Resumo: “A inversão do ônus da prova nas ações indenizatórias por acidente do trabalho”, tem objetivo de demonstrar que entre o rigor excessivo do ônus estático e clássico da prova, previsto no art. 333, I, do CPC, interpretado e aplicado conjuntamente com a teoria subjetiva do risco, na maioria das vezes, acabam por sobrecarregar demasiadamente a vitima, quando da sua aplicação. Assim, procura-se no presente trabalho, através de discussões doutrinárias e jurisprudenciais, questionar sobre a aplicabilidade da teoria subjetiva e também da teoria objetiva, buscandouma solução equânime entre as mesmas, uma vez que não é razoável que recaia sobre o autor o tormentoso ônus de provar a culpa da reclamada. Todavia, também não se mostra, igualmente justo, o simples deferimento da reparação do dano, tão somente pelo fato de uma das partes executar uma atividade de risco, não podendo, assim, ser aplicada automaticamente a teoria objetiva do risco. Logo, conclui-se que a inversão do ônus da prova ou presunção da culpa seria um caminho novo e intermediário na interminável discussão acerca de qual das duas citadas teorias deve ser aplicada.
Palavras-chave: Acidente de trabalho. Indenizações por acidente de trabalho. Inversão do ônus da prova nas ações de indenização por acidente de trabalho. inversão do ônus da prova.
Resumen:"La inversión de la carga de lapruebaenlasacciones de indemnización por accidente de trabajo", tieneel objetivo de demostrar que entre el rigor excesivo de la carga de laprueba estática y clásica prevista enel artículo 333, I, del CPC, interpretada y aplicada conjuntamente conlateoría subjetiva delriesgo, lamayoría de lasveces, acaban por sobrecargarexcesivamentelavíctima, cuandosuaplicación. Así,la demanda enel presente trabajo, a través de debates doctrinales y jurisprudenciales, es cuestionar acerca de laaplicabilidad de lateoría subjetiva y también de lateoría objetiva, buscando una solución equitativa entre lasmismas, ya que no es razonable que recaeenel autor la carga de tormenta de probarlaculpabilidaddel acusado.Sin embargo, tampoco se muestra, igualmente justo, lasimpleaceptación de lareparacióndeldaño, tansólo por elhecho de una de las partes ejecutar una actividad de riesgo y, por lo tanto, no puedeaplicarse de forma automáticalateoría objetiva delriesgo.Porlo tanto, se concluye que lainversión de la carga de laprueba o presunción de la culpa seríaunnuevo e intermediocaminoenelinterminable debate sobre cuál de las dos teorías mencionadas deben ser aplicadas.
Palabras clave: Accidente del trabajo.La indemnización por accidentes de trabajo. Inversión de la carga de la prueba en reclamaciones de indemnización por accidentes de trabajo.Inversión de la carga de la prueba.
Sumário:Introdução.1.1 Teoria Subjetiva1.2 Teoria Objetiva. 1.3 A Presunção da Culpa pelo Empregador e a Inversão do Ônus da Prova nas Ações de Indenização por Acidente de Trabalho. Conclusão. Referencias.
Introdução:
Esse texto primeiramente distingue a responsabilidade civil subjetiva da responsabilidade civil objetiva, para que possamos depois adentrar a seara da possibilidade ou não da inversão do ônus da prova nas ações por acidente de trabalho, de modo a demonstrar que existe caminho alternativo , processual e constitucionalmente , aceito, para a solução de tal questão.
Não se pretende aqui, discutir a culpa exclusiva ou concorrente do empregado, nem muito menos se tem a pretensão de esgotar o tema.
Todavia, presente artigo, tem o escopo de servir de baliza para aclarar a interminável discussão entre qual das duas teorias , subjetiva ou objetiva ,deve ser aplicada no caso concreto, mostrando uma solução mais equânime e justa , através de meios processuais , quais seja , a inversão do ônus da prova e a culpa presumida, sendo esse também o caminhar , jurisprudencial e doutrinário majoritário, dominante na atualidade.
1.1Teoria Subjetiva
A teoria da responsabilidade civil subjetiva está ancorada em três alicerces: a culpa, o dano e o nexo causal. Isto significa que a vítima de um dano, para obter indenização, precisa demonstrar a culpa do ofensor e nexo causal entre a conduta daquele e o dano.
Em nosso ordenamento jurídico, a cláusula geral da responsabilidade subjetiva está prevista no artigo 186 c/c o artigo 927 do Código Civil. Desses artigos se infere que aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia cause dano a outrem (ou seja, cometa ato ilícito), fica obrigado a repará-lo.
Com isso, percebe-se que, para a caracterização do ato ilícito, são necessários dois pressupostos: a imputabilidade do agente e a culpa. Diz-se que imputável, por sua vez, é o agente capaz de responder por uma conduta contrária ao dever. Consequentemente, em tese, os incapazes não seriam obrigados a reparar o dano que causassem a outrem.
No entanto, o Código Civil adotou a teoria da responsabilidade mitigada e subsidiária dos incapazes. Informa essa teoria que pelos atos dos incapazes responde, primeiramente, a pessoa encarregada de sua guarda. Subsidiariamente, o incapaz responderá quando as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes para tanto (ainda nessa hipótese, a indenização cabível não poderá desprover o incapaz e os que dele dependem do necessário para sua sobrevivência).
O segundo pressuposto é a culpa, núcleo da responsabilidade civil subjetiva. A noção jurídica de culpa, por seu turno, abarca tanto as premissas contidas na formula, “negligência, imprudência e imperícia”, como também a idéia de dolo.
Por dolo entende-se o propósito de causar dano a outrem. Já por culpa em sentido estrito, entende-se a inobservância de uma norma de conduta, seja por negligência (falta de cuidado por conduta omissiva), imprudência (falta de cuidado por conduta comissiva) ou imperícia (falta de habilidade no exercício de atividade técnica), que leva a um resultado não desejado, qual seja, a violação de um dever jurídico, causando dano a outrem.
Nesse sentido, deve-se destacar que o conceito jurídico de culpa evoluiu, de modo a surgir o que chamam os doutrinadores de hoje de “concepção normativa de culpa”.
Por essa concepção, a culpa passou a ser entendida como “o erro de conduta”, de modo que age com culpa aquele que age fora dos padrões de conduta esperados.
Desse modo, para verificar se houve erro de conduta ou não (se houve culpa ou não), deve-se comparar a conduta concreta do agente causador do dano, com a conduta que teria adotado o homem-padrão ou homem médio de inteligência comum. Ou seja, adota-se um modelo de comportamento esperado, baseado no parâmetro romanista do homem médio, prudente, e o compara com o comportamento do agente causador do dano, aferindo, assim, se esse agiu com culpa ou não.
Por fim, interessante destacar duas tendência jurisprudenciais e doutrinárias que se desenvolveram nesse contexto.
A primeira tendência se relaciona com a prática de classificar os graus de culpa no momento da fixação da indenização. Assim, como modalidade grave de culpa, tem-se o erro grosseiro, injustificável (equiparado ao dolo e a culpa consciente); como modalidade leve, por sua vez, tem-se aquele erro evitável com atenção ordinária; por último, como modalidade levíssima, tem-se o erro ocasionado pela falta de atenção extraordinária, com especial habilidade.
A segunda tendência admite a inversão ao ônus da prova, em casos em que se entende que seria muito difícil que a vítima obtivesse a reparação, se tivesse que provar o nexo causal. Dessa forma, em face da possibilidade de a vítima ter que fazer uma prova diabólica, presume-se a culpa do agente causador do dano.
Assim, temos que para cabimento da indenização é necessário a ocorrência do dano acima explicado, e fato é, que quando há um acidente de trabalho, temos, normalmente, a presença desse dano.
Dessa forma, pela concepção clássica de responsabilidade civil subjetiva, só haverá o dever de indenizar o acidentado, quando houver a comprovação de que o empregador teve alguma culpa no evento, mesmo que essa culpa seja considerada leve ou levíssima.
Para essa teoria, a simples atividade de risco executada pela empresa não gera, automaticamente, o dever de indenizar por acidente ou doença proveniente do risco normal da atividade da empresa, restando para a vítima, nessa hipótese, apenas a cobertura pela Previdência social.
O embasamento dessa teoria, é que somente, se comprovado que o patrão atuou de forma descuidada no cumprimento das normas de segurança, higiene ou saúde do trabalhador, ou seja que ele atuou de forma desidiosa, e, se conjuntamente, provado o nexo dessa conduta com o dano ou doença causada ao trabalhador, é a indenização deveria ser deferida.
Assim, fica claro que para tal teoria, o acidente não surgiu do risco da atividade, mas da atitude descuidada do empregador, ou seja, da conduta culposa do empregador. Dessa maneira, a culpa seria considerada por ser uma violação a responsabilidade extracontratual do empregador, uma vez que a mesma decorre pelo menos, de algum ato ilícito praticado, ou de alguma violação dos deveres insculpidos nas normas gerais de proteção ao trabalhador e ao meio ambiente de trabalho.
Registre-se, que na teoria subjetivista, só caberá indenização, se houver a comprovação dos três clássicos requisitos da responsabilidade civil, considerados essenciais pela doutrina subjetivista, e que constituem o ato ilícito (o dano, entendido como acidente ou doença), quais sejam, frise-se, o nexo de causalidade do evento com o trabalho e a culpa do empregador, seja omissiva ou comissiva. Uma vez que para o implemento do dano, há o pressuposto de que ele haja causado lesão- entendida essa como dor física ou moral- pela ofensa ao bem jurídico inerente aos direitos da personalidade.
A reparação dos danos moral e material, encontram previsão legal específica na Constituição da República em seus artigos 5º, inciso X e 7º, XXVIII e, também, nos artigos 186 e 927 do Código Civil.
Assim dispõe o art. 186 do CCB: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Uma vez que se não for demonstrada a presença simultânea dos três pressupostos mencionados, não vingará a indenização pretendida.
Cumpre colacionar a jurisprudência sobre o tema:
“EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE DO EMPREGADO. DANOS MORAIS E MATERIAIS SOFRIDOS PELAS FILHAS. CONDUTA OMISSIVA. REPARAÇÃO DEVIDA. Evidenciando-se dos autos a conduta omissiva da ré no zelo pela segurança de seu empregado, pai das autoras, no exercício de seu trabalho para a empresa, emerge clara a culpa da empregadora, o que concorreu para o evento danoso que vitimou fatalmente o obreiro. Presentes os requisitos da responsabilidade civil ensejadora das reparações legais vindicadas, quais sejam, os danos, o nexo de causalidade entre os danos e as atividades exercidas em benefício da empregadora, além da culpa desta, devidas as reparações postuladas, a teor do disposto nos artigos 186 e 927 do Código Civil.”[1]
Importante ressaltar que na prática trabalhista da atualidade, é comum que a vítima consiga demonstrar o dano sofrido em virtude do trabalho, mas que por outro lado, não consiga demonstrar a culpa do empregador. Isso ocorre porque, muitas vezes, não há nenhuma falha no cumprimento das normas ou deveres geral de cautela, fazendo com que o pedido seja julgado improcedente.
Dessa maneira, fica claro que, muitas vezes, há uma nítida dificuldade da vítima de provar a culpa do empregador, sendo que esse é o motivo pelo qual, justifica-se o maior acolhimento da teoria objetiva do risco, a qual se passa a explicar.
1.2Teoria Objetiva
No final do século XIX, os juristas na França conceberam a teoria do risco ou a teoria objetiva como a responsabilização do empregador pela simples probabilidade de dano inerente a certas atividades. Isto é, aquele que exercesse uma atividade perigosa deveria assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente, independentemente da comprovação da culpa.
Dessa maneira, todo prejuízo deveria ser atribuído ao detentor do empreendimento potencialmente perigoso, e reparado pelo mesmo, sem se levar em consideração se o mesmo agiu, ou não, com culpa.
Para essa teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade que cria um risco de dano para terceiros deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa.
Isso significa dizer que a responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco.
Dessa forma, em síntese, para o cabimento da indenização na teoria objetiva do risco, basta a ocorrência do dano e a presença do nexo de causalidade.
Entretanto, há posicionamentos divergentes acerca da aplicabilidade dessa teoria, quando do acidente de trabalho.
Para uma corrente, o texto constitucional não deixa dúvida ao interprete: a responsabilidade civil do empregador em acidente de trabalho sempre deve decorrer de dolo ou culpa.
Entretanto, citado artigo também abre exceção a essa regra em duas situações, consubstanciados em dois artigos do mesmo código, quais sejam, os artigos 927, parágrafo único, e 932, inciso III, ambos do Código Civil. Todavia, para corrente em comento, tal fundamento não é exclusivamente relacionado ao acidente de trabalho.
Isso porque, na citada exceção, a responsabilidade será objetiva, sem questionamento de culpa, quando a atividade do empreendimento, por sua natureza, envolver risco acentuado e inerente. Assim, o dever de indenizar decorre, pura e simplesmente, da atividade que por sua natureza envolve risco. Esse dever é passível de postulação por qualquer pessoa que sofra o dano, com nexo de causalidade com a atividade do empresário, e não somente aos seus empregados.
Segundo Sérgio Cavalieri[2], a definição de atividade de risco pode ser feita a partir do critério do risco inerente como elemento orientador. O citado autor fornece o exemplo de uma empresa que comercializa flores, peças de vestuário ou comestíveis, que “normalmente não oferece risco inerente, mas a sua atividade pode se tornar perigosa à medida que se expandir e colocar veículos nas ruas para fazer entregas, transporte de mercadorias e etc”. O autor, na mesma obra, sustenta que, para melhor interpretar o parágrafo único, do art. 927, não se deve utilizar a teoria do risco excepcional, pois, segundo o mesmo, tal teoria já se encontra há muito superada.
Aduz ainda, que a responsabilidade objetiva se faria presente somente se a atividade tivesse intensa possibilidade de dano, sendo potencialmente lesiva, fora dos padrões normais de risco, ou como nos exemplifica, quando da exploração de produtos explosivos, radioativos, tóxicos, inflamáveis e nucleares.
Dessa forma, desvia-se o norte da teoria do risco excepcional para a do risco inerente. Isso porque, a leitura do artigo 927, remete à atividade que tenha possibilidade de gerar risco ao trabalhador, um risco normal e não um risco excepcional, como preceituava na antiga teoria. O dever geral de prevenção dos riscos, e de cuidado, que as atividades econômicas com risco inerente, obrigam aos seus exploradores, é fundamento suficiente para o dever de indenizar, sem a presença do elemento da culpa.
Isso ocorre porque, existente o risco maior que o habitual, na hipótese de dano, este deve ser indenizado pelo detentor empreendimento.
Todavia, mesmo nesse caso, é necessária a análise das excludentes de nexo causal (fato de terceiro, culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força maior), de vez que a norma responsabiliza o empregador, enquanto for considerado autor do dano.
Na segunda situação constante da exceção, qual seja a do artigo 932, inciso III, do Código Civil, ocorre a responsabilização objetiva do empregador por dano causado por seu empregado, quando do desempenho do trabalho ou em razão deste. Não se questiona a culpa do empregador, mas do empregado, conforme construção doutrinária e jurisprudencial. Basta que o dano seja causado pelo empregado no desempenho do trabalho ou em razão deste, e que o agente tenha agido com culpa. O dever de indenizar envolve qualquer pessoa que seja lesada, inclusive outro empregado do empreendimento.
Cumpre ressaltar os ensinamentos que diferenciam as duas teorias segundo Gisele Pereira Jorge Leite[3]:
“O risco integral é modalidade extremada da doutrina do risco destinada a justificar o dever de indenizar até nos casos de inexistência do nexo causal. Mesmo na responsabilidade objetiva, embora dispensável o elemento culpa, a relação de causalidade é indispensável. Por essa teoria, o dever de indenizar se faz presente tão-só em face do dano, ainda que nos casos de culpa exclusiva e essencial da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior. O direito brasileiro só a adotou em casos excepcionais.
A teoria do risco integral em princípio, não se presta a fundamentar a justa restituibilidade que lastreia a responsabilidade civil como seu fundamento primário. Posto que se o Estado responde pela vítima, é porque há o suposto rompimento do equilíbrio como déficit entre eles, e não haveria isso se, de hipótese, o próprio se autovitimasse e gerasse o dano.
Já na teoria do risco excepcional, a reparação é devida sempre que o dano é efeito de um risco excepcional, que escapa à atividade comum da vítima, ainda que estranho ao trabalho que normalmente exerça. Cavalieriexemplifica os casos de rede elétrica de alta tensão, exploração de energia nuclear, materiais radioativos, etc. Em razão desses excepcionais riscos a que essas atividades submetem a coletividade, de modo geral, resulta para aqueles que a exploram o dever de indenizar, independentemente da indagação de culpa”. [grifo nosso]
Assim, nas duas hipóteses de exceção, o dever de indenizar por responsabilidade objetiva não nasce de um acidente de trabalho, pois tal dever se destina a qualquer vítima que tenha dano. Os dispositivos do Código Civil tratam de normas gerais sobre a responsabilidade civil. Caso o acidente de trabalho se dê nas condições dos dispositivos legais referidos, então eles incidirão no caso, definindo a responsabilidade civil por suas regras. A responsabilidade objetiva não terá relação imediata com o tema acidente de trabalho, mas, sim, com as condições estabelecidas na lei civil.
Isso significa dizer que o dever de indenizar nos casos das duas citadas exceções ocorre mesmo fora dos acidentes de trabalho, embora esse dever aconteça frequentemente neles.
Segundo o autor, é equivocada a leitura da doutrina civilista que chega à conclusão de que se tem clara tendência de que a responsabilidade em acidentes de trabalho venha a se tornar sempre objetiva, afastando a ideia de dolo ou culpa. Isso porque, somente nas hipóteses citadas como exceções, é a que responsabilidade será objetiva.
Os doutrinadores cíveis relatam a tendência de socialização do dano, com foco na vítima e não no agente causador do prejuízo sofrido, e clamam pela aplicação da teoria objetiva. Entretanto, tal situação já está resolvida nos acidentes do trabalho, com o seguro obrigatório a cargo do empregador e gerido pelo INSS. Ainda que a reparação dada pela previdência social, em muitos casos, não cubra todas as circunstâncias envolvidas, a vítima está socialmente amparada, na forma clamada pelos mesmos. O amparo integral e satisfatório é um passo de evolução que deve ser dado pelo Estado, que administra os recursos do seguro obrigatório.
Sérgio Cavalieri Filho[4]aborda a questão com a maestria que lhe é notória:
“[…] A partir de 1967 a reparação do dano decorrente de acidente de trabalho vem sendo coberta por um seguro coletivo a cargo do empregador, pelo que se transfere para o segurador – no caso, o INSS – o encargo de efetuar a indenização, independente de qualquer decisão sobre culpa. O empregador tem apenas que provar a relação de emprego, o dano decorrente do acidente e que o mesmo ocorreu no trabalho ou por ocasião em que ele ia ou dele vinha. A Constituição de 1988 tratou do acidente de trabalho no inciso XXVIII do seu art. 7º, sendo que, atualmente, a matéria está disciplinada pela Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, regulamentada pelo Decreto nº 2.172, de 5 de março de 1997. Registre-se, ainda, que serve de fundamento para a indenização por acidente do trabalho a 'teoria do risco integral', de sorte que nem mesmo as causas de exclusão do nexo causal – culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior – afastam o direito do obreiro, desde que o evento tenha se dado no trabalho ou em razão dele.
Entretanto, o seguro contra acidente do trabalho não exonera de responsabilidade o empregador se houver dolo ou culpa de sua parte. Antes mesmo da Constituição de 1988, a matéria já estava sumulada pelo Supremo Tribunal Federal no Enunciado nº 229: "A indenização acidentária não exclui a do Direito Comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador." Essa Súmula, que falava em dolo ou 'culpa grave', ficou superada pelo inciso XXVIII do art. 7º da Constituição Federal, que só se refere ao dolo ou culpa: "seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa".
Temos, assim, por força de expresso dispositivo constitucional, duas indenizações por acidente de trabalho, autônomas e cumuláveis. A acidentária, fundada no risco integral, coberta por seguro social e que deve ser exigida do INSS. Mas, se o acidente do trabalho (ou doença profissional) ocorrer por dolo ou culpa do empregador, o empregado faz jus à indenização comum ilimitada. Noutraspalavras,o seguro contra acidente de trabalho sóafasta a responsabilidade do empregador em relação aos acidentes de trabalho que ocorrerem sem qualquer parcela de culpa; se houver culpa, ainda que leve (e esta deve ser provada), o empregador terá a obrigação de indenizar.
O Superior Tribunal de Justiça consolidou jurisprudência no sentido de que desde o advento da Lei nº 6.367, de 1976, ficou superada a Súmula 229 do Supremo Tribunal Federal, não mais se exigindo a prova da culpa grave ou do dolo; suficiente a prova de culpa, ainda que leve.
Sustentam alguns autores que a responsabilidade do empregador por acidente de trabalho ou doença profissional do empregado passou a ser objetiva depois da vigência do Código Civil de 2002. Entendem que a 'teoria do risco criado', adotada no parágrafo único do seu art. 927 (risco profissional, para outros), ajusta-se como luva àquelas atividades de risco excepcional a que são submetidos os empregados que trabalham em pedreiras, minas de carvão, motoristas de ônibus (sujeitos a constantes assaltos).
Embora ponderáveis os fundamentos que o sustentam, há os que discordam desse entendimento, porque a responsabilidade do empregador em relação ao empregado pelo acidente do trabalho ou doença profissional está disciplinada no art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal (responsabilidade subjetiva, bastando para configurá-la a culpa leve) – o que torna inaplicável à espécie, por força do princípio da hierarquia, o parágrafo único do art. 927 do Código Civil.
A norma infraconstitucional não pode dispor de forma diferente da norma constitucional. Assim como o Código Civil não poderia, por exemplo, atribuir ao Estado responsabilidade subjetiva, por estar essa responsabilidade disciplinada na Constituição Federal como objetiva (art. 37, § 6º), não poderia também atribuir responsabilidade objetiva ao empregador quando tal responsabilidade está estabelecida na Constituição como subjetiva.
Por outro lado, não nos parece ser caso de inconstitucionalidade da norma em comento, como advogado por outros autores. Simplesmente, é caso de inaplicabilidade da norma à responsabilidade civil do empregador por acidente de trabalho com o empregado; outro é seu campo de incidência.
A questão já chegou ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), cuja Quarta Turma manteve a supremacia da norma constitucional, como não poderia deixar de ser. O Relator do processo, Ministro Barros Levehagem, concluiu que, "havendo previsão na Constituição da República sobre o direito à indenização por danos material e moral, provenientes de infortúnios do trabalho, na qual se adotou a teoria da responsabilidade subjetiva do empregador, não cabe trazer à colação a responsabilidade objetiva de que trata o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002".
O mesmo Tribunal, entretanto, vem decidindo em sentido contrário por entender que o art. 7º da CF se limita a assegurar garantias mínimas ao trabalhador, o que não obsta a instituição de novos direitos – ou a melhoria daqueles já existentes – pelo legislador ordinário, com base em juízo de oportunidade, objetivando a manutenção da eficácia social da norma através do tempo.
– A remissão feita pelo art. 7º, XXVIII, da CF, à culpa ou dolo do empregador como requisito para sua responsabilização por acidentes de trabalho, não pode ser encarada como uma regra intransponível, já que o próprio 'caput' do artigo confere elementos para criação e alteração dos direitos inseridos naquela norma, objetivando a melhoria da condição social do trabalhador.
– Admitida a possibilidade de ampliação dos direitos contidos no art. 7º da CF, é possível estender o alcance do art. 927, parágrafo único, do CC/02 – que prevê a responsabilidade objetiva quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para terceiros – aos acidentes do trabalho.
Nesse sentido TST, RR 22/2004-011-05-00, 1ª Turma, Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa; RR 946/2006-025-12-00, 1ª Turma, Rel. Min. Vieira de Mello Filho; RR 1.538/2006, Rel. Min. Maria Cristina IrigoyenPeduzzi, 8ª Turma. Em face dessa divergência jurisprudencial, e por se tratar de matéria constitucional, a questão aguarda pronunciamento do Supremo Tribunal Federal para ser pacificada.[…]”[grifo nosso]
A responsabilidade do empregador em acidente de trabalho será sempre subjetiva, dependendo da prova do dolo ou culpa, por força do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal. Caso o acidente envolva as circunstâncias de que tratam os artigos 927, parágrafo único, e 932, inciso III, ambos do Código Civil, a responsabilidade do empregador será objetiva, mas em razão de tais circunstâncias, e não do acidente em si.
Nos casos das exceções, a reparação seria devida pelo empreendimento, mesmo sendo a vítima um terceiro, sem qualquer vínculo empregatício, bastando a configuração das hipóteses tratadas nos dispositivos legais. A socialização do dano da vítima, de que trata a doutrina civilista sobre responsabilidade civil, já está realizada no caso dos acidentes do trabalho, por força do seguro obrigatório pago pelos empregadores e que e que é gerido pelo INSS, conforme explicado anteriormente.
A questão quanto à aplicação da teoria subjetiva ou da objetiva não é pacífica na jurisprudência, tendo ensejado as duas citadas posições, conforme demonstrado acima.
Entretanto, merece destaque a lição de Marco FridolinSommer Santos[5] na obra, o qual propõe uma reinterpretação do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal:
“A unidade do sistema jurídico como um todo é essencial à realização dos fins constitucionais de bem-estar e justiça social. A verdade é que a unidade do sistema jurídico está afetada pela coincidência dos sistemas de compensação e pelo cúmulo de indenizações nos acidentes do trabalho. O grande problema é que, contradições dessa natureza, contribuem significativamente para a crise do Estado Social Brasileiro. O único caminho para a superação dessa crise no sistema é a reinterpretação do regime especial de acidentes do trabalho positivada no art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal, e de suas relações com o regime geral de responsabilidade civil codificado.
A interpretação dominante vislumbra no art. 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal a positivação de dois regimes de compensação de danos por acidente do trabalho, o que permite a coincidência de regimes e o cúmulo de indenizações. O primeiro passo necessário à superação dessa contradição é o abandono do dogma segundo o qual o art. 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal constitucionalizou a responsabilidade subjetiva do empregador. Isso porque, a rigor, o art. 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal tratou apenas de recepcionar na nova ordem constitucional o regime especial de acidentes do trabalho, qualificando-o como direito fundamental da classe trabalhadora. Por esse motivo, as normas ali contidas dirigem-se simplesmente à regulação do regime especial de acidentes do trabalho e das suas relações com a responsabilidade civil do empregador. O problema das relações entre o regime especial de acidentes do trabalho e a responsabilidade civil supera-se com a incidência do princípio lexspecialisderogatgenerali. Com base nele, afasta-se o regime codificado da responsabilidade subjetiva na mesma medida em que incide sobre os acidentes o regime especial positivado no art. 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal. O Código Civil de 2002, suplantando o dogma "nenhuma responsabilidade sem culpa" contido no Código de Bevilacqua, positivou no seu parágrafo único do art. 927, uma norma que estabelece o regime especial de responsabilidade objetiva "nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Como se vê, o regime especial de acidente do trabalho, previsto em lei, enquadra-se perfeitamente na regra do parágrafo único do art. 927 do Novo Código Civil, na medida em que impõe o dever de reparar o dano independentemente de culpa. Este parágrafo único do art. 927 do Código Civil, ao mesmo tempo em que remete a regulamentação dos acidentes do trabalho à lei especial, estabelece uma relação entre o regime geral de responsabilidade subjetiva e os regimes especiais, coordenando-os mediante a incidência do princípio lexspecialisderogatgenerali.”
Tecidas tais considerações, essa segunda corrente entende que a previsão do art. 927, parágrafo único, do Código Civil não é incompatível com o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, haja vista que o princípio que foi consagrado constitucionalmente, é o de que cabe indenização por reparação civil, independentemente dos direitos previdenciários. Dessa forma, fica claro que a vitima tem direito de cumular as duas indenizações.
Assim, quando o art. 7º, XXVIII, da Constituição da República menciona a culpa ou o dolo do empregador para efeito de responsabilidade por acidente de trabalho, na verdade, não limita a hipótese à responsabilidade subjetiva, pois a Constituição fixa apenas direitos mínimos, possibilitando ao legislador ordinário ampliar os direitos nela previstos, quando resultarem em melhoria para os trabalhadores.
O choque da realidade, com a rigidez da norma legal, impulsiona para que a teoria objetiva seja cada vez mais acatada, fazendo com que a culpa deixe de ser, nesses casos, um dos pressupostos para o deferimento da indenização e o núcleo para caracterização do dano.
Seguindo ainda essa corrente, houve o surgimento da Súmula 341 do STF, adotada em 1963, a qual preconiza “é presumível a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”, suplantando a interpretação literal do art. 1523 do CC/16.
Depois dessa etapa da presunção da culpa, bastou um passo a mais para se atingir a responsabilidade objetiva, isso porque, de acordo com Caio Mario da Silva Pereira[6], o direito moderno já não possui mais como enfoque o causador do dano, mas sim a vitima,e foi quanto ao acidente de trabalho que essa teoria teve maior aceitação.
Oportuna sobre a matéria a lição de Mauricio Godinho Delgado[7]:
“Note-se a sabedoria da ordem jurídica: a regra geral mantém-se com a noção da responsabilidade subjetiva, mediante aferição de culpa do autor do dano (art. 159, CCB/1916; art. 186, CCB/2002). Entretanto, se a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano (no estudo em questão, a empresa) implicar, por sua natureza, risco para os trabalhadores envolvidos, ainda que em decorrência da dinâmica laborativa imposta por esta atividade, incide a responsabilidade objetiva fixada pelo Direito” (art. 927, parágrafo único, CCB/2002).
Mas não é qualquer risco que atrai a responsabilização objetiva do empregador, e, sim, o risco (acentuado) decorrente da natureza da atividade que o empregado desenvolve e que a diferencia, portanto, de outras atividades comuns das relações de trabalho, podendo ser citadas, como parâmetro das mesmas, aquelas desenvolvidas em escritórios, comércio e outros setores e segmentos econômicos.
Trata-se de comparar o risco da atividade que gerou o dano, com o nível de risco a que estão expostos os demais membros da coletividade, para se concluir se atividade é de risco ou não.
Entretanto, o cabimento da responsabilidade objetiva deve decorrer da análise caso a caso, considerando a natureza da atividade desempenhada diretamente pelo trabalhador e o grau de risco laboral dessa atividade.
Sebastião Geraldo de Oliveira[8] aborda essa distinção, assim referindo:
“[…] qualquer um pode tropeçar, escorregar e cair em casa ou na rua, ser atropelado e cair em casa ou na rua, ser atropelado na calçada por um automóvel descontrolado, independentemente de estar ou não no exercício de qualquer atividade, podendo mesmo ser um desempregado ou aposentado. No entanto, acima desse risco genérico que afeta indistintamente toda coletividade, de certa forma inerente à vida atual, outros riscos específicos ocorrem pelo exercício de determinadas atividades, dentro da concepção da teoria do "risco criado".
Assim, se a exposição do acidentado na empresa estiver acima do risco médio da coletividade em geral, caberá o deferimento da indenização, porquanto, nessa hipótese, foi o exercício do trabalho naquela atividade que criou esse risco adicional. Em outras palavras, considera-se de risco, para fins de responsabilidade civil objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, as atividades que expõem os empregados a uma maior probabilidade de sofrer acidentes, comparando-se com a média dos demais trabalhadores.”
Por fim, ainda quanto a adoção dessa teoria, é necessário enfatizar que a responsabilidade objetiva não suplantou, nem derrogou a subjetiva, nos dizeres, também, de Sebastião Geraldo de Oliveira[9]“ela afirmou-se em um espaço próprio de convivência funcional para atender aquelas situações em que a exigência da comprovação da culpa represente demasiado ônus para as vitimas, praticamente inviabilizando a indenização pelo prejuízo sofrido.”
Nesse mesmo sentido, para o citado autor, a responsabilidade civil prevista no art. 7º, XXVIII, da CF, abrange todas as espécies, não havendo dúvida de que a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva deve ser aplicada quando visa à melhoria da condição social do trabalhador.
É preciso, somente,perquirir o nexo causal entre o dano e a atividade exercida pelo trabalhador, para que se aplique a responsabilidade objetiva.
Cumpre, por fim, colacionar a jurisprudência sobre o assunto
“EMENTA: DANO MORAL E MATERIAL – Para que tenha lugar a responsabilidade civil do empregador, seja por danos materiais, seja por danos morais, devem estar presentes, no caso concreto, o ato ilícito ou a existência de erro de conduta do agente, contrário ao ordenamento jurídico; o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, e o dano efetivo ou a ofensa a um bem jurídico. Devidamente comprovados todos esses requisitos, a reparação pecuniária é medida que se impõe, conquanto no caso específico dos autos tenha sido acolhida, particularmente, a hipótese de culpa objetiva, em razão de a atividade do autor representar situação de risco inerente.[10]
EMENTA: ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. A atividade de motorista de caminhão é, por si só, perigosa ou de risco acentuado, na medida em que o empregado se expõe constantemente ao risco de acidentes. A responsabilidade do empregador decorre da aplicação da teoria do risco da atividade, incidindo a responsabilidade civil objetiva, que independe da ocorrência de culpa ou dolo. Aplicação do artigo 927, parágrafo único, do CCB. Indenização devida”.[11]
EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO. DANOS MORAIS – Quanto aos danos morais, são eles ínsitos ao próprio ato ilícito, sendo indubitável a dor experimentada pelo reclamante em decorrência da desdita, tanto do ponto de vista físico, quanto emocional. É desnecessário comprovar o que ordinariamente acontece e o que decorre da natureza humana. Demonstrado o ato ilícito, o dano moral se presume, pois está implícito na ilicitude do ato praticado. A fixação da indenização por danos morais deve atentar para a natureza do dano, a culpabilidade, o caráter pedagógico da medida e para o equilíbrio entre a vedação do enriquecimento indevido e a capacidade econômica do causador do dano.”[12]
1.3 A Presunção da Culpa pelo Empregador e a Inversão do Ônus da Prova nas Ações de Indenização por Acidente de Trabalho
Na teoria clássica do ônus da prova, conforme previsto no art. 333, I, do CPC, pode-se argumentar que o fato constitutivo da indenização – o dano pessoal causado pelo acidente ou doença ocupacional – é ônus do empregado, mas cabe ao empregador o encargo de provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito pretendido.
Entretanto, é importante ressaltar que merece relevo o inciso II do parágrafo único do art. 333 do CPC, o qual trata da dificuldade extrema de uma das partes em produzir a prova para o exercício do seu direito, a qual se denomina como prova diabólica ou impossível, sendo que é exatamente nessas situações que caberá a inversão do ônus da prova, na qual a culpa patronal será sempre presumida pelo simples descumprimento da legislação.Entretanto, não se nega a regra da responsabilidade Civil Contratual, na qual toda inexecução implica culpa presumida juris tantum. Assim ,caberá ao empregador comprovar, em juízo, que cumpriu integralmente as normas de segurança do trabalho e o seu dever geral de cautela (prevenção e precaução), descaracterizando a presunção de culpa, ocorrida em razão da inversão.
