constituição Federal, há diversos dispositivos naquela, que se efetivados, atingem o objetivo de assegurar o mínimo existencial, v.g. dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), erradicar a marginalização (art. 3º, III), direitos sociais como saúde, educação, moradia, trabalho e assim por diante (art. 6º); estes últimos buscam aperfeiçoar as políticas públicas para romper com a barreira social, fazendo com que todos sejam integrados à sociedade, introduzindo nesta os que vivem a sua margem. Só assim estará concretizado o mínimo existencial.
No caso em tela, não estamos falando em prêmio ou gratificação do beneficiado como aparenta o tratamento da matéria pelo Legislativo, mas sim, de um direito que, no fundo, relaciona a saúde das pessoas, já reconhecido com tal na ADPF nº. 45, julgada em 29/04/2004, sendo seu fato gerador a morte, invalidez permanente ou despesas hospitalares decorrente de acidentes com veículos automotores.
Não se pode desprezar que, de regra, esse benefício é utilizado pela população mais necessitada ao se deparar com uma situação de instabilidade emocional e financeira após a ocorrência de acidente que vitimou membro de sua família ou compromete sua integridade física, sendo, destarte, a indenização, imprescindível para manter a dignidade do segurado e membros de sua família.
Neste diapasão, constato que, de fato a inconstitucionalidade do artigo 8º da Lei 11.482/07 está configurada, pois atenta diretamente ao princípio do não retrocesso social e as garantias constitucionais, bem ao mínimo existencial dos direitos sociais. Portanto, é de ser aplicado o artigo 3º da Lei 6.194/74 ao caso.
Entretanto, no que tange à consideração do valor de referência do salário mínimo, deverá, e tal circunstância deriva diretamente da observância dos dispositivos legais pertinentes, ser considerado o salário mínimo vigente à época do sinistro (18/12/2007). O art. 5º, §1º, da Lei 6.194/74 sofreu várias alterações ao longo dos anos. A última dessas alterações foi promovida pela Medida Provisória nº 340 de 29 de dezembro de 2006, posteriormente convertida na Lei 11.482 de 31 de maio de 2007. Assim, o cálculo da indenização deveria ter observado o salário mínimo vigente ao tempo da ocorrência do evento danoso.
Assim, constato que o valor devido a título de complementação é calculado da seguinte forma: 40 X R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais – valor do salário mínimo em 17/12/2007)= R$ 15.200,00 – R$ 2.362,50 (dois mil, trezentos e sessenta e dois reais e cinquenta centavos) = R$ 12.837,50 (doze mil, oitocentos e trinta e sete reais e cinquenta centavos).
(…) Posto isso, declaro a inconstitucionalidade do art. 8° da Lei n° 11.482/2007, extinguindo o processo com resolução do mérito pela PROCEDÊNCIA PARCIAL da pretensão autoral para condenar a Requerida ao pagamento de R$ 12.837,50 (doze mil, oitocentos e trinta e sete reais e cinquenta centavos), referente à complementação derivada da inaplicabilidade do dispositivo ora declarado inconstitucional, que deve ser atualizada a partir da data do ajuizamento do feito, com incidência dos juros legais de 1% ao mês, contados da citação válida, nos moldes do art. 269, I, do Código de Processo Civil, c/c o art. 3º da Lei 6.194/74 (recepcionado pela ordem constitucional atual, mesmo quando contraposto com a legislação ulterior que impediu a indexação do salário mínimo como item de correção monetária).
Sem condenações em custas e honorários advocatícios, em face da vedação legal contida no art. 55, caput, da Lei 9.099/95.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Aracaju, [27/10/2010].
Suyene Barreto Seixas de Santana
Juíza de Direito”
A jurisprudência consolidada da Turma Recursal de Sergipe vai no mesmo sentido, conforme trecho abaixo transcrito, o qual abarca também outras questões próprias da Lei do Seguro DPVAT (destacou-se):
“EMENTA: CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSO CIVIL – SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT – INVALIDEZ PERMANENTE – COMPLEMENTAÇÃO DA INDENIZAÇÃO – COMPETÊNCIA DO JUIZADO – DESNECESSIDADE DE PERÍCIA – RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO DA INVALIDEZ PERMANENTE – EVENTO DANOSO OCORRIDO SOB A ÉGIDE DA LEI 11.482/07 – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 8º DA LEI – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E NÃO RETROCESSO – APLICAÇÃO DAS REGRAS DA LEI 6.194/74 – QUITAÇÃO PARCIAL – POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO PARA COMPLEMENTAÇÃO – RESOLUÇÃO DO CNSP CONTRÁRIA À LEI – INAPLICABILIDADE – PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DAS NORMAS – NÃO DISCUSSÃO DO GRAU DE INVALIDEZ – CORREÇÃO MONETÁRIA – TERMO INICIAL – MOMENTO DE FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO – HONORÁRIOS FIXADOS DE ACORDO COM O CPC – AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL DA PARTE AUTORA – IMPOSSIBILIDADE DE REFORMA PARA PIORAR – RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (TURMA RECURSAL DE SERGIPE, PROCESSO Nº 201000800595, DJE 01/09/2010) (VER OUTROS PROCESSOS NA TURMA RECURSAL DE SERGIPE: RECURSOS INOMINADOS Nº 201000800595; 201000800840; 200800901256; 200800901296)
[TRECHO DO VOTO DE CLEA MONTEIRO ALVES SCHLINGMANN]:
[…] Destarte, o recebimento na esfera administrativa do pagamento a menor da verba devida não importa em quitação quanto à integralidade, mas, tão somente, quanto ao valor efetivamente recebido, razão pela qual é devida a complementação da indenização.
