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A legitimação pelo procedimento para a busca da justiça

Nascido na Alemanha, em 8 de dezembro de 1927, Luhmann[1], não apenas teorizou acerca da sociedade, como reduziu a complexidade social. Hoje, é considerado, juntamente com Jürgen Habermas, um dos mais importantes representantes da Sociologia alemã. Discípulo de Talcott Parsons, muito embora tenha abandona o sistema teórico dele mais tarde. Iniciou sua carreira na administração pública, onde permaneceu até 1962, tendo, após se dedicado à pesquisa social na Universidade de Münster. Niklas Luhmann faleceu em 6 de novembro de 1998, deixando uma obra numerosa e abrangente.


Tércio Sampaio Ferraz Júnior apresenta a obra de Luhman, destacando as diferenças entre da obra deste, seriam elas: a afronta explícita à definição do direito; a proposta de análise dos problemas da sociologia do direito a partir de uma perspectiva unitária e, por fim, a ampliação desta perspectiva global da teoria sociológica, de um ângulo epistemológico a uma filosofia geral.


Para Luhmann, a sociedade é vista como um sistema estruturado que exclui o homem concreto, passando este a fazer parte de um mundo circundante, razão pela quais as ações do ‘homem concreto’ não coincidem com aquelas que emanam da sociedade, em síntese, a sociedade é um sistema e o homem a circunda. Todavia, sociedade e homem concreto estão estruturados de uma maneira que permita a existência de ambos, pois este precisa daquela, o que não significa dizer que dela faça parte.


“Sistema, é para Luhmann um conjunto de elementos delimitados segundo o princípio da diferenciação. Os elementos, ligados uns aos outros, excluem outros elementos do seu convívio, formam em relação a estes, um conjunto diferenciado. Todo sistema pressupõe um mundo circundante com o qual se limita”. (p. 03)


Ele destaca três contingências: as normas, as instituições e os núcleos, todos são congruentes entre si, sendo o direito uma generalização congruente e dinâmica entre eles.


A fim de assegurar às expectativas são criadas as normas, muito embora estas não sejam capazes de evitar as desilusões dão duração às expectativas e dão à parte prejudicada a possibilidade de que ela proteste e mantenha seu ponto de vista.


Um outro mecanismo de controle suscitado por Luhmann é a possibilidade de garantir uma expectativa normativa com outra, partir daí, pressupõe-se que os não participantes do negócio entabulado apóiam uma ou outra coisa. Assim, a imputação a terceiros de um consenso que possa garantir o sucesso provável de uma expectativa de normativa contra as demais é denominado de instituição. Portanto, é a institucionalização que assegura o respeito aos acordos firmados, ainda que os sujeitos que terão de cumpri-lo manifestem desconformidade.


A terceira contigência são os núcleos significativos, centros dotados de garantia relativa, que consistem em um valor. Eles são mais ou menos abstratos, sendo, então, menos confiáveis. Servem para que se chegue a um consenso quando da concretização da decisão do que efetivamente o sujeito quer.


O direito é uma estrutura indispensável, eis que dá limites à sociedade, atuando como um mecanismo neutralizador das contingências das ações individuais, e, assim, possibilitando alguma garantia acerca dos comportamentos entre os sujeitos a partir de uma relativa certeza de que o combinado será respeitado no futuro. A questão é até que ponto se pode chamar o direito de estrutura legítima.


Luhmann entende que a legitimidade está no procedimento e não nas partes que o compõem. Ele analisa três procedimentos jurídicos: o judiciário, o legislativo e o administrativo, e refere que “a função legitimadora do procedimento não está em substituir uma decepção por um reconhecimento, mas em imunizar a decisão final contra as decepções inevitáveis”. (p. 04) O direito, então, legitima-se quando os procedimentos geram a ilusão, que é necessária a fim de que a possibilidade de decepção rebelde não se concretize.