Tal inversão do ônus da prova acontece muito corriqueiramente, nos caso de acidente de trabalho, sendo importante elucidar quais acontecimentos a legislação previdenciária considera como acidente de trabalho, em sua Lei 8.213/91:
“Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
§1º Não são consideradas como doença do trabalho:
a)a doença degenerativa;
b)a inerente a grupo etário;
c)a que não produza incapacidade laborativa;
d)a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho”.
Cumpre ainda colacionar as doenças que são equiparadas ao acidente de trabalho, que embora não tenham o acidente como causa única, estão relacionadas ao trabalho, como por exemplo, no caso da concausa:
“Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
I -o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;
II – o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de:
a)ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;
b)ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;
c)ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;
d)ato de pessoa privada do uso da razão;
e)desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;
III -a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;
IV -o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
a)na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;
b)na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;
c)em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
§1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.
§2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às conseqüências do anterior.”
Dessa maneira, ainda que pese a discussão a respeito da responsabilidade do empregador, no caso de doença do trabalho, para justificar o pagamento da indenização correspondente, necessário verificar as condições de cada caso específico. Isso para que não se aplique a inversão do ônus da prova de forma automática, mas somente diante da necessidade do caso concreto, ou seja, quando ocorre a extrema dificuldade da parte na produção de sua prova.
Afinal, não se apresenta razoável que recaia sobre o autor o tormentoso ônus da prova da culpa da reclamada. Isso porque, na maioria das vezes, é a empresa que possui maior disponibilidade dos elementos necessários para comprovar a alegada observância às normas legais e regulamentares concernentes à segurança, higiene e saúde ocupacional. Dessa forma, está a mesma mais apta a demonstrar em juízo a controvérsia travada nos autos em relação ao ato ilícito cometido (princípio da aptidão para a prova).
Nesse sentido é o Enunciado 41 adotado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada em Brasília no mês de novembro de 2007, in verbis: “Responsabilidade civil. Acidente do Trabalho. Ônus da prova. Cabe a inversão do ônus da prova em favor da vítima nas ações indenizatórias por acidente de trabalho.”
Da mesma forma, ensina Sergio Cavaliere[13], “a prova da culpa em muitos casos é verdadeiramente diabólica erigindo-se em barreira instransponíveis para o lesado”. O efeito dessa constatação é que a culpa presumida passou a ser adotada em varias hipóteses, em que a vitima, reiteradamente, encontre dificuldades para demonstrar o ato ilícito causador do dano, sobretudo naquelas atividades em que o grau de risco é maior. Assim, a aplicabilidade da culpa presumida no ônus da prova veio para melhorar a situação da vitima, criando-se em seu favor uma posição privilegiada.
A culpa presumida e a consequente inversão do ônus da prova tiveram seu primeiro embasamento jurídico no Brasil, no ano de 1912 com o Decreto n. 2681 que regia a responsabilidade civil das estradas de ferro. De forma semelhante veio a S. 341 do STF, e ,por fim, o CDC, em seu art. 6º, VIII.
Sem dúvida, todos os eventos que impulsionaram o desenvolvimento da culpa presumida também estão presentes nas questões que envolvem o acidente de trabalho, pois como já dito, principalmente nesse caso, é notória a dificuldade da vítima de fazer a prova.
Assim, se o acidente ou doença ocorreu no trabalho e a atividade é de risco, há uma tendência natural de se presumir a culpa do empregador, pela consideração do que ordinariamente acontece.
Dessa maneira, a técnica da inversão do ônus da prova, que foi bastante impulsionada pelo CDC, tende a ganhar cada vez mais acolhida nas ações indenizatórias de acidente de trabalho.
No entanto, não podemos deixar de ressaltar que, atualmente, o fundamento para indenizações decorrente do acidente de trabalho oscila entre a responsabilidade subjetiva e a teoria do risco (objetiva), conforme explicado nos tópicos acima do presente trabalho, com divergências doutrinárias e jurisprudenciais. Porém, pode-se perceber que há uma grande tendência à atração para o acatamento da responsabilidade objetiva, de acordo com a jurisprudência majoritária.
Entretanto, entre essas duas teorias, fica claro, que há um caminho mais razoável, qual seja, a culpa presumida com a consequente inversão do ônus da prova, como bem elucida Sebastião Geraldo de Oliveira[14]:
“entre o rigor excessivo do ônus da prova que sobrecarrega a vitima, na teoria subjetiva, e o deferimento da reparação tão somente pelo risco da atividade , há um passo intermediário ou ponto de transição que é a culpa presumida do empregador. Sem se desprender da sua responsabilidade de índole subjetiva, inverte-se o ônus da prova em favor da vitima, cabendo ao empregador, se for o caso, demonstrar que ocorreu algum fato que possa obstar a pretensão do autor. A presunção da culpa do empregador poderá representar um ponto de consenso possível ou trégua entre os defensores da teoria do risco e os adeptos da responsabilidade civil subjetiva.”
A inversão do ônus da prova provoca no réu essa obrigação de produzir prova em sentido contrário a do autor, demonstrando, assim, que o direito não socorre ao autor.
Tal sistemática se mostra mais razoável à medida que impõe a produção da prova à parte que realmente tem capacidade, respeitando e realizando, assim, uma maior equidade e senso de justiça na caminhada processual.
É importante observar, ainda, que quando se trata de acidente de trabalho, o exame pericial servirá para demonstrar o dano e sua extensão, além do nexo de causalidade, bem como se a incapacidade produzida é parcial, total, temporária ou permanente.
Segundo Manhabusco[15]:
“Na prática, o que será objeto de prova é a existência ou não de culpa no evento danoso, salvo se for aplicada a Teoria da Responsabilidade Objetiva. A inversão do ônus da prova visa facultar a demonstração “da ausência de culpa, do motivo de força maior, ou da existência de culpa concorrente (presunção júris tantum)
Na primeira e na segunda hipótese, não haverá dano a ser indenizado, tendo em vista a falta de um dos elementos caracterizadores da responsabilidade, qual seja, a culpa. Na terceira possibilidade aventada, culpa concorrente, caso haja deferimento do pedido, logicamente, será reduzido o valor da indenização”.
Assim, fica claro que cresce a tendência para a inversão do ônus da prova em favor da vítima, presumindo-se a culpa do empregador no acidente de trabalho, salvo prova em contrário.
Aliás, coadunando com tal entendimento e tendência , ocorreu a prolação do seguinte enunciado no XIV Congresso nacional de magistrados da Justiça do Trabalho em 2008, com o seguinte teor: “Nas ações indenizatórias por acidente de trabalho, cabe a inversão do ônus da prova em favor da vitima. Presume-se a culpa do empregador, admitindo-se, no entanto, prova em contrário.”
Esse avanço doutrinário vem, também, produzindo avanços na jurisprudência de vários tribunais, que já admitem a culpa presumida com a consequente inversão do ônus da prova no caso de indenização por acidente de trabalho, os quais cumpre colacionar:
“EMENTA: ACIDENTE DE TRABALHO – NEXO CAUSAL – CULPA PRESUMIDA DO EMPREGADOR. Em se tratando de ação indenizatória decorrente de acidente de trabalho, demonstrados os danos e o nexo causal, a culpa do empregador é presumida, porquanto a ele cumpre a adoção das medidas necessárias para evitar os danos e as doenças relacionadas com o trabalho. Nesse passo, opera-se uma inversão do ônus probatório, e somente manifesta prova em contrário pode ensejar a isenção da responsabilidade patronal.[16][grifos nossos].
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. ÔNUS DA PROVA. Cabe a inversão do ônus da prova em favor da vítima nas ações indenizatórias por acidente do trabalho” (Enunciado n. 41 das Jornadas de 2007 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho).[17]
Conclusão
Diante do exposto no presente trabalho, ficou demonstrado que instituto da inversão do ônus da prova é perfeitamente aplicável ao processo do trabalho, uma vez que o mesmo se mostra compatível com os princípios basilares que norteiam todo o procedimento civil e, principalmente, o procedimento trabalhista. Tal compatibilidade faz com que o juiz, ao aplicar o mesmo, esteja em uma posição mais ativa, e não somente na de mero espectador, como preleciona a visão estática do art. 333 do CPC, a qual, tendo em vista, todos os pontos abordados no presente trabalho, se mostra ineficaz, mormente quando se tem em mente e como objetivo perquirir a entrega da prestação jurisdicional justa, e não somente da prestação jurisdicional.
A utilização do instituto se mostra a maneira mais equânime de aplicação do direito, pois, conjugado com a teoria da distribuição do ônus da prova e com o Código de Defesa do Consumidor, faz com que a parte que tenha mais capacidade seja incumbida de produzir as provas que entenda como necessárias. Tudo isso, levando sempre em consideração o litigante que possui maior capacidade para sua produção, e lembrando, sempre, que essa análise deve ser feita diante de cada caso concreto.
Quanto às ações de indenização decorrentes de acidente de trabalho e de doença ocupacional, temos que a oscilação na doutrina e na jurisprudência, entre a aplicabilidade da responsabilidade subjetiva e da responsabilidade objetiva, tem apontado para a tendência da aplicabilidade do entendimento da responsabilidade objetiva, apesar de a mesma ainda não ser a posição dominante nas decisões.
Entretanto, como demonstrado no presente trabalho, há um excelente caminho intermediário entre as duas teorias, qual seja, o da culpa presumida com a consequente inversão do ônus prova, procedimento esse que se mostra mais justo e equânime no caso concreto. Isso porque, passa a caber à parte contrária e que possui maior capacidade probatória, o ônus de demonstrar que o direito lhe socorre, e assim, obstando a presunção relativa operada para o réu da demanda.
Cumpre ressaltar que a culpa presumida não se confunde com responsabilidade objetiva. Isso porque, na culpa presumida, a presença da culpa é imprescindível para a responsabilização, e cabe ao demandado afastar tal presunção, mediante contraprova no sentido de, in concreto, não ter tido responsabilidade pelo dano. A presunção de culpa importa inversão do ônus da prova, cabendo ao réu provar que não agiu com culpa.
Já a responsabilidade objetiva, como dita acima, prescinde da comprovação de qualquer culpa, bastando a comprovação do nexo causal com o dano.
Assim, fica claro, que a culpa presumida é o instrumento mais justo, isonômico e atual, pois objetiva-se – como é sabido e por ser um princípio específico do processo trabalho, o alcance da verdade real, a qual beneficia todos os integrantes do processo.
Tal fato, consequentemente, é de interesse ainda, de toda a sociedade, pois busca-se a resposta mais justa e a paz social, através do provimento jurisdicional. Assim, para que haja um provimento jurisdicional justo, é imprescindível que a parte que tenha maior aptidão para produção da prova, seja incumbida de fazê-lo.
No caso das ações de indenização por acidente de trabalho, nas quais a prova na maioria das vezes é extremamente difícil, para não se dizer diabólica, o método se mostra ainda mais eficaz. Isso porque proporciona a igualdade de defesa, pois acolhe a pretensão de quem de fato tem o direito, e não de quem produziu as melhores provas, ou ficou impedido de fazê-lo, por circunstâncias alheias a sua vontade, e nas quais outro litigante, na mesma situação, também suportaria semelhante dificuldade.
Logo, a presunção da culpa faz com que o Poder Judiciário possa proferir um julgamento justo, bem embasado e imparcial, evitando assim o non liquet. Tal presunção apresenta-se como um ponto de consenso entre as duas teorias, uma vez que, ao contrário da objetiva, transfere-se à parte que tem maior aptidão, a produção da prova que é imprescindível para o justo e devido deslinde do feito.
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