Como já me manifestei ao tratar da preliminar de incompetência do juízo, é norma assente no art. 5º da Lei nº 6.194/74 que “o pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente…”, não condicionando a qualquer outro requisito, ou mesmo para hipótese de invalidez permanente, estabelecido qualquer tipo de gradação da invalidez (parcial ou total, mínima, média ou máxima, etc.).
A lei de regência da indenização do seguro obrigatório se fez omissa em estabelecer diferentes tipos de invalidez permanente, como forma de conferir níveis distintos de indenização. Sendo a Lei nº 6.194/74, com suas alterações posteriores, o único texto legal que confere competência para fixação de valores das indenizações, importa dizer que, não há autorização legal que legitime os atos administrativos do CNPS ou outro órgão do Sistema Nacional de Seguros Privados para fixar, graduar ou modificar os valores indenizatórios referentes ao DPVAT.
Por oportuno, esse é uma das irresignações sustentadas pela recorrente ao defender a legitimidade da CNSP em expedir resoluções para regulamentar o seguro DPVAT não estando estas afrontando dispositivo de lei.
No tocante a competência do CNSP para baixar instruções e expedir circulares relativas à regulamentação das operações de seguro, está pacificado nesta Turma Recursal Cível do Interior a inaplicabilidade da resolução da CNSP, posto que norma hierarquicamente inferior não pode alterar o limite indenizatório estabelecido em lei ordinária, ou atribuir gradação de invalidez permanente nela não prevista. Trago à colação alguns julgados:
CONSTITUCIONAL, CIVIL e PROCESSUAL CIVIL. SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT. INVALIDEZ PERMANENTE.COMPLEMENTAÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO EM FACE DA NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL TÉCNICA – AFASTADA. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR REJEITADA. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO PARA ELUCIDAÇÃO DA QUESTÃO – REJEITADA INDENIZAÇÃO QUANTIFICADA EM SALÁRIO MÍNIMO. RESOLUÇÃO DO CNSP CONTRÁRIA À LEI. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DAS NORMAS. CORREÇÃO E JUROS MORATÓRIOS. DATA DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO E DA CITAÇÃO VÁLIDA. ALEGAÇÃO DE QUITAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. (…). 2. (…). 3. Inaplicável a resolução do CNSP – Conselho Nacional de Seguros Privados – em respeito ao princípio da hierarquia das normas, face o que dispõe o art. 3º, alínea “a”, da lei nº 6.194/74, que quantifica em até quarenta salários mínimos o valor da indenização por invalidez em caso de acidente de veículo. Precedentes do STJ (RESP 161185/SP; RESP 153209/RS; RESP 296675/SP). 4. (…). 5. Indubitável a constitucionalidade da vinculação indenizatória do seguro DPVAT ao valor do salário mínimo. O critério fixado pelo art. 3º da lei nº 6.194/74 não foi revogado pelas leis nºs 6.205/75 e 6.423/77 e referido salário mínimo no caso não se constitui em indexador ou fator de correção monetária, servindo, apenas, como base para a quantificação do valor da indenização. Precedente do STF (re 298211/ma – rel. Min. Eros grau – j. Em 02.02.2005). 6. (…). 7. (…). RECURSO INOMINADO (CRIME CAPITAL/CÍVEL E CRIME INT.). Processo nº. 2009900078. Relator: DR. MARCOS DE OLIVEIRA PINTO. Julgamento: 06/03/2009.
DPVAT. AÇÃO DE COMPLEMENTAÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. INVALIDEZ PERMANENTE. PAGAMENTO ADMINISTRATIVO A MENOR. SENTENÇA. CONDENAÇÃO EM R$ 10.152,50. RECURSO. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INOCORRÊNCIA. QUITAÇÃO – A QUITAÇÃO DIZ RESPEITO SOMENTE AO VALOR RECEBIDO, NÃO IMPEDE PROPOSITURA DE AÇÃO PARA COMPLEMENTAÇÃO. POSSIBILIDADE DE SE VINCULAR A INDENIZAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. CONSTITUCIONALIDADE (PRECEDENTE DO STF – RE 298211/MA – REL. MIN. EROS GRAU – J. EM 02.02.2005). VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO PELO CNSP. INAPLICABILIDADE. HAVENDO PAGAMENTO PELA SEGURADORA A TITULO DE INVALIDEZ PERMANENTE, NÃO CABE DISCUTIR O GRAU DE INVALIDEZ, DEVENDO SER PAGA A INDENIZAÇÃO NO VALOR MÁXIMO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. RECURSO INOMINADO (CRIME CAPITAL/CÍVEL E CRIME INT.). Processo nº. 2009900185. Relatora: DRA. ANA LÚCIA FREIRE DE A. DOS ANJOS. Julgamento: 06/03/2009.
Ademais, Celso Antônio Bandeira de Mello (in ‘Princípios Gerais do Direito Administrativo’, Ed. Malheiros, pág. 316) ensina que a diferença entre a lei e o regulamento é que aquela inova originariamente na ordem jurídica e este não a altera, advertindo que “há inovação proibida sempre que seja impossível afirmar-se que aquele específico direito, dever, obrigação, limitação ou restrição já estavam estatuídos e identificados na lei regulamentada. Ou, reversamente: há inovação proibida quando se possa afirmar que aquele específico direito, dever, obrigação, limitação ou restrição incidentes sobre alguém não estavam já estatuídos e identificados na lei regulamentada” (apud ‘Curso de Direito Administrativo’, Ed. Malheiros, 8ª ed., pág. 195). O autor, exemplifica, colacionando o ensinamento sempre atual de Pontes de Miranda:
Se o regulamento cria direitos ou obrigações novas, estranhas à lei, ou faz reviver direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações ou exceções, que a lei apagou, é inconstitucional. Por exemplo: se faz exemplificativo o que é taxativo, ou vice-versa. Tampouco pode ele limitar, ou ampliar direitos, deveres, pretensões, obrigações ou exceções à proibição, salvo se estão implícitas. Nem ordenar o que a lei não ordena. Nenhum princípio novo, ou diferente, de direito material se lhe pode introduzir. Em conseqüência disso, não fixa nem diminui, nem eleva vencimentos, nem institui penas, emolumentos, taxas ou isenções. Vale dentro da lei; fora da lei a que se reporta, ou das outras leis, não vale. Em se tratando de regra jurídica de direito formal, o regulamento não pode ir além da edição de regras que indiquem a maneira de ser observada a regra jurídica” (in ‘Curso…’, ob. cit., pág. 194 – grifos e destaques não constantes do original).
À luz desses ensinamentos, forçoso constatar que a Resolução é contra legem, não cumprindo seu papel de regulamentar o artigo 3º da Lei nº 6.194/74, procedendo a uma verdadeira inovação desta, criando limitações ali não previstas, restringindo direitos nela assegurado.
Pelo exposto na doutrina e sedimentado na jurisprudência, bem como em atenção ao princípio da hierarquia das normas, deve ser aplicado o preceito normativo constante no artigo 3º da Lei 6.194/76.
Nessa senda, a alegação do valor máximo indenizável, contida nas razões recursais deve ser resolvida mediante a aplicação do princípio da hierarquia das normas. A Resolução do CNSP que dispõe sobre o valor máximo da indenização, por ser hierarquicamente inferior, não prevalece sobre as disposições da Lei nº 6.194/74 que há previsão específica de valor nos seguros em tela.
Além disso, deve ser destacado que, em regra, o benefício é utilizado pela parcela mais necessitada da população, em momento de instabilidade emocional e financeira, após a ocorrência do acidente que teve como consequência a morte ou comprometimento da capacidade física de membro da família, sendo a indenização uma forma de manter a dignidade do segurado.”
Em razão do disposto, merece ser declarada a INCONSTITUCIONALIDADE do artigo 8º da Lei 11.482/07 que afronta ao princípio do não retrocesso social às garantias constitucionais e o mínimo existencial dos direitos sociais, aplicado o art. 3º da Lei 6.194/74 ao caso.
Retornando-se à análise de mérito, a recorrente alega a quitação geral, plena e irrestrita da recorrida como forma de exclusão da indenização. Neste ponto, mantém-se inalterada a decisão recorrida, tendo inclusive o STJ se manifestado no sentido de que quando do recebimento pelo segurado de quantia diferenciada da indenização devida, a quitação atinge apenas a parcela que foi paga, sendo cabível a pretensão de recebimento do restante da indenização cabível:
Direito Civil. Recurso Especial. Ação de conhecimento sob o rito sumário. Seguro obrigatório (DPVAT). Complementação de indenização. Admissibilidade. – O recibo de quitação outorgado de forma plena e geral, mas relativo à satisfação parcial do quantum legalmente assegurado pelo art. 3º da Lei n. 6.194/74, não se traduz em renúncia a este, sendo admissível postular em juízo a sua complementação. Precedentes. – Grifei (REsp 363604/SP, Terceira Turma, Relª Minª Nancy Andrighi, DJ 17.06.2002, p. 258).
O recibo dado pelo beneficiário do seguro em relação à indenização paga a menor não o inibe de reivindicar, em juízo, a diferença em relação ao montante que lhe cabe de conformidade com a lei que rege a espécie. (REsp 296675 /SP. RECURSO ESPECIAL 2000/0142166-2. Relator Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR. Quarta Turma. Data do Julgamento 20/08/2002. Pub. DJ 23.09.2002, p. 367).
No caso em tela, afigura-se um aparente conflito de regras, tendo em vista que o art. 3º, da Lei 6.194/74, é taxativo ao dispor que em caso de morte é devido o valor de 40 (quarenta) salários mínimos, a título de indenização. Já a citada Resolução do CNSP disciplina valor a menor. Tal conflito é facilmente solucionado invocando-se o Princípio da Hierarquia das Normas que dita a supremacia da lei em relação à Resolução.
Vale transcrição de jurisprudência:
CONSTITUCIONAL, CIVIL e PROCESSUAL CIVIL. SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT. INVALIDEZ PERMANENTE.COMPLEMENTAÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO EM FACE DA NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL TÉCNICA – AFASTADA. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR REJEITADA. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO PARA ELUCIDAÇÃO DA QUESTÃO – REJEITADA INDENIZAÇÃO QUANTIFICADA EM SALÁRIO MÍNIMO. RESOLUÇÃO DO CNSP CONTRÁRIA À LEI. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DAS NORMAS. CORREÇÃO E JUROS MORATÓRIOS. DATA DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO E DA CITAÇÃO VÁLIDA. ALEGAÇÃO DE QUITAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. (…). 2. (…). 3. Inaplicável a resolução do CNSP – Conselho Nacional de Seguros Privados – em respeito ao princípio da hierarquia das normas, face o que dispõe o art. 3º, alínea “a”, da lei nº 6.194/74, que quantifica em até quarenta salários mínimos o valor da indenização por invalidez em caso de acidente de veículo. Precedentes do STJ (RESP 161185/SP; RESP 153209/RS; RESP 296675/SP). 4. (…). 5. Indubitável a constitucionalidade da vinculação indenizatória do seguro DPVAT ao valor do salário mínimo. O critério fixado pelo art. 3º da lei nº 6.194/74 não foi revogado pelas leis nºs 6.205/75 e 6.423/77 e referido salário mínimo no caso não se constitui em indexador ou fator de correção monetária, servindo, apenas, como base para a quantificação do valor da indenização. Precedente do STF (re 298211/ma – rel. Min. Eros grau – j. Em 02.02.2005). 6. (…). 7. (…). RECURSO INOMINADO (CRIME CAPITAL/CÍVEL E CRIME INT.). Processo nº. 2009900078. Relator: DR. MARCOS DE OLIVEIRA PINTO. Julgamento:06/03/2009.
Nestes termos, a Resolução do CNSP que dispõe sobre o valor máximo da indenização, por ser hierarquicamente inferior não se aplica, devendo ser utilizada as disposições da Lei 6.194/74 que não prevê especificamente valores nos seguros em tela.
Quanto ao termo inicial da correção monetária, encontra-se pacificado que nas ações de complementação de seguro DPVAT a correção incide a partir apuração do valor da indenização. […]”
Dessa forma, verifica-se que é pacífica a questão da inconstitucionalidade material parcial da Lei 11.482/07, no tocante aos parâmetros valorativos, especificamente, naquilo que modificou os incisos do art. 3º da Lei 6.194/74, em razão da violação ao princípio do não retrocesso social. Há, inclusive, uma ADI (nº 4627) no STF discutindo essa questão, cujo relator é o Ministro Luiz Fux.
Segundo o partido político PSOL, autor da Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo, “faz-se necessário que a indenização do Seguro Obrigatório garanta patamares mínimos de dignidade, respeitando a pessoa humana e, assim, dando condições para que se supere as dificuldades da deficiência/invalidez física”. A agremiação prossegue afirmando, com razão, que, “por todos os lados que se analise, a lei padece de grave inconstitucionalidade material por violação ao fundamento da dignidade da pessoa humana sob a perspectiva de grave afetação e retratação do direito constitucional da personalidade”.
A fim de se expor a tese adiante apresentada, seguindo as reformas perpetradas na Lei nº 6.194/74, do Seguro DPVAT, temos também que observar a modificação da redação do seu § 1º pela Lei nº 11.945/09, norma esta que acrescentou ainda uma tabela no anexo da Lei de Seguro DPVAT.
Tais inovações, em síntese, trouxeram – na verdade, o verbo correto seria “ratificaram”, pois a Medida Provisória nº 451, de 2008, já havia dado azo a essa mudança – variações de graus de indenização de acordo com o dano sofrido. Para facilitar o entendimento e a consulta, vejamos os dispositivos legais pertinentes, todos referentes à Lei DPVAT:
“Lei no 6.194/74. Art. 3º. § 1o No caso da cobertura de que trata o inciso II do caput deste artigo, deverão ser enquadradas na tabela anexa a esta Lei as lesões diretamente decorrentes de acidente e que não sejam suscetíveis de amenização proporcionada por qualquer medida terapêutica, classificando-se a invalidez permanente como total ou parcial, subdividindo-se a invalidez permanente parcial em completa e incompleta, conforme a extensão das perdas anatômicas ou funcionais, observado o disposto abaixo: (Incluído pela Lei nº 11.945, de 2009). (Produção de efeitos).
I – quando se tratar de invalidez permanente parcial completa, a perda anatômica ou funcional será diretamente enquadrada em um dos segmentos orgânicos ou corporais previstos na tabela anexa, correspondendo a indenização ao valor resultante da aplicação do percentual ali estabelecido ao valor máximo da cobertura; e (Incluído pela Lei nº 11.945, de 2009). (Produção de efeitos).
II – quando se tratar de invalidez permanente parcial incompleta, será efetuado o enquadramento da perda anatômica ou funcional na forma prevista no inciso I deste parágrafo, procedendo-se, em seguida, à redução proporcional da indenização que corresponderá a 75% (setenta e cinco por cento) para as perdas de repercussão intensa, 50% (cinquenta por cento) para as de média repercussão, 25% (vinte e cinco por cento) para as de leve repercussão, adotando-se ainda o percentual de 10% (dez por cento), nos casos de sequelas residuais. (Incluído pela Lei nº 11.945, de 2009). (Produção de efeitos).”
ANEXO à Lei nº 6.194/74 (Incluído pela Lei nº 11.945, de 2009). (Produção de efeitos). (art. 3o da Lei no 6.194, de 19 de dezembro de 1974)
Levando-se em conta as modificações legislativas citadas citeriormente, nada melhor expor, na prática, como fica hoje a indenização do Seguro DPVAT.
Suponhamos que uma pessoa tenha sofrido um acidente de trânsito em 16 de fevereiro do ano de 2010, evento este que lhe causou deformidade suportada até os dias atuais, sendo de caráter permanente – como ilustração, diga-se que a debilidade atestada por um apropriado Laudo do IML foi “SEQUELA MOTORA NO MEMBRO INFERIOR”. Suponhamos ainda que foi reconhecido pela Seguradora competente, por meio de processo administrativo, o direito à indenização do Seguro DPVAT, depositando em favor do acidentado uma quantia de R$ 4.725,00 (quatro mil e setecentos e vinte e cinco reais).
Esse valor, certamente, foi calculado com base na reforma consubstanciada no texto da Lei DPVAT, através da Lei 11.945/09, a qual trouxe o anexo àquela norma. Tal Lei de 2009, como visto, também reformou o § 1º do art. 3º da Lei DPVAT.
Seguindo-se o procedimento apontado no art. 3º, caput e incisos, e § 1º, além do anexo da Lei nº 6.194/74, pode-se aferir, objetivamente, como a Seguradora competente[2] chegou ao valor sobredito, através da aplicação das porcentagens ali indicadas.
Explica-se. Para tal cálculo, o PARÂMETRO referencial de aplicação das porcentagens segue aquele hoje elencado nos incisos do caput do art. 3º da Lei DPVAT, qual seja, R$ 13.500,00, para invalidez e morte. Então, fazendo as devidas contas com base na legislação, como o acidentado recebeu R$ 4.725,00, esse valor corresponde a exatos 35% do total possível (R$ 13.500,00).
Ou seja, o acidentado, no exemplo dado, devido à sua debilidade atestada por um Laudo do IML (“SEQUELA MOTORA NO MEMBRO INFERIOR”), recebeu o valor corresponde a 35% do limite hoje previsto na lei (R$ 13.500,00), sendo importante saber que este resultado é advindo do seguinte cálculo, conforme a tabela anexa à Lei DPVAT e o art. 3º, caput e § 1º, II, da Lei 6.194/74, incluído pela Lei 11.945/09, não havendo – e isso deve ser notado desde logo – qualquer margem de cálculo fora dos parâmetros elencados pela Lei do Seguro DPVAT:
a) Como ele sofreu perda funcional de um dos membros inferiores, aplicou-se 70% sobre R$ 13.500,00 (porcentagem essa indicada na tabela anexa à Lei DPVAT), resultando em R$ 9.450,00;
b) Como a perda é considerada pelo laudo do IML de média repercussão, aplicou-se 50% sobre R$ 9.450,00, o que resultou no valor final de R$ 4.725,00, justamente o valor que ele recebeu, equivalente, portanto, a 35% do valor limite de R$ 13.500,00;
c) Porém, o PARÂMETRO levado em consideração para esses cálculos foi o limite de R$ 13.500,00. Assim, com a declaração da inconstitucionalidade correspondente do art. 8º da lei 11.482/07, e não havendo sequer a necessidade de perícia (já que essa porcentagem foi aquela estabelecida pela própria Seguradora em processo administrativo), o PARÂMETRO passaria a ser de 40 Salários Mínimos, o que resultaria em um valor de R$ 7.140,00 (R$ 20.400,00 x 35%).
Como dito, há que se declarar a inconstitucionalidade do art. 8º da lei 11.482/07 naquilo pertinente ao caso, por ele atentar ao princípio do não retrocesso social e às garantias constitucionais, bem como ao mínimo existencial dos direitos sociais, devendo-se, dessa forma, aplicar o artigo 3º da lei 6.194/74 com o seu caput original (na verdade, os incisos originais do caput), que traz como PARÂMETRO referencial o valor de 40 Salários Mínimos.
Dito de outro modo ainda, ao ser declarada a inconstitucionalidade do comando legal da Lei 11.482/07 que aponta como parâmetro de cálculo o valor de R$ 13.500,00, volta a ser aplicado o parâmetro original de 40 salários mínimos, pelo que cabe uma diferença a ser complementada (isto é, entre os R$ 4.725,00 pagos e os R$ 7.140,00 realmente devidos).
Assim, como o autor recebeu R$ 4.725,00 e esse valor corresponde a 35% do que ele tem direito a título de indenização (esta dada sobre o parâmetro de R$ 13.500,00, repita-se por ser necessário), declarada a inconstitucionalidade deste parâmetro, o cálculo da porcentagem de 35% deve ser em cima do parâmetro original, ou seja, de 40 salários mínimos.
Uma ressalva antes de continuarmos: o cálculo da porcentagem (no caso, de 35%) foi baseado na própria legislação, como dito, art. 3º, caput, e § 1º, além do anexo da Lei nº 6.194/74, em nada se relacionando com o valor limite de R$ 13.500,00, sendo este somente um parâmetro para a aplicação da porcentagem.
Continuando a análise, como o valor de R$ 4.725,00 corresponde a 35% do que ele tem direito a título de indenização (cálculo esse, repita-se, feito com base objetiva na legislação), deve ser calculada essa porcentagem (35%) em cima do parâmetro de 40 salários mínimos no valor vigente na época da ocorrência do sinistro (art. 5º, § 1º da Lei nº 6.194/74), perfazendo, na verdade, o valor total de indenização de R$ 7.140,00 (sete mil e cento e quarenta reais) [R$ 510,00 x 40 ( 35%)].
Sendo dessa maneira, tendo o autor jê recebido R$ 4.725,00, ao se subtrair esse valor com o realmente devido (R$ 7.140,00), tem-se a complementar a quantia de R$ 2.415,00 (dois mil e quatrocentos e quinze reais), montante esse que deve ser perseguido na seara judicial.
