Resumo: Neste trabalho problematiza-se o método de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro, analisando se a interferência do Poder Executivo na nomeação destes magistrados afeta na legitimidade de suas decisões. Para tanto, utilizou-se, especialmente, a teoria procedimental de Niklas Luhmann na interpretação do que seja uma decisão legítima, sem deixar de falar da legalidade, fazendo-se considerações acerca da teoria da tripartição dos poderes desenvolvida, principalmente, por Montesquieu. Tais questionamentos são imperiosos, pois as decisões tomadas pelos ministros da nossa Suprema Corte possuem eficácia erga omnes e facilmente questionamos se tais magistrados possuem legitimidade para defender nossa Constituição Federal. Com a pesquisa conclui que, se levarmos em consideração a teoria procedimental de Niklas Luhmann, o método de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal é legítimo.
Palavras-chaves: Legitimidade. Escolha dos Ministros do STF.
Sumário: Considerações iniciais. 1. Teorias sobre legitimidade. 1.1. Conceitos de legitimidade. 1.2. Distinção entre legitimidade e legalidade. 1.3. Niklas Luhmann e a questão da legitimidade. 1.4. Substancialismo e procedimentalismo: uma discussão atual. 2. O processo de escolha dos ministros do STF. 2.1. A doutrina da separação dos poderes. 2.1.1. Conceituação de poder. 2.1.2. Os três poderes: interação entre as funções do Estado. 2.2. A Instituição: Supremo Tribunal Federal. 2.3. Forma de investidura dos ministros do Supremo Tribunal Federal. 2.4. Forma de investidura dos ministros das Cortes Constitucionais estrangeiras. 3. A legitimidade das decisões do STF em face do processo de escolha de seus ministros. 3.1. Conseqüências da interferência do Poder Executivo na escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal. 3.2 Legitimidade do método de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Conclusão. Referências.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este artigo é resultado e um trabalho monográfico realizado, o qual problematiza o método de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro, analisando se a interferência do Poder Executivo na nomeação destes magistrados afeta na legitimidade de suas decisões, bem como fazendo um estudo sobre a legitimidade com enfoque no método procedimental desenvolvido por Niklas Luhmann, sem deixar de investigar a teoria da tripartição funcional dos poderes desenvolvida por Montesquieu.
A legitimidade tem sua origem na necessidade de aceitação e de pacificação na implantação de determinadas ordens (políticas ou jurídicas). Tal instituto possui vários conceitos que foram sendo modificados durante o tempo. Em certos momentos, a legitimidade foi ligada à efetividade da autoridade; em outros, foi tida como conotação de conformidade com uma lei ou costume; resultante das decisões do soberano político baseado em leis positivas; como relação de poder e dominação, existindo em três modos ideais de autoridade legítimas em seus aspectos tradicional, carismático e racional-legal, etc.
A teoria de Luhmann surpreende ao trazer uma variante da legitimidade pela legalidade de fundo decisionista. Assim, far-se-á necessária a distinção entre a legalidade e a legitimidade, institutos tantas vezes confundidos e até mesmo utilizados como sinônimos.
Além da perspectiva jurídica, este trabalho possui vertentes sociológicas e filosóficas, apresentando extensa importância social, vez que traz a lume os conceitos de legitimidade – muitas vezes esquecidos, sem deixar de destacar a clássica legitimidade baseada no valor e no justo e trazendo uma “nova” teoria que irá nos auxiliar a refletir sobre o verdadeiro enfoque do direito (político-jurídico) e do seu alcance na sociedade moderna.
Luhmann, em seu método procedimental, dispõe que o conceito de legitimidade não estaria pautado em valores pré-estabelecidos, mas sim consolidado numa idéia de justiça e verdade independentemente de quem seja o detentor do poder e do que venha a decidir, pois as decisões tomadas por tal estariam pautadas em um sistema, procedimentadas funcionalmente.
A legitimidade das decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal possui grande relevância social, afinal, diariamente tais magistrados julgam processos de interesse nacional, tais como: constitucionalidades de leis e demais atos normativos criados pelo Poder Legislativo, as infrações penais dos membros do Congresso Nacional, bem como do Presidente da República e, principalmente, são guardiões da nossa Constituição Federal.
Ademais, o presente tema ganha maior relevo no presente momento, tendo em vista a proposta de Emenda à Constituição 342/2009, em trâmite no Congresso Nacional, na qual se pretende mudar o método de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
O tema em questão e a posterior pesquisa sobre ele nasceram de uma preocupação com os rumos supostamente políticos que o Supremo Tribunal Federal estaria tomando por causa da nomeação quase que exclusiva do Chefe do Poder Executivo dos ministros daquela Corte, o que refletiria diretamente nas decisões dos magistrados integrantes deste tribunal. Será que esta preocupação foi contida ao descobrir os ensinamentos de Luhmann? Este e muitos outros questionamentos serão respondidos ao longo do trabalho.
1 TEORIAS SOBRE LEGITIMIDADE
1.1 Conceitos de legitimidade
A problemática da legitimidade, historicamente, está ligada à moral, à religião e aos bons costumes. Os critérios de justificação e validade das relações de poder e conformação das condutas sociais transformam-se de acordo com as premissas e as peculiares de seus idealizadores ao longo do tempo.[1]
Assim, “a criação mais ou mesmo racional de critérios de legitimidade geralmente tem sua origem assentada na necessidade de aceitabilidade e pacificação dos ânimos relativamente à implantação de uma determinada ordem político-jurídica”.[2]
Como bem ponderado por Willis Santiago
“[…] o movimento histórico de positivação do direito, desencadeado pela falência da autoridade baseado no divino, implica a formação de um aparato burocrático cada vez maior, para implementar a ordem jurídica. Tanto a legislação, como a administração da res pública e da justiça, necessitam de formas procedimentais dentro das quais possam atuar atendendo aos novos padrões legitimadores do Direito, baseados na racionalidade e no respeito ao sujeito, portador dessa faculdade.”[3]
A legitimidade como idéia para sustentar e justificar o poder político, segundo Carlos Almeida, tem seu intróito em Platão e Aristóteles, quando da introdução da noção de polis, tendo como parâmetro a idéia do bem para se ter um governo justo e bom.[4]
Mas é no início do século XX que se desenvolve uma nova criteriologia que irá influenciar todas as formulações posteriores. Max Weber inova ao relacionar a legitimidade com a fórmula da obediência por meio de três modos ideais de autoridade legítima.[5]
Adeodato traz à baila importantes considerações
“[…] é Max Weber (1864-1920) o primeiro a se debruçar sobre o problema da legitimidade sob o prisma voltado para a nova realidade de um direito legislado e positivado, tratando sistematicamente a legitimação do poder: a legitimidade é vista não como um conceito que designe algo mas como uma relação à qual o poder puro e simples se torna dominação.”[6]
Max Weber, “ao tratar da questão do poder, identificou como elemento essencial da dominação a noção de legitimidade. A dominação não se apoiaria tão somente na força, na violência […]”.[7] Ele distingue no conceito de política duas acepções, uma geral e outra restrita. No sentido mais amplo, política é entendida por ele como qualquer tipo de liderança independente em ação. No sentido restrito, política seria liderança de um tipo de associação específica; em outras palavras, tratar-se-ia da liderança do Estado.[8]
O Estado seria para ele uma comunidade humana que pretende o monopólio do uso legítimo da força física dentro de determinado território. Definidos esses conceitos básicos, Weber é conduzido a desdobrar a natureza dos elementos essenciais que constituem o Estado e assim chega-se ao conceito de autoridade e de legitimidade.[9]
Nessa linha, para que um Estado exista, diz Weber, é necessário que um conjunto de pessoas (toda a sua população) obedeça à autoridade alegada pelos detentores do poder no referido Estado. Por outro lado, para que os dominados obedeçam é necessário que os detentores do poder possuam uma autoridade reconhecida como legítima.[10] Dessa forma, a aceitação seria fundamento da legitimidade, existindo três tipos de domínios legítimos, tais sejam: o racional, o tradicional e o carismático.[11]
Adeodato, ao interpretar a obra de Max Weber, descreveu sobre os três tipos de dominação em referência, vejamos:
“[…] a dominação carismática, onde o fundamento de legitimidade é personalizado no chefe por suas qualidades individuais, como fé, heroísmo, santidade, competência militar etc.; a dominação tradicional, onde o poder se justifica pela crença numa autoridade que vem de tempos imemoriáveis, que “sempre foi assim”; e a dominação legal-racional, que descansa sobre a crença na legalidade e tem pretensão de motivar racionalmente as condutas que exige e o sistema como um todo. […] enquanto um repousa na tradição, arraigada à revelia dos atuais detentores do poder, e o outro no carisma, cuja legitimidade se confunde com a pessoa do próprio detentor do poder, a legitimação legal-racional não se refere a um conteúdo instancial, mas a uma pretensão impessoal de eficiência.”[12]
De acordo com este pensamento
“[…] as decisões do Estado legal-racional se legitimam através de como este administra o sistema jurídico-político via normas pretensamente apolíticas, impessoais, eficientes, imparciais e desvinculadas de outros subsistemas sociais, mormente o econômico. Na prática, o Estado racionalizado se legitima simplesmente pela administração, pela efetiva detenção dos meios de controle.”[13]
Vale ressaltar que a legitimação é inseparável da dominação de classes, pois ao internalizar e tornar aceitável a violência institucionalizada, o inconsciente dos indivíduos irá aceitar tal comportamento, sendo controlado “pela repressão e pela violência legalizada pelo mito do poder legítimo”.[14] Criando-se, portanto, um mito de liberdade.
Jürgen Habermas também deu sua contribuição ao tema, que na leitura de Willis Santiago, para aquele, o direito teria legitimidade se, por meio de um procedimento discursivo, seguir regras antecipadamente acertadas e acatadas pelos debatedores na arena político-jurídica.[15]
Percebe-se, portanto, que a legitimidade possuiu vários significados. Mas durante os tempos, apenas mudou o cenário dos debates em torno da legitimidade. Passou-se de um conceito meramente mítico-religioso para um nível de justificação reflexivo-crítico tendo como base domínios da racionalidade e da técnica.
Após breve conceituação da legitimidade, faz-se necessária a distinção entre este termo e a legalidade, uma vez que, conforme se verá adiante, tais vocábulos, muitas vezes, são utilizados como sinônimos quando, na realidade, são distintos e próprios para expressar realidades diferentes.
1.2 Distinção entre legitimidade e legalidade
Por trás de todo poder sempre existirão condições “de valores consensualmente aceitos e que refletem os interesses, as aspirações e as necessidades de uma determinada comunidade”.[16] Diante das facetas da adequação do poder, com as práticas históricas e a realidade social, surgirão a legitimidade e a legalidade.
Na conceituação de Acquaviva legitimidade é um
“[…] atributo daquilo que se mostra conforme a razão e a natureza. Legalidade é termo de significado muito mais estrito; tem mais particular uso na jurisprudência positiva e parece referir-se a tudo que se faz ou obra segundo o que está determinado nas leis humanas, isto é, guardando as solenidades, formalidades ou condições que elas prescrevem […] Em lógica, é legítimo o raciocínio quando os princípios são verdadeiros e a conseqüência, deduzida segundo as regras. Em moral, são legítimas as ações que conformam com a razão, a eqüidade e a justiça universal. E finalmente, em jurisprudência, são legítimas todas as ações ou omissões que as leis ordenam etc. Um título é legal quando está autenticamente na forma que a lei ordena.”[17]
Ao se falar que um determinado ato jurídico é ilegal, quer se dizer que é contrário à legislação vigente. A legalidade é, pois, a adequação dos atos jurídicos, quer sejam contratos, decretos ou decisões judiciais, aos ditames legais existentes num dado tempo e lugar. Quanto à legitimidade não se pode dizer o mesmo. Ao se falar que determinado ato jurídico é legítimo, não se refere à sua adequação aos preceitos legais, mas à sua fonte de elaboração.
A legitimidade é uma qualidade do poder, como bem ensina Bobbio, politicamente a legalidade é um atributo e um requisito do poder, daí “dizer-se que um poder é legal ou age legalmente ou tem o timbre da legalidade quando é exercido no âmbito ou de conformidade com leis estabelecidas ou pelo menos aceitas.”[18] Não obstante, embora seja comum e muitas vezes não se faça a distinção entre legalidade e legitimidade
“[…] costuma-se falar em legalidade quando se trata do exercício do poder e em legitimidade quando se trata de sua qualidade legal: o poder legítimo é um poder cuja titulação se encontra alicerçada juridicamente; o poder legal é um poder que está sendo exercido de conformidade com as leis. O contrário de um poder legítimo é um poder de fato; o contrário de um poder legal é um poder arbitrário”.[19]
Do exposto, é condizente e atual a afirmação bem delineada por Adeodato ao assegurar que
“[…] a legalidade permanece colocada ao lado da legitimidade, como maneiras distintas de justificar o poder: a legitimidade é associada a um título que justifique a dominação enquanto a legalidade se responsabiliza por todas as conseqüências, organizando o exercício do poder segundo fórmulas previamente estabelecidas e fechando em si mesma a ação do sistema”.[20]
Depois da distinção entre legitimidade e legalidade, será necessário dedicar um tópico especialmente ao método procedimental de Luhmann que trará a lume um novo conceito de legitimidade, importantíssimo para justificarmos o atual procedimento de escolha dos ministros da nossa Suprema Corte.
