Vitória Sgorlon Oliveira – Acadêmica do curso de Direito no Centro Universitário São Lucas Ji-Paraná – UniSL e do curso de Relações Internacionais no Centro Universitário UNINTER. E-mail: vitoriasgorlon@gmail.com
Teófilo Lourenço de Lima – Professor orientador, Licenciatura plena em Pedagogia, pós-graduado em Administração e Planejamento para Docentes, acadêmico do curso de Direito no UniSL. E-mail: limateo@bol.com.br
Resumo: Objetiva-se com este artigo identificar de que maneira o jeitinho brasileiro influencia a corrupção na política do Brasil, relacioná-los e buscar historicamente a sua construção. O jeitinho brasileiro é a maneira usada pelos brasileiros para solucionar problemas ultrapassando os limites das regras e leis em diversas circunstâncias, conduta aceita socialmente em muitos segmentos.A história da exploração e colonização do Brasil é o princípio do comportamento egoísta e individualista brasileiro, o behaviorismo e as teorias de Maquiavel são usados neste artigo paraestudar a construção do comportamento brasileiro e sua ligação à corrupção política. O jeitinhoestá conectado ao comportamento político que tem por característica a corrupção. O brasileiro nos últimos anos tem compreendido cada vez mais o problema da corrupção, isto fica evidente nas eleições de 2018 quando as prioridades da população quanto ao país muda e traz uma nova perspectiva. A pesquisa foi desenvolvida da forma metodológica qualitativa de natureza explicativa, através da realização de pesquisas bibliográficas, documentais e outras disponíveis.
Palavras-chave: Jeitinho brasileiro. Corrupção. Comportamento. Política. Brasil.
Abstract: It aims with this paper to identify the way that the Brazilian jeitinho influences in the political corruption in Brazil, relate them and search historically how it was built. The Brazilian jeitinho is the way used by Brazilians to solve problems through trespassing the limits of the rules and the law in different circumstances, this conduct is socially accepted in many segments. The history of exploration and colonization of Brazil is the initiation of the individualist and egoistic Brazilian behavior, behaviorism and Maquiavel’s theories are used in this paper to study the construction of the Brazilian behavior and its connection to the political corruption. The jeitinho is connected to the political behavior that has as its characteristic the corruption. The Brazilian people the last few years has understood even more the problem of corruption, this is evident in the 2018 election when the population’s priority regarding the country changes and brings a new perspective. The research was developed in a methodological and qualitative way with an explanatory nature, through the realization of bibliographic, documentary and others researches.
Keywords: Brazilian Jeitinho. Corruption. Behavior. Politics. Brazil.
Sumário: Introdução. 1. Conceito do jeitinho brasileiro. 2. Contexto histórico. 3. A ligação da corrupção política com o jeitinho brasileiro. 4. O pensamento maquiavélico. 5. A explicação do behaviorismo para o comportamento brasileiro. 6. Operações, escândalos e a eleição presidencial de 2018. 6.1. A saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e o efeito dominó no governo de Bolsonaro. Conclusão. Referências.
Introdução
O termo jeitinho brasileiro tem sido cada vez mais utilizado mundialmente para identificar o comportamento brasileiro, sendo muitas vezes tratado em seu aspecto positivo, evidenciando criatividade nas maneiras de solucionar problemas. No entanto, ao colocarmos no aspecto realístico, este não é tão positivo como pode ser muitas vezes conhecido.
A colonização do Brasil pode ter sido um dos pontos iniciais para este comportamento sociopolítico, ocasionando em um pensamento egoístico, tornando a sociedade cada vez mais irregular e desigual. Essa forma de se comportar está presente desde a chegada dos colonizadores, dado que se deu por exploração das terras, sem colocar como prioridade a preservação da cultura, do bem-estar e da vida daqueles que já existiam e viviam aqui.
A forma com que população brasileira se comporta tem se tornado um grande problema para eles mesmos. O cotidiano do brasileiro é caracterizado por ações e omissões que se voltam ao jeitinho. De maneira sutil e muitas vezes imperceptível, estão suscetíveis a essas pequenas ações de corrupção, que acontecem em sua frente e que, de alguma forma, é acreditado ser normal ou aceitável.