Em resumo, observe-se o seguinte quadro esquemático:
Como visto, o parâmetro levado em consideração para esses cálculos foi o limite de R$ 13.500,00, mas, com a declaração da inconstitucionalidade correspondente, o parâmetro passaria a ser de 40 Salários Mínimos, o que resultaria em um valor de R$ 7.140,00 (R$ 20.400,00 x 35%). E não há sequer a necessidade de perícia, já que essa porcentagem foi aquela estabelecida pela própria Seguradora em processo administrativo.
É dizer: observa-se a desnecessidade de perícia, posto que o Laudo do IML atesta qual a sua debilidade, devendo apenas ser aplicada na tabela anexa à Lei DPVAT, seguindo o modelo de cálculo exposto objetivamente por essa norma, porém considerando como parâmetro o valor de 40 Salários Mínimos, em razão de ser declarada a inconstitucionalidade do artigo 8º da lei 11.482/07, por afronta ao princípio da vedação ao retrocesso social e da dignidade da pessoa humana.
Assim, caso não se pretenda ajuizar a respectiva Ação de Cobrança Securitária Complementar no âmbito da Justiça Comum Estadual, não se poderia falar em incompetência dos Juizados Especiais, pois também cabe a eles a declaração de inconstitucionalidade (controle difuso), sendo certo, portanto, que, ao fazer isso, apenas estará aplicando o parâmetro anterior de cálculo, qual seja, 40 salários mínimos, utilizando-se, para tanto, de porcentagem objetivamente retirada da Lei DPVAT, conforme os seus próprios comandos normativos (nesse sentido, ver a tabela anexa à Lei e seu art. 3º, caput, incisos e § 1º, tudo alocado neste trabalho).
Enfim, não se discute graus de invalidade, mas sim qual parâmetro que deve ser aplicado. Ora, se a Seguradora já disse que a porcentagem é “x” ou “y”, não se discute isso mais, contudo tão somente se essa porcentagem vai ocorrer em cima de R$ 13.500,00 ou 40 salários mínimos.
Mutatis mutandi, deve-se aplicar o entendimento já revelado em outros julgados da Justiça Sergipana (destacou-se):
“E M E N T A
DPVAT. AÇÃO DE COMPLEMENTAÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. INVALIDEZ PERMANENTE. PAGAMENTO ADMINISTRATIVO. COMPETENCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS – NÃO HÁ NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL ANTE O PAGAMENTO ADMINISTRATIVO PELA SEGURADORA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 11.482/2007 POR FERIR DIREITOS SOCIAIS NA MEDIDA EM QUE ESTABELECE VALOR FIXO DE INDENIZAÇÃO E NÃO PREVÊ SEU REAJUSTE, RAZÃO PELA QUAL DEVE SER APLICADA A LEI 6.194/74 COM O TEXTO ANTERIOR. A QUITAÇÃO DIZ RESPEITO SOMENTE AO VALOR RECEBIDO NÃO IMPEDE PROPOSITURA DE AÇÃO PARA COMPLEMENTAÇÃO. POSSIBILIDADE DE SE RELACIONAR A INDENIZAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. CONSTITUCIONALIDADE (PRECEDENTES DO STF – RE 298211/MA – REL. MIN. EROS GRAU – J. EM 02.02.2005). VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO PELO CNSP. INAPLICABILIDADE. HAVENDO PAGAMENTO PELA SEGURADORA A TÍTULO DE INVALIDEZ PERMANENTE, NÃO CABE DISCUTIR O GRAU DE INVALIDEZ, DEVENDO SER PAGA A INDENIZAÇÃO NO VALOR MÁXIMO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.” (TURMA RECURSAL DE SERGIPE, Recurso Inominado, Processo nº 200800901296, DJ 04/09/2009)
A propósito, sobre a desnecessidade de perícia para se apurar o grau de invalidez, quando já houve o pagamento pela senda administrativa e, por via de consequência, o reconhecimento da existência da deformidade permanente, colacionam-se decisões de Turmas Recursais do TJRS e do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, clamando-se pela atenção dos pontos em destaque (destacou-se).
“E M E N T A. Apelação Cível – Ação de Cobrança de Complementação de Seguro Obrigatório – Desnecessidade de realização de perícia médica para verificar o grau de invalidez do apelado – Comprovação da existência da invalidez permanente – Pagamento administrativo parcial do Dpvat – Norma legal se sobrepõe à resolução e circulares expedidas pelo CNSP – Sentença mantida – Recurso conhecido e improvido – Decisão unânime.1. O sinistro que deu causa ao pagamento do seguro obrigatório ocorreu sob a égide da Lei nº 6.194/1974, devendo essa legislação ser aplicada ao caso em tela, a qual prevê o pagamento de quarenta salários mínimos para os casos de morte e invalidez permanente;2. Desnecessária a verificação do grau de invalidez do recorrido para o pagamento desse patamar indenizatório caso tenha sido demonstrada a existência da invalidez do requerente;3. A invalidez restou devidamente demonstrada na hipótese dos autos, haja vista que a própria apelante confirma sua existência em suas razões de apelação, bem como pelo fato de ter havido o pagamento administrativo do montante que a seguradora entendia adequado;4. Muito embora o aludido órgão seja responsável por fixar as diretrizes e normas da política de seguros privados, suas resoluções e circulares não tem a força de mitigar valores fixados por lei. É cediço que, nos casos de morte e invalidez permanente, o valor da indenização do seguro obrigatório rege-se pela Lei 6.194/74 alterada pela Lei 11.482/2007. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 5350/2008, Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, Relator: DESA. MARIA APARECIDA SANTOS GAMA DA SILVA, Julgado em 21/10/2008).
SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT. INVALIDEZ PERMANENTE. PAGAMENTO PARCIAL, PORTANTO ADMITIDA A INVALIDEZ. VALIDADE DA QUITAÇÃO. NECESSIDADE DE PERÍCIA. COMPETÊNCIA DO CNSP. SALÁRIO MÍNIMO – ART. 7º, INC. IV, DA CF. I. O recibo de quitação auferido pelos beneficiários do seguro não veda a cobrança judicial da diferença decorrente do pagamento em quantia inferior a devida. II. Já houve o pagamento de parte da indenização buscada e não é questionada a existência ou não da invalidez alegada pelo autor. Portanto, como a lei não faz diferenciação com graus de invalidez, não cabe exigir prova pericial, sendo que a invalidez alegada já foi admitida pela própria demandada quando pagou parte do valor devido. III. A Lei nº 6.194/74, alterada pela Lei nº 8.441/92, e a M.P nº 340, posteriormente transformada na lei 11.482/07, são os únicos textos legais que conferem competência para fixação dos valores das indenizações do seguro obrigatório, não havendo autorização legal que legitime as Resoluções do CNSP ou de qualquer outro órgão do Sistema Nacional de Seguros Privados para fixar ou alterar os valores indenizatórios cobertos pelo seguro obrigatório sobre danos pessoais causados por veículos automotores. IV. A APLICAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO NÃO OCORRE COMO FATOR DE REAJUSTE, MAS COMO MERO REFERENCIAL, NÃO EXISTINDO OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 7º, INC. IV, DA CF. RECURSO IMPROVIDO. (Processo nº 71001669019 – DJ 3860 09/06/08, PUBLIC CONSIDERADA EM 10/06/08-40).
AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT. ACIDENTE DE TRÂNSITO. INVALIDEZ PERMANENTE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 14 DAS TURMAS RECURSAIS. REVISADA EM 24.04.2008 O autor juntou aos autos todos os documentos necessários à acolhida de sua pretensão e, de qualquer forma, sua invalidez permanente já foi reconhecida pela seguradora quando do pagamento parcial. Desnecessária perícia para apurar o grau de invalidez do autor, sendo competente para o julgamento o Juizado Especial Cível. Nos termos da Súmula 14 das Turmas Recursais, é legítima a vinculação do seguro DPVAT ao salário mínimo. Para os sinistros ocorridos antes da vigência da medida provisória 340, a Lei n° 6.194/74, alterada pela Lei n° 8.441/92 é a única fonte legal apta e competente para fixar os valores das indenizações, não cabendo ao CNSP ou a qualquer outro órgão fixar ou alterar os valores indenizatórios cobertos pelo seguro obrigatório, cuja finalidade é cobrir os danos pessoais causados por veículos automotores. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. (Recurso Cível Nº 71001645423, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Leo Pietrowski, Julgado em 02/07/2008).
EMENTA: AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT). INVALIDEZ PERMANENTE. IMPORTÂNCIA DEVIDA DE R$ 13.500,00 INDEPENDENTEMENTE DO GRAU DE INVALIDEZ. REVELIA. DIREITO AO RECEBIMENTO DA INDENIZAÇÃO. DESNECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. SÚMULA 14 DAS TURMAS RECURSAIS. 1. Afastada a alegação de incompetência do JEC por necessidade de realização de perícia, porquanto absolutamente desnecessária tal prova quando há laudo médico atestando a deformidade, mormente em se considerando o seu local e extensão. 2. Não se pode graduar a invalidez permanente, sendo inviável a limitação da indenização com base em Resolução editada pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP). 3. Assegurado, portanto, o direito ao recebimento da indenização equivalente à R$ 13.500,00. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos. Recurso improvido. (Recurso Cível Nº 71001788207, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 30/10/2008).
EMENTA: SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT). INVALIDEZ PERMANENTE. IMPORTÂNCIA DEVIDA EQUIVALENTE A QUARENTA SALÁRIOS MÍNIMOS INDEPENDENTEMENTE DO GRAU DE INVALIDEZ. DIREITO AO RECEBIMENTO DA INDENIZAÇÃO. DESNECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. INAPLICABILIDADE DA MP Nº 340 AOS SINISTROS ANTERIORES A SUA VIGÊNCIA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS LEGAIS INCIDEM, RESPECTIVAMENTE, DA DATA DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO E DA CITAÇÃO. SÚMULA 14 DAS TURMAS RECURSAIS 1. Afastada a alegação de necessidade de perícia técnica, porquanto absolutamente desnecessária tal prova quando há laudo médico comprovando a existência da invalidez permanente. 2. Não se pode graduar a invalidez permanente, sendo inviável a limitação da indenização com base em Resolução editada pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP). 3. Devido o pagamento integral da indenização, ou seja, quarenta salários mínimos vigentes à época do ajuizamento da ação. 4. Conforme a nova redação da Súmula 14 das Turmas Recursais a correção monetária e os juros devem incidir, respectivamente, a contar da data do ajuizamento da ação e da data da citação. Recurso da ré improvido e da autora provido. (Recurso Cível Nº 71001782879, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 30/10/2008).