1.3 Niklas Luhmann e a questão da legitimidade
Para Antônio Carlos de Almeida Diniz, Luhmann adota uma releitura inovadora, “de encontro às tradicionais doutrinas de legitimação procedimental, com lastro numa visão empírica do direito positivado”.[21]
Niklas Luhmann surpreende ao trazer uma variante da legitimidade pela legalidade de fundo decisionista, definindo legitimidade como “uma disposição generalizada para aceitar decisões de conteúdo ainda não definido, dentro de certos limites de tolerância”.[22]
Tércio Sampaio Ferraz Júnior, ao prefaciar a obra de Luhmann, explica que o tratamento dado à problemática da legitimidade deste autor está adstrito ao terreno fático, pois uma estrutura jurídica será legítima na medida em que for “capaz de produzir uma prontidão generalizada para aceitação de suas decisões, ainda indeterminadas quanto ao seu conteúdo concreto, dentro de certa margem de tolerância”.[23]
Tércio salienta que Luhmann
“[…] reduz a legitimidade a procedimentos decisórios, pois, para este autor, bastam as regras de procedimento legal como premissas legitimadoras, sendo a função da decisão absolver insegurança, para fundar uma decisão, basta que se contorne a incerteza de qual decisão (materialmente falando) ocorrerá pela certeza de que uma decisão (formalmente falando) ocorrerá; a legitimidade estaria, assim, para esse autor, baseada na crença na legalidade[…]”[24]
Como bem salientado pelo professor Tércio, Luhmann, sem eliminar o caráter decisório da legitimidade, “evita o problema do regresso a uma decisão última, no início da série, mostrando que a legitimidade não está ali, mas no próprio processo que vai do ponto inicial do procedimento de tomada de decisões até a própria tomada de decisão”.[25]
Olhando por este prisma, conclui-se que o procedimento que irá conferir legitimidade, e não o teor da decisão em si.
Para Luhmann, é supérfluo dispor que o conceito de legitimidade estaria amparado em valores pré-estabelecidos e, da mesma forma, dizer que decisões justas são legítimas e que as decisões injustas não o são.[26] Para ele, todos os procedimentos (administrativo, legislativo e judiciário) consolidam-se com uma idéia de verdade e de justiça independentemente de quem seja o detentor do poder e do que venha ser decidido no mérito, pois o que legitimará as decisões tomadas por eles não serão os valores colocados em jogo, mas sim o procedimento tomado para se chegar a tais decisões.[27]
Assim, torna-se interessante lembrar que
“[…] os Estados modernos desenvolvidos positivaram seu direito e os não desenvolvidos tentam fazê-lo. É aí que os autores como Weber, Kelsen ou Luhmann coincidem: na separação rigorosa entre o jurídico – entendido como a fixação e manipulação das regras – e o político – entendido como a opção por certas alternativas em detrimento de outras; qualquer que seja a ideologia do discurso político, o direito ‘legitima-se’ por si mesmo – legitimando também o poder político, mais e mais dependente do direito, podemos acrescentar – como subsistema autônomo.”[28]
Dessa forma, para Luhmann, a legitimidade está pautada em procedimentos decisórios pré-definidos que irão absolver as contingências[29] das sociedades complexas[30].
Cumpre ressaltar que faz-se necessária a diferenciação entre duas teorias que explicam, de modos totalmente diversos, o que vem a ser a legitimidade: a teoria substancialista e a teoria procedimental. O substancialismo é defendido por renomados doutrinadores, motivo pelo qual não poderia deixar de ser citado no presente trabalho.
1.4 Substancialismo e procedimentalismo: uma discussão atual
Na visão de Gianluigi, Luhmann desenvolve sua teoria com o uso de duas idéias mestras, tal seja, a complexidade e a contingência. Destarte, Niklas define complexidade como a existência de mais possibilidades do que se pode realizar e contingência como o fato de que as possibilidades apontadas para as demais experiências poderiam ser diferentes das esperadas, ou seja, respectivamente, seleção forçada e perigo de desapontamento e necessidade de se assumir riscos.[31] . Assim, a complexidade seria a seleção forçada e a contingência perigo do desapontamento.
A descrição sociológica do direito proposta por Luhmann, ao contrário das outras doutrinas, está completamente descompromissada no plano da correspondência entre normas e fatos morais objetivos, distanciando a diferenciação funcional entre direito e qualquer pretensão moral.[32]
“Luhmann olha o direito do ponto de vista da sociedade, entendida como sistema social, sistema não composto de sujeitos, mas de ações, que acabem por seguir imperativos internos dos subsistemas em que desenrolam (econômico ou político, por exemplo). Os sistemas sociais estão sempre confinando com um ambiente externo próprio, fonte de contingência e de variáveis que eles precisam dominar ou absorver, sob pena de ruptura do equilíbrio de funcionamento que se baseiam. Os sistemas conseguem reduzir a contingência e regular seu próprio funcionamento selecionando a complexidade externa por meio de estruturas que estabilizam códigos de comunicação e prefiguram relações entre comportamento e eventos sociais até determinarem as expectativas de cada um, expectativas atendíveis, e estabelecerem uma dupla referência graças à qual é possível esperar de si as expectativas alheias […] o que simplifica drasticamente as improbabilidades de coordenação inerentes na relação entre ações.”[33]
Assim, estará em jogo a estabilidade das instituições e dos códigos de comportamento, tendo o direito a função de estabilizar os mecanismos e os tornar resistentes às frustrações, afastando o medo e a insegurança do indivíduo de modo geral. Seguindo esse pensamento, a validade do direito está pautada na estabilidade da norma, em outras palavras “impossibilidade de que ela mude em presença de comportamentos desviantes. A estabilidade exerce uma função prático-seletiva em relação ao risco, à frustração, à contingência”.[34]
Dessa forma, o direito torna-se autopoiético (auto-organizado), funcionando independentemente de sujeitos e valores que lhe são extrínsecos. Os sistemas estarão procedimentalizados e isto bastará para a legitimação de determinadas decisões. A dinâmica dos procedimentos de funcionamento de sistemas traz uma inovadora idéia sobre justiça.[35]
No entanto, para o substancialismo defendido por Paulo Bonavides, Eros Grau, Fábio Comparato, entre outros
“[…] mais do que equilibrar e harmonizar os demais poderes, o Poder Judiciário, […]deve assumir o papel de intérprete que põe em evidência, inclusive contra as maiorias eventuais, a vontade geral implícita no direito positivo, especialmente nos textos constitucionais, e nos princípios selecionados como de valor permanente na sua cultura de origem e na do Ocidente.”[36]
Na tese substancialista o Poder Judiciário assume uma vital função, com uma “nova inserção no âmbito das relações dos poderes”, passando a ter um papel de grande relevância relativamente a jurisdição constitucional.[37]
Assim, na visão de Gianluigi, a justiça substancial “assumiu um caráter que não decorre tanto de regras predeterminadas, mas de avaliações; aparece como justiça distributiva, no sentido de que assumem seus próprios ombros o encargo de diferenciação caso a caso, da pluralidade de eventos, dos sujeitos”.[38]
Luhmann rebate o substancialismo ao pregar que a justiça não pode ser pensada singularmente (caso a caso), mas deve otimizar a relação dos vários valores, pois “a complexidade social exigida do sistema jurídico é mais alta do que a suportável e adequada e do que aquela com a qual é possível decidir”.[39]
Após tal diferenciação, e aptos para prosseguir a pesquisa, ver-se-á, no próximo tópico, que a escolha dos ministros do STF está normalizada em nossa Constituição Federal de 1998, ou seja, a escolha é constitucional, provida de legalidade, preenchendo os requisitos da teoria procedimental. Questiona-se: então o método é legítimo?
No entanto, antes de chegarmos a certas conclusões será necessário um breve estudo sobre o processo de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
2 O PROCESSO DE ESCOLHA DOS MINISTROS DO STF
2.1 A doutrina da separação dos poderes
2.1.1 Conceituação de poder
Antes de pontuar sobre o modo de composição do Supremo Tribunal Federal será necessário ponderar um pouco sobre poder e a teoria funcional de sua separação desenvolvida, principalmente, por Montesquieu. Wolkmer, afirma que, para Foucault, o poder não é uma instituição nem uma estrutura, não é uma certa potência de alguns que sejam dotados. É o nome dado a uma situação estratégica completa numa sociedade determinada. Ademais, ensina que o poder deve ser analisado como algo que circula, funcionando em cadeia, não se apulicando aos indivíduos, mas sim, passando por eles.[40]
“Na conceituação de Acquaviva, o poder é a capacidade de realizar algo.[41] Já para Bobbio, poder “designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos”. O poder social não é uma coisa ou a sua posse, é uma relação entre as pessoas, sendo que, para existir poder, é “necessário que o comportamento do primeiro determine o comportamento do segundo”.[42]
2.1.2 Os três poderes: interação entre as funções do Estado
A doutrina da separação dos poderes nasceu com o objetivo fundamental de limitar o poder político ainda na Antiguidade Clássica.[43] Este princípio, embora concebido na época por Aristóteles, teve sua formulação teórica com Locke e Montesquieu.[44]
Aristóteles, em sua obra “A política”, delineou as primeiras definições dos poderes que posteriormente foram aprimoradas. Ele afirmava que
“Em todo governo existem três poderes essenciais, cada um dos quais o legislador prudente deve acomodar de maneira mais conveniente. Quando estes três partes estão bem, acomodados, necessariamente o governo vai bem, e é das diferenças entre estas partes que provêm as suas. O primeiro desses poderes é o que delibera os negócios do Estado. O segundo compreende todas as magistraturas ou poderes constituídos, isto é, aqueles de que o Estado precisa para agir, suas atribuições e a maneira de satisfaze-las. O terceiro abrange os cargos de jurisdição.”[45]
Como bem assevera Antônio Umberto, Aristóteles antecipou as bases do futuro constitucionalismo, ao estabelecer uma noção de Constituição política e vislumbrar seu papel na base institucional do Estado, pregando a subordinação das leis à Constituição.[46]
Mas é no final da Idade Moderna que o edifício político aristotélico vem a ser reconstruído. Com Locke e Montesquieu o princípio da separação dos poderes foi estruturado mais consistentemente.[47]
Silva Neto afirma que atualmente existe uma interação muito grande entre as funções do Estado, mas que antigamente, no tempo de Montesquieu, este idealizou sua teoria fulcrado no fato de que não era admissível que o exercício de uma função do Estado por outra. Assim, “o Legislativo só editava leis; o Executivo as executava e o Judiciário resolvia os conflitos decorrentes de sua aplicação. Não se autorizava inter-relacionamento entre as funções estatais”.[48]
Ricardo Luiz Alves ensina que
“[…] o objetivo último da ordem política, para Montesquieu, é assegurar a moderação do poder mediante a ‘cooperação harmônica’ entre os Poderes do Estado funcionalmente constituídos (legislativo, executivo e judiciário) com o escopo de assegurar uma eficácia mínima de governo, bem como conferir uma legitimidade e racionalidade administrativa à tais poderes estatais, eficácia e legitimidade essas que devem e podem resultar num equilíbrio dos poderes sociais.”[49]
Aristóteles, Locke e Rousseau contribuíram, e muito, para a doutrina da separação dos poderes, mas é com o arcabouço elaborado por Montesquieu que a técnica de repartição das funções teve seu marco teórico.[50]
A Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da tripartição dos poderes em seu art. 2º: “São poderes da União independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”[51]
Assim como Manoel Jorge, Iranilda Lyra afirma
“[…] a tripartição não enseja divisão, apenas atribuições de competências específicas, o poder continua sendo unitário apenas suas funções são repartidas com o intuito de coibir o arbítrio, destarte, os doutrinadores atuais têm continuamente rechaçado o codinome ‘separação dos poderes’ ou a variante “divisão dos poderes”, tendendo a aceitar pacificamente o título “separação das funções estatais”. O poder estatal é uno e indivisível, repartese apenas as atribuições.”[52]
Portanto, é técnico e correto referir a tripartição das funções do Estado e não à divisão de poderes. Dessa forma, a natureza social do direito, quer seja como prática, quer seja como discurso, expressa a legitimidade do poder no Estado moderno. Sendo assim, o direito será um discurso que legitima o poder.[53]
Destarte, mais uma vez, que essa independência dos poderes não é absoluta
“[…] pois a própria Constituição prevê expressamente a atribuição de funções atípicas aos três poderes do Estado. Citem-se, como exemplos, a competência do Executivo para expedir medidas provisórias, iniciar processo legislativo e vetar projetos de lei, com o atos de natureza legislativa”.[54]
Campos Batalha demonstra a necessidade de “representar o Estado como uma pessoa diferente do direito para que o direito possa justificar o Estado, que o produz e se lhe submete,”[55] conforme salienta Wolkmer em seu texto “A função do direito na legitimação do poder”. Desta feita, o Estado tem uma natureza original de poder, convertendo-se em um Estado de direito, justificando essa denominação ao elaborar o direito.