Essas pequenas maneiras de cometer quebras de regras e não seguir leis tem que corroborado para que exista um crescido número de casos de corrupção no geral. Entretanto, muitos ainda não relacionam essa maneira de ser com a corrupção política, o que pode ocasionar em uma derivada tolerância e sentimento de impunidade.
Não há como negar que a corrupção política e social estão conectadas de forma direta, visto que aqueles que estão à frente da política são representantes do povo, representam a sociedade no todo e fazem parte dela, sendo eleitos democraticamente em eleições diretas.
É imprescindível, assim, o estudo e pesquisa da influência que o jeitinho brasileiro tem no comportamento corrupto comum dos líderes políticos. Apesar disso, não é tema de pesquisas importantes apresentadas à sociedade que vive nesse contexto. A importância social desta é clara ao ser identificada a influência, pois este é o jeitinho da sociedade brasileira.
Com este artigo, então, busca-se correlacionar o grande problema brasileiro com a corrupção no âmbito político com o jeitinho brasileiro, levando em conta suas diferenças e semelhanças, assim como o histórico do país para caracterizar a construção do como é hoje.
Visto que muitos aspectos compõem sua essência, o conceito do jeitinho brasileiro torna-se complexo, faz-se dificultoso a elaboração de uma conceituação que abranja todos seus aspectos. Análises de diferentes vertentes, desde as mais brandas até as mais rigorosas, fazem com que seja possível, de certa forma, uma conceituação.
A vertente mais amena, segundo Barroso, é positiva e trata o jeitinho como algo que está na alma do brasileiro, que se vincula com o “ser gente boa”, ter uma alegria de viver. No entanto, também se liga ao fato de que o brasileiro tem a necessidade de sobreviver às desigualdades sociais. Essa sobrevivência deixa de ser positiva quando começa a atingir o próximo de maneira negativa, causando prejuízos, sejam morais ou materiais.
Neste sentido, a realidade, que está longe de ser amena ou branda, coloca em foco a vertente negativa. Ainda de acordo com Barroso, esta traz a realidade impetuosa do que acontece no cotidiano do brasileiro: a ideia de que tudo será resolvido, mesmo que de última hora, de uma forma ou de outra. Muitas vezes essa forma de resolver as coisas acaba sendo de forma desleixada, em cima da hora, e, em grande parte dessas vezes, quebrando regras sociais e legislais.
Em uma diferente perspectiva, Ribeiro (2016) aborda o jeitinho sob a visão dos modelos sociais e ideológicos de Dumont, que são o hierárquico (cada pessoa tem seu lugar na sociedade, as pessoas não são iguais perante a lei e a sociedade) e individualista (todos são iguais e a sociedade é constituída por indivíduos). Posto isso, o brasileiro vive em um híbrido entre os dois modelos de Dumont, uma vez que a suas normas expressam claramente o modelo individualista, mas as relações sociais em si prezam pelo modelo hierárquico.
A Constituição Federal de 1988, conhecida como a constituição cidadã, devido sua forte ênfase na garantia dos direitos individuais e fundamentais, em seu artigo 5º, caput, é disposto que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, ou seja, segue o modelo individualista. A legislação brasileira como um todo tem como enfoque este mesmo modelo, dado que a Carta Magna é a norma maior, a qual todas as outras devem respeitar e se espelhar nela, conforme hierarquia demonstrada na pirâmide de Kelsen.
Em análise ao comportamento social brasileiro, pode-se observar que o modelo hierárquico é predominante. Um dos exemplos é a famosa “carteirada”, que faz parte das características do jeitinho, uma maneira que uma pessoa que a sociedade enxerga como hierarquicamente superior usa de sua influência para resolver situações desfavoráveis. No Brasil, as relações pessoais e a influencia que as pessoas exercem nelas é extremamente importante, ou seja, cada um tem uma posição hierárquica na sociedade de acordo com a influência que exerce dentro dela.
Desta forma, o Brasil vive em uma dinâmica entre os dois modelos sociais. É possível identificar que há uma grande admiração dos brasileiros por países que adotam, tanto nas leis quanto no convívio social, o modelo individualista, no entanto não procuram segui-lo em seu cotidiano.
O brasileiro tende a pessoalizar todas as suas relações de todas as formas possíveis, o que o difere de grande parte do mundo. A tendência mundial é manter suas relações cada vez mais impessoais, no Brasil é caracterizado o contrário ao perceber que há uma grande procura ao torná-las cada vez mais pessoais. O jeitinho brasileiro aparece neste contexto quando a relação impessoal se torna pessoal para o exercício efetivo do jeitinho, pois é necessário que haja conexões pessoais para que seja possível.