O procedimento da eleição política, o procedimento parlamentar e o processo judicial são adotados como base à construção de uma doutrina unitária do procedimento, por terem alcançado uma importância especial nos sistemas políticos atuais. Ele descreve cada um destes procedimentos, apontando como ponto comum entre eles o intuito de realizar o justo e a relação com a verdade.


Em relação ao procedimento da eleição política conclui que “os princípios do procedimento da eleição política estabelecem um sistema de comunicação que se determina duma forma relativamente autônoma devido à separação dos papeis e pode contribuir, nesta qualidade, para a criação duma legítima autoridade de decisão política” (p. 19). Quanto ao procedimento parlamentar refere que as decisões dele provenientes deve ter por base a verdade, após o debate realizado e ponderado de todos os pontos de vista, e, não ser levado pelo poder, a fé ou até mesmo o dinheiro.


Já ao falar dos procedimentos judiciais, refere que aqui há uma menor discrepância entre o objetivo oficial, a organização institucional e as funções latentes, supostamente, por estarem melhor estruturadas. Aqui, o objetivo principal indicado é a proteção jurídica.


Após esta explanação ele demonstra a inter-relação destes procedimentos, referindo que “os procedimentos judiciais controlam as decisões da burocracia no caso particular ou podem conceber-se até mesmo como formalidades burocráticas sob o domínio do direito. os procedimentos parlamentares programam a burocracia e autorizam o seu equipamento financeiro. A eleição dos representantes do povo submete a burocracia a um controle superior de maior ou menos alcance.


Em todos estes procedimentos consolida-se a ideia duma verdade e duma justiça independentes dos detentores do poder e que lhes opõem. Sob estas circunstancias e nesta perspectiva polemica contra o poder, não era possível ver na legitimação do poder o sentido do procedimento juridicamente organizado”. (p. 22/23)


Luhmann refere que a diferenciação dos papeis específicos destes procedimentos pode ser uma condição prévia para encontrar a verdade. Num segundo momento é a comunicação e, num terceiro momento, a organização concorrente ou contraditória da comunicação que buscará esta verdade. Ainda assim não há a garantia de que se encontrarão as decisões certas, opondo-se, então, à necessidade de decisão.


Para ele, o mínimo que se pode fazer “é perguntar de forma mais radical se atingir a verdade constitui, geralmente, a função principal do procedimento juridicamente organizado”. No convívio social, a verdade realiza a transmissão reduzida da complexidade.


Nenhum dos procedimentos referidos pode prescindir de verdades na sua função específica. Luhmann defende a ideia de que algumas observações e conclusões têm de ser garantidas como obrigatórias. Todavia, tanto hoje quanto anteriormente, “verdades com este sentido específico não são suficientes para resolver todos os problemas com uma absoluta certeza intersubjetiva” (p. 26), daí necessidade de uma teoria do procedimento incluir o mecanismo da verdade, mas não ficar a ele limitado, em que pese ter o poder um mecanismo de transmissão de resultados, ao passo este poder pode ser utilizado como mecanismo de dominação, impõe-se, então, alternativas de comportamento.


O conceito jurídico de legitimidade surge na Idade Média e perde o seu fundamento moral com a positivação do direito, imposta no século XIX. Hoje, este conceito representa a convicção da legitimidade do direito, da obrigatoriedade de determinadas normas ou decisões ou dos valores que as justificam. Nas relações de associação deve haver tanto o consenso quanto a coação, que constituem recursos escassos do sistema político.


Luhmann define a legitimidade como sendo “uma disposição generalizada para aceitar decisões de conteúdo não definido, dentro de certos limites de tolerância”. Para a ideia de legitimação pelo procedimento, o conceito mais próximo é aquele de legitimidade racional, com base na crença da legalidade das ordens estabelecidas.