Destarte, é de bom alvitre lembrar que a separação dos poderes é tida como garantia de existência de um regime democrático. Fernando Machado da Silva, ao citar o renomado jurista José Luiz Quadros, salienta que:
“[…] para que a Constituição pudesse ser efetiva, portanto, seria necessário corrigir, de acordo com as nossas peculiaridades, o nosso sistema de separação dos Poderes, de modo a evitar, na medida do possível, que as elites dominantes pudessem continuar a transformar em feudos privilegiados os órgãos de cúpula dos poderes constituídos e os órgãos inspectivos”.[56]
Será que tal opinião expressa o verdadeiro sentimento de todo o povo brasileiro? A Constituição Federal de 1988 não está sendo defendida da melhor maneira possível? É necessário mudar o método de escolha dos ministros da Supremo Tribunal Federal para que as decisões desses magistrados tornem-se legítimas? Para chegar as respostas de tais indagações é imperioso o estudo de certos conceitos que serão vistos a seguir.
2.2 A Instituição: Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal representa o topo da hierarquia do Poder Judiciário, detentor de competência para decidir, em última instância, sobre questões de ordem constitucional, e também de competência de natureza originária e recursal.[57]
Nossa Suprema Corte tem como origem a vinda da família real portuguesa para o Brasil, em razão da invasão de Portugual pelas tropas de Napoleão. Pelo fato de não poder dar continuidade nos trabalhos da Casa da Suplicação de Lisboa, o Príncipe Regente D.João VI transformou a Relação do Rio de Janeiro em Casa da Suplicação do Brasil.[58]
Ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar originariamente seus próprios ministros nas infrações penais comuns, o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional e o procurador-geral da República; nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros de Estado, dos Tribunais Superiores e os do Tribunal de Contas da União além de várias outras competências descritas no artigo 102 da Constituição Federal. Porém, a competência principal do Supremo é a guarda da Constituição.[59]
Além de todas as competências acima elencadas, compete a tal tribunal processar e julgar mandados de injunção, ações diretas de inconstitucionalidade, argüições de descumprimento de preceito fundamental, dentro outros, todos de “inegável peso político e grande significado jurídico”.[60]
O cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal também é de vital importância para o Poder Executivo (o governo), vez que cabe ao STF julgar a constitucionalidade das normas e ações penais contra o chefe do Executivo federal.[61]
2.3 Forma de investidura dos ministros do Supremo Tribunal Federal
O Supremo é “composto de onze ministros, escolhidos entre brasileiros natos com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos de idade, com notável saber jurídico e reputação ilibada”.[62] Estes são os três requisitos necessários para ser um ministro do STF. Tais condições estão descritas no art. 101 da Constituição Federal de 1988.[63]
Com esses requisitos, o indicado será nomeado pelo Presidente da República, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta do Senado Federal. Destarte, desde a criação deste instituto, há mais de um século, houve somente recusa do Senado em relação ao indicado pelo Presidente da República.[64]
Ademais, o cargo não tem mandato fixo, pois a menos que o ministro renuncie ou se aposente voluntariamente, ele ficará no cargo até a sua aposentadoria compulsória, quando atinge os 70 anos de idade.[65]
Na Constituição Federal de 1891, assim como na de 1988, fixou a nomeação dos ministros do STF como
“[…] atribuição privativa do Presidente da República, após aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos de notável saber e reputação (neste aspecto, houve apenas a explicitação da exigência do saber jurídico e da reputação ilibada, e mais recentemente, na Constituição de 1988, a estipulação do limite de idade em sessenta e cinco anos, de modo a evitar permanências na Corte inferiores a cinco anos). No tocante à composição, apenas o número de integrantes do Tribunal se viu alterado desde a promulgação da República, passando de quinze Ministros para onze em 1934 (quando denominado, por curto período, apenas por Corte Suprema), para dezesseis em 1965, em decorrência do Ato Institucional nº 2, número que retornou a onze em decorrência do Ato Institucional nº 6, de 1969, e que perdura até hoje.[66] A competência do STF foi significadamente alterada desde a promulgação da República. Aos poucos, as questões constitucionais foram aumentando até que a “Carta Política de Outubro de 1988 expressamente o elegeu como guarda da Constituição”.[67]
Luiz Quadros afirma que o modelo constitucional brasileiro possui um grande problema estrutural que foi introduzido em um momento muito diferente do atual. Assim, ele alerta que nem sempre um modelo, ou mecanismo, servirá da mesma forma para diferentes nações[68], e assevera
“No Brasil, por sua história e cultura de matriz centralizadora e autoritária, o Poder Executivo é sempre preponderante. Não há equilíbrio. O legislativo representa majoritariamente (embora com mudanças sensíveis através do crescimento contínuo desde a década de oitenta dos partidos de esquerda), historicamente, a elite econômica, (no passado nacional, hoje global) e tem historicamente se sujeitado à vontade do Executivo, como ocorre atualmente com a aceitação das medidas provisórias, que podemos dizer, são todas, pelo menos, formalmente, inconstitucionais, e em boa parte dos casos materialmente inconstitucionais.”[69]
Para ele, a interferência do Chefe do Executivo na escolha dos Ministros do Supremo reforça um poder autoritário, dando um verdadeiro golpe no poder judiciário e critica que, “com a escolha pelo Presidente da República, dos membros do Supremo, temos que o órgão de cúpula do Judiciário torna-se inevitavelmente comprometido com as teses do Executivo”.[70]
Quadros salienta: o “controle concentrado que lentamente vai se introduzindo no Brasil, através principalmente de medidas provisórias inconstitucionais, é um gravíssimo retrocesso autoritário” e alerta que “estamos abandonando o avançado e democrático controle difuso de constitucionalidade, que o mundo inteiro aos poucos vai descobrindo, para adotarmos o controle concentrado, que lentamente a Europa vai abandonando.”[71]
Ademais, Quadros traz à tona um grande dilema a profanar que o Poder Judiciário está se curvando diante do Poder Executivo e que com essa subordinação, não temos uma legítima tripartição de poderes, conseqüentemente, não há uma democracia, mas sim, um poder neo-autoritário. Em sua opinião, com decisões meramente políticas, o Supremo Tribunal Federal perde a legitimidade de suas decisões.[72]
Nesse momento, torna-se importante trazer à baila os ensinamentos colacionados anteriormente. O processo de legitimação aparece não por temor ou obediência, mas porque os indivíduos reconhecem uma certa condição boa e justa, possibilitando a coesão de uma ordem social, criando reais condições de adesão e conformidade.