EMENTA. RECURSO INOMINADO. SEGURO DPVAT. COMPLEMENTAÇÃO DO VALOR JÁ PAGO. CONDENAÇÃO EM SALÁRIOS MÍNIMOS. POSSIBILIDADE. CRITÉRIO LEGAL E ESPECÍFICO DESSA NATUREZA DE COBERTURA. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL ANTE O RECONHECIMENTO POR PARTE DA SEGURADORA QUANTO À INVALIDEZ PERMANENTE DA RECORRENTE. PROVAS SUFICIENTES NOS AUTOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Tratando-se de pedido de complementação de valor do prêmio pago a menor, e havendo nos autos o reconhecimento por parte da seguradora quanto à invalidez permanente da recorrente, admitindo que a ela foi pago o valor máximo destinado às vítimas com invalidez permanente, desnecessário se faz produzir-se qualquer outra prova pericial. A fixação do valor da cobertura pelo art. 3º, em suas alíneas, da Lei n. 6.194/74, em salários mínimos não afronta a legislação infraconstitucional e nem a própria Constituição Federal, pois não se está a utilizar o salário mínimo como correção monetária, mas mero critério indenizatório.” (RECURSO INOMINADO (CRIME CAPITAL/CÍVEL E CRIME INT.) 0139/2008, PROCESSO: 2008900384, TURMA RECURSAL DE SERGIPE, RELATOR: DRA. MARIA ANGÉLICA FRANÇA SOUZA, DJe 10/06/2008)
Sobrepõe-se que, no trâmite administrativo, as seguradoras exigem diversos documentos que comprovem a existência do acidente e da sequela permanente por ele produzida. Por isso, provado o acidente e a invalidez permanente que justifique a percepção do seguro obrigatório previsto na Lei 6.194/74, desnecessária a produção de prova pericial para atestar a mesma invalidez. Ora, não houvesse a prova da sequela, a companhia de seguros sequer efetuaria qualquer tipo de pagamento, já que, pela senda administrativa, declararia a não obrigatoriedade de promover a remuneração da apólice para aquele que não se enquadrasse nos termos da referida lei.
De mais a mais, importante a ressalva do consagrado doutrinador civil e hoje Desembargador de Justiça do Estado de São Paulo, CARLOS ROBERTO GONÇALVES:
SEGURO OBRIGATÓRIO – Finalidade social da lei que o institui – quitação cujos efeitos abrangem somente os valores recebidos, sendo licito ao autor cobrar a diferença a que faz jus ainda que no recibo se tenha feito alusão a quitação geral e plena. (1º TACivSP, Apelação nº 405.944-5, 6ª Câmara, Rel. JUIZ CARLOS ROBERTO GONÇALVES)
Em síntese, o que se questiona neste trabalho é o recebimento parcial pelo acidentado da indenização a título do Seguro DPVAT, em vista da adoção de referencial inconstitucional (R$ 13.500,00), não se fazendo na devida seara jurisdicional qualquer menção a graus de invalidez, mas sim – repita-se – a parâmetro referencial.
Ante todo o estudo referente à Lei DPVAT, conclui-se o seguinte:
1) Várias foram as modificações no texto da Lei 6.194/74. Uma delas foi perpetrada pela Lei nº 11.482/07, que ora se questiona a sua constitucionalidade material, tema bastante atual, em função de o STF estar apreciando uma ADI (nº 4627) sobre essa questão;
2) A inconstitucionalidade material parcial do artigo 8º da Lei 11.482/07, naquilo tocante à modificação dos parâmetros dos valores dos incisos do art. 3º da Lei DPVAT, deve-se à afronta ao princípio constitucional implícito de vedação ao retrocesso social (ou princípio do não retrocesso social), ao equilíbrio das garantias constitucionais sociais (e.g., solidariedade) e ao mínimo existencial dos direitos sociais, além da dignidade da pessoa humana;
3) Com a declaração de inconstitucionalidade da referida norma, volta a se ter como parâmetro de cálculo o valor base de 40 salários mínimos, nos casos de morte e invalidez;
4) Declarada a inconstitucionalidade do parâmetro de R$ 13.500,00, o cálculo da porcentagem de acordo com o grau de lesão – novidade trazida pela Lei nº 11.945/09, que acrescentou um anexo e deu nova redação ao § 1º da Lei DPVAT –, deve ser em cima do parâmetro original, ou seja, de 40 salários mínimos;
5) Isso corresponde a uma diferença de 62% (sessenta e dois por cento) no valor final da indenização, considerando-se o salário mínimo de hoje [(R$ 13.500,00) : (40 x R$ 545,00)];
6) Na prática forense, a correlativa indenização complementar acidentária pode ser requerida na seara judicial, conforme apontam as decisões judiciais citadas ao longo do trabalho, correspondente à aplicação de parâmetro referencial diverso (40 salários mínimos), advindo da declaração incidental de inconstitucionalidade material parcial do artigo 8º da Lei 11.482/07, aplicando-se, assim, os incisos originais do art. 3º da Lei 6.194/74; tudo a ser acrescido da correção monetária desde a data do pagamento feito a menor e juros moratórios desde a citação, conforme o disposto na Súmula 426 do STJ e acatado pela jurisprudência, como visto pelas decisões citadas.
Advogado, graduado pela Universidade Federal de Sergipe e pós-graduado em Direito do Estado pela Faculdade Social da Bahia. Autor do livro “Direito Judicial Criativo” e artigos jurídicos
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