Mesmo com os questionamentos acerca da legitimação racional-legal, é fato que a validade legítima de decisões obrigatórias faz parte do sistema político moderno. Aliás, nenhum sistema político pode condicionar à sua estabilidade para atingir objetivos exagerados, nesta esteira, ninguém pode criar convicções a todos os temas de decisão. À medida que aumenta a complexidade da sociedade aumentam, também, os problemas, assim, necessário ultrapassar as formas antigas até então utilizadas para solucioná-los e, assim, possibilitar a estabilidade social. Estas formas são, então, substituídas pela criação e estabilização de símbolos.


Assim, necessário assegurar decisões obrigatórias, as quais devem ser vistas como premissas de comportamento, sem que isso, necessariamente, signifique a existência prévia daquelas decisões que se efetivarão nos casos concretos. Ainda, acerca do conceito de legitimidade, Luhmann diferencia a aceitação de premissas de decisão e a aceitação da própria decisão, referindo que se pode “optar por afirmar os princípios e as normas dos quais uma decisão tem de ‘derivar’ e negar contudo a própria decisão, por ter logicamente resultado errada ou com base em interpretações falsas ou aceitação de fatos errados. E, ao invés, podem aceitar-se decisões, sem preocupações quanto aos méritos a que se reportam, numa atitude de total indiferença, talvez até numa recusa das suas razões como regras gerais de decisão”. (p. 32)


A legitimidade não depende de um reconhecimento voluntário, mas de uma convicção de responsabilidade social, que deriva de um clima social institucionalizado. A legitimação das decisões, quando possível, deve ocorrer dentro de um sistema social livre de perturbações. A legitimação pelo procedimento pressupõe uma transformação estrutural da expectativa, através do processo de comunicação, este decorrente da conformidade com os regulamentos jurídicos. Quer-se, então, um acontecimento real e não uma relação mental normativa.


O sistema pode, ainda, ser compreendido como um sistema social de ação específico. Todavia, de evitar a ideia de que existe uma sequência fixa de ações determinadas. Em verdade, não são as palavras exatas que dão seguimento ao processo, mas as decisões seletivas dos participantes. A relação com a complexidade do mundo, leia-se, com as possibilidades existentes, seja na vivência real ou no sistema, é uma das características mais importantes deste. A função de redução de complexidade dos sistemas é desempenhada pela criação de estruturas, ou seja, pela generalização das expectativas de comportamento. A estrutura do sistema é inicialmente delineada por normas jurídicas gerais, adquirindo, após, uma perspectiva peculiar. Os procedimentos pressupõem uma estrutura básica.


Luhmann entende que um sistema relativamente autônomo  possibilita a compreensão de outras características e assim, também, as funções do procedimento juridicamente organizado, eis que a estrutura do sistema processual deixa as possibilidades de comportamento em suspenso. A separação dos papéis dos procedimentos (eleição política, parlamentar e jurídico) faz com que cada um tenha responsabilidade tão-somente sobre os seus atos.


Por fim, ele refere que a certeza de que haverá uma decisão e a incerteza quanto à sua natureza são necessários ao procedimento jurídico, pois do contrário não haverá um processo jurídico particular.


Muito embora, sejam estabelecidos sistemas, a fim de melhor organizar a sociedade e assim criar uma estrutura estável, tem-se a necessidade dos argumentos sociológicos, os quais darão um sentido ao procedimento utilizado. Não basta a simples existência de um procedimento, ele precisa ser dotado de legitimidade. E é através deste procedimento que se quer implantar a justiça, não formal, mas de forma efetiva e próxima de uma realidade fática. Evidente a valia da contribuição da obra de Luhmann à sociedade moderna, eis que a partir de seus escritos tem-se uma nova visão e assim, a possibilidade de buscar alternativas aos problemas hoje vivenciados no seio social.


 


Nota:

[1] LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte Real. Brasília: UNB, 1980, p. 1-47.

Informações Sobre o Autor

Neiva Araujo

Graduada em Direito pela UNISC (RS), Especialista em Direito Público pelo IDC (RS). Mestranda em Direito pela UNISC (RS). Advogada.


Equipe Âmbito Jurídico

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