“Essas são algumas estratégias cotidianas de mobilidade social que o brasileiro utiliza, as quais podem ser agrupadas em algumas categorias correntes em nosso vocabulário: o ‘jeitinho’, a malandragem, a ‘carteirada’”. (RIBEIRO, 2016, p. 164).
Considerando todas as características e análises, o jeitinho brasileiro pode ser conceituado como o comportamento exercido pelo brasileiro para a solução de problemas – por meio administrativo e informal – usando sua posição social, rede de relações e quebrando regras sociais e/ou legislais.
O processo de criação do comportamento atual brasileiro, seja social ou político, é contínuo e advém desde os primórdios da formação do país dos dias atuais. Desta forma, é indispensável a abordagem do contexto histórico para análise do comportamento.
O tipo de colonização que instituiu o Brasil foi predominantemente a de exploração, a violência é uma forte característica desse tipo de colonização. Os portugueses, colonizadores, a fizeram sem pensar em preservar a cultura, o bem-estar e muito menos vida de quem já habitava a nova terra, defendendo apenas os interesses e direitos que lhe eram favoráveis. O objetivo dos portugueses era, dentre outros, dominarem a colônia, impondo sua cultura, sua religião, suas regras e suas estruturas.
O baixo índice de povoamento tornou-se uma brecha para que outras nações, como a Holanda, Espanha e França, também explorassem as riquezas que a descoberta portuguesa tinha a oferecer, todos sempre sem o pudor necessário para a preservação do local de modo geral.
Portugal durante a exploração instalou uma sede administrativa, no entanto, novamente apenas para suprir sua necessidade de controle e vigilância da região devido à aproximação de outros países. Não havia autonomia e todas as decisões que eram tomadas tinham que passar pelo aval da coroa portuguesa.
Toda a exploração foi feita com mão de obra escrava, tanto dos nativos que ali antes se encontravam, quanto dos africanos levados apenas para sua escravidão por aproximadamente dois séculos, causando grande sentimento de hierarquia entre pessoas e raças. A escravidão perdurou por centenas de anos e somente foi abolida após grande pressão internacional, especialmente da Europa e América do Norte.
Foram aproximadamente trezentos anos de exploração, até que o Brasil se tornou o Brasil, no entanto, ainda devido interesses portugueses, visto que a família real dirigiu-se ao país para fugir de Napoleão.
Neste momento o povoamento aconteceu, apenas devido não haver alternativa senão povoar em razão de benefício da coroa portuguesa, após Portugal e outros países explorarem de forma negligente grande parte da nova terra. Ainda assim, a coroa tomava decisões sempre com objetivo de diminuir ou impedir que a metrópole tivesse autonomia e fosse realmente independente.
De certa forma, mesmo após sua independência, o Brasil ficou a mercê de muitos países, principalmente europeus. Novamente, criando o sentimento hierárquico quanto aos europeus como um todo, pois o Brasil teve de fazer diversos acordos com os países que antes mantinham relações com a coroa portuguesa.
É crível que a exploração do Brasil foi o ponto inicial dessas características egocêntrica e egoística do povo que naquele território existia e partiu a existir com o decorrer das centenas de anos. Todos esses acontecimentos levaram de forma significativa os brasileiros ao que são atualmente.
Essencial definir as diferenças e semelhanças entre o jeitinho brasileiro e a corrupção. Uma das diferenças, a qual é primordial, é o fato de que a corrupção, em regra, exige uma retribuição em capital para que esta aconteça, enquanto o jeitinho não impõe nenhum ganho material a quem se dispõe a fazê-lo. Neste sentido, Alcandipani e Motta (1999, p. 9) dissertam que “[…] diferentemente da corrupção, a concessão do jeitinho não é incentivada por nenhum ganho monetário ou pecuniário: a pessoa que dá o jeitinho não recebe nenhum ganho material ao concedê-lo.”. Enquanto isso, o jeitinho está, em regra, ligado a uma burocracia que será superada pela quebra de regras, sem o retorno monetário quando um terceiro participa.
