Resumo: O ser humano é social por natureza. A ideia de viver isolado, sem contato com outrem, não faz parte das concepções humanas. Assim, é necessário então que haja regras de conduta a serem seguidas por determinado grupo social a fim de que não se instale a anarquia. Essas regras de condutas, que são positivadas através do direito, estabelecem direitos e deveres dos membros daquele grupo, sejam elas escritas ou regras comuns. Entretanto, é também parte da natureza humana a busca pela liberdade, o que implica, em determinados casos, no descumprimento de tais regras de conduta. Esse descumprimento enseja uma consequência, uma punição. Historicamente, as punições eram físicas ou patrimoniais. Mas então, a sociedade, a partir do momento que estabelece o direito de ir e vir como essencial para sua vivência, define então que a limitação desse direito é medida punitiva válida. A prisão como forma de punição aos transgressores das regras sociais é o objeto desse estudo.
Palavras-chave: Sociedade. Contrato Social. Descumprimento. Punição. Prisão.
Abstract: The human being is social by nature. The idea of living isolated, without contact with others, is not part of human conceptions. Thus, it is necessary that there be rules of conduct to be followed by a certain social group so that anarchy is not installed. These rules of conduct, which are positived by law, establish the rights and duties of members of that group, whether written or common rules. However, it is also part of human nature to seek freedom, which implies, in certain cases, noncompliance with such rules of conduct. This breach leads to a consequence, a punishment. Historically, the punishments were physical or patrimonial. But then society, from the moment it establishes the right to come and go as essential to its experience, then defines that the limitation of this right is a valid punitive measure. Imprisonment as a form of punishment for offenders of social rules is the object of this study.
Keywords: Society. Social contract. Noncompliance. Punishment. Prison.
Sumário: Introdução 1. O histórico do sistema prisional brasileiro 2. O atual sistema penitenciário brasileiro 3. A superlotação dos presídios 4. Ressocialização do recuperando 4.1 do trabalho prisional 4.2 do estudo 5. Os presos provisórios 6. A política de progressão de regimes 6.1 Quanto aos regimes e as formas de cumprimento 6.1.1 Regime fechado 6.1.2 do regime semiaberto 6.1.3 Do regime aberto 6.1.4 Do livramento condicional 6.2. Das frações de progressão regimental e livramento condicional. Considerações finais. Referências
INTRODