ECA

A Influência do Abuso Intrafamiliar e Seu Reflexo na Vida Adulta da Criança e do Adolescente à Luz da Obra Literária o Turco e o Cinzelador

THE INFLUENCE OF INTRA-FAMILY ABUSE AND ITS REFLECTION IN THE ADULT LIFE OF THE CHILD AND ADOLESCENT IN THE LIGHT OF THE LITERARY WORK THE TURKISH AND THE CHISELER.

 

Brenda Rayara Rosa Rodrigues [1]

Centro Universitário Santo Agostinho-UNIFSA

 

Resumo: O presente artigo procura fazer uma análise da relação entre o direito e a literatura na obra O turco e o cinzelador de Eneas Barros, o Estatuto da Criança e do Adolescente á luz da obra literária de uma forma reflexiva, fazendo um exame de como a violência intrafamiliar e a violação dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes podem influenciar diretamente no seu futuro, na vida adulta, e na formação de sua identidade e personalidade, o que pode levá-los a se prostituir por falta de oportunidades, ou até mesmo a prática de atos infracionais simples, moderados ou graves. Os objetivos são análise dos índices de violência intrafamiliar e verificação da influência na vida adulta daquela criança e adolescente como cidadão sobre o contexto brasileiro, investigar a violência tanto no âmbito físico, psicológico e sexual. De suma importância o seu estudo e pesquisa, posto ser um tema de grande relevância social, portanto têm-se como resultado que as omissões por parte do Estado, da sociedade, da comunidade em que reside, e tanto ações como omissões em particular da própria família, podem modificar de forma quase que definitiva a personalidade, e por destruir a fantasia e pureza de muitas crianças e adolescentes.

Palavras-chave: Violência Familiar, Estatuto da Criança e do Adolescente, Literatura.

 

Abstract: This article seeks to analyze the relationship between law and literature in the work The Turkish and the chiseler of Eneas Barros, the Statute of the Child and Adolescent in light of the literary work in a reflective way, making an examination of how intra-family violence and the violation of the rights considered fundamental to children and adolescents can directly influence their future, adult life, and the formation of their identity and personality, which can lead them to prostitute themselves for lack of opportunities, or even the practice of simple, moderate or serious criminal acts. The objectives are to analyze the indices of intra-family violence and to verify the influence on the adult life of that child and adolescent as a citizen on the Brazilian context, to investigate violence both in the physical, psychological and sexual spheres. Its study and research is extremely important, since it is a subject of great social relevance, therefore, the result is that the omissions on the part of the State, society, the

The community in which he resides, and both actions and omissions in particular of his own family, can modify his personality in an almost definitive way, and by destroying the fantasy and purity of many children and adolescents.

Keywords: Family Violence, Statute of the Child and Adolescent, Literature.

 

Sumário: Introdução. 1. A interface entre o Direito e a Literatura. 2. Violência Intrafamiliar Principais Aspectos e Evolução do Direito de Família. 2.1 Família e Violência Impactos para toda Vida. 3. A importância dos Pais na formação do Vínculo Afetivo do indivíduo. 3.1 Filhos o Reflexo dos Pais no Futuro? 4. Marcas da Violência e Consequências para o Menor. 4.1 De Protetores á Agressores em Potencial. 5. Medidas Preventivas do ECA e Repreensivas contra o Agressor. 5.1 O ECA como Amparo Legal a Criança e ao Adolescente. 6. A Pedofilia e o Incesto, Agressão e Silêncio. Conclusão. Referências.

 

 

 INTRODUÇÃO

O artigo vem como ponto principal abordar uma análise precisa e clara de como a violência intrafamiliar, ou seja, aquela sofrida dentro do ambiente familiar, pode influenciar de forma direta na vida adulta da criança e adolescente, com ênfase na obra literária de Eneas Barros O Turco e o cinzelador.

O estudo vem também ressaltar como a literatura pode abrir os horizontes para o entendimento do Direito trazendo uma compreensão além da mera leitura de leis e códigos, com o objetivo de trazer um olhar mais humanizado ao operador do direito. Abordando a violência, seus principais aspectos e evolução do direito de família fazendo assim uma correlação com a violência e os impactos futuros na vida da criança e do adolescente.

Trazendo a importância da figura dos pais na formação do vínculo afetivo do indivíduo e de sua personalidade, e como eles podem se tornar o reflexo dos seus pais na sociedade, quais consequências que esse convívio com a violência trará para os mesmos, e como os pais podem ir de protetores á agressores em potencial. Possuindo dessa forma o tema importância e grande relevância social posto que os pais são omissos abandonando assim seu dever de proteção e cuidado.

       Esclarecendo quais são as principais medidas tomadas pelo ECA para proteção das vítimas dessa violência, abordando dentro desse contexto a pedofilia e o incesto. Tem como objetivos principais a análise dos índices de violência intrafamiliar e verificação de como eles podem influenciar na vida adulta daquela criança e adolescente como cidadão sobre o contexto brasileiro, investigar a violência tanto no âmbito físico, psicológico e sexual.

 

  1. A INTERFACE ENTRE O DIREITO E A LITERATURA.

O direito e a Literatura têm muito mais em comum do que pensamos, pois quando deixamos de olhar para o direito apenas como uma disciplina que estuda os códigos e as leis que regulamentam a sociedade, e passamos a vê-lo de forma mais humanística sob o olhar da literatura podemos entender melhor o funcionamento da sociedade como um todo, e não apenas ter um olhar “limpo e seco” do viés da aplicação das leis, sem observar que acima de sujeitos que cometem infrações e violam leis penais e regras de conduta, também existem pessoas com suas peculiaridades sociais, econômicas e muitas vezes até familiares.

A disciplina do Estatuto da Criança e do Adolescente têm sido vista por muitos com um certo preconceito, pois veem o Estatuto como um meio que só dá direito a marginais e delinquentes juvenis, e que de certa forma a sociedade só está vivendo em meio á tanta violência pois afirmam que a culpa surge das leis por serem “fracas” e deixarem impunes adolescentes infratores que deveriam ser excluídos da sociedade, e punidos da forma mais severa possível.

O que não se deve levar em questão pois como dito acima o direito não pode ser visto apenas como a mera aplicação de leis aos sujeitos sem que se observe antes quem são esses sujeitos, pois para compreender o direito são necessários não apenas conhecimentos de legislação, doutrina, códigos, artigos, mas também são necessários conhecimentos dentre a Filosofia, Sociologia, Ciências Políticas, Antropologia, Psicologia e também da Literatura, dentre muitas outras, necessárias para se compreender melhor não somente o direito mas também os sujeitos de direitos nele inseridos, pois antes de ser formado um profissional do direito é necessário ser formado um cidadão com senso crítico, porém com um olhar humanizado sobre as pessoas e o mundo a sua volta.

É de Suma importância o estudo da literatura, nesse caso da obra literária o turco e o cinzelador, pois trazemos ao nosso entendimento o estudo do Estatuto da Criança e do Adolescente de uma forma reflexiva e não uma mera reprodução de artigos. Apesar da obra em estudo não está sob o viés do ECA, mesmo assim as situações que se passam na obra e que são vivenciadas pelas crianças e adolescentes que são personagens continuam sendo verdadeiros e muito atuais. O direitos que uma criança e um adolescente possui são idênticos aos que um adulto possui a diferença nesse caso é que a criança e o adolescente por meio do Estatuto têm prioridade no atendimento á saúde, educação, lazer, acesso a cultura, esportes, e etc. Pelo fato de estarem em uma fase de pleno desenvolvimento e amadurecimento tanto físico como moral, porém da mesma forma que as leis em geral no ECA também não é diferente falta efetividade na aplicação do Estatuto.

O que se vê no que diz respeito ao ECA é um total desconhecimento por parte da sociedade como um todo: a sociedade civil ou pessoas comuns, até mesmo as autoridades judiciárias que tinham o dever de ter conhecimento pleno sobre o Estatuto, não o conhecem como deveriam, demostram assim não conhecer o ECA, pois sem nunca ter lido ou estudado o Estatuto saem julgando e falando mal da lei sem ao menos conhecê-la de fato.

Quando se estuda a fundo o que diz o Eca se percebe que ele se trata de muito mais do que apenas decorar artigos e enunciados, é além de tudo isso refletir sobre a família, sobre a sociedade em que vivemos, sobre as leis, sua aplicação e de como estão sendo aplicadas de forma a ser efetivas ou não. E quando se ler a obra em estudo o turco e o cinzelador busca tratar essas crianças e adolescentes da forma mais humana possível, pois os mesmo já são tão discriminados, humilhados e maltratados diariamente pela sociedade e principalmente por aqueles que deveriam protegê-los, a própria família, nesse caso a violação dos direitos da criança e do adolescente se dá dentro do próprio ambiente familiar iniciando-se assim o que é conhecido como violência intrafamiliar.

O estudo da obra literária em questão procura trazer uma reflexão para que seja notado além do evidente, ou seja, o que é posto como resultado final olhando apenas para o adolescente como infrator, mas antes disso sendo observado todos os seus direitos que foram violados, a família em que ele cresceu se era um ambiente favorável ou não, se o Estado agiu de forma omissa quanto a sua educação, saúde, assistência social, se ele teve apoio da sociedade como um todo ou  se ela só visa a punição desse adolescente, se a comunidade cometeu omissão em não denunciar maus tratos e abusos sofridos pelas crianças e adolescentes, posto que tudo isso são fatores que influenciam diretamente no ato infracional que foi cometido lá na frente.

É importante acrescentar que, na obra literária o turco e o cinzelador onde será narrada a história da construção da Igreja São Benedito na capital piauiense – Teresina e de suas portas que foram feitas pelo personagem Sebastião Mendes que após ter tido todos os seus estudos pagos pela província do Piauí volta a Teresina para como forma de pagamento e agradecimento pelos seus estudos, têm o dever de cinzelar as portas da mesma que se encontrava em construção.

Por fim, se nota que o personagem que mais se destaca na obra não é o turco e nem tampouco o cinzelador que dão o título da mesma, e sim, Cândido, um retirante como muitos e aparentemente com uma boa índole, e como muitos que decidem sair de sua terra por conta da seca e da fome, mas esse apesar da aparência simples e sem alardes, se percebe no decorrer da obra sua verdadeira identidade cometendo atitudes cruéis, depravadas e criminosas, como será visto mais a frente.

 

  1. VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR PRINCIPAIS ASPECTOS E EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA.

Para que se compreenda melhor sobre o estudo da violência intrafamiliar vejamos as origens do conceito de família, sua definição e sua evolução na esfera brasileira. O significado da palavra “família” tem sua origem no latim que quer dizer, família ou grupo doméstico. Vê se daí a importância de se ter um conceito de família, pois desde o início a família pode ser considerada como a célula da sociedade, ou seja, onde se inicia a base social de um povo, tal é observado no período neolítico onde o homem deixa de ser nômade e as pessoas que tivessem um ancestral em comum permaneciam juntas daí se iniciaria um vínculo social.

Com o decorrer do tempo e a dissolução frágil dos laços consanguíneos, se tornou basicamente impossível do vínculo de família ser detectado apenas ligando os ancestrais em comum, surgiu então no direito romano a expressão “família natural”, que era formada pelo casal (homem, mulher e seus filhos), sem levar em consideração os frágeis laços que ligavam os ancestrais em comum, a família natural era instituída basicamente com o casamento, onde houve a participação da igreja católica que instituiu o “casamento sacralizado” como único meio de constituir família, indissolúvel e que só poderia ter fim com a morte, ideia essa que chegou a ser utilizada também no brasil. (MINAYO, 2006).

A CF/88 trouxe várias mudanças nessa área instituindo inclusive um capítulo que trata só sobre o direto de família (capítulo VII do título VIII), diferente do sistema patriarcal e autoritário do código de 16, esse trouxe novos princípios como a igualdade, solidariedade, respeito á dignidade da pessoa humana, enfim já houve um grande avanço. Uma das maiores diferenças foi igualar os direitos dos filhos, tanto os concebidos dentro como fora do casamento e também os adotados, visando nesse sentido reprimir o preconceito, principalmente por parte da igreja católica que só considerava filho aquele concebido dentro da esfera do casamento. Trazendo como instituidor de vínculos não só o sanguíneo mas também o afetivo.

Segundo Diniz (2015) seu conceito sobre direito de família é:

O ramo do direito civil concernente ás relações entre pessoas unidas pelo matrimônio, pela união estável ou pelo parentesco e aos instituídos complementares do direito protetivo ou assistencial (DINIZ, 2015, p.18)

Como bem preleciona a renomada autora se observa uma grande evolução no ramo do direito de família, pois este passa a regular não somente o direito entre pessoas ligadas por um vínculo natural de parentesco ou o matrimônio, como o de pais biológicos e seus filhos, mas também os ligados pela união estável e vínculos adotivos.

Posto isto, têm-se a família como base amplamente protegida pela CF/88 e pelo código civil de 2002, como se dá a relação de abuso e violência entre esses membros e a criança e o adolescente? E como isso influencia de forma relevante na sua vida adulta, é o que será tratado mais adiante.

Visto que, a violência no âmbito doméstico, ou intrafamiliar tem sido amplamente divulgada, mesmo se observado que tal violência sempre existiu, porém não chegava ao conhecimento da maioria das pessoas, pois por ocorrer no âmbito familiar, era vista como correção e meio de “educar” a criança, o problema surge quando essa “correção” se transforme em abuso, interferindo e destruindo a formação desse indivíduo e possivelmente o tornado um potencial abusador no futuro, e consequentemente o reflexo de sua infância e adolescência.(DINIZ,2011).

 

2.1 FAMÍLIA E VIOLÊNCIA IMPACTOS PARA TODA A VIDA

Para Teles (2006) a questão de gênero é construída socialmente segundo o tempo histórico vivenciado em cada sociedade, no tempo em que o termo “sexo” incluiria a definição biológica destacando as particularidades físicos femininos ou masculinos, desta forma, a sociedade estrutura as transformações sexuais desigualando-as socialmente visando beneficiar grupos específicos.

Nesse sentindo carvalho e campos conceitua a violência doméstica como procedimentos agressivos que acontecem dentro das relações afetivas hierarquizadas entre os sexos, tendo por principal motivo a dominação, ao qual impede o sujeito submisso exercerem a livre cidadania.

Em contrapartida Romanelli (2005) atribui as mudanças ocorridas na organização familiar a significante participação da mulher como força de trabalho em decorrência das dificuldades financeiras familiares.

Maldonado (1997) atribui á desordem e atitudes violentas no ambiente familiar á falta de uma aproximação mais afetuosa entre pais e filhos, refletindo na indisciplina e pessoas adultas e doentes emocionalmente. Observa-se com isso a importância da família num papel decisivo no desenvolvimento intelectual, emocional, pois há a construção de valores éticos e humanitários, onde os laços de solidariedade são potencializados e refletidos posteriormente na sociedade, portanto é de suma importância a participação da família em todas as áreas da vida dos filhos.

Segundo Azevedo e Guerra (2015) os princípios teóricos da violência doméstica contra a criança e o adolescente devem ser investigados em várias esferas, que preservam ligação entre esse fenômeno, para que, dessa forma seja ele compreendido com maior clareza. Além do que, teria que ser explicada dentro de cada sociedade considerando suas especificidades e sua cultura, em relação ao contexto brasileiro teria que ser considerado a desigualdade social, econômica, onde a violência é praticada em diversas classes, sendo potencializadas nas classes sociais mais baixas, contra crianças, adolescentes, velhos, mulheres, fatos que decorrem dentro e fora das famílias.

De outra forma, “uma teoria crítica da criminalidade em especial da criminalidade doméstica também deveria pesquisar o perfil, o significado e as raízes históricas do fenômeno, dentro de uma sociedade e de uma determinada cultura” (Azevedo, Guerra 2015 p.42).

Para as autoras deverão ser consideradas, e compreendidas que em razão do exposto, a história familiar não segue uma ordem linear, sofrendo mudanças ao longo do tempo e do espaço em que estão inseridas, conforme a sociedade muda e se desenvolve a violência também aumenta e se desenvolve também, principalmente dentro do ambiente familiar.

 

  1. A IMPORTÂNCIA DOS PAIS NA FORMAÇÃO DO VÍNCULO AFETIVO DO INDIVÍDUO

Os país tem o papel fundamental no desenvolvimento da criança e adolescente mas, qual a ligação destes com o vínculo de família? Se entende que a família é definida como um núcleo econômico, reprodutivo ou seja, seus membros estão ligados pelos laços da função reprodutora como célula da sociedade, porém esse conceito tem sido mudado quando se fala agora no fundamento da afetividade, e daí então surge a família não só como meio de crescimento social mas os cônjuges ligados pelo afeto passam então a formar uma família passando então a ter perante os filhos a mesma responsabilidade de afeto sobre a personalidade daquele indivíduo sendo ele também integrante da célula familiar.

De acordo com Trindade:

A família, sob a perspectiva constitucional, abandona o seu caráter de instituição jurídica e passa a ser compreendida como um instrumento de realização pessoal do ser humano, de promoção da felicidade das pessoas nela envolvidas, deixando de ser um fim para ser um meio (TRINDADE, 2012, p.320).

Portanto, a família passa a se vincular muito mais ao caráter afetivo do que propriamente só uma instituição social e jurídica, pois por meio do afeto em si, e do cuidado mútuo será promovida a felicidade que passa agora a ser o objetivo maior da mesma, e de onde sairão daquela célula social pessoas íntegras e psicologicamente saudáveis, ou do contrário indivíduos que são mentalmente enfermos que podem assim atingir outros com a chamada “Epidemia” a qual estão inseridos.

Neste mesmo sentido faz se importante citar novamente Trindade:

Verifica-se que a família é, de um lado, uma condição que se inscreve em um grupo de pessoas unidas por desejos e laços afetivos, uma comum união (comunhão) de vida, e, de outro, uma entidade estruturante dos sujeitos que a formam. O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade de filiação e o respeito aos seus direitos fundamentais, além do forte sentimento de solidariedade recíproca. É o salto a frente da pessoa humana nas relações familiares. (TRINDADE, 2012, p.322)

O que se observa é que o afeto ou a falta dele dentro do ambiente familiar tem relação e influência direta na formação em todas as áreas da vida da criança e do adolescente.  Como se vê em um trecho do livro o turco e o cinzelador onde há uma discursão entre Cândido e Maria Júlia, o filho Candinho se mete no meio em defesa de sua mãe, porém leva um tapa violento do pai que o faz cair.  Logo depois o rapaz foge movido pela raiva do pai, o adolescente não é mais encontrado muito menos citado na obra. (BARROS, 2013).

 

3.1 FILHOS O REFLEXO DOS PAIS NO FUTURO?

É indispensável priorizar a importância do vínculo afetivo na primeira infância e mesmo ao longo da vida do ser humano, principalmente em se tratando de pais e filhos, considerando que é de suma importância na formação da personalidade e determinante para as relações sociais no decorrer da vida, tornando-se, portanto, fundamental na estrutura psicológica e emocional do ser humano (MORESCHI, 2018).

Para Minayo (2006) a experiência afetiva e sua qualidade são significativos para o desenvolvimento do ser humano, principalmente na primeira infância, pois os primeiros anos de vida do indivíduo são determinantes para que o indivíduo estabeleça padrões de comportamento e formas de enfrentar suas próprias emoções.

A partir de como a mãe amamenta e trata seu filho desde os primeiros dias de vida serão significativos no futuro emocional do indivíduo. Portanto, podemos afirmar que os pais possuem grande responsabilidade sobre o desenvolvimento intelectual, afetivo e emocional, sobre os filhos em que podem facilitar a formação de um adulto seguro e bem resolvido.

Para Piaget o afeto e o cognitivo são inseparáveis embora sejam distintos entre si, pois a cognição está diretamente ligada aos vínculos afetivos da criança com os pais, responsáveis que representam o fundamento da formação do indivíduo, onde posteriormente ira aplicá-la no ambiente escolar com os colegas e professores, consequentemente na vida adulta poderá devolver as instruções recebidas, onde fará com que sua capacidade cognitiva saiba lidar de forma tolerante com ganhos e  perdas durante a vida.

Os pais são referências para os filhos em todos os sentidos, pois se a carência de afeto pode prejudicar a vida da criança o afeto exagerado também pode prejudicar o seu processo de aprendizado, é por essas razões que os pais precisam ter cuidados para prepará-los para a vida adulta, com facilidade de adaptação, responsabilidade e dependência.

Portanto, é claro perceber que se a criança e o adolescente forem criados dentro de um lar, de um ambiente familiar que seja saudável, esse indivíduo por certo irá se desenvolver de forma a levar para a sua vida adulta todas as suas experiências da infância do contrário se o ambiente não for favorável ele também levará marcas consigo sejam elas boas ou ruins.

 

  1. MARCAS DA VIOLÊNCIA E CONSEQUÊNCIAS PARA O MENOR

A violência por si só já traz consigo muitas feridas e dores que são muito difíceis e até mesmo impossíveis se serem totalmente apagadas da vida de qualquer pessoa, quem dirá da cabeça de alguém que está em plena fase de especial desenvolvimento de sua personalidade que está em construção, e que é física e psicologicamente mais frágil que um adulto não tendo assim condições de defesa própria. Essa violência pode se dar de várias formas: física, psicológica, sexual, o que significa todo tipo de agressão que visa bater, insultar, molestar, humilhar ou mesmo causar sentimentos negativos na criança e adolescente.

De acordo com Trindade:

Sabe-se que os efeitos, mais prejudiciais da violência costumam ser de natureza psicológica. Entretanto, eles não são os únicos. As crianças, talvez mais do que os adultos, também apresentam, com certa frequência, sequelas no seu funcionamento comportamental, social, cognitivo e físico. (TRINDADE,2012).

A especial fase de desenvolvimento da criança e do adolescente o faz além de sofrer com a violência dentro do âmbito familiar, causa também mudanças na forma como ela se comporta no seu meio social, se tornando uma pessoa introvertida, sem contato com as demais, e que por muitas vezes se cala em si mesmo diante da realidade que vive em casa, e isso não permanece apenas nesse âmbito tanto a parte cognitiva como a percepção de mundo e também danos físicos, pois além de sofrer muitas vezes castigos pode ela mesma desenvolver um quadro depressivo, o que pode levar até mesmo a mutilação que decorre de grave sofrimento psicológico. A literatura com ênfase no abuso e maus-tratos infantis afirma a grande importância do papel familiar na formação do ser humano e sua influência para que ele venha a ter no futuro condutas violentas, delinquentes ou mesmo a permanência no estado em que foi criado.

Na obra literária em estudo, as personagens Linda e Esperança são molestadas pelo pai, sendo que a primeira engravida por duas vezes em uma relação incestuosa, nesse caso o abuso sexual levou Linda a morte, e Esperança que foi induzida pelo pai a se prostituir, permanece nessa prática mesmo após a maior idade como “mulher da vida” pois não se vê com um homem só” (BARROS,2013).

Percebe-se nesse trecho a grande influência do abuso sofrido na infância e adolescência, pois além de obstruir a inocência da filha cândido também se beneficia da mesma levando Esperança a se prostituir para que ele ganhasse dinheiro fácil ás custas da filha, cometendo o crime tipificado pelo Código Penal no seu art.218-B, favorecimento á prostituição alheia de menor de 18 anos, levando ela consigo a prática mesmo na vida adulta, pois nunca conseguiu se desvencilhar dos seus fantasmas traumáticos deixados pelo pai.

 

4.1 DE PROTETORES A AGRESSORES EM POTENCIAL

O Estatuto da Criança e do Adolescente preza pela atenção primária e diferenciada á população infanto-juvenil, quebrando o mito de que todos teriam que ser tratados igualmente perante a lei, enquanto que a realidade social indica a extensa desigualdade no tocante a inúmeros adolescentes abandonados e carentes, necessitando de um tratamento privilegiado e específico, com isso o ECA têm como fundamento a doutrina da proteção integral, onde coloca esses sujeitos como pessoas de direitos e em pleno desenvolvimento físico e intelectual de maneira que os tira da margem e os coloca exercendo a sua cidadania e não apenas como meros objetos de submissão dos adultos.

A violência doméstica contra a criança e o adolescente no âmbito familiar é mais comum do que revelam as estatísticas, pois muitas vezes são praticadas de forma velada, incluindo desde a violência física ao abuso sexual, deixam marcas não apenas físicas, como também psicológicas e sociais, gerando problemas de saúde pública, o que requer cuidados específicos para as vítimas desses tipos de violência.

Para a psicologia a violência doméstica infanto-juvenil traz uma série de consequências, como: difícil adaptação social com uma visão negativa sobre tudo, o não ajustamento escolar, medo ou até mesmo, um isolamento social. Sendo a violência psicológica uma das mais comuns e por vezes passam despercebidas por se falar do tratamento de pais para com os filhos, justificando-as como meio de educá-los, prejudicando o pleno desenvolvimento psicológico. Acrescenta ainda que os principais sinais de violências sofridas pela criança e adolescente são: marcas de violência pelo corpo, ansiedade, crises de choros sem motivos aparentes, baixo rendimento escolar, tentativas de suicídio, alterações de comportamento, baixo autoestima.

Como vimos anteriormente, há diversas formas de violências e suas consequências, levando muitas crianças e adolescentes a viverem em condições de vulnerabilidade e em risco social. estudos apontam que, a violência ocorre na sociedade em geral, e não apenas nas chamadas camadas mais empobrecidas, uma vez que, a insegurança que a vítima tem, na maioria das vezes vem de quem deveria proteja-las, ou seja, a violência vem muitas vezes dos pais, responsáveis ou parentes, transcendendo assim, a capacidade de satisfação das necessidades básicas.(MORESCHI, 2018).

 

  1. MEDIDAS PREVENTIVAS DO ECA E REPREENSIVAS CONTRA O AGRESSOR

O Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, lei n°8.069/90, trouxe consigo um grande avanço com relação aos direitos da criança e do adolescente. Em tempos passados a criança e o adolescente eram tratados apenas como objetos e não como sujeitos possuidores de direitos, o pai em geral tinha o “direito” de aplicar os castigos como bem quisesse e achasse “necessário” para a educação da criança, eram agressões físicas, espancamentos, chicoteadas, ferros, fios e outros materiais.

No início do século XIX, o filho já passa a ser objeto de investimento afetivo, econômico e existencial. Já no século XX, sabendo se que a infância é a etapa de especial desenvolvimento da criança houve a Declaração dos Direitos da Criança (1959), foram então sendo definidas certas medidas de proteção. No Brasil nos anos 90 por exemplo a violência sexual contra meninas eram tão tabu, quanto á mulheres adultas, por se tratar da esfera privada e se submeterem ao poder familiar, a pactos e submissão a “autoridade” do pai que muitas vezes era o abusador, com a promulgação do ECA a proteção ás crianças e adolescentes passa a ser vista como fator de relevância social e se passa a entender que as mesmas precisam da tutela do Estado e meios mais eficientes e legais para sua proteção integral. (TRINDADE,2012).

Ainda em seu art.Art.3º o Estatuto da Criança e do adolescente-ECA preleciona que:

a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

O dispositivo em questão trata do desenvolvimento e proteção da criança, porém ainda lhe falta muito a ser posto em prática, pois quando um abuso é identificado ainda é muito difícil de lhe dar com ele, principalmente quanto a prática jurídica que o envolve, basta que se observe a quantidade de casos que chegam ás varas de família, da infância e da juventude e do juízo criminal (TRINDADE, 2012).

No abuso intrafamiliar onde ocorre o incesto por exemplo, é muito difícil de ser identificado visto que devido ao “segredo de família”, a violência é encoberta pelo silêncio que opera sobre o abusado pelo agressor, e quando a criança consegue se expressar ainda têm se que, traduzir tudo isso no processo judicial, correndo o risco da criança “reviver” o trauma devidos ás fases do processo.

Qual melhor forma de resolução do problema? A criança ir para um orfanato ou permanecer junto do seu algoz? Visa-se que devem ser tomadas medidas verdadeiramente efetivas e emergenciais contra o abusador, pois se a criança mesmo após o abuso retorna para casa com o abusador de nada adianta.

 

5.1 O ECA COMO AMPARO LEGAL A CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

Encontramos no Estatuto da Criança e do Adolescente em suas atribuições primárias, o público a qual se destina essa lei em sua proteção integral á criança considerada para efeitos desta Lei, “a pessoa de até doze anos de idade incompletos, e adolescentes que estão entre doze e dezoito anos de idade” (Art.2).

Para Minayo (2006) a violência é socialmente e historicamente construída. Abrangendo, questões sociais, culturais, econômicas, e ainda segundo a autora a violência é algo existente em toda e qualquer sociedade, diferenciam-se apenas pelas potencialidades destas. Em maior ou menor grau cada qual com sua historicidade e especificidades.

Guerra por sua vez concorda plenamente com ECA em relação aos direitos da criança e do adolescente quanto aos direitos fundamentais e as medidas preventivas, socioeducativas e protetivas que visam assegurá-los. Para o referido autor a violência doméstica contra crianças e adolescente reflete todo ato ou omissão executado pelos pais ou responsáveis ou que tenha algum vínculo de consanguinidade, capaz de causar algum dano físico, emocional, sexual ou psicológico que a vítima, tendo de um lado o abuso de poder e por outro uma objetificação da infância, ou seja, uma negação do direito que a criança e adolescente possui de serem tratadas como sujeitos de direitos em condições especiais de desenvolvimento.

As medidas do Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA possui por base a prioridade absoluta onde inclui todos os direitos inerentes á pessoa humana reservados, bem como a punição dos responsáveis físicos e jurídicos pelo dano causado, assegurar com que esses direitos sejam cumpridos e respeitados como também mantê-los a salvos de situações de perigo como: a proteção do adolescente ao frequentar ambientes de lazer, cultura, esportes, diversões  espetáculos bem como proibições em relação á produtos e serviços(armas de fogo, munições e explosivos, bebidas alcoólicas ou qualquer componente que cause dependência física ou psíquica) e por fim, refere-se á autorização para viagem ( fora da comarca onde vivem sem ser acompanhadas pelo pai, mãe ou responsável.

Em caso de descumprimento por parte de pais ou responsáveis, poderá a autoridade competente determinar uma sanção para cada pressuposto de descumprimento, de acordo com Estatuto da Criança e do Adolescente.  Sendo dessa forma o ECA diretamente responsável tanto pela promulgação quanto pela manutenção e cumprimento do mesmo com relação á efetiva proteção do menor.

 

  1. A PEDOFILIA E O INCESTO, AGRESSÃO E SILÊNCIO

Na obra em estudo os fatos começam a ser contados em novembro de 1877, quando Cândido a procura de um lugar melhor para se viver, fugir da seca em que vivia, da fome, da peste, da varíola, decide deixar o lugar onde mora com a esposa e os filhos no interior do Piauí, e vai em direção de Marvão e logo em seguida para a capital Teresina. Porém, a viagem é feita com muitas dificuldades, Zelinda (Linda) a sua filha mais velha está grávida aos 15 anos de idade muito perto de ter o bebê no entanto não se sabe quem seja o pai, já é sua segunda gravidez e como a primeira ninguém desconfia quem seja o pai, cândido segue indiferente sem proferir uma palavra sequer.

O outro filho, ela teve com catorze anos. Era um desgosto a gravidez de Linda. Não havia quem a fizesse dizer quem era o pai. Não tinha jeito. No começo foi um inferno, a mãe querendo saber o nome do criminoso que fez mal á sua filhinha. O pai não dizia uma palavra. Era realmente linda, aos olhos de todos, mas a gravidez inchou as pernas, o rosto ficou empapuçado. Caminhava com dificuldades. Antes de engravidar os irmãos não davam folga. Se soubesses que ela se embandeirava para os lados dos rapazes da redondeza, partiam para cima dela com fúria. Ela dava gritos, revoltada, pedindo para a deixarem em paz, mas não tinha jeito. Dizia que já era uma mulher, que não era mais uma menina, mas os irmãos não tiravam o olho.(BARROS,2013,p.19).

Na passagem descrita acima se inicia a história da família de Cândido que mesmo contra a vontade de todos os filhos e a esposa decide iniciar a viagem. Pois Linda e seu filho Luizinho estão doentes, pegaram varíola. Ele tinha ainda os filhos Cândido filho, Ribinha e Mudinho e sua esposa Maria Júlia. Todos vítimas da violência e abuso desse homem cruel e frio que dentro do ambiente familiar no qual deveria acolher e ensinar sua família ou invés disso faz dessa convivência algo muito duro de suportar, passando a cometer vários crimes tanto tipificados pelo Código Penal como também afrontava o Estatuto da Criança e do adolescente.

A outra filha de Cândido Linda desperta no pai extintos jamais antes conhecidos pela menina, ele a estupra e passa a lhe abusar sexualmente muitas vezes, sem o conhecimento da família e sem que ninguém desconfiasse de nada. Segundo Silva (2013, p. 28) “O abuso Sexual infantil é entendido como “uma das mais graves formas de violência, pois viola os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, apresentando contornos de permanência, sendo, pois, um crime que deixa mais do que marcas”. Como foi visto esse tipo de violência pode deixar marcas tão profundas que a cabeça de uma criança pode nunca mais ser a mesma após tamanha atrocidade que provavelmente ela levará por toda a sua vida. Cândido observa Linda e se sente atraído pela juventude e pela inocência da sua filha que ele tinha o dever de proteção, mas que na sua cabeça de “doente” ela é sua propriedade e ele pode usar da forma que ele bem entender.

Segundo Dias o incesto é definido como:

A palavra “incesto” deriva do latim incestus, ou seja, in= não ; castus= castus; portanto, significa impuro, manchado. O incesto deixaria a família impura ou manchada, isto é, a família incestuosa seria uma família que perdeu a castidade. A proibição do incesto é reconhecida como a primeira lei do mundo civilizado, a lei básica e estruturadora do sujeito e das relações sociais. Marca a passagem do homem á era da cultura. A vedação de relações sexuais entre parentes próximos de gerações distintas é considerada a norma criadora da sociedade e responsável pela estrutura familiar. Constitui o passo fundamental graças ao qual, pelo qual, sobretudo, no qual, se realiza a passagem do estado da natureza para o da cultura. (DIAS, 210, p.154).

O incesto ainda é pouco comentado nos dias de hoje, e pode ser considerado como tabu, pois embora a sociedade como um todo saiba da existência dele o tema não é assunto de debates no âmbito jurídico, o que também não é tido como crime visto que não se encontra previamente tipificado no Código Penal como tal,  quando uma pessoa que comete um ato como esse de tamanha crueldade ele irá responder no máximo perante o ordenamento jurídico brasileiro por estupro de vulnerável, umas das únicas penalidades muitas vezes cabíveis em tais casos.

O incesto é uma proibição que não é particular da nossa sociedade atual, visto que já existia em outras sociedades e épocas. É considerado uma das proibições sexuais onde restringe que membros da mesma família tenham relações sexuais entre si, isso era uma das formas de assegurar que os homens da família não deveriam se relacionar sexualmente com suas irmãs, tias, primas, mães, enfim com mulheres que fossem do seu seio familiar, segundo afirma Dias:

Ainda que as sociedades primitivas-e até algumas sociedades menos desenvolvidas dos dias de hoje- tenham conformações das mais diversas, é uniforme o entendimento de que qualquer organização social se estrutura a partir da proibição do incesto. Apesar de acompanhar a história da humanidade, é uma prática anticivilizatória, cujos efeitos nocivos são perversos, e vitimiza todos os que direta ou indiretamente se envolvem no episódio de abuso. (DIAS, 2010, p.154)

Na obra em análise fica clara a violência do incesto que foi cometida pelo pai Cândido em relação ás duas filhas Linda e Esperança, e numa família onde ocorre esse tipo violência fica manifesto que não somente sofrem com o abuso a vítima mas toda a família juntamente com ela. Dias (2010, p.210) “Família incestogênica é aquela em que ocorrem abusos sexuais de toda e qualquer natureza. Pode-se dizer que é uma família doente ou disfuncional, e que todos os seus membros precisam de intervenção terapêutica, inclusive o abusador”. Nesse sentido a autora Maria Berenice Dias afirma que não somente as vítimas sofrem mas toda a família, nesse passo vê-se que Cândido tanto agride as filhas sexualmente como psicologicamente, agride também a esposa e os demais filhos com palavras, com agressões físicas expondo assim toda a sua família a violência.

O incesto é uma agressão que provoca inúmeros males dentre eles o silêncio, este opera sobre a vítima por diversos motivos, a vítima não encontra com quem possa dividir tal segredo e por medo do agressor se cala visto que a violência é cometida dentro do ambiente familiar, e caso ela falasse seria muito difícil alguém acreditar e por receio da reação das pessoas, e por não ter a quem recorrer em uma situação como essa a vítima fica em silêncio mesmo diante do abuso. Nesse sentido antes de morrer Zelinda conta um segredo a mãe que amedrontada o esconde por muito tempo, “Maria Júlia angustiava-se em silêncio com o segredo que a filha lhe contara. Continuou em frente” (BARROS, 2013, p.29). Com relação ao silêncio das vítimas afirma Dias:

Nessa poderosa máquina de “manutenção” e preservação do segredo, o lugar da casa se torna o palco do espetáculo que garante a manutenção do incesto: a mãe ocupa um lugar afetivo obscuro, mas não menos cruel; a criança se transforma em objeto do gozo do pai, no lugar genital da mãe; o pai, longe de ser ausente ou apagado, está presente na sua autoridade perversa, que derrota a função paterna como forma normativa, colocando a lei no bolso e se dizendo a lei, somente para impor seus “privilégios íntimos” e exibir (os filhos) seus troféus. (DIAS, 2010, p. 202).

Neste passo, o silêncio se perpetua e vai fazer com que o pai cada vez mais continue a praticar o abuso sem nenhuma intervenção, exibindo os seus filhos como objeto de satisfação do seu prazer, a mãe também se cala diante da violência, pois muitas vezes o pai é o único provedor de subsistência da família não possuindo ela a quem recorrer. Como assevera Dias:

A atitude de tolerância da mãe decorre da tentativa de reter o parceiro em casa, única fonte de sustento da família. A ciência do abuso em si não basta para romper o vínculo que a une ao abusador. A mera acusação à mãe é “infértil”, pois muitas vezes sua história de vida é caótica, permeada de abandonos e violência, sendo distante a interação afetiva com o filho. (DIAS, 2010, p. 168).

Logo em seguida a família segue para Teresina, porém o que se vê é a continuação de mais e mais violência praticadas por Cândido, que continua abusar de Maria Júlia sua esposa lhe estuprando, e agora passa a induzir seu filho Mudinho a cometer pequenos furtos se aproveitando ele do produto dos mesmos. Novamente ele irá começar sua prática incestuosa porém dessa vez a vítima será sua outra filha Esperança.

Maria Júlia dormia profundamente, em uma rede no quarto juntamente com Mundinho. A filha estava na sala, deitada em um colchão de palha sobre uma esteira no chão de terra batida. A menina já estava para completar quatorze anos. Era crescida, esbelta, cabelos crespos longos e esvoaçados que lhe emprestavam um ar sensual. Os seios já se mostravam rijos e volumosos. Tinha as pernas grossas e os quadris finos, uma verdadeira mulata de cor jambo e olhos esverdeados, feições delicadas e pele macia. Dormia desnuda quando o pai chegou, sorrateiramente. Acordou-a. a menina olhou-o, assustada, mas não reagiu. Tratava-se de seu pai, não precisava gritar. O homem começou alisar-lhe os cabelos, a apalpar-lhe as coxas e a cintura. A menina não sabia o que fazer. Cândido pedia silêncio a todo instante. Ela lembrou da violência do pai e aquietou-se. Apalpou-lhe os seios e as nádegas até alcançar o sexo ainda inexplorado. Tapou-lhe a boca desnecessariamente, pois Esperança deixava-se levar pelo medo, sem gritos, gemendo baixinho a sua dor, os olhos espantados com aquele homem a lhe penetrar as entranhas. Lágrimas escorriam sobre uma face assustada, até quando ele a deixou, sangrando de dor, sem entender o que havia ocorrido. Puxou o lençol sobre o corpo ardido, virou-se para o lado e demorou a adormecer. (BARROS, 2013, p 106-107).

Esse trecho mostra a cena de abuso de Esperança onde o pai violentamente a estupra, violando sua pureza e adolescência, nessa cena ele chega a lhe tapar a boca e lhe pede silêncio a todo instante o que não é necessário, pois ao lembrar de como o pai é violento e agressivo Esperança já se intimida e permanece calada sofrendo sozinha a sua dor, afinal de contas ele é o seu pai. Dessa forma muitas adolescentes que sofrem abuso se calam por medo, e se sentem culpadas por pensarem que foram a vítima por sua causa, assim se tornam mulheres amarguradas e convivem com uma dor que não têm fim, levando esse trauma e essas marcas guardadas na sua alma, o que pode influenciar a sua vida adulta de forma negativa.

Em seguida após um tempo visitando a filha quase todas as noites Cândido resolve agora levá-la para um prostíbulo, pois além de abusar da filha ele a vê literalmente como seu objeto onde pode usar da forma como quiser, não só ele como também os demais homens que agora passariam a lhe usar como uma mercadoria barata, seriam seus “clientes”.

Depois de algum tempo bolinando a filha, Cândido resolveu lançar uma nova estratégia,       para conseguir algum dinheiro. Promoveu uma noitada de cachaça em sua casa e apresentou Esperança aos amigos, apenas para que eles conhecessem a filha. Pedia a ela que os servisse, que acendesse cigarros, que fizesse pequenos favores e mostrasse a sua beleza, o contorno de seus quadris, a cor de sua pele, o verde de seus olhos expressivos. No outro dia, andando pelos seus locais de encontro, ouvia elogios. Nesses momentos, negociava sexo fácil com a própria filha, que àquela altura ainda não sabia das intenções do pai oferecendo-a aos amigos por um preço; um preço razoável porque se tratava de mercadoria de primeira, pouco visitada. Os homens animaram-se, e assim foi marcado o primeiro encontro com aquele que garantiu o melhor preço. (BARROS, 2013, p. 107 – 108)

Cândido comete o crime do art. 218-B do Código Penal de Favorecimento da Prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável. Levando Esperança para se prostituir se favorecendo do dinheiro que ela ganhava com a prática a que foi submetida pelo pai.

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:

Pena – Reclusão, de 4 a 10 anos.

Com o passar do tempo Esperança se habitua aquela realidade imposta pelo pai na sua adolescência e então leva essa prática para sua vida adulta, de forma que agora não se trata mais de uma imposição do seu pai, mas agora por vontade própria tem seu sustento por meio da prostituição assim transformando a prática em sua profissão, pois quando tem a oportunidade de sair desse hábito já não consegue. “Esperança estava cansada do relacionamento, e há algum tempo tinha receios de dizer isso ao turco e magoá-lo. Aquele episódio chegou em boa hora. A menina não suportou viver com um homem só e voltou para o prostíbulo de Maria Romana” (BARROS, 2013, p. 142).

Na obra o que se destaca é uma total violação dos diretos fundamentais de todas as crianças e adolescentes, todos têm seus direitos ofendidos por Cândido que como pai e provedor da casa teria o papel de oferecer a seus filhos uma vida digna, porém ele é o primeiro a abusar sexualmente, fisicamente e psicologicamente das duas filhas, seu filho Ribinha quando o pai afirma ver nele tendências homoafetivas, é deixado para traz no caminho em direção a Teresina e vendido para um padre, seu outro filho Mundinho que é estimulado pelo pai a prática de furtos e roubos para que Cândido fosse o receptador dos produtos e os vendesse para obter dinheiro com os atos infracionais praticados por Mundinho.

O filho Mudinho desde a mais tenra idade foi corrompido pelo pai a cometer furtos o qual vendia os produtos para obter dinheiro, levando essa prática para sua vida adulta, afinal via não mais precisar de cândido e se habituara a vida fácil das ruas.

O filho de Cândido voltou a praticar furtos na cidade, a pedir esmolas, a criar problemas. Não se preocupava mais em levar algo para o pai vender, mas para tirar proveito pessoal de seus pequenos furtos. Mergulhava em um mundo cada vez mais perigoso. Emprego não queria, para não sair da cômoda situação de falta do que fazer em que vivia. Revoltava-se com os casarões, quando por eles passava a mendigar. Nutria um ódio pelos ricos, como se fossem responsáveis diretos pela sua pobreza. Assaltava-o em pequenos becos, quando por lá se expunham em busca de prazer. Muitos cultivavam a prática de esgueirar-se pelas ruas escuras, para aventurar uma prostituta barata. Nessas ocasiões, Mundinho saltava sobre eles de faca em punho, para arrancar qualquer quantia que levassem consigo. Ignorava os estudos, provocava os transeuntes, perturbava as lojas, transformava-se em uma ameaça aos comerciantes e à sociedade. Começou a beber, imitando o pai.(BARROS, 2013 p. 129)

Cândido comete o crime de corrupção de menores tipificado no Art.224-B do ECA:

Art. 244 – B. Corromper ou facilitar a corrupção de menores de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo – o a praticá-la.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Portanto, o ECA se propõe por meio desse artigo a proteger a moral e a honestidade da criança. Nesse caso é o próprio pai que corrompe e induz os filhos tanto á se prostituir como a praticar crimes, ele induz corrompendo, como facilita a prática dos atos infracionais para conseguir dinheiro fácil.

Nesse sentido é claro perceber que todos os filhos de cândido tiveram seus direitos violados pelo pai, mas em especial os que são citados na obra que levaram para sua vida adulta sérias consequências, e traumas que influenciaram diretamente sua conduta perante a sociedade, Mudinho continua a cometer furtos até que comete um latrocínio onde logo depois morre assassinado em uma briga de bar, Esperança após ser forçada pelo pai a fazer programas para que ele ganhasse dinheiro se habitua a essa vida, levando para a vida adulta tais práticas agora porém por vontade própria.

Dessa forma fica claro que as violências e abusos sofridos por crianças e adolescentes na sua fase de especial desenvolvimento e dentro de casa por seus familiares mais próximos, podem acarretar consequências e traumas que eles irão levar por toda a sua vida, influenciando assim de forma negativa na sua vida adulta, o tonando um adulto cheio de complexos sendo na sociedade o reflexo daquilo que viveu dentro de casa na sua infância e adolescência.

 

CONCLUSÃO

Portanto conclui-se que, a proteção integral veio como substituto da doutrina da situação irregular que só existia no chamado código de menores, ela centralizava o poder do Estado nas mãos do juiz e esse decidia o futuro do menor, tal proteção integral vem para garantir que essas crianças e adolescentes tenham o direito de exercício da sua cidadania e liberdade de uma forma plena, e de terem uma vida digna de modo a se tornarem adultos saudáveis tanto física como mentalmente, no decorrer da obra em estudo podemos ver que existiram vários tipos de abuso e violência por parte de Cândido, tanto com sua esposa que era violentada por ele, como de todos os seus filhos que tiveram sua integridade violada tanto física, psicológica e moralmente.

Ocorre que, houve omissão tanto por parte da família com relação á esses adolescentes, pois onde eles deveriam ser protegidos foram abusados, como também o Estado foi omisso em não prestar o auxilio necessário para a família que veio de longe, de uma terra estrangeira buscando novos meios de subsistência, porém não encontrou nenhum tipo de auxílio por parte do governo o qual era seu dever o que não aconteceu. Nota-se também que a sociedade nada fez para impedir que tais abusos fossem praticados, posto que também é dever da sociedade zelar pelo bem-estar da criança e do adolescente.  Neste sentindo muitos são os casos de violência que são cometidos, e aqueles que só conheceram violência desde de cedo, só poderão devolver para a sociedade tudo o que receberam como ódio, agressividade e desprezo em que foram criados.

Por fim, mediante os resultados alcançados, o objetivo do presente estudo é demostrar que, é na infância e adolescência que se desenvolve toda a personalidade do indivíduo, portanto traumas vividos dentro do ambiente familiar nessa idade podem sem dúvida alguma, acarretar prejuízos muitas vezes permanentes para esses indivíduos no futuro. Dessa forma o ECA vem como meio de garantia de uma vida digna, com educação, saúde, lazer, cultura, alimentação, esporte, etc. Pois se o ECA for colocado em prática é certo que haverá um redução muito clara de infrações cometidas por menores infratores ou prostituição, pois nesse caso ambos estarias protegidos e amparados pelo ECA, família e sociedade, dessa forma seriam gerados adultos sadios pois cresceram em um ambiente adequado de apoio e aprendizado, o que refletirá por certo em todas as áreas de suas vidas.

 

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[1] Graduanda do Curso de Bacharelado em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho UNIFSA. brendarayara18@hotmail.com.

Âmbito Jurídico

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