A população brasileira está reconhecendo as decisões dos ministros do STF como justas e boas? Será que esta é a pergunta mais correta para o momento? Pela pesquisa feita, seguindo a teoria procedimental de Luhmann, pouco irá importar o resultado final de uma decisão, pois o que lhe legitimará será o procedimento, não é mesmo?
Com apenas duas indagações percebe-se que existem duas doutrinas tentando explicar a seguinte indagação: “o modo de escolha dos ministros do STF torna as decisões emanadas por tais “juízes” ilegítimas?
Na obra de Antônio Carlos Almeida Diniz, Legitimação procedimental e modernidade, o autor traz à tona a problemática da legitimação do direito das modernas sociedades complexas. Para ele exige-se condições formais que validam as decisão tomadas, instalando-se um novo nível de justificação calcado em procedimentos. [73]
Uma coisa, porém, é certa, a Constituição é a lei suprema do Brasil, e é necessária sua eficácia acima de tudo, e para que isso ocorra é crucial a independência dos poderes constituídos, pois afinal a separação dos poderes é tida como garantia de existência de um regime democrático.
Luiz Carlos em sua obra O Supremo Tribunal Federal nas constituições brasileiras corrobora com a afirmação feita anteriormente, para ele
“[…] o objetivo de Montesquieu era claro: a liberdade só seria possível se aquele que exercer uma função do Estado não puder exercer outras. E que a força do Estado deveria estar distribuída em vários órgãos e que esses órgãos deveriam ser vigilantes em defesa de suas prerrogativas para viabilizar a liberdade dos indivíduos.”[74]
Nesse momento é imperioso relembrar que não existem poderes absolutamente independentes. Luiz Carlos, interpretando a obra de Carré de Malberg, traz importantes esclarecimentos, ao afirmar que a separação de poderes desenhada por Montesquieu é inexeqüível, uma vez que a “separação de funções por competência exclusiva a um determinado órgão é impossível e inaplicável no direito positivo”. E acrescenta que as atividades dos órgãos são vinculadas de acordo com os fins estatais, dessa forma, o poder legislativo não só legisla, como julga e administra.[75]
O mesmo ocorre com o poder executivo e isso fica explícito ao analisarmos as atribuições feitas a ele e que estão descritas em nossa Constituição Federal, o que explica, de certa forma, a ligação existente entre a nomeação dos ministros do STF pelo chefe do Poder Executivo.
No próximo tópico estuda-se a forma de investidura dos ministros na Corte Constitucional de outros países. Notar-se-á que não é só o método brasileiro que encontra críticas quanto ao método de escolha.
2.4 Forma de investidura dos ministros das Cortes Constitucionais estrangeiras
A Constituição dos Estados Unidos prevê expressamente a existência da Suprema Corte, com algumas competências originárias, bem como a nomeação de seus magistrados pelo Chefe do Poder Executivo, e sua ratificação pelo Legislativo. Tanto a composição numérica como a organização e a competência são matérias legislativas ordinárias, cabendo ao Congresso Nacional e à tradição norte-americana essa disciplina.[76]
Para Schwartz
“[…] a posição do Poder Judiciário nos Estados Unidos foi que permitiu que a Constituição Americana fosse consagrada como a verdadeira lei suprema do pais. Tal separação entre o Poder Judiciário e os outros ramos do governo constitui a base da independência dos tribunais no mundo anglo-americano. E, como qualquer advogado sabe muito bem, é a independência de seu Judiciário, acima de tudo, que dá um sentido prático à soberania da lei que ele afirma com orgulho ser a característica fundamental do seu sistema constitucional.”[77]
Alexandre de Moraes ensina que na Suprema Corte Americana “inexiste constitucional ou legalmente a existência de requisitos capacitários para a nomeação de juiz da Corte Suprema, sendo a mesma de escolha eminentemente política do Presidente da República e a aprovação do Senado”. Ademais, os juízes da Corte ficam em seu cargo enquanto “bem servirem” a nação, sem limitação de idade para a aposentadoria compulsória. Ademais, não existem requisitos expressos para a seleção destes ministros, podendo a escolha recair sobre qualquer americano.[78]
No modelo austríaco,
“[…] a composição do tribunal […] obedece a critérios políticos, e a constatação histórica desde 1945 demonstra que o partido político que tem responsabilidade governamental acaba designando a maioria dos membros no Tribunal Constitucional […] a Constituição Austríaca garante a vitaliciedade aos membros do Tribunal Constitucional […] prevê a aposentadoria compulsória no dia 31 de dezembro do ano em que o juiz completar os 70 anos de idade […] prevê dois procedimentos distintos para a nomeação dos membros do Tribunal Constitucional, ora com a escolha sendo feita pelo Poder Executivo – por meio do governo federal – ora com a escolha sendo realizada pelo Poder Legislativo […] Assim, o presidente, o vice-presidente, seis membros, e três suplentes serão escolhidos pelo Governo Federal, todos eles entre magistrados, funcionários administrativos e catedráticos das Faculdades Universitárias de Direito e Ciências Política.
Os outros seis membros e três suplentes serão escolhidos pelo Parlamento, dos quais, três membros e dois suplentes pelo Conselho Nacional, por maioria qualificada, e três membros e um suplente, pelo Conselho Federal, por maioria absoluta. Todos os membros serão nomeados pelo Presidente Federal.”[79]
Marcelo Rebelo acrescenta que na Áustria os elementos determinantes da configuração material da justiça constitucional é o regime político e, conseqüentemente, o sistema de governo. Esse sistema irá definir “os protagonistas orgânicos da implementação constitucional democrática, circunscrevendo a arena de actuação e prevendo mecanismos se avaliação normativa, de controle da efectividade e de legitimação.”[80]
Em Portugal não é diferente. Existem dois procedimentos para a nomeação do seu Tribunal Constitucional, sendo uma escolha feita pela Assembléia da República e outra pela cooptação do próprio tribunal. Assim, dez juizes serão escolhidos por meio de eleição feita entre os membros do Poder Legislativo, perante o Presidente da Assembléia da República, sendo eleitos com 2/3 dos deputados presentes e, outros três juizes, serão escolhidos pelo próprio Tribunal Constitucional.[81]
Cumpre ressaltar que só podem fazer parte do Tribunal os “homens da lei”, sendo que a Constituição Portuguesa “reservou exclusivamente a juizes dos tribunais judiciais e a juristas o acesso”, não havendo previsão de idade mínima de ingresso ou para aposentadoria. Porém, a duração do cargo é de nove anos, sem “reeleição”.[82]
Ao ser questionado no que deveria ser mudado na composição do Tribunal Constitucional de Portugal Marcelo Rebelo afirma
“[…] ainda que me incline para a bondade teórica de alguma participação presidencial da designação dos juízes constitucionais, não sopram nesse sentido, antes no da parlamentarização do sistema de governo em sentido estrito – e a meu ver mal – os ventos do sistema partidário vigente. Isto é, em termos de legitimidade e de efectividade, esta alteração, que seria porventura pertinente, não se configura como consensual.”[83]
Percebe-se que outros países enfrentam o mesmo dilema brasileiro, existindo várias críticas pelo fato do Poder Executivo interferir na escolha, o que, para muitos, tiraria a legitimidade da Corte Constitucional.
Após deleitarmos sobre os tipos e métodos de legitimação, além de sabermos um pouco mais sobre a tripartição funcional de competências do poder e do modo de composição do Supremo Tribunal Federal brasileiro e de outros países, iremos para nosso terceiro e último tópico, na qual falaremos sobre as conseqüências da interferência do Poder Executivo na escolha dos ministros do STF, para, enfim, dizer se o método de escolha brasileiro é legítimo ou não.
3 A LEGITIMIDADE DAS DECISÕES DO STF EM FACE DO PROCESSO DE ESCOLHA DE SEUS MINISTROS
3.1 Conseqüências da interferência do Poder Executivo na escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal
Na visão de Carlos Roberto Faleiros o Poder Executivo detém o monopólio exclusivo sobre o STF e, lembrando os dizeres de Nery Júnior, afirma “com nosso sistema, o Poder Executivo indica aquele magistrado que tiver afinidade com suas ideologias políticas, e o Senado Federal simplesmente ratifica a escolha do Presidente da República”.[84]
A crítica persiste, ainda, quanto à nomeação dos ministros, que é vitalícia[85], sendo que, mesmo que o mandato do presidente chegue ao fim, a composição do Supremo permanece.[86] Assim, na visão de Diniz, o Poder Executivo monopoliza o STF, sendo “este último uma extensão da Presidência da República, o que faz com que tal Tribunal perca sua legitimidade e neutralidade”. Afirma, ademais, que o princípio da tripartição dos poderes fica fragilizado “pois permite o controle e a superposição de um poder estatal sobre outro.”[87]
Questiona-se, assim, se é possível o STF com uma suposta separação de poderes, julgar sem tendências processos tão importantes e decisivos. Faleiros afirma que não podemos admitir que o Poder Judiciário “sofra ingerências de nenhum ente político, menos ainda do poder executivo, cujas atitudes muitas vezes refletem o interesse de uma minoria dominante em detrimento do bem comum e da justiça social”.[88]
Ao falar sobre a composição do STF, Diniz defende que
“[…] deverá levar um terço de magistrados indicados pelo Poder Executivo, um terço pelo Poder Legislativo e um terço pelo Poder Judiciário, todos com mandato certo e determinado. Assim, teríamos uma verdadeira corte independente, suprapartidária e autônoma e com o objetivo muito claro: defender a Constituição e pugnar pela efetividade da ordem jurídica que a Carta Magna veio inaugurar.”[89]
Para ele, a Corte Constitucional, permitiria a participação tanto de membros oriundos da advocacia, como do Ministério Público, sendo que a indicação não seria meramente política e os três poderes passariam a ter a mesma autonomia. E, assim, estaríamos assegurando a independência dos três poderes, com a existência de um órgãos superior e autônomo, que tivesse uma atuação concreta na defesa da Constituição, e a participação democrática dos órgãos de classe no procedimento de escolha dos magistrados do quinto constitucional.[90]
Alexandre de Morais “defende a transformação do Supremo em Corte Constitucional e a participação mais efetiva dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário na escolha de seus membros, que deveriam ter mandatos limitados, proibida a recondução”.[91]
Como método de escolha, Luiz Quadros propõe
“Adotar uma Corte Constitucional, mantendo o controle difuso de constitucionalidade por todos os órgãos do Judiciário, onde os seus membros sejam escolhidos pelo Judiciário; pelo Legislativo; 1/3 por cada um dos Poderes; pelo Ministério Público, OAB e pelo Judiciário; enfim, qualquer método democrático que não passe pelo Executivo, poder tendencialmente autoritário, principalmente no sistema presidencial.”[92]
Marcelo Rebelo traz uma nova vertente e, citando Luhmann, ensina que é “o próprio procedimento constitucional que alimenta a legitimidade do órgão que o desenvolve”. Desse modo, estamos perante uma realidade política que ganha crescente relevo em sistemas constitucionais que recorrem a sistemas normativos ou de valores externos ao jurídico para se legitimar.[93]
Ele acrescenta que
“[…] para todos os órgãos de soberania em termos de legitimação de exercício, conhece a fronteira da legitimidade de título constitucional como regra nas Democracias dos nossos dias. É a Constituição que define a divisão de poderes, na qual cabe a justiça constitucional, que não é nem poder constituinte nem poder constituído.”[94]
Destarte, percebe-se que tanto o processo de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal, como a divisão funcional dos poderes, estão materializados em nossa Constituição Federal de 1988, nos artigos 2º e 101º.
Pode-se afirmar, então, que a interferência do Chefe do Poder Executivo na escolha dos ministros do Supremo reforça um poder autoritário,[95] como se tanto o Poder Executivo como o Legislativo estivessem nas “mãos” de um só indivíduo, o Presidente da República. Mas, por outro lado, não se pode olvidar que esta foi a vontade do legislador constituinte originário, e como tal escolha está legalizada, amparada pela Constituição Federal, pode ser aplicado ao caso concreto a teoria procedimental de Luhmann, para tornar legítimas as decisões de tais magistrados, não é mesmo? Esta pergunta será respondida com maior riqueza de detalhe no próximo tópico.
3.2 Legitimidade do método de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal
Depois de ter visto tantos conceitos, opiniões e críticas, chega-se ao ápice do presente trabalho. Tudo que foi estudado e pesquisado se concentra neste momento, momento de se responder a seguinte indagação: “O método de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro é legítimo?”
