Nome do Autor: Ruben Mauro Lucchi Rodrigues – Advogado. Mestre em Segurança Pública pela Universidade Vila Velha. Pós-graduado em Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio. Graduado em Direito pela Universidade Vila Velha. E-mail: advrubenlucchi@gmail.com.
Resumo: O estudo proposto, por este artigo, visa analisar a insegurança jurídica do acusado na decisão de impronúncia no Tribunal de Júri no Brasil, tendo em vista que em caso de surgimento de novas provas, o acusado pode ser novamente submetido a todo o procedimento de julgamento pelo Tribunal do Júri. A hipótese principal da presente pesquisa é a de que a decisão de impronúncia cria uma insegurança jurídica e contraria princípios constitucionais e fundamentais. O objetivo principal do presente trabalho é pesquisar/averiguar, com base no posicionamento dos doutrinadores brasileiros e a jurisprudência prolatada pelos Tribunais pátrios, se a decisão de impronúncia dos acusados por crimes dolosos contra a vida, tentados, consumados ou conexos, no Tribunal do Júri, no Brasil, ofende princípio ou regra constitucional, por colocar o acusado em situação de verdadeira insegurança jurídica. A metodologia utilizada foi a pesquisa de revisão bibliográfica. Concluiu-se pela inconstitucionalidade da impronúncia, com base nos argumentos dos doutrinadores componentes da corrente favorável a esse posicionamento e a consequente insegurança jurídica do acusado na decisão de impronúncia no Tribunal do Júri no Brasil.
Palavras-chave: Tribunal do Júri. Insegurança jurídica. Impronúncia.
Abstract: The proposed study, by this article, aims to analyze the legal uncertainty of the accused in the decision of dismissal in the Jury Court in Brazil, considering that if new evidence emerges, the accused can again be subjected to the entire trial procedure. by the Court of Jury. The main hypothesis of this research is that the not pronunciation decision creates legal uncertainty and runs counter to constitutional and fundamental principles. The main objective of this study is to research / assess, based on the positioning of Brazilian scholars and case law handed down by patriotic Courts, the not pronunciation decision of the accused for crimes against life, tempted, consummated or related, the jury in Brazil, offends constitutional principle or rule, to put the accused on real legal uncertainty. The methodology used was the research literature review. It was concluded by the unconstitutionality of not pronunciation, based on the arguments of scholars components of favorable current to this position and the consequent legal uncertainty of the accused in not pronunciation decision the Jury Court in Brazil.
Keywords: The jury. Juridical insecurity. Not pronunciation.
Sumário: Introdução. 1. Do Tribunal do Júri. 1.1 Pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e desclassificação. 2. A inconstitucionalidade da impronúncia no tribunal do júri brasileiro. 2.1 Detalhamento de impronúncia. 2.2 Corrente contrária à constitucionalidade da impronúncia. 3. A impronúncia na jurisprudência. Conclusão. Referências.
Introdução
O ordenamento jurídico brasileiro prevê em sua Constituição Federal, bem como no Código de Processo Penal, a competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, seja em sua forma consumada ou tentada. Em casos, após a instrução, em que não há existência do fato alegado na denúncia ou elementos constitutivos da autoria do fato, haverá de ser declarada a decisão de impronúncia como saída/resposta jurídica. Tal decisão não faz coisa julgada material, ou seja, havendo novas provas, a situação processual pode reiniciar, o que poderá afetar a segurança jurídica do estado de presunção de não culpabilidade do réu.
Como problema de pesquisa, tem-se que a decisão de impronúncia, pelo fato de não decidir a culpa do acusado, permitindo que, em caso de surgimento de novas provas, possa vir a ser novamente submetido a todo o procedimento de julgamento pelo Tribunal do Júri, contraria a segurança jurídica amparada constitucionalmente? A hipótese principal da presente pesquisa é a de que a decisão de impronúncia cria uma insegurança jurídica e contraria princípios constitucionais e fundamentais.
O Tribunal do Júri possui procedimentos específicos, e dentre esses, a pronúncia e a impronúncia podem ser destacadas como de significativa importância, uma vez que concluem o processo preparatório para que venha acontecer, efetivamente, o julgamento do acusado pelo júri popular.
A impronúncia ocorre nos casos em que o Juiz Togado do Tribunal do Júri, durante o processo preparatório (1° fase), não vislumbra provas de autoria e/ou de materialidade do crime imputado ao acusado, e interrompe o processo penal, impedindo de que aquele acusado vá a júri popular. Esse é o assunto principal da presente pesquisa.
Entre os doutrinadores brasileiros, há uma corrente que considera inconstitucional a impronúncia, por não fazer coisa julgada, levando ao objetivo do presente artigo que é pesquisar/averiguar, com base no posicionamento dos doutrinadores brasileiros e a jurisprudência prolatada pelos Tribunais pátrios, se a decisão de impronúncia dos acusados por crimes dolosos contra a vida, tentados, consumados ou conexos, no Tribunal do Júri, no Brasil, ofende princípio ou regra constitucional, por colocar o acusado em situação de verdadeira insegurança jurídica, não o absolvendo nem condenando.