A corrupção política se dá quando há uso do poder público para obter algo em favor próprio, de terceiro ou de grupo, violando leis e regras morais e éticas. Na codificação brasileira, ainda, há dois tipos de corrupção política, a passiva e a ativa, sendo elas expostas, respectivamente, nos artigos 317 e 333 do Código Penal:
Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Art. 333 – Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Em um aspecto distinto, uma das semelhanças é o fato de que os dois comportamentos são maneiras de quebrar regras e leis, de uma forma ou de outra, estas não são respeitadas.
Existem, deste modo, duas linhas que dispõe sobre a (des)conexão entre os dois comportamentos. A primeira apresenta a teoria de que, por mais que haja certa equivalência, são duas coisas completamente diferentes, devido seus aspectos, e que o povo brasileiro não interliga uma a outra, não podendo dizer, então, que existe uma conexão. Concluindo que a existência do jeitinho não significa que exista tolerância à corrupção.
Já a outra versa o contrário, ou seja, mesmo que existam distinções, as semelhanças são suficientes para estabelecer uma ligação entre o jeitinho brasileiro e a corrupção. O fato de que o brasileiro muitas vezes não se importa em seguir as regras ou as leis faz com que ele, de certa forma, tolere mais a corrupção na política. Desta forma, pode-se concluir que este jeitinho exerce forte influência na tomada de decisões, seja no âmbito político ou no social.
Há uma crença de que a corrupção simplesmente não é tão importante e que não há grandes problemas quanto a isso. A tolerância criada pelo comportamento brasileiro pode ter causado grande aumento na corrupção no Brasil, fazendo com que grandes problemas ocorressem com o passar do tempo. De certa forma, esta incentiva a falta de preocupação com as consequências, visto que é socialmente tolerado e não é fortemente cobrado o combate à corrupção.
Neste contexto de ligação entre a corrupção e o jeitinho brasileiro, uma pesquisa concluída pela Escola de Direito da FGV-SP em 2015, o Índice de Percepção do Cumprimento da Lei (IPCLBrasil), demonstrou que 80% dos brasileiros acreditam ser fácil desobedecer às leis, 81% utilizam do jeitinho sempre que possível e 56% afirmam que existem poucos motivos para obedecer a lei no Brasil. Em geral, as pessoas que responderam dessa forma à pesquisa são jovens, brancos ou amarelos, de renda e escolaridade média-alta. (Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/14133>)
O comportamento característico do jeitinho é egoísta e finalista, neste sentido é possível associá-lo à lógica maquiavélica de que “os fins justificam os meios”. A partir disto, o jeitinho brasileiro pode ser relacionado à corrupção política, pois a teoria de Maquiavel é voltada ao poder estatal e seu controle.
Sua lógica dos fins que justificam os meios tem sido mal interpretada por muitos anos. Maquiavel por meio desta pretendia explicar que alguns meios justificam alguns fins, como exemplo a ideia de que o líder estatal só pode fazer algo se este for útil ao Estado. Seu pensamento foi alterado com o tempo e atualmente é compreendido da maneira literal e usado para justificar ações quase sempre injustas e imorais que são praticadas para alcançar determinado fim.
Maquiavel, grande defensor da ciência política e do estudo do Estado em si, em sua obra O Príncipe, defende que o líder do Estado não deve se preocupar com a moral e a ética quando a questão é continuar no poder e preservar o Estado e sua soberania.
Evidente que as teorias e lógicas maquiavélicas devem ser interpretadas de acordo com o contexto histórico do século XVI, no qual era inserido, ainda assim, são inteiramente aplicáveis a atualidade, pois é perceptível que a realidade atual ainda se encaixa nessas descrições e análises formadas séculos atrás. É visível que utilitarismo do pensador italiano consegue descrever o comportamento de muitos líderes políticos, em especial no Brasil dos dias atuais.
Vale constar que Maquiavel entendia que o homem é egoísta, perverso, individualista e maldoso, características que fazem com que a sociedade seja instável. Assim, o Estado deveria então usar de sua força e de sua legislação para controlar o homem.
Neste contexto, Maquiavel defendia que a política deveria ser totalmente vertical, ou seja, hierárquica, na qual o Estado é forte e usa de sua força para controlar seu povo e garantir sua soberania. Devido à natureza maldosa do homem, o Estado deveria usar de todos os métodos necessários para evitar a desordem, incluindo a força quando preciso.