Percebe-se que a legitimidade ganha crescente relevo em sistemas constitucionais[96] e o direito oferece a ordem que estabiliza os mecanismos e os torna resistentes às contingências, afastando, desse modo, o medo e a incerteza, que nascem da complexidade do mundo moderno, onde “cada coisa seria improvável se não fosse instituído um mecanismo de seleção e regulação constante”.[97]
Seguindo este pensamento, a validade do direito estaria pautada na estabilidade da norma, em outras palavras, a “impossibilidade de que ela mude em presença de comportamentos desviantes”.[98]
Assim, o ponto crucial é a estabilidade que o sistema jurídico perpetua em relação às frustrações e aos riscos. Nessa linha, o direito se auto-reproduz, criando um sistema autopoiético (auto-construtivo), funcionando de modo independente de sujeitos e de valores que lhe são fatalmente externos.[99]
No presente trabalho utiliza-se o método procedimental de Luhmann – estudado no primeiro tópico, para dizer se é legitimo ou não o método de escolha dos ministros do STF. Assim, utilizando a legalidade de fundo decisionista em conformidade com o descrito no artigo 101 da Constituição Federal de 1988, e a legitimidade como uma disposição generalizada para aceitar decisões de conteúdo indefinido[100] por meio de procedimentos decisórios constitucionalmente previstos, fica nítido que tanto a escolha dos ministros do STF como as decisões de tais ministros serão legítimas.
Tal legitimação encontra amparo não só no método procedimental de Luhmann, como em Canotilho na sua legitimidade por competência e procedimentos, na qual afirma que basta um procedimento regular (legal) existir para o resultado ser justo, independentemente de critérios valorativos (verdade e justiça).[101]
Dessa forma, em vez de insistir na legitimidade por meio da verdade e de valores, “suscetíveis de se tornarem integracionistas e totalizantes, e, ao mesmo tempo, “de sofrerem erosão progressiva quanto à sua credibilidade, a legitimidade deve resultar das competências de decisão e do procedimento”. Seguindo este raciocínio, a escolha dos ministros do STF não será aceita por ser intrinsecamente justa, mas sim por ser resultado de um Poder Constituinte revelado através de um procedimento funcionalmente organizado.[102]
O conceito de Kelsen, com sua legitimidade conseqüente da ordem jurídica, bem como Schmitt, também podem ser usados a fim de legitimar a escolha em questão, ou, até mesmo, as regras formais de procedimento como premissas legitimadoras da decisão buscada pelos participantes.[103]
O atual mundo complexo carece “de estruturas, de competências e de procedimentos para reduzir essa complexidade e assegurar uma ordem social vinculativamente ordenada”,[104] sendo o método procedimentalista pontual em dirimir as incertezas gerada por tais complicações.
Para Gianluigi, na teoria de Luhmann
“[…] os processos de legitimação não consistem na comunhão de aspectos substanciais do direito ou das decisões tomadas pelo ‘poder’ político: ocorrem em razão da participação – na qualidade de cidadão, eleitor, trabalhador, cliente, réu, intimado etc. – na experiência dos procedimentos previamente dispostos para o funcionamento da sociedade, participação em papéis, que concretiza a nossa aceitação, de todo independente de opiniões fundamentadas acerca deste ou daqueles conteúdos.”[105]
Como bem assinalado por Diniz, “a desmedida complexificação social e o aumento dos problemas carecendo de solução adequada impõe a necessidade de se ultrapassarem as formas mais antigas do sistema jurídico”. De tal modo, as decisões tomadas em procedimento se legitimam per se, valendo independentemente de qualquer outra referência (valor).[106]
Perseguindo a idéia da Bobbio, a legitimidade é “efeito não da referência de valores mas da aplicação de certos procedimentos”. Nessa linha, os cidadãos de modo geral, sujeitos de direitos, participam dos limites das regras estabelecidas, sendo a legitimidade “uma prestação do próprio sistema”.[107]
Desse modo, “a função legitimadora do procedimento não está em produzir consenso entre as partes, mas em tornar inevitáveis e prováveis decepções em decepções difusas: apesar de descontentes, as partes aceitam a decisão”. A legitimidade pelo procedimento “não conduz, necessariamente, no consenso efetivo, à harmonia coletiva de opiniões sobre justiça ou injustiça, mas visa fracionar e absolver os protestos, especificando as insatisfações e as organizando procedimentalmente.”[108]
Assim, com base em tais argumentos, o método de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal é legítimo, levando em conta que a justiça estaria salvargando o sistema jurídico como um todo, e não caso a caso, ou seja, “não por sua relação específica com este ou aquele valor”.[109]
CONCLUSÃO
Depois de analisar todos os temas propostos neste artigo, percebe-se que não se tem uma posição certa e irrefutável do que seja a legitimidade e de como as decisões de um determinado magistrado podem ser consideradas legítimas. O que se encontra são métodos criados na tentativa de amenizar os questionamentos acerca do tema.
Como utilizou-se in casu o método procedimental criado por Niklas Luhmann, a conclusão pela legitimidade tornou-se imperiosa, uma vez que existe um procedimento, esculpido em nossa Constituição Federal de 1988, em seu art. 101, que torna a escolha constitucional.
Se a escolha é constitucional, pouco importarão as decisões de tais ministros, pois a legitimidade estará pautada no procedimento e nada mais haverá para se discutir. Alguns autores utilizam a moral com o senso guarnecido no justo para dizer se uma decisão é legítima ou não. Mas percebe-se que tal metodologia é inócua, uma vez que cada cidadão tem sua percepção de moral e justiça. Sendo assim, o que é justo para um poderá ser injusto para outro.
Muitos questionam o fato do Poder Executivo intervir diretamente na escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal, o que poderia tirar a neutralidade das decisões tomadas por esses magistrados. Porém, conforme estudado, o que existe é uma tripartição dos poderes ficta, pois no estado moderno de direito, todos os poderes, de uma forma ou de outra, possuem funções de ambos os poderes e isso é explícito em nossa Carta Magna.
Além do mais, não se pode olvidar que esta suposta intervenção do Poder Executivo foi convalidada pelo poder constituinte originário, sendo corroborada no texto constitucional de 1988.
Para concluir o presente trabalho saliento a opinião de Palombella na sua leitura da obra de Luhmann, na qual afirma que “a justiça não está na correspondência a esta ou àquela exigência do caso particular, mas, ao contrário, na salvaguarda do funcionamento global do sistema. Não são as decisões individuais que podem ser definidas como justas, mas o sistema jurídico como um todo”.[110]
Assim, com base nesta idéia, considero o atual método de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal legítimo. Claro que também existem inquietações e críticas ao método de Luhmann em minha mente, mas tais inquietudes, quem sabe, serão desenvolvidas em um posterior trabalho.
Doutoranda em Direito e Estado pela UnB. Professora de Direito Constitucional do UniCeub. Assessora da Presidência do Supremo Tribunal Federal
Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (2005). Especialista em Ciências Jurídicas, Direito Civil e Processo Civil. Pós-graduanda em Direito Tributário pela PUC/SP; Advogada.
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