Para tanto, foi feito uso de livros e artigos publicados em jornais e revistas especializados, incluindo a Internet, bem como alguns julgados de Tribunais brasileiros, correspondendo a uma pesquisa bibliográfica. O método é o hipotético-dedutivo.
Estruturalmente, divide-se o artigo: introdução, na qual são detalhados os rumos que a pesquisa pretende tomar, contemplando o objetivo geral, problema de pesquisa, método, etc. No capítulo inicial, será explanado breves considerações acerca dos conceitos de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e desclassificação.
No segundo capítulo será demonstrado a discussão maior deste estudo, qual seja, a constitucionalidade da impronúncia no Tribunal do Júri brasileiro, reforçando-se o estudo específico sobre a impronúncia e seu detalhamento, apresentando as correntes doutrinárias pátrias favorável e contrária à constitucionalidade da impronúncia. Deste modo, ao final, se demonstrará que alguns autores defendem veementemente a inconstitucionalidade da decisão de impronúncia por esta gerar insegurança jurídica ao acusado, já que em caso de surgimento de novas provas o processo pode ser reaberto e o acusado poderá ser julgado no plenário. Já no terceiro capítulo apresenta-se acórdãos emanados de Tribunais brasileiros acerca da impronúncia. Por fim, vem a conclusão e as referências bibliográficas utilizadas na pesquisa.
No Direito processual penal brasileiro, o julgamento dos acusados por crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados e também os crimes conexos, é de competência exclusiva do Tribunal do Júri, instituição alçada ao patamar de cláusula pétrea na Constituição Federal de 1988, vigente.
Ocorre que, dentre os procedimentos específicos do Tribunal do Júri, a pronúncia e a impronúncia podem ser destacadas como de significativa importância, uma vez que concluem o processo preparatório para que venha acontecer, efetivamente, o julgamento nesses casos.
1.1 Pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e desclassificação
O processo de julgamento pelo Tribunal do Júri é dividido em duas fases, a 1ª de formação de culpa (ou sumário) e a 2ª o julgamento propriamente dito. Na 1ª fase, apresentada a denúncia pelo Ministério Público (MP), o Juiz togado presidente do Júri, após analisar as provas, fundamentadamente, poderá declarar a pronúncia, a impronúncia, a desclassificação ou a absolvição sumária em uma única fase processual. Já na 2ª fase, ocorre o julgamento do acusado pelo Conselho de Sentença, que é formado por um juiz togado e 7 juízes leigos, estes sendo escolhidos dentre os cidadãos do povo.
Do ponto de vista de Duarte:
“[…] o rito processual para os processos cujo julgamento é da competência do Tribunal do Júri é escalonado, ou seja, divide-se em duas fases, tendo a primeira fase com o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e se encerrando com a sentença de pronúncia prolatada pelo magistrado togado, esta, constitui o judicium acusacionis. A segunda fase tem seu término com o julgamento do Tribunal do Júri ou judicium causae (2007, p. 5).”
Nos termos do art. 413 do Diploma Processual Penal, se o Juiz ficar convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação do acusado no crime doloso contra a vida, pronunciará o réu.
A pronúncia é uma decisão interlocutória proferida pelo magistrado, após analisar as provas de materialidade e autoria do acusado, remetendo-o ao julgamento no plenário do Tribunal do Júri, que é feito por juízes leigos após explanação da acusação e defesa (DUARTE, 2007). Nesse mesmo sentido, Capez (2006, p. 641) afirma que a pronúncia se “trata de uma decisão interlocutória mista não terminativa, que encerra a primeira fase do procedimento escalonado. A decisão é meramente processual, e não se admite que o juiz faça um exame aprofundado do mérito”. Dessa decisão cabe recurso em sentido estrito.
Portanto, uma vez convencido o magistrado de que existem indícios e provas lícitos e suficientes para que o acusado seja pronunciado, prolata a sentença de pronúncia, ocasião em que este será encaminhado para julgamento pelo Tribunal do Júri, ressalvados todos aqueles seus direitos constitucionais, quais sejam: o direito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. O doutrinador Rangel acrescenta que:
“A pronúncia é prolatada no curso do processo, no final da primeira fase do rito que, com já vimos, é bifásico, obrigado o juiz a resolver uma questão incidente, qual seja: é admissível ou não a acusação? Assim, a decisão pela qual o magistrado resolve, no curso do processo, uma questão incidente é chamada de interlocutória. Esta é a natureza jurídica da decisão de pronúncia: decisão interlocutória mista não terminativa, pois o que se encerra não é o processo, mas sim uma fase do procedimento (2004, p. 518)”.
Ademais, o juiz, a partir de seu livre convencimento com base no conjunto probatório, uma vez convencido inequivocamente tanto da materialidade quanto da autoria do crime ao acusado imputado, prolatará a sentença de pronúncia, a qual não tem cunho de mérito, mas sim deflagra o caráter processual do procedimento (TOURINHO FILHO, 2001).
Outrossim, o juiz na sentença de pronúncia não deve analisar circunstâncias judiciais, atenuantes ou agravantes, nem tampouco de privilégio que reduza a pena, pois não há por meio dela julgamento do mérito de condenação do acusado na ação penal, o que existe é apenas um juízo de admissibilidade da acusação, não havendo juízo de certeza do cometimento do crime, porém é imperioso que haja possibilidade da acusação (TÁVORA E ALENCAR, 2012).
Como caracteriza Mirabete (2006, p. 498) “[..] a pronúncia é a decisão interlocutória mediante a qual o magistrado declara a viabilidade da acusação por se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja seu autor”. Assim, é importante tecer que a pronúncia não tem caráter decisório quanto ao crime em questão, antes tendo mais efeito de decisão interlocutória, uma vez que inicia procedimentos administrativos preparatórios para o procedimento maior intencionado – o julgamento pelo Tribunal do Júri.
O juiz, na situação de convencimento de autoria e materialidade, analisada a necessidade que se mantenha o réu preso durante o decorrer do processo, poderá requisitar a prisão, invertendo o princípio constitucional do in dubio pro reo para in dubio pro societate, com base no grau de periculosidade do réu e na gravidade característica dos crimes contra a vida, bem como para assegurar o tranquilo decurso do processo, garantindo-se que sejam cumpridas todas as suas fases (DUARTE, 2007).
Sobre o assunto, vamos encontrar o seguinte esclarecimento de Tourinho Filho:
“Se o Juiz, todavia, se convencer da existência do crime e indícios de que o réu seja seu autor, proferirá sentença de pronúncia. Não se trata de sentença de mérito, pois, mesmo reconhecendo seja o réu o autor do crime, não aplica nenhuma sanctio juris. A sentença aí tem, por evidente, caráter nitidamente processual. Por meio dela se encerra a primeira etapa do procedimento escalonado do processo da competência do júri. […]. Com a pronúncia, o juiz julga, apenas, admissível o jus accusationis. Tratando-se, como se trata, de sentença de natureza processual, não há falar-se em res judicata, e sim em preclusão pro judicato, ou consumativa, podendo o Tribunal do Júri decidir contra aquilo que ficou assentado na pronúncia (2001, p.576-577)”.
No entender do autor acima, o Conselho de Sentença pode decidir a contrario sensu da decisão do juiz presidente do Conselho de Sentença, uma vez que a sentença de pronúncia serve apenas e tão somente para cumprir o papel processual procedimental de remeter o processo para o julgamento do Tribunal do Júri, não tendo como finalidade influenciar na decisão dos juízes leigos, que formarão seu próprio convencimento, com base no conjunto probatório a eles disponibilizado.
Por fim, a partir da sentença de pronúncia, será marcada uma data e formado o Conselho de sentença (júri composto dos juízes leigos), com data a ser marcada, sendo comunicados oficialmente todos os envolvidos no julgamento, Ministério Público, advogado de defesa (ou defensor público o dativo, conforme o caso) e, de certa maneira, por ser de ordem pública a sentença, a sociedade em geral.
Já nos casos de não encontrar o juiz as provas contundentes elencadas acima, poderá proferir a impronúncia, que é o assunto principal da presente pesquisa. A impronúncia, ocorre quando o juiz do Tribunal do Júri, extingue o processo sem resolução do mérito, por não vislumbrar comprovação da autoria e da materialidade do crime imputado ao acusado, não o remetendo para julgamento no Júri. Essa decisão não faz coisa julgada e permite no caso de nova prova a formulação de outra denúncia ou queixa em face do acusado (art. 414, CPP).
Outra medida que o juiz da 1ª fase pode tomar no caso de inexistência de provas, é a absolvição sumária. Essa medida julga improcedente a denúncia de forma antecipada, e trata-se, de uma sentença definitiva, provendo-se a extinção do processo com julgamento do mérito.
A reforma trouxe no art. 415 e seus incisos, do CPP, as hipóteses que passam a permitir a absolvição sumária. O artigo dispõe que o juiz ao término da 1ª fase, qual seja, juízo da culpa/acusação, absolverá desde logo o réu nos seguintes fundamentos: a) estiver provada a inexistência do fato; b) demonstrado não ser o acusado autor ou partícipe do crime; c) não constituir o fato infração penal; e d) provada causa de isenção de pena ou exclusão do crime (BONFIM, 2011).
Deste modo, a absolvição sumária, segundo Távora e Alencar (2012, p. 849) é quando “a denúncia é julgada improcedente e, por força da coisa julgada material formada, não pode ser reiniciada demanda penal pelos mesmos fatos narrados na peça acusatória”. Segundo os autores, “a sentença de absolvição sumária encerra a primeira fase do rito escalonado do júri, sem dar seguimento à segunda relativamente ao réu absolvido sumariamente”.
O art. 416, do CPP, expõe que da absolvição sumária cabe o recurso de apelação. Contudo, com a absolvição sumária tem o magistrado à alternativa de não remeter ao plenário do júri casos que não preenchem o requisito constitucional de crime doloso contra a vida.
Assim, uma vez evidenciado a não existência do fato, ou o autor do crime ser diverso ao acusado, deverá o magistrado absolver o réu, bem como, se o fato não constitui infração penal, ou, há clara e inegável isenção da pena, bem como exclusão do crime, também deverá ser absolvido.
Por fim, outra decisão que o juiz pode proferir é a de desclassificação da infração penal contra a vida. Esta medida é prolatada pelo juiz singular quando do encerramento da primeira fase do procedimento do júri. Ocorre quando o crime doloso contra a vida imputado ao acusado é desclassificado para outro delito que não seja de competência do tribunal do júri, remetendo, se for o caso, o acusado à Vara responsável pelo julgamento do crime que não seja doloso contra a vida, tentado, consumado ou conexo.
Sobre a desclassificação protesta Guilherme de Souza Nucci:
“O juiz somente desclassificará a infração penal, cuja denúncia ou queixa foi recebida como delito doloso contra vida, em caso de cristalina certeza quanto à ocorrência de crime diverso daqueles previstos no art. 74, § 1°, do Código de Processo Penal (homicídio doloso, simples ou qualificado; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; infanticídio ou aborto). Outra solução não pode haver, sob pena de se ferir dois princípios constitucionais: a soberania dos veredictos e a competência do júri para apreciar os delitos dolosos contra a vida (2008, p. 88).”
Assim, se o magistrado no final da fase de judicium accusationis, após apreciado os fatos, poderá reconhecer que o crime ali descrito é diferente dos crimes de delitos contra a vida. Além do mais, vale destacar que o juiz não pode dizer o tipo penal que entende enquadrada a conduta descrita, ele deve apenas asseverar que não se trata de crime doloso contra a vida, ficando a cargo do Ministério Público dizer o tipo penal para a conduta descrita (TÁVORA & ALENCAR, 2012).
O art. 419, do CPP, com a nova redação dada pela Lei n° 11.689/2008 prevê que a desclassificação ocorre “quando o juiz se convencer, em discordância da acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1º do art. 74 deste código”, acrescentando que não sendo competente para o julgamento remeterá os autos ao juiz que o seja. Portanto, a desclassificação tem a “natureza de uma decisão interlocutória modificadora de competência” (TÁVORA & ALENCAR, 2012, p. 852).
Ademais, da decisão de desclassificação é cabível recurso em sentido estrito, podendo ser interposto tanto pela acusação quanto pela defesa (at. 581, II, CPP), e somente depois de transcorrido o prazo de recursos é que o processo segue para o juiz competente.
Mediante o exposto, conclui-se que a desclassificação tem a ver com uma nova definição jurídica dada aos fatos pelo juiz, de forma que tira a competência do tribunal do júri de julgar.
Neste capítulo aborda-se o detalhamento de impronúncia prolatada pelo juiz do Tribunal do Júri, além do posicionamento doutrinário favorável e contrário à constitucionalidade da sentença de impronúncia.
2.1 Detalhamento de impronúncia
A decisão de impronúncia não julga o mérito da denúncia. Essa decisão ocorre quando o juiz togado não encontra elementos configuradores da culpabilidade do acusado, e com base no livre convencimento motivado, ou seja, fundamentadamente, o magistrado decretará a impronúncia, que nada mais é do que uma decisão interlocutória terminativa (erroneamente denominada como sentença no CPP) que não encaminha o acusado para julgamento pelo Tribunal do Júri.
A previsão da impronúncia está no art. 414, do CPP, que diz: “não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado”, sendo acrescentado em seu parágrafo único, que “enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova” (BRASIL, 2016b).
No entender de Mirabete:
“A impronúncia é um julgamento de inadmissibilidade de encaminhamento da imputação para o julgamento perante o Tribunal do Júri porque o juiz não se convenceu da existência da prova da materialidade do crime ou de indícios da autoria, ou de nenhum dos dois. Trata-se de uma sentença terminativa, em que se afirma da inviabilidade da acusação, provendo-se a extinção do processo sem julgamento do meritum causae (2006, p. 508).”
Coadunando com o entendimento do autor acima, Távora e Alencar (2012) se posicionam no sentido de que a impronúncia é uma sentença terminativa. Sendo sentença terminativa, a impronúncia gera coisa julgada formal e não material. Assim, segundo o art. 416, do CPP, da decisão de impronúncia, caberá o recurso de apelação, tanto da parte do Ministério Público, quanto da Defesa.
Em resumo, considerando que a decisão de impronúncia não julga o mérito, o acusado que é impronunciado, poderá sofrer novo processo criminal pelo mesmo delito, desde que não ocorra a prescrição da pretensão punitiva, basta o Ministério Público apresentar nova denúncia com novas provas (DA SILVA, 2010). Assim, enquanto a prescrição não acontece, o impronunciado será o único que sofrerá com consequências negativas da decisão de impronúncia, pois em seus antecedentes criminais irá constar o processo que foi encerrado pela decisão de impronúncia, além de gerar para o acusado uma insegurança jurídica (DADALTO & TESSMANN, 2015).
Outrossim, a opinião do doutrinador Porto (1989) é a de que a impronúncia não cabe no caso em que o juiz, com base no conjunto probatório, suscita dúvida que deverá ser averiguada a posteriori, ou seja, as provas de autoria e materialidade do crime não conferem ao magistrado a segurança de que necessita para proferir a impronúncia, situação em que o juiz deverá pronunciar o acusado, não podendo utilizar do in dubio pro reo, destinando assim, ao Tribunal do Júri a tarefa de decidir.
Neste diapasão, o doutrinador Rangel (2014, p. 661) se posiciona cerrando fileiras à corrente que prima pela “inconstitucionalidade da decisão de impronúncia pela ineficácia da pretensão acusatória, sendo inadmissível no Estado Democrático de Direito”. Para o autor, a decisão de impronúncia traz uma insegurança jurídica para o acusado, pois apesar de não ser considerado culpado pelo crime que lhe foi imputado, ele fica aguardando a extinção da punibilidade, podendo a qualquer momento, caso surja novas provas, responder por um novo processo.
Diante disso, alguns autores defendem a ideia de que a decisão de impronúncia seria inconstitucional, tema que será aprofundado adiante.
2.2 Corrente contrária à constitucionalidade da impronúncia
Para alguns doutrinadores brasileiros, a sentença de impronúncia tem caráter inconstitucional, uma vez que fere diretamente diversos princípios e garantias constitucionais fundamentais, verdadeiros pilares do Estado Democrático de Direto.
Rangel (2004) comunga com a corrente que defende a inconstitucionalidade da decisão de impronúncia, pois para ele a impronúncia gera insegurança jurídica ao acusado. O autor relata que não faz sentido o réu ser impronunciado e ficar aguardando a extinção da punibilidade. Segundo o autor, não havendo indícios de materialidade e autoria do fato, deverá o réu ser diretamente absolvido, além disso, nesses casos o acusado não tem a certeza se o responsável pela ação penal (Ministério Público) irá pedir sua absolvição, ficando a mercê da incerteza jurídica.
Segundo o entendimento do autor, o fato da decretação de impronúncia não resultar em efeitos processuais penais práticos (pela condenação ou absolvição definitiva) a torna inconstitucional, na medida em que, embora o Estado-juiz tenha se convencido da falta de substância no conjunto probatório, caberá ao Ministério Público declarar o acusado inocente, o que transforma a vida desse acusado em uma ansiosa espera e, o que é pior, a declaração de impronúncia pelo magistrado não garante que essa declaração pelo MP seja automática.
Pode-se deduzir que, nessa opinião, o autor ressalta o confronto entre essa norma e o preceito constitucional da presunção de inocência e, também, do devido processo legal, de maneira que é como se as regras do jogo fossem alteradas no meio da disputa, conferindo a um dos jogadores a opção por utilizar outros recursos ainda não esgotados, possibilitando que o acusado seja novamente submetido a todo o processo, em um esforço por fazer prevalecer o princípio do in dubio pro societate, em detrimento do in dubio pro reo.
Para Rangel (2003, p. 528-530), que defende a inconstitucionalidade da decisão de impronúncia, “[…] A decisão de impronúncia é um nada. O indivíduo não está nem absolvido, nem condenado”. Isso faz com que o réu seja prejudicado, sobre o assunto Nassif (2009, p. 75-92) ressalta que:
“[…] além da duvidosa constitucionalidade da norma (artigo 414, correspondente ao revogado 409), face à violação do princípio da isonomia processual, mais grave é a vedação de igual procedimento quando o denunciado/impronunciado conseguir prova de sua inocência”. […] “a sentença de impronúncia produz coisa julgada formal, pois não há julgamento do mérito. Mas traz irrefutável prejuízo ao impronunciado”, [que] “não pode ver declarada a sua absolvição, com o que, pelo estigma processual, sua dignidade permanece ofendida (NASSIF, 2009, p. 75-92).
Portanto, para o doutrinador acima, a decisão de impronúncia, por não decidir de maneira contundente o destino do acusado, produz resultados danosos ao mesmo, violando diversos princípios constitucionais disponíveis ao acusado, levando-o a ter sua dignidade (um dos valores mais destacados pela Constituição federal brasileira) atacada e sem possuir a menor condição de reverter esse quadro, uma vez que, a qualquer momento até a prescrição, poderá ser novamente imputado a ele o crime do qual foi impronunciado, seja por novas provas, seja por qualquer motivo em direito admitido, ficando sua vida em condição suspensiva.
Acrescentando, Lopes Júnior tem a visão que:
“[…] o absurdo gerado pela decisão de impronúncia reside na possibilidade, prevista no parágrafo único (do art. 414), de o processo ser reaberto a qualquer tempo, enquanto não estiver extinta a punibilidade [gerando] um angustiante e ilegal estado de ‘pendência’, pois o réu não está nem absolvido, nem condenado. E, o que é pior, pode voltar a ser processado pelo mesmo fato a qualquer tempo. […] o estado de pendência e de indefinição gerado pela impronúncia cria um terceiro gênero não recepcionado pela Constituição, onde o réu não é nem inocente, nem está condenado definitivamente. [É] como se o Estado dissesse: ainda não tenho provas suficientes, mas um dia eu acho… (ou fabrico…); enquanto isso, fica esperando (2006, p. 154-155).”
Então, se deduz que, na situação de impronúncia, suspensos estão os direitos civis e políticos, assim como as garantias fundamentais constitucionais do impronunciado, uma vez que, a qualquer tempo, conforme o artigo 414 do CPP, pode o acusado voltar a ser processado pelo mesmo crime e, novamente, passar por todo o processo de julgamento que, no Brasil, é moroso e custoso, podendo inclusive o acusado ser mantido preso durante esse período, já que nada pode ser feito na condição atual da impronúncia, por ainda não existir previsão legal que resolva esse impasse.
Sobre a problemática, Oliveira (2009, p. 689) utiliza-se da seguinte argumentação:
“Ora, é bem de ver, porém, que a própria lei, no mesmo momento procedimental, permite o afastamento da competência do Tribunal do Júri na hipótese de absolvição sumária. A diferença entre uma (impronúncia) e outra (absolvição sumária) se localizaria, então, na questão da suficiência ou não da prova colhida em juízo. […]. Assim, de duas, uma: ou se acaba com a decisão de impronúncia, sob o fundamento da ausência de provas, remetendo o processo ao Tribunal do Júri em tais situações, ou não se admite também a absolvição sumária pelo juiz singular, na exata medida em que ambas terminariam por afastar a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida”.
Mediante o exposto, a decisão ou sentença de impronúncia é flagrantemente inconstitucional, uma vez que fica o destino do acusado impronunciado à mercê do Ministério Público, sendo que este deveria ter a obrigação de tornar a sentença de impronúncia em instrumento jurídico que faça coisa julgada tanto formal quanto material, extinguindo sua punibilidade.
O art. 414 do CPP, como já dito, prevê a decisão de impronúncia. Esta decisão embora seja contestada, está sendo usada pelos Tribunais de Justiça em todo o país, assim como pelas Cortes Superiores (STJ e STJ), bastando apenas que seja preenchido os requisitos da lei.
Para tanto, cabe destacar no caso concreto, como o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, tem entendido acerca da decisão de impronúncia em seu julgamento:
“9. 0013480-63.2007.8.08.0014 (014070134805)
Classe: Apelação
Relator : ADALTO DIAS TRISTÃO
Órgão Julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL
Data do Julgamento: 10/08/2016
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0013480-63.2007.8.08.0014 – COLATINA
APTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
APDO: ERALDO BRAZ
RELATOR: DESEMBARGADOR ADALTO DIAS TRISTÃO
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – SENTENÇA DE IMPRONÚNCIA – RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – PEDIDO DE PRONÚNCIA – EXISTÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE – DÚVIDA QUANTO À EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA – VÁRIOS SUSPEITOS ALÉM DO APELADO QUE NÃO FORAM INVESTIGADOS – COISA JULGADA FORMAL – POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÃO DA IVNESTIGAÇÃO – APELO IMPROVIDO. 1) A impronúncia está prevista no art. 414 do CPP e deverá ser tomada quando o Magistrado não se convencer da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria, sendo que no caso em apreço, operou-se a segunda hipótese. 2) Os supostos indícios que recaem sobre o apelado são seu chinelo e uma faca que nem mesmo pode-se afirmar que fora utilizada no crime, pois a perícia não identificou sangue na mesma. Tais objetos foram encontrados justamente por pessoa que nutria sentimento de inimizade contra o apelado, e que possuía livre acesso à residência deste, situação que impõe ressalvas ao seu depoimento. 3) O que se percebe é que existem pelo menos três suspeitos, sendo que somente um deles foi denunciado, situação que evidencia flagrante deficiência da investigação. 4) A sentença de impronúncia, por estar baseada apenas na ausência de provas, faz coisa julgada apenas formal, podendo o juízo e o ¿Parquet¿ renovarem as diligências investigatórias, já que a decisão de impronúncia encerra tão-somente o processo, e não a pretensão punitiva do estado, obedecendo o disposto no parágrafo único do art. 414: ¿Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova¿.4) APELO IMPROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0013480-63.2007.8.08.0014, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL e apelado ERALDO BRAZ; ACORDA a Egrégia Segunda Câmara Criminal, na conformidade da ata e notas taquigráficas da Sessão, à unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Vitória, 10 de agosto de 2016. PRESIDENTE⁄RELATOR.” (BRASIL, 2016f).
Nesta senda, observa-se que, pelo fato de não ter sido provado em juízo indícios suficientes de autoria, a fase de formação de culpa foi prejudicada, impedimento que o procedimento do júri avance para a segunda fase de julgamento em plenário. Portanto, a decisão do juiz singular da primeira fase do júri foi alvo de recurso de apelação ao TJ, que conforme a ementa julgou-o desprovido, ou seja, julgou o recurso improcedente, mantendo a decisão de impronúncia do juiz singular.
Ainda, seguindo o mesmo entendimento, vale a pena destacar outro acordão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que confirma uma decisão de impronúncia proferido pelo juiz a quo, ou seja, Juízo Singular do júri, vejamos:
“APELAÇÂO. TRIBUNAL DO JÚRI. INDÍCIOS DE AUTORIA. INSUFICIÊNCIA. IMPRONÚNCIA. Ao juízo de pronúncia basta a comprovação da existência do fato e indícios suficientes de autoria, não sendo necessária prova plena, certeza, como nas decisões de mérito. Porém, o artigo 413 do Código de Processo Penal, ao exigir a presença de indícios suficientes de autoria para a decisão de pronúncia, deixou claro que não são quaisquer indícios que justificam a pronúncia, mas apenas aqueles suficientes, assim entendidos os que apontem a probabilidade da participação do réu no fato descrito na denúncia. Meros indícios isolados nos autos não justificam a remessa do réu a julgamento pelo Tribunal popular. No caso dos autos, a indicar a participação do acusado há nos autos apenas o depoimento de testemunhas não presenciais, eivado de contradições e lacunas, justificadas por não ter presenciado os fatos. Inexistente qualquer outro indício de autoria, impõe-se a impronúncia. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70057560864, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 02/10/2014)”.
Desta maneira, vê-se que o recurso de apelação pela impronúncia do juiz singular embora tenha sido conhecido foi desprovido, pois não há de se dizer em pronúncia, quando os indícios de autoria forem frágeis para motivar que o acusado vá para julgamento no plenário, restando apenas impronunciar o réu, conforme a jurisprudência.
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), emana decisões com o entendimento de que para haver a impronúncia deve-se observar a ausência de convencimento do magistrado, diante das provas produzidas nos autos. Vejamos duas decisões do STJ:
“Tribunal do júri (competência). Qualificadora (motivo torpe). Manutenção (caso). Excesso de motivação (não ocorrência).1. A pronúncia, conquanto consista em mero juízo de admissibilidade da acusação, depende de algum exame dos elementos de convicção, tanto que a impronúncia, a teor da anterior redação do art. 409 do Cód. de Pr. Penal, é resultante da falta de convencimento. 2. Na hipótese, não há falar em nulidade da pronúncia, pois o Tribunal não foi além da sua competência. 3. Agravo regimental improvido.(AgRg no REsp 828.470/MT, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 29/09/2009, DJe 18/12/2009)” (BRASIL, 2016).
“PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. NULIDADE. RECONHECIMENTO EM RHC. NOVEL DECISÃO. IMPRONÚNCIA. 1. APELAÇÃO CRIMINAL JULGADA. ACUSADO PRONUNCIADO. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. INVIABILIDADE. VIA INADEQUADA. 2. DESENTRANHAMENTO DO DEPOIMENTO DE DUAS TESTEMUNHAS. DETERMINAÇÃO DESTE SUPERIOR TRIBUNAL. CUMPRIMENTO DA DECISÃO. OCORRÊNCIA. 3. PRONÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE. INDÍCIOS DE AUTORIA. INCIDÊNCIA. OCORRÊNCIA DO FATO TÍPICO. SUJEIÇÃO AO JÚRI. 4. MAGISTRADO IMPRONUNCIOU. MENÇÃO SOBRE A INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DE AUTORIA. RECURSO MINISTERIAL. ACÓRDÃO QUE DETERMINA A SUBMISSÃO DO PACIENTE AO JÚRI. ELEMENTOS COLHIDOS NA FASE POLICIAL E EM JUÍZO. INDÍCIOS DE AUTORIA. OCORRÊNCIA. 5. ENTENDIMENTO OUTRO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. 6. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
“PROCESSUAL PENAL. INDÍCIOS DE AUTORIA. PROVA COLHIDA NO INQUÉRITO. INSUFICIÊNCIA, NO CASO CONCRETO, PARA ARRIMAR PRONÚNCIA. FALTA DE CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO.
1 – No caso concreto, não havendo qualquer confirmação em juízo, sob o crivo do contraditório, dos elementos colhidos no inquérito, não há como admitir arrimar-se a pronúncia apenas e tão-somente naquela prova apurada na fase inquisitorial. Precedente da Sexta Turma.
2 – Equivoca-se o Tribunal de origem ao afirmar que, indiscutivelmente, a prova colhida no inquérito é isolada e, mesmo assim, concluir pela pronúncia do paciente.
3 – Impetração não conhecida, mas concedida a ordem, ex officio, para restabelecer a decisão de impronúncia. (HC 341.072/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 29/04/2016)” (BRASIL, 2016e).
Destaca-se, portanto, que para caracterizar a impronúncia deve existir a falta de convencimento do magistrado, pois, caso contrário, o juiz singular deverá pronunciar o acusado.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não tratou acerca da inconstitucionalidade da decisão de impronúncia, mesmo sendo este tema discutido dentro da doutrina processual penal. O STF, órgão responsável pela fiscalização constitucional do ordenamento jurídico, entende ser cabível, nos termos do art. 414 do CPP, a decisão de impronúncia. Vejamos a ementa do julgado que teve como Relator o Ministro Menezes:
“Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RE. QUESTÃO SUPERADA. HABEAS CORPUS. CONCESSÃO DA ORDEM PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA. ALEGAÇÃO DE TOLHIMENTO DE PRERROGATIVA EXCLUSIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROVAR A ACUSAÇÃO, MEDIANTE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA PROCEDIDA POR TRIBUNAL SUPERIOR, EM DETRIMENTO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. OFENSA AOS ARTS. 5º, XXXVIII, E 129, I, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Havendo a Corte, por meio de seu Plenário Virtual, reconhecido a repercussão geral do tema constitucional debatido nos autos, deve prosseguir no julgamento de mérito da causa. II – Para se chegar à conclusão contrária à do acórdão recorrido seria necessário reexaminar o conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 279 do STF. III – Decisão judicial de rejeição de denúncia, impronúncia de réu, de absolvição sumária ou de trancamento de ação penal por falta de justa causa, não viola a cláusula constitucional de monopólio do poder de iniciativa do Ministério Público em matéria de persecução penal e tampouco transgride o postulado do juiz natural nos procedimentos penais inerentes ao Tribunal do Júri. III – Recurso extraordinário não provido. (RE 593443, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 06/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-097 DIVULG 21-05-2014 PUBLIC 22-05-2014)” (BRASIL, 2016c).
Não obstante, vê-se que a decisão de impronúncia está sendo usada pelos magistrados, conforme recentes decisões dos Tribunais e Cortes superiores. Os magistrados, julgam impronunciar o acusado, nos casos que não existem indícios suficientes de autoria ou participação no crime imputado, declarando a improcedência da acusação.
Apesar disso, ao contrário das jurisprudências, bem como dos antigos doutrinadores, cresce o raciocínio acerca da inconstitucionalidade da impronúncia entre os doutrinários dos novos juristas (Oliveira, Paulo Rangel, Aury Lopes Jr, Vicente Greco Filho e Guilherme de Souza Nucci), que comungam com os princípios constitucionais, quais sejam: a Dignidade da Pessoa Humana, a Presunção de Inocência e a Igualdade Processual.
Conclusão
Em síntese, evidenciou-se com este trabalho a importância do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolos contra a vida, no entanto, constatou-se a insegurança jurídica do acusado na decisão de impronúncia do Tribunal do Júri no Brasil.
Foi verificado, até recentemente, que o Tribunal do Júri obedecia à regulamentação do Código de Processo Penal brasileiro, cuja redação foi recentemente alterada pela Lei nº 11.689/2008, alterando o procedimento para julgamento pelo Tribunal do Júri, no Brasil, criando uma fase intermediária, resultando da seguinte maneira: 1º) o juízo de admissibilidade da acusação – ou sumário de culpa – ou ainda formação da culpa (judicium acusationis); a preparação do processo para o julgamento em plenário e 2º) julgamento propriamente dito, ocorrendo apenas e tão somente nos casos em que o juiz togado (presidente do TJ), com base no conjunto probatório e amparado por seu livre convencimento motivado, identifique as condições de autoria e materialidade e, a partir de então, pronuncie o acusado – ou fase de julgamento em plenário (judicium causae), para que seja julgado por crimes contra a vida, tentados, consumados e conexos.
O juiz presidente do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, com base na detalhada análise do conjunto probatório e em seu livre convencimento motivado, pode pronunciar o acusado (situação em que o processo será remetido ao Tribunal do Júri, para agendamento de data em pauta de julgamento); pode, ainda, absolvê-lo sumariamente, situação que resultará na decretação de sua inimputabilidade e, por último, poderá o juiz decretar a impronúncia, situação em que o acusado não será nem condenado nem absolvido, restando uma situação de suspensão de seus direitos civis, políticos e constitucionais.
Nesse procedimento caberia ao Ministério Público, em tese, requisitar a decretação de absolvição do acusado, realidade esta que não encontra certeza perante a doutrina brasileira.
Apresentou-se, ainda, o conceito e o detalhamento da impronúncia, assim como o posicionamento das correntes contrária à constitucionalidade da sentença de impronúncia (minoritária).
Com base no posicionamento dos doutrinadores da corrente favorável acerca da inconstitucionalidade da impronúncia, conclui-se que a decisão de impronúncia do Tribunal do Júri no Brasil, gera insegurança jurídica do acusado, por não fazer coisa julgada, não o absolvendo nem condenando, pois em caso de surgimento de novas provas o processo pode ser reaberto e o acusado poderá ser julgado no plenário.
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