Na Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 142 é abordada a garantia da ordem e dos poderes, segue:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Seu artigo 144, no mesmo sentido, dispõe sobre o uso da força:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal;
II – polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal;
IV – polícias civis;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI – polícias penais federal, estaduais e distrital.
Evidente, assim, a influência de Maquiavel na lei maior brasileira e incontestável sua importância no cenário atual para análises da política e do Estado.
Por outro ângulo, visto que os líderes do Estado são representantes do seu próprio povo e também escolhidos democraticamente por eleições diretas, as falhas no Estado são justificadas pela perversidade característica do homem. O governo não está livre da perversidade humana, já que é controlado pelo próprio homem. Logo, o Estado é corrupto e está suscetível às características do ser humano, conforme visão maquiavélica.
Uma ciência que deve ser abordada para discorrer sobre o comportamento sociopolítico brasileiro é o behaviorismo. O behaviorismo aplica a ciência do comportamento,que é perfeitamente possível e aplicável. Desta forma, estuda o ser humano através de seu comportamento, o qual, segundo John Broadus Watson(1925), é atribuído à relação do indivíduo com o seu ambiente. Watson afirmava que o estudo do behaviorismo poderia fazer com que fosse possível prever e controlar a atividade humana.
Inicialmente foi aplicada apenas na psicologia, no entanto invade também o campo da ciência política quando se trata do comportamento sociopolítico. Burrhus Frederic Skinner (2003) revolucionou o behaviorismo com seus métodos de estudos e concepções filosóficas. Skinner foi essencial para a conexão entre o comportamentalismo e a política, pois afirmava que as questões éticas e políticas estavam certamente relacionadas ao comportamento, e trouxe críticas ao sistema político em geral, em especial ao comportamento dos políticos.
O behaviorismo político surgiu como um movimento vinculado à ciência política, desqualificando a filosofia política, pois o behaviorismo trata-se de estudos concretos, voltados à realidade e à fatos, enquanto a filosofia em regra se baseia em teorias, por isso lhe é dado a nomenclatura de “ciência”.
O interesse do estudo dessa ciência é o porquê do comportamento humano. Assim, ao analisar o comportamento deve-se levar em consideração as variáveis do ambiente no qual o comportamento foi executado. As variáveis que são as causas do comportamento, segundo Skinner, são externas e independentes.
O fortalecimento de certo comportamento é resultado de reforços que acontecem durante todo o tempo e quanto mais reforço, maior a probabilidade de acontecer certo comportamento. Desta forma, se comportamentos associados ao jeitinho brasileiro são reforçados, são mais prováveis de ocorrer e mais frequentes, o que o mantém consolidado.
Neste sentido, o ambiente molda a forma como se comporta o indivíduo conforme os reforços que lhe são impostos.O reforço social é praticado por meio de mediação, ou seja, uma pessoa o pratica para com outra, ocasionando um comportamento social.
Os comportamentos “enraizados” são aqueles que são estimulados e reforçados por uma longa duração de tempo, sendo muito dificultoso o processo de quebra destes, se necessário.Assim, se um comportamento foi reforçado desde sua infância, por exemplo, mesmo sem perceber, o indivíduo irá repeti-lo. Se determinado reforço não for mais aplicado, este comportamento poderá ser diminuído ou até mesmo extinto.
Existem também reforços que têm por objetivo impedir um comportamento, é o controle social. O Estado ao criar leis para controlar seu povo, os códigos legais, Código Civil e Código Penal brasileiros, por exemplo, regram e controlam a convivência da sociedade por meio da punição.
No contexto do jeitinho brasileiro, a Lei de Improbidade Administrativa, Lei n. 8.429/1992, versa sobre as condutas praticadas por agentes públicos ou terceiros que cause danos à administração pública. Em seu artigo terceiro é disposto: “Art. 3º As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”
De acordo com Skinner (2003, p. 370), “[…] a lei é uma regra de conduta no sentido de que especifica as consequências de certas ações que por seu turno ‘regem’ o comportamento.”.O governo é um reforçador, um agente controlador, organizado, exercendo controle sobre diferentes processos comportamentais usando de seu poder para punir aquele que age de forma errada segundo suas leis.
Desta forma, a máquina governamental, o Estado em si, se comportará como os seus governados, visto que quem a controla são indivíduos que se comportam conforme reforços e estímulos postos pela sociedade.Na realidade do Estado democrático de direito brasileiro, o indivíduo, para ser parte dessa agência controladora, necessita do apoio dos outros, pois apenas conseguirá através do voto direto.Este indivíduo usa, por muitas vezes, a identificação de seus eleitores com seu “jeito de ser” como campanha eleitoral para induzir o próximo a votar para colocá-lo em uma posição de poder dentro do governo.
Destarte, “[…] o governo e a lei dependem das circunstâncias de uma dada cultura ou época” (SKINNER, 2003, p. 372), ou seja, a forma como o governo se comporta e cria suas leis depende do comportamento da sociedade naquele determinado tempoe sua cultura. Assim como a sociedade é influenciada pelo governo, o governo também é influenciado pela sociedade.
A comunidade é um ambiente reforçador, classificando o que é certo e o que é errado, controlando por meio de reforçadores de aprovação e reprovação. Sendo assim, a comunidade transforma o indivíduo como quer que seja e ele continua assim em razão dos benefícios que recebe.
Por este mesmo ângulo, “O ambiente social em parte é o resultado daqueles procedimentos do grupo que geram o comportamento ético e a extensão desses procedimentos aos usos e aos costumes” (SKINNER, 2003, p. 455).Um indivíduo de certa comunidade usará vestimentas que são típicas e falará como todos daquela comunidade falam, essas são maneiras de se encaixar dentro de um grupo, por exemplo.
Skinner (2003, p. 454) versa que “As forças que modelam o comportamento ético aos padrões do grupo são poderosas”, no contexto brasileiro, se as ações ligadas ao jeitinho são aceitas, incentivadas e não repreendidas, aquele indivíduo que está em formação terá comportamentos característicos do jeitinho, pois é uma maneira de adequar-se ao ambiente social de sua realidade.
O Mensalão aconteceu no primeiro mandato do ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, o Lula, do Partido dos Trabalhadores, e descoberto em 2005 quando o então deputado federal Roberto Jefferson do PTB do Rio de Janeiro “denunciou” em uma entrevista todo o esquema formado pelo PT, Roberto já estava sendo investigado por participar de processos de licitações fraudulentas.
Foi apurado, então, que o PT estava usando dinheiro público desviado para comprar apoio parlamentar ao governo para aprovar projetos que tramitavam pelo Congresso Nacional ou votar como o governo instruía, ou seja, era oferecida propina aos congressistas para que agissem conforme vontade do governo. O nome de Mensalão foi usado devido estas propinas serem, em regra, mensais, o apoio era pago por uma “mesada” de R$ 30.000,00. Lula negou durante as investigações ser parte deste esquema e foi reeleito.
O escândalo do Mensalão fez mudar o pensamento brasileiro sobre a política a qual os representava, mas ainda demonstrava pouca preocupação, foi, em certas camadas da população, originado um sentimento anti-petista, pois o partido estava diretamente ligado à corrupção.
A Operação Lava Jato foi e é a maior operação de combate à corrupção da história brasileira. Teve seu início em 2014 com uma investigação da Polícia Federal em Curitiba que apurava se uma rede de postos de gasolina e lava a jato era usada para movimentar financeiramente uma organização criminosa.
Comandada principalmente pelo ex-Juiz Federal Sérgio Fernando Moro, a operação rompeu fronteiras estatais e foi efetivada em diversos estados do país, em diferentes instâncias. A investigação chegou também a outros países, como Paraguai e Panamá, nos quais foram descobertos esquemas com empresas e doleiros que beneficiavam políticos brasileiros.Após anos de investigação e delações premiadas, foi concluído que existia e ainda existe um grande esquema corrupto no Brasil.
Conseguindo feitos importantes, como a prisão do ex-presidente Lula por corrupção passiva, do ex-presidente Michel Temer por desvios de dinheiro na obra da Usina Agra 3, e de dezenas de outros políticos e doleiros, depois de centenas de fases, a operação perdeu muito sua força, principalmente após a soltura do ex-presidente Lula em razão de novo entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão após condenação em segunda instância. Mostrou-se precisar do apoio da população para conseguir atingir grandes e importantes resultados.
Desde o escândalo do Mensalão e a Operação Lava Jato, que ainda está em atividade, mesmo que enfraquecida, a população brasileira tem se mostrado um pouco mais preocupada com a corrupção no sistema político brasileiro, com um sentimento de necessidade de combate a corrupção acima de outras coisas. Estas operações foram essenciais para estabelecer a necessidade de mudança no comportamento brasileiro, principalmente em relação à corrupção.
Um grande alerta de que a corrupção no Brasil era progressivamente maior e perceptível foi quando, em 2017, o Brasil foi para a posição 96ª do Índice de Percepção da Corrupção, caindo 17 posições. O maior país da América do Sul ficou atrás de países conhecidos internacionalmente por seus grandes problemas com corrupção, como Ruanda e Timor-Leste. (Disponível em:<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-02>).
Com o discurso de combate à corrupção, prometendo a indicação do chefe da Operação Lava Jato, o então juiz federal Sergio Moro, como ministro da justiça, Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 para começar seu mandato no ano posterior. Bolsonaro se elegeu alegando “ficha limpa” de escândalos, além das promessas de forte combate à corrupção.
Oitenta e três por cento dos eleitores de Jair Bolsonaro, em pesquisa feita pela empresa canadense Vox Pop Labs em parceria com o G1, em 2018, concordaram que a Operação Lava Jato está contribuindo efetivamente com o combate à corrupção no Brasil, observando que a operação teve grande influência nas últimas eleições para presidente da República do Brasil. (Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/11/02>) .
O discurso contra a corrupção nunca foi tão utilizadoem uma campanha eleitoral como em 2018. Houve uma mudança de postura dos políticos, Bolsonaro, mesmo com uma experiência de mais de 30 anos como congressista, pregouque praticava a “nova política”, diferente da velha que praticava atos corruptos, e, assim, conseguiu a presidência da República. No entanto, mudança de postura não é o mesmo que mudança de comportamento.
Pesquisa concluída pelo IBOPE em março de 2018, ano da última eleição presidencial, 32% dos brasileiros acreditava que o combate à corrupção deveria ser prioridade para o próximo presidente da República, 84% queriam um presidente sem envolvimento em casos de corrupção e 32% daqueles estavam otimistas com as novas eleições devido à possibilidade de mudança. (Disponível em: <https://static.poder360.com.br/2018/03>).
6.1 A saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública e o efeito dominó no governo de Bolsonaro
Após diversas divergências entre o então ministro da justiça e segurança pública Sérgio Moro e o presidente da República Jair Bolsonaro, Moro pediu demissão no dia 24 de abril de 2020 após Bolsonaro demitir o diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo, indicado por Moro.
Ao sair de seu cargo, Moro fez declarações alegando que sua saída decorreu pelo fato de que Bolsonaro tinha intenção de interferir na Polícia Federal, pois queria um diretor-geral no qual podia ligar a qualquer momento para ter relatórios sobre investigações, o que não estava acontecendo com Valeixo como diretor-geral. Filhos de Bolsonaro, que também fazem parte da política, estão sendo investigados pela Polícia Federal, assim, ele, de acordo com Moro, queria interferir nessas investigações com objetivo de livrar seus filhos das acusações.
No mesmo dia em que Moro acusou Bolsonaro de interferência política na Polícia Federal, o próprio presidente da República em pronunciamento confirmou que queria alguém de confiança na diretoria-geral para que pudesse ter todos os dias relatórios sobre as investigações realizadas.
Bolsonaro, então, indicou para diretor-geral da Polícia Federal o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), Alexandre Ramagem Rodrigues. Ramagem é amigo da família Bolsonaro, em especial de um dos investigados pela Polícia Federal, Carlos Bolsonaro.
Tendo em vista a possível interferência política na Polícia Federal, à pedido do Partido Democrático Trabalhista (PDT), o ministro do STF Alexandre de Moraes suspendeu a nomeação de Ramagem, com fulcro nos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público. Segue trecho da decisão liminar:
Nesse contexto, ainda que em sede de cognição inicial, analisando os fatos narrados, verifico a probabilidade do direito alegado, pois, em tese, apresenta-se viável a ocorrência de desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do Diretor da Polícia Federal, em inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público. […] Tais acontecimentos, juntamente com o fato de a Polícia Federal não ser órgão de inteligência da Presidência da República, mas sim exercer, nos termos do artigo 144, §1º, VI da Constituição Federal, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União, inclusive em diversas investigações sigilosas, demonstram, em sede de cognição inicial, estarem presentes os requisitos necessários para a concessão da medida liminar pleiteada, uma vez que o fumus boni iuris está comprovado pela instauração, no âmbito do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, de inquérito para apuração de eventuais práticas de crimes relacionados, inclusive, à própria nomeação futura do comando da Polícia Federal, e o periculum in mora correspondente à irreparabilidade do dano, em virtude de a posse do novo Diretor-Geral da Polícia Federal estar agendada para esta quarta-feira, dia 29/4/2020, às 15h00, quando então passaria a ter plenos poderes para comandar a instituição.” (MORAES, 2020, pp. 11 e 14)
As declarações de Moro e a decisão do STF abalaram a aprovação do governo de Bolsonaro, uma vez que apontam que a promessa de campanha de combate à corrupção estava sendo descumprida. Esta era uma das peças chave da popularidade de Bolsonaro, que usou Moro como maneira de colocar em prática a promessa de agir sempre contra a corrupção.
Assim, logo após a saída de Moro, nos dias 27 a 29 de abril de 2020, a pesquisa feita pela DataPoder360 por telefone em todo o Brasil, constatou que 40% dos brasileiros acreditam que a saída de Moro é ruim para o presidente Bolsonaro e acredita que as declarações de Moro são motivos para impeachment do presidente. (Disponível em: <https://www.poder360.com.br/datapoder360/46>).
Pesquisa de quatro de maio de 2020, realizada pela XP/Ipespe, aponta que o governo de Bolsonaro é considerado ruim ou péssimo por 49% dos brasileiros, aumentando 16 pontos desde meados de abril do mesmo ano, quando era de 33%. (Disponível em: <https://www.poder360.com.br/pesquisas>).
Com o impacto desses acontecimentos, vários pedidos de impeachment de Bolsonaro foram protocolados na Câmara dos Deputados, por diversos motivos. Ao perceber a grande queda de sua popularidade, Bolsonaro, então, decidiu articular com o Centrão e voltar aos velhos hábitos da “velha política”, para garantir que não sofresse o impeachment, abrindo mão de mais uma de suas promessas de campanha: estabelecer uma “nova política” no Brasil.
Constata-se, então, que a popularidade de Bolsonaro depende de princípios e atos anticorrupção, os quais foram fortemente usados como articulação de sua campanha eleitoral. Quando não aplicados, sua aprovação caiu drasticamente em poucos dias. Desta forma, a mudança de olhar do brasileiro quanto ao combate a corrupção é clara e tem tomado mais lugar na política.
Conclusão
Diante de todo exposto, é possível concluir que a história da forte exploração portuguesa em solos brasileiros e suas características contribuiu para a construção do comportamento brasileiro que atualmente é titulado como jeitinho. O jeitinho brasileiro tem diversos aspectos e foi moldado desde os primórdios da sociedade brasileira, se tornando algo comum e normal no cotidiano. Dá-se pela quebra das regras ou leis para ter ou fazer algo, usando de influências na sociedade.
Existem diferenças entre a corrupção política e o jeitinho brasileiro, no entanto, fica claro que as semelhanças são o suficiente para serem considerados interligados diretamente. Maquiavel dizia que o ser humano é perverso e individualista, o Estado é formado por representantes do povo, no caso do Brasil, de forma democrática. Sendo assim, os vícios da sociedade são passados diretamente para o Estado, pois ele é controlado pela sociedade através de seus representantes.
Ainda, o behaviorismo traz a tona que o comportamento enraizado no brasileiro deve-se aos anos de reforços feitos pela sociedade em relação às características do jeitinho, se tornando em algo normal e incentivado. Neste sentido, é criada uma tolerância quanto à corrupção política no Brasil, pois todos agem de maneira errada devido o jeitinho brasileiro e é criada uma sensação de impunidade.
Devido grandes escândalos de corrupção e operações anticorrupção, o povo brasileiro começou a criar uma consciência de que a corrupção deve ser combatida com toda força. O resultado disso é a mudança de pensamento durante a eleição presidencial de 2018, na qual candidatos adotaram como articulação de sua campanha o combate à corrupção.
É possível, então, verificar uma mudança expressiva e gradativa no sentimento brasileiro, que antes era de tolerância à corrupção e agora se volta ao sentimento de anticorrupção. Essa mudança, pode ainda interferir no comportamento brasileiro, uma vez que a corrupção política e o jeitinho brasileiro estão diretamente ligados.
Referências
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