A inter-relação dos princípios civis, clássicos e contemporâneos no direito contratual

Resumo: O presente estudo busca explicar quais os tipos de influencias que os princípios civis, clássicos e contemporâneos exercem no direito contratual. Para tanto, é necessário  conhecer um pouco de sua história, explicá-los, debater seus conceitos e principalmente se ater as discussões que comportam no que tange as relações jurídicas negociais. Vale ressaltar que o contrato é hoje a mais importante fonte de negócios jurídicos, portanto, sem dúvida, um estudo mais aprofundado sobre o tema, é chave fundamental para boa composição das avenças.[1]

Palavras chaves: princípios, contratos, evolução histórica.

Abstract: This study seeks to explain what types of influences that the principles civilians, classic and contemporary exercise in contractual law. Therefore, it is necessary to know a bit of its history, explain them, discuss their concepts and mainly stick to behave discussions regarding the legal relationships negotiation. It is noteworthy that the contract is now the most important source of legal business, so undoubtedly further study on the subject, is fundamental key to good composition of covenants.
Keywords: principles, contracts, historical evolution.

Sumário: Introdução. 1. Relatos históricos dos contratos. 2. Princípio da autonomia privada/autonomia das vontades e da Boa-Fé Objetiva. 3) Princípio da força obrigatória dos contratos e princípio do equilíbrio econômico/igualdade substancial. 4)Princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato as partes e princípio função social dos contratos. Conclusão. Referências.

Introdução.

Os princípios contratuias são reflexos dos momentos históricos vividos por tal instituto jurídico, nascerem em virtude de fatores sociais que se tornavam necessários para a boa aplicação do direito. Nesse sentido o código civil de 1916 possui os chamados princípios clássicos que são os da autonomia da vontade, o princípio da força vinculante dos contratos “pacta sunt servanda”, e o princípio da relatividade subjetiva dos efeitos contratuais as partes, que decorreram de institutos de outros países.

Contudo em consequência da mutação do direito e de fatores como promulgação da CF (Constituição Federal), do princípio da dignidade da pessoa humana em 1988, do CDC/1990(código de defesa do consumidor), entre outros, o CC (código civil) de 2002 trouxe em sua nova roupagem novos princípios conhecidos como princípios contemporâneos, são eles: Boa-Fé Objetiva, Função social e Equilíbrio Econômico.

Esses novos princípios aparentemente se colidem com os clássicos, mas na verdade complementam os princípios do Código Civil de 1916, e é nessa discussão de aplicação dos princípios clássicos e modernos que se passa a seguir.

1) Relatos históricos dos contratos

O surgimento dos contratos no mundo dos fatos é um tanto difícil de ser explicado, pois não se encontra em nenhuma doutrina o relato preciso e exato do momento histórico e sociológico de sua criação, afinal o contrato é o acordo das vontades humanas que pode ou não estar escrito, ou seja, pode ficar apenas no campo das palavras ou mesmo dos gestos.

Todavia os primeiros relatos de celebração dos contratos remota das antigas civilizações. Vendo que sozinho era fraco, o homem passou a se aglomerar e formar os primeiros clãs e com isso as cidades, cada qual com sua cultura, com expressões artísticas, línguas, rituais, estilos de vida e também produção para sua subsistência. Cada cidade possuía uma técnica de trabalho, e produzia um determinado tipo de alimento, ou mesmo, algum objeto, que os diferenciava dos demais.

Portanto, no intuito de sobrevivência ou conforto o homem passou a fazer a troca, venda, empréstimos, e com isso, o contrato. Doravante o homem através do pacto supria suas necessidades físicas, e com seus próprios desígnios e práticas formava a relação jurídica nos negócios.

Destarte, com a evolução dos tempos e do homem, os contratos também foram se transformando, mais é no direito romano que eles passaram a ser visto como uma expressão jurídica, isso graças a Gaio que sistematizou as fontes das obrigações desenvolvidas nas institutas de Justiniano e institui o contrato como uma obrigação, compreendendo este como as convenções e avenças firmadas entre duas pessoas. (STOLZE e PAMPLONA, 2009, p.3).

E assim o contrato foi seguindo o rumo da humanidade, passou por diversas épocas, como o mercantilismo, iluminismo, revoluções guerras, pós-guerras e com isso adquirindo características diferentes. Nesse tempo, os contratos agregaram funções distintas, e se consagraram em grandes codificações, principalmente a francesa e a alemã. O Código Civil Brasileiro de 1916 sofreu grande influência desses códigos europeus, o que pode também ser notado do Código de Defesa do Consumidor (de 1990) e no Código Civil de 2002. 

