A indenização por perda de uma chance na fase pré-contratual no direito do trabalho

Resumo: O presente artigo conceitua a indenização por perda de uma chance e analisa a aplicação à Justiça do Trabalho na fase pré-contratual.

Palavras-chave: Direito do Trabalho; indenização, perda de uma chance; pré-contratual.

Sumário: 1 -. Introdução; 2 – Teoria da perda de uma chance: conceito e sua aplicabilidade no Direito do Trabalho; 3 – A aplicação na fase pré-contratual no Direito do Trabalho: fase de seleção; 4 – Conclusão; 5 – Referência Bibliográfica.

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1. Introdução

Ainda há discussões travadas na doutrina sobre a aplicação, conceito e parâmetros de indenização da teoria por perda de uma chance por se tratar de um assunto relativamente novo na seara trabalhista.

No cenário atual as provocações nesse sentido ainda são tímidas, o que torna escassa a jurisprudência sobre assunto, o que nos obriga a buscar fontes também no Direito Civil, berço dessa teoria.

Ao longo desse estudo pretende-se contribuir para a demonstração da aplicabilidade da teoria da perda de uma chance nas relações trabalhista, estendo-se para a fase pré-contratual, através da conceituação, o imbricamento com os princípios do direito do trabalho e dissecamento dos pressupostos de aplicação da indenização.

O tema apresenta particular interesse e atualidade por semear as possibilidades da aplicação da teoria também na fase pré-contratual, na qual é comum ocorrer prática de atos ilícitos, comumente de cunho discriminatório, que obstam o sujeito/ofendido a chance de melhorar sua condição social.

2. Teoria da perda de uma chance: conceito e aplicabilidade no Direito do Trabalho

A perda de uma chance, inicialmente denominada de pert d´une chance de survie ou guérison (perda de uma chance de cura ou sobrevivência) teve seu nascedouro na França resultado de pacificações de conflitos relacionados à medicina quando ao paciente não se oportunizava a chance de cura ou sobrevivência. Noticia-se que o primeiro julgamento teria se dado em 1965, muito embora, segundo Geneviéve Viney e Patrice Jouidain, na obra Traité de droit civil, o exemplo mais antigo da aplicação da teoria na França seria de 1889, conforme informa Sérgio Savi em entrevista dada à revista Carta Forense, edição 7/2006[1].

Na Itália, o primeiro caso aceito pela Corte de Cassação ocorreu em 1983, consoante relata Raimundo Simão de Melo[2], e abordava um caso de perda de uma chance na fase pré-contratual, uma vez que se deu na fase de seleção de empregados quando o empregado foi impedido por exame médico de prosseguir na concorrência pela vaga na empresa.

Protege-se nessa teoria a chance de concorrer à um resultado cujo alcance o lesado teria uma possibilidade real e concreta de obtenção, mas foi impedido por um ato ilícito. Segundo Sérgio Savi[3], trata-se de uma legítima expectativa suscetível de ser indenizada, entendendo que há de ser esta séria e real.

Define Fernando Noronha[4]que a perda de chance ocorre quando o processo de obtenção de um benefício futuro é interrompido por um determinado fato ilícito que frustra o resultado de forma irremediável. É importante notar que não é necessário que o resultado seja comprovado como certo, mas que a oportunidade de alcançá-lo foi destruída e que haviam possibilidades concretas de realização.

Ignacio de Cuevillas Matozzi[5], define com maestria o bem jurídico defendido pela responsabilização civil por perda de uma chance, qual seja, o sonho objetivo e calculável:

“hay sueños que son meras ilusiones, meros deseos, expectativas dejadas a la mano de Dios, cuyas posibilidades de realización no pueden ser previstas y que se encuentran más allá de lo jurídico. Sin embargo, existen otros sueños, otras ilusiones que podemos calcular, a los que llamamos probabilidades y que pueden ser objeto de consideración jurídica, en definitiva, el azar caprichoso, impredecible, por un lado, y el sueño calculable, objetivable, por outro”.

Extraímos exemplos na doutrina de casuísticas. Na esfera cível, podemos citar o caso de um pintor que envia uma obra para participar de um concurso e esta é danificada ou um cliente que não teve a chance de ver seu recurso apreciado pela instância superior em razão de um prazo perdido pelo advogado. Na esfera trabalhista, ocorre quando um empregado é impedido de concorrer a cargo de dirigente sindical em razão de transferência ilegal que o afastou na época da inscrição para concorrer ao pleito ou o pedido de demissão por pressão em razão de assédio moral às vésperas de concorrer a uma promoção e, ainda, objeto de nosso estudo, a perda de chance de participação em etapa de seleção de emprego por motivo de discriminação.

Em todas as hipóteses citadas, o resultado é incerto, pois não se sabe se o pintor iria ganhar o concurso, se o recurso na instância superior seria conhecido e provido, tampouco se pode garantir que o empregado seria promovido ou se o candidato seria selecionado. Todavia, a oportunidade de participar daquilo que poderia levar o sujeito a alcançar a vitória é certa e atual, isto é, a chance de alcançar o sonho foi obstada.

Portanto, a responsabilidade civil por perda de uma chance procura reparar os casos em que o sujeito de direito foi impedido de obter uma situação mais benéfica futura para si por um ato ilícito, traduzindo-se, segundo Julio César Rossi e Maria Paula Cassone Rossi[6], em “uma cláusula geral no âmbito do instituto responsabilidade civil, que utiliza um conceito aberto de dano, ou seja, conjugando-se os artigos 402, 403 e 944 do Código Civil”.

Discute-se na doutrina a natureza jurídica da perda de uma chance, advogando uns que seria subespécie de dano emergente enquanto outros defendem tratar-se de lucro cessante.

Ensina Raimundo Simão de Melo[7] que a natureza jurídica da perda de uma chance estaria enquadrada numa terceira espécie intermediária de dano, entre o dando emergente e o lucro cessante. Assinala este autor que o dano emergente implica numa imediata diminuição do patrimônio da vítima enquanto que o lucro cessante seria o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, atentando que “a dificuldade na quantificação do lucro cessante existe, mas é bem menor do que na situação de perda de uma chance, diante da incerteza de obtenção do resultado esperado”.

De fato, na perda de uma chance não se trabalha em cima do resultado, mas indeniza-se a perda per si, o que torna mais objetiva a análise do que no caso do lucro cessante sem chegar a ser uma perda imediata como nos casos de danos emergentes.

A esta altura já se pode sentir que a aplicação da teoria da perda de uma chance é perfeitamente aplicável ao direito do trabalho. Com efeito, em razão da plenitude da ordem jurídica, na presença da lacuna da lei, é possível utilizar-se da auto-integração com fundamento no art. 5º da LICC e do art. 8º da CLT.

Alice Monteiro de Barros[8] enumera três pressupostos para aplicação analógica, quais sejam, a inexistência de previsão em lei, a existência de caso semelhante objeto de previsão legal e que a regra tomada como parâmetro integre o mesmo ramo do direito a que pertence o caso jurídico.

Esclarece, ainda, a autora, que a doutrina elasteceu a exigência de que o parâmetro integre o mesmo ramo do direito, permitindo integrar lacunas com recurso ao Direito Civil, Processo Civil, dentre outros ramos por se tratar o Direito do Trabalho de ramo novo comparado ao Direito Civil.

Realmente, o parágrafo único do artigo 8º da CLT determina que “o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho naquilo que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”.

Analisando-se os fundamentos legais da teoria temos que a indenização por perda de uma chance teve nascedouro na esfera civil dentro do âmbito da responsabilidade civil, apontando Raimundo Simão de Melo[9] como fundamento legal o art. 5º, V, da CF/88 e os artigos 186, 402, 927 e 949 do Código Civil.

Tais dispositivos que tratam, em geral, da responsabilidade por danos causados à outrem, são compatíveis com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho, dentre eles os elencados por Américo Plá Rodriguez[10] que são: princípio da proteção ao trabalhador, princípio da boa-fé e o princípio da não-discriminação. A indenização por perda de  uma chance também afina com o direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado e é afirmadora de dois dos fundamentos da República Federativa do Brasil, quais sejam, os valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana, conforme dito no art. 1º, III e IV, da CF/88.

Em julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em sede de Recurso Ordinário, no processo nº. 00006-2007-146-03-00-0, que teve como Relator o desembargador Rogério Valle Ferreira, aplicou a teoria da indenização por perda de uma chance, em razão de ato ilícito que impediu empregado de concorrer à vaga de dirigente sindical, sendo importante transcrever a ementa:

“EMENTA: INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES. PERDA DA OPORTUNIDADE DE CONCORRER AO CARGO DE DIRIGENTE SINDICAL. VALOR PROPORCIONAL À POSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DA VANTAGEM ALMEJADA. A indenização por lucros cessantes visa ressarcir o lesado pela perda da oportunidade de obter um determinado benefício ou uma situação futura melhor, devendo o seu valor ser fixado proporcionalmente à possibilidade de obtenção da vantagem almejada. Constatando-se que a dispensa do empregado ocorreu, tão-somente, em razão da sua candidatura ao cargo de dirigente sindical, impõe-se o pagamento de indenização em valor correspondente à metade das parcelas que lhe seriam pagas durante o período relativo ao mandato e à estabilidade provisória, já que, sendo duas as chapas concorrentes às eleições sindicais, a chance de o autor sagrar-se vencedor era de 50%”.

Há, ainda, pronunciamento do mesmo Tribunal no julgamento de Recurso Ordinário, no processo nº 01518-2003-029-03-00-7, que será analisado adiante.

3. A aplicação na fase pré-contratual no Direito do Trabalho: fase de seleção

A seleção de pessoal no setor privado não tem parâmetros expressos na Constituição Federal, ao contrário do que ocorre para o setor público na administração direta e indireta, muito embora haja limites em leis esparsas ao poder diretivo do empregador nessa fase.

O poder diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do empregador espraia-se para a fase pré-contratual, pois nesse momento há a prerrogativa de admtir ou não os candidatos às vagas disponíveis. De fato, o artigo 2º da CLT, caput, define empregador a empresa, individual ou coletiva, que admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.[11]

É de mais fácil visualização e aceitação as proteções jurídicas que permanecem após cessado o contrato de trabalho. O artigo 29 da CLT, por exemplo, veda a anotação de informação desabonadora na carteira de trabalho. Igualmente ofende este dispositivo legal divulgar mesmo que de forma oral, informações desabonadoras a respeito da conduta do empregado, em período posterior à rescisão do contratual, até mesmo se verdadeiras em casos que não implique perigo para integridade física ou psicológica do possível contratante.[12]

Desta forma, como há a expressão do poder do empregador para fora da relação de emprego propriamente dita, seja antes ou depois da relação de emprego, também deve ser projetada as proteções ao trabalhador. Importante notar que na fase de seleção a condição de hipossuficiente é presente, uma vez que o trabalhador encontra-se numa situação de inferioridade e fragilidade pela premência de ter sucesso na obtenção de emprego, com mais razão no panorama atual de desemprego.

O ordenamento jurídico não é silente nessa questão, pois há legislação que contém proteções já na fase pré-contratual, limitando o exercício do poder do empregador, como é o caso da Lei nº 7.716/89 que em seu artigo 4º tipifica como racismo “negar ou obstar emprego em empresa privada”. No mesmo sentido, a Lei 9.029/95 em seu artigo 1º veda a adoção de qualquer prática discriminatória para efeito de acesso a relação de emprego aos portadores de deficiência física.

Obviamente estamos aqui tratando de discriminações negativas ou pejorativas, como bem distingue Francisco Gérson Marques de Lima[13], que objetiva criar desfavor à pessoa discriminada.

A própria Consolidação das Leis do Trabalho, na mesma linha de proteção, no artigo 373-A alberga proteção na fase pré-contratual no capítulo da proteção do trabalho da mulher, nos seguintes termos:

“Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado do trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:

I – publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;

II – recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da ativadade seja notória e publicamente incompatível;

III – omissis

IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterelidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;

V – impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão do sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez,

VI – omissis”

Como se percebe, todos os atos discriminatórios acima citados, sem exclusão de outros que possam ocorrer, são exemplos de atos ilícitos que podem obstar um candidato a obter benefícios futuros, o que abre espaço para a aplicação da teoria da perda de uma chance na fase pré-contratual na esfera trabalhista.

Em paralelo, o direito a danos morais na fase pré-contratual é matéria já pacificada na jurisprudência e na doutrina, não só quanto à competência da justiça do trabalho, mas também quanto à proteção do direito à imagem, honra, vida privada e dignidade do candidato. Na jurisprudência temos a Súmula 392 do TST[14], bem como o julgado do TST no processo RR – 931/2003-006-07-00.9, o qual firmou a competência da justiça do trabalho em caso de responsabilidade pré-contratual, vejamos:

“RECURSO DE REVISTA  COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO RESPONSABILIDADEPRÉ-CONTRATUAL  DANO MORAL.1. Segundo o princípio da boa-fé objetiva, que se aplica a todos os contratos, inclusive trabalhistas, previstos nos arts. 113, 187 e 422 do Código Civil, as partes devem agir em conformidade com parâmetros razoáveis de boa-fé, tratando o contratante como parceiro e buscando relação de cooperação. 2. De acordo com as novas diretrizes do Código Civil de 2002, a boa-fé objetiva deve informar todas as fases do contrato. 3. Conclui-se, dessarte, pela competência da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar pedido de indenização por danos morais ocorridos nas negociações preliminares, porque decorre de relação de trabalho, ainda que na fase das tratativas. Recurso de Revista conhecido e provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-931/2003-006-07-00.9, em que é Recorrente EMANUEL TEÓFILO FURTADO e Recorrida EDUCADORA E EDITORA S/C LTDA. DJ de 02/06/2006.”

Na doutrina podemos citar Enoque Ribeiro dos Santos[15] que elenca ainda João de Lima Teixeira Filho, Américo Plá Rodriguez, Amauri Mascaro do Nascimento, dentre outros.

Assim, os fundamentos para a fixação de dano moral na fase de seleção ao emprego podem ser emprestados à aplicação da teoria da perda de uma chance. Porém, é bom assentar que a indenização por perda de uma chance não se confunde com a do dano moral, podendo inclusive haver acumulação entre eles.

Infere-se, portanto, que o trabalho, como um dos fundamentos da República, não se limita ao período da execução do contrato de trabalho, abrangendo a fase pré-contratual onde o manto da proteção também é estendido para afastar qualquer prática discriminatória ou ato ilícito que afronte aos princípios do Direito do Trabalho.

Essa proteção jurídica, sob o prisma da perda de uma chance, ocorre quando um trabalhador, participando de um processo seletivo, é vítima de um ato ilícito, seja ele gerador ou não de dano moral, que o impede de ter a chance de alcançar o resultado, que no caso é a contratação.

O que se indeniza não é o resultado, mas tão somente a própria perda de uma chance de concorrer àquele. Como já dito alhures, o primeiro caso trazido à Corte de Cassação na Itália foi em fase de seleção de pessoal. Raimundo Simão de Melo[16] o descreve nos seguintes termos:

“determinada empresa convocou alguns trabalhadores para participar de um processo seletivo para a contratação de motoristas que iriam compor o seu quadro de funcionários. Não obstante se tenham submetido a diversos exames médicos, alguns candidatos ao emprego foram impedidos de participar das demais provas de direção e cultura elementar, necessárias à conclusão dos processos de admissão.

Na ação ajuizada, o juiz de primeiro grau reconheceu o direito de os autores serem admitidos, desde que superassem as provas que não fizeram, condenando a empresa a indenizá-los pelo atraso no processo de admissão. O Tribunal de Roma reformou a sentença, sob o argumento de que o dano decorrente da perda da chance não seria indenizável, por se tratar de um dano meramente potencial, não demonstrado de forma segura. A Corte de Cassação reformou o acórdão do Tribunal, argumentando que a indenização pretendida pelos candidatos ao emprego se referia não à perda do resultado favorável, que seria a obtenção do emprego, mas à perda da possibilidade de conseguirem referidos candidatos o resultado útil ao direito de participar das provas necessárias para obtenção do emprego. Esta possibilidade já se integrara ao patrimônio daqueles candidatos, quando do comportamento ilícito da empresa.”

No direito brasileiro, ainda é escassa a jurisprudência nesse sentido, mas podemos citar o pronunciamento do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, no julgamento do processo nº 01518-2003-029-03-00-7 em sede de Recurso Ordinário, cujo relator foi o desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira.

Em suma, os fatos ocorreram da seguinte forma: o trabalhador havia sido dispensado pela empresa e meses depois participou de uma seleção em outra empresa para um cargo melhor. Passadas várias etapas da seleção, a nova empresa exigiu carta de referência, cuja obrigatoriedade de entrega pelo seu antigo patrono estava prevista em Convenção Coletiva. O trabalhador foi impedido de continuar no processo seletivo por ter perdido o prazo para apresentar a documentação e ajuizou reclamação trabalhista requerendo indenização pela perda da chance e por danos morais contra o antigo empregador. Eis a ementa do acórdão:

“EMENTA: PERDA DE CHANCE DANOS MORAIS INDENIZAÇÃO. No campo da responsabilidade civil existe uma construção doutrinária segundo a qual a lesão ao patrimônio jurídico de alguém pode consistir na perda de uma oportunidade, de uma chance de se beneficiar de uma situação favorável ou de evitar um acontecimento desfavorável. Há, aí, um prejuízo específico, desvinculado do resultado final. Como se trata de uma chance, existe, ao lado do prognóstico negativo, também a previsão da ocorrência de um resultado positivo, embora a conduta do agente obste que se conheça o desfecho do caso. Não se podendo garantir o resultado favorável, tampouco se pode vaticinar a obtenção do resultado desfavorável. O dano se evidencia pela perda da chance, sendo tanto mais grave quanto maiores forem as probabilidades em relação a um certo resultado. Exemplos típicos são o do estudante que não consegue fazer uma prova; o da pessoa de carreira promissora, que vem a ser vítima de um acidente; o do cliente cujo advogado não ajuíza uma determinada ação, etc. Nesse caso, não há propriamente dano material, pois se trata de uma hipótese. Se, porém, a conduta do agente lesa os direitos da parte, privando-a da oportunidade de obter os benefícios de uma dada situação, ou de evitar os malefícios de uma outra, essa perda da chance dá lugar a uma compensação, proporcional ao valor da chance perdida”.

O caso acima ilustra bem a possibilidade de aplicação da teoria por perda de uma chance fora da relação de emprego. Assim, qualquer ato ilícito que impeça o sujeito de participar de um processo seletivo deverá ser indenizado por perda de uma chance, quando o resultado é possível, palpável e realizável, não estando protegido por meras conjecturas.

É importante, portanto, acentuar que fatos incertos não são protegidos por esta teoria. Citamos um caso hipotético no qual a parte requer que seja indenizada por perda de uma chance sob o fundamento de que trabalhou por 30 anos na empresa e se formou em administração almejando um cargo de diretoria e foi dispensada sem justa causa, o que a teria impedido de alcançar seu sonho. Neste caso, não houve ato ilícito, pois não havia na empresa um processo de promoção em curso ou previsão para tanto. Trata-se, aqui, de meras hipóteses, quimeras ilusórias, conjecturas.

Nesse sentido, Julio César Rossi e Maria Paula Cassone Rossi[17], ensinam que “o que não se concebe como perda de uma chance é o dano improvável, indefinido, a respeito de questões desprovidas de elementos objetivos que levariam àquele resultado tido por certo pelo sujeito/ofendido”.

Por fim, merece atenção a forma de indenização por perda de uma chance, que não se traduz na reposição do que seria auferido ou deixado de ganhar com o resultado, mas deve reparar a própria perda da chance.

Na fase de seleção, frustrada a participação por ato ilícito, o que se irá indenizar não será o salário por um período hipotético da relação do emprego, mas a perda da possibilidade de concorrer à vaga.

Na parametrização do valor da indenização, é clássico o exemplo do “Show do Milhão” citado por Raimundo Simão de Melo[18] e também por Júlio César Rossi[19]. Neste caso, a pergunta final do milhão não teria nenhum item correto, mas a participante escolheu não responder e ajuizou a ação requerendo o pagamento de R$5000.000,00. O Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o Recurso Especial do réu entendeu que as chances matemáticas que a autora tinha de  acertar a resposta da pergunta do milhão, se formulada corretamente, eram de 25% (ante a existência de 4 alternativas), reduzindo a condenação para R$125.000,00.

Conclui-se que a indenização nunca vai corresponder ao resultado, mas sempre ficará ao arbítrio do juiz que deverá fixá-lo de forma proporcional, analisando caso a caso, como sói acontecer na indenização por danos morais.

4. Conclusão

A aplicação da indenização por perda de uma chance pelos Tribunais contribuirá para inibição da conduta patronal que venha a provocar a frustração de participação de processo seletivo por motivos discriminatórios, ilegais ou antijurídicos.

Como visto no presente estudo, por todos os vieses protetivos que permeiam o Direito do Trabalho, é possível a aplicação da indenização por perda de uma chance projetando-a para a fase de pré-contratação, haja vista haver elastecimento do poder diretivo do empregador também no processo de seleção, momento em que admite através de critérios por ele estabelecidos.

A teoria da perda de uma chance coaduna não só com o princípio protetivo, mas preserva o princípio da boa-fé, valorizando a conduta positiva para afirmar os fundamentos da República Federativa do Brasil: o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana.

Renova e fortalece a Justiça do Trabalho, tantas vezes ameaçada de extinção, a aplicação de novas fórmulas jurídicas para proteção do trabalho e não só do emprego, como pretendeu as reformas advindas com emenda constitucional nº 45 ao ampliar as competências da Justiça do Trabalho, e a aplicação da responsabilidade civil por perda de uma chance reafirma no momento que ultrapassa a execução do contrato e atinge a fase pós e pré-contratual.

 

Referências
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CUEVILLAS MATOZZI, Ignacio de. Indemnizar los sueños. Extraído da versão on line da revista impressa La Toga do Colegio de Abogados de Sevilla, Nº 153 , edição de Março/Abril 2005. (http://www.latoga.es/detallearticulo)
LIMA, Francisco Gérson Marques de. Igualdade de tratamento nas relações de trabalho: anotações à Lei n. 9.029/95 em confronto com a as Leis ns. 9.263/96, 7.716/89, 7.437/85 e 9.459/97, aspectos trabalhistas e penais- 1ª ed –  São Paulo: Malheiros Editores, 1997
MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, perda de uma chance – 2. ed.  – São Paulo: LTr, 2006.
NORONHA, Fernando.  Direito das obrigações. Volume I. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. Pág. 664/665
PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de direito do trabalho: tradução de Wagner D. Giglio – 3. ed. atual. – São Paulo: LTr, 2000. págs. 83/106; 420/433; 445/453.
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SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance   – 1 ed –  São Paulo: Atlas: 2006.
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http://www.cartaforense.com.br/v1/index.php?id=entrevistas&identrevista=41
Notas
[1] http://www.cartaforense.com.br/v1/index.php?id=entrevistas&identrevista=41
[2] Melo, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, perda de uma chance – 2. ed.  – São Paulo: LTr, 2006. Pág. 325.
[3] Savi, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance   – 1 ed –  São Paulo: Atlas: 2006. Pág. 101.
[4] Noronha, Fernando.  Direito das obrigações. Volume I. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. Pág. 664/665.
[5] Cuevillas Matozzi, Ignacio de. Indemnizar los sueños. Extraído da versão on line da revista impressa La Toga do Colegio de Abogados de Sevilla, Nº 153 , edição de Março/Abril 2005. (http://www.latoga.es/detallearticulo)
[6] Rossi, Júlio César. Direito Civil: responsabilidade civil/Júlio César Rossi, Maria Paula Cassone Rossi – São Paulo: Atlas, 2007. pág. 188.
[7] Op. cit. Pág. 328.
[8] Barros, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho – 3. ed. rev. e ampl. – São Paulo: LTr, 2007. pág. 145.
[9] Op. cit. Pág. 327-329.
[10] Plá Rodrigues, Américo. Princípios de direito do trabalho: tradução de Wagner D. Giglio – 3. ed. atual. – São Paulo: LTr, 2000. págs. 83/106; 420/433; 445/453.
[11] Santos, Rosenira. “A expressão do poder empregatício na fase de seleção de pessoal no setor privado: parâmetros jurídicos e recomendações práticas”. Porto Alegre: HS Editora Ltda. –in revista Justiça do Trabalho, Ano 23, nº 270, junho de 2006, pág. 79.
[12] Taglialegna, Aldon do Vale Alves; Collo, Janilda Guimarães Lima. “A informação desabonadora verídica à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade”. São Paulo: Revista LTr, vol. 71, n.10, outubro de 2007, pág. 1210.
[13] Lima, Francisco Gérson Marques de. Igualdade de tratamento nas relações de trabalho: anotações à Lei n. 9.029/95 em confronto com a as Leis ns. 9.263/96, 7.716/89, 7.437/85 e 9.459/97, aspectos trabalhistas e penais- 1ª ed –  São Paulo: Malheiros Editores, 1997.
[14] Nos termos do art. 114 da CF/1988, a Justiça do Trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes à indenização por dano moral, quando decorrente da relação de trabalho.
[15] Santos, Enoque Ribeiro dos. O dano moral na dispensa do empregado – 2 ed. rev.ampl. com acórdãos recentes.  – São Paulo:; LTR, 2000. pág. 125 à 127.
[16] Op. cit. Págs. 325/326.
[17] Op. cit. Pág. 187.
[18] Op.cit. Pág. 333
[19] Op.cit. Pág. 189

Informações Sobre o Autor

Gerusa Nunes de Sousa

Advogada militante sócia do escritório Mota Massler Advogados. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade do Vale do Acaraú-CE


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