Devido à tamanho uso, nos dias atuais é impossível vislumbrar um mundo sem contratos, pois este se faz presente desde as pequenas relações comerciais, até a celebração de contratos de alto nível de  importância em grandes negócios jurídicos.

Às vezes os contratos estão em simples ações de nosso dia-a-dia como em nossa casa quando contratamos água, energia e telefone para podermos usufruir desses bens, quando vamos a padaria comprar o pão ou as lojas para fazer compras, e quando pedimos alguém que exerça um serviço, como o pedreiro, o dentista, ou um advogado.

A forma de negociar também mudou, hoje não precisamos estar de frente com o comerciante ou a prestadora de serviços para celebrar os contratos nem mesmo usar o dinheiro (em espécie) para quitar uma obrigação, podemos fazer isso pelo simples toque de um mouse via internet, também pelo cartão de crédito, depósito bancário, celular, ou seja, o contrato está presente em nosso dia, e pode ser pactuado por inenarráveis ações.

No Brasil, o Direito resolveu abarcar os contratos resguardando-o através das leis. Como visto o direito contratual estava previsto no Código civil de 1916 e hoje no de 2002, bem como no código de defesa do consumidor. Contudo em decorrência das várias aplicações dos contratos, a simples aplicação das leis tornou-se insuficiente para suprir as lacunas legislativas dos diversos contratos celebrados, portanto além do da norma legal, ampara também essa espécie jurídica diversos princípios.

2) Princípio da autonomia privada/autonomia das vontades e da Boa-Fé Objetiva.

O princípio da autonomia privada surgiu na antiga Roma como um pressuposto de dar a seus cidadãos a liberdade de expressão ao contratar. Contudo seu apogeu ocorreu no período pós-revolução francesa, onde os ideais de liberdade trazidos pelo movimento atingiram o Direito consagrando o princípio no código civil francês.

Por este princípio podemos entender que tem os pactuantes a liberdade de contratar da forma, maneira e com quem quiserem, tendo as partes liberdade de criar contratos inclusive os  atípicos, ou seja, aqueles que não estão previstos em lei. “O princípio da Autonomia da vontade se alicerça exatamente na ampla liberdade contratual, no poder dos contratantes de disciplinar seus interesses mediante acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem pública” (Gonçalves, 2009, p.20).

Todavia, como visto, esse princípio denota de épocas antigas, e de lá até hoje muitas mudanças ocorreram, vale ressaltar que essa liberdade de contratar da forma e com quem quiserem tornou-se excessiva, refletindo drasticamente nas relações trabalhistas como o trabalho escravo e infantil na revolução industrial. E também na formação de cartéis e monopólios que por sua vez prejudicava o consumidor e a livre concorrência.

Diante de tais expostos, a partir do sec.XX o princípio sofreu algumas repressões. A liberdade de contratar ainda é plena e desembaraçada, contudo como demonstra o art. 421 do CC, essa liberdade é vigiada pelo Estado através de órgão como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), por leis como o CDC, Usura, pelo princípio da função social do contrato, mais principalmente pela Boa-Fé Objetiva.

O princípio da Boa-Fé Objetiva encontra-se codificado art.422 do CC. Em sua essência ele diz que os contratantes devem agir de forma correta, justa, proba nas relações pactuadas, “não só durante as tentativas, como também durante a formação e o cumprimento do contrato”(Gonçalves, 2009, p.33)

A boa-fé é um padrão de comportamento esperado do homem médio, que se propõe a impedir que uma das partes ao exercer a liberdade, tenha uma conduta abusiva, iníqua, objetivando lucro desleal para si, tanto por parte do credor como do devedor, inclusive caso praticado tal conduta, poderá o contrato ser desfeito.

Insta esclarecer também, que o princípio da boa fé no intuito de limitar os direitos praticados de maneira abusiva, exerce três funções na esfera contratual: a função interpretativa que é aplicada nos contratos onde houver a necessidade de interpretar as cláusulas contratuais vagas, ou que dão margem a duplas ou distorcidas interpretação, cabendo ao magistrado usar a boa fé como um parâmetro para o aparente conflito; a função integrativa, que chama a avença outras obrigações que não estão explicadas de maneira expressa no texto do contrato, mas que devido a sua importância são implícitos as partes, como por exemplo o dever de sigilo e lealdade; e função limitativa dos direitos subjetivos, que impede que os cidadãos abuse  da lei e da justiça ao exercer seus direitos subjetivos de maneira maldosa, inescrupulosa, objetivando lucro excessivo,ex.: abrir uma quitanda(direito subjetivo de propriedade) mas vender produtos estragados, essa função encontra respaldo na teria do abuso(art. 187CC/2002).

Nessa toada, o princípio da Boa-fé Objetiva vem limitar a autonomia da vontade no sentido de que pode as partes contratar da forma que quiserem e até criar contratos atípicos, desde que haja com probidade e honestidade em toda relação contratual, de modo que essa seja saudável e não prejudique um de seus pactuantes.

Segundo a professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka citada por Flávio Tartuce (2009,173) “a liberdade de contratar ainda é a mesma liberdade facultada a todos os indivíduos de realizarem, materialmente, suas avenças, sem a indagação a respeito do conteúdo ou mais ou menos restritivo, imposto pela ingerência estatal”.

3) Princípio da força obrigatória dos contratos e princípio do equilíbrio econômico/ igualdade substancial.

O princípio clássico da força obrigatória dos contratos paira sobre o princípio da “pacta sut servanda”(o contrato faz lei entre as partes). Os pactuantes que estabelecem e aceitam o contrato ficam submetidos a sua força vinculante, ou seja, a respeitar e cumprir as disposições  pré-estabelecidas.

Com mais proeza assevera Orlando Gomes citado por Stolze e Pamplona que:

“o princípio da força obrigatória dos contratos consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. Celebrado que seja, com a observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos”(2009, p. 38)

E caso haja a modificação de alguma das cláusulas tanto o proponente como o oblato precisam da anuência um do outro, para assim fazerem as devidas mudanças, sobretudo financeiras. Incidindo também a cláusula “rebus sic stantibus” que estabelece que a avença não pode ser alterada se a situação das partes permanecer a mesma.

Ocorre que, muitas vezes em decorrência de diversos fatores alheios a vontade do agente (como o caso fortuito e a força maior), podem importar em redução da capacidade financeira de uma das partes, deixando a obrigação excessivamente onerosa para si. Por tanto o código civil de 2002 inovou e regulamentou um novo princípio, o princípio do Equilíbrio Econômico, que reflete as influencia do princípio da Isonomia (art. 5º caput, inc. I CF). Ele traduz a ideia de que no momento do pacto uma das partes assevera possuir condições para seu cumprimento, contudo por decurso do tempo e situações supervenientes, imprevisíveis e  alheias ao contrato a obrigação se torna impossível de ser cumprida.

O equilíbrio cria mecanismos legais no sentido de preservar a estabilidade econômica entre as duas partes até o fim do contrato, como por exemplo, o instituto da revisão contratual que possui requisitos diferentes do no CC/2002 e no CDC. No código civil a revisão contratual é pautada na teoria da imprevisão, para que ela ocorra, é preciso respeitar as disposições do art. 317 e 478 do CC, ou seja, é necessário um fato superveniente a celebração do contrato, que o deixe excessivamente oneroso, e que era imprevisível ao pactuante no momento da celebração do contrato. Já no CDC são necessários apenas que o consumidor comprove que ocorreu um fato superveniente que deixou o contrato oneroso, como bem assegura a teoria da onerosidade excessiva.

Desta feita, os pactuantes têm sim o dever e a obrigação de cumprir com a avença, mas caso haja o desequilíbrio das partes no que tange ao cumprimento da obrigação poderá a prejudicada recorrer ao judiciário e pedir a revisão contratual ou anular uma cláusula abusiva,  não com o intuito de fugir do comprometimento, mais sim de preservar a saúde da avença.

Outro instrumento decorrente do princípio do equilíbrio econômico é diferenciar a vulnerabilidade da hipossuficiência do consumidor, e sua possibilidade de inversão do ônus da prova quando não conseguir comprovar os fatos que alega.

4)Princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato as partes e princípio função social dos contratos.

O princípio da relatividade dos efeitos do contrato as partes, fundamenta-se no parecer de que a partir da celebração dos contratos produzi-ser-a este efeitos apenas para as partes acordadas, não podendo se estender a terceiros estranhos.    

Mister esclarecer, que existem alguns negócios jurídicos que de certa forma podem sair da esfera contratual e alcançar terceiros, como o “contrato a pessoa a declarar” e a “estipulação em favor de terceiros”. Como visto, hoje os contratos são o principal instrumento usado pela sociedade para negociar, e firmar acordos, podendo existir avenças de pequeno, média e grandes portes, com isso existem contratos que a depender de sua natureza podem afetar não só as partes mas também pessoas desconhecidas ou mesmo a sociedade, e para preservar, conservar ou extrair benefícios destas avenças é que existe o princípio da função social dos contratos.

Esse princípio encontra-se codificado no art. 421 do CC, onde diz que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Insta esclarecer que ele também é fundamentado na Carta magna através de princípio e normas constitucionais como a dignidade humana (art. 1º inc.III), a solidariedade social (art. 3º, inc.III), e a justiça social (art. 170 caput e inc.III). E também em demais codificações do próprio código civil como os art.187, art.423, art. 2035, entre outros.

Segundo Eduardo Sens Santos

“O contrato não pode ser mais entendido como uma mera relação individual. É preciso atentar para seus efeitos sociais, econômicos, ambientais e até mesmo culturais. Em outras palavras, tutelar o contrato unicamente para garantir a equidade das relações negociais em nada se aproxima da ideia de função social. O contrato somente terá uma função social – uma função pela sociedade – quando for dever dos contratantes atentar para exigência do bem comum, para o bem geral. Acima do interesse em que o contra seja respeitado, acima do interesse em que a declaração seja cumprida fielmente e acima da noção de equilíbrio meramente contratual, há interesse de que o contrato seja socialmente benéfico , ou, pelo menos, que não traga prejuízos á sociedade – em suma, que o contrato seja socialmente justo”(apud Stolze; Pamplona, 2009, p. 48).

Urge salientar ainda, que a função social busca abrigar a sociedade de impactos acarretados pelos contratos, principalmente nos que se dispõe sobre o aspecto econômico cultural e ambiental, retirando regalias das avenças e as entregando a sociedade ou ao meio ambiente. Como por exemplo, temos a função social de um contrato de compra e venda de uma fazenda, que por sua vez é própria produção dos gêneros agrícolas.

Nesse diapasão a função social busca retirar das relações contratuais um beneficio no intuito de devolver a sociedade, algum prazer que antes a pertencia e que o cedeu, como o ar puro, o silencio a natureza. Portanto não pode ser encarada como um gesto de caridade para com os semelhantes, mas sim fazer com que através das relações pactuadas, diminua-se a desigualdade social e a preserve-se o meio ambiente.

Comento final

A partir das informações tecidas verifica-se que os contratos surgiram em tempos remotos, como um intuito de promover a divisão dos bem, acarretando com isso o inter-relacionamento entre os seres humanos. E em seu percurso se amoldaram as épocas e as criações humanas para hoje serem tidos como o principal instrumento para celebração de acordos.

Nesse meio tempo, o direito no intuito de promover a justiça, agregou na seara contratual princípios que buscam fazer a leitura moral do direito, e são graças a esses importantes instrumentos que os contratos evoluíram no sentido de promover a paz e serenidade a todos àqueles que buscam no contrato um meio de sobreviver, seja para conforto, necessidade ou mesmo crescimento econômico.

E mais, através de sua força normativa e equidade, ou até mesmo pela influencia Estatal, os princípios agem como um limitador e fiscalizador das vontades, da má-fé, protegendo o contratante, o meio ambiente e a sociedade daqueles que de forma maliciosa objetivam obter um lucro excessivo ou desleal nos negócios jurídicos.

Nesse compasso, os princípios do direito contratual aparecem como um mecanismo da justiça com diversas facetas e altamente eficaz, que pode ser encarado como um norte na contratação, execução e cumprimento da avença, limitando os direitos abusivos e promovendo bem estar a seus pactuantes.

 

Referencias:
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: contatos teoria geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.v. 4
GOMES, Orlando. Contratos. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
_______, Introdução ao Direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
GONÇALVES, Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. V. 3
HIRONAKA, Giselda, M. F. N. A função social do Contrato. Direito civil.Estudos.Belo Horizonte: Dey Rey, 2000.
SANTOS, Eduardo Sens. O Novo Código Civil e as Cláusulas Gerais: exame da Função social do Contrato. Revista Brasileira de Direito Privado. São Paulo: Revistas dos Tribunais, n.10, abr./jun. 2002.
TARTUCE, Flávio. Função Social dos Contratos: do código de defesa do consumidor ao código civil de 2002. São Paulo: Método, 2009.
Nota:
[1] Trabalho orientado por Sara Simonato Tosato, professora de Direito Civil, das faculdades de Direito UNES, São Camilo e Facastelo, Advogada, pós-graduada e Mestra em Direito

Informações Sobre o Autor

Jonatan Lappa de Lima

Acadêmico de Direito na UNES – Faculdade do Espírito Santo


Equipe Âmbito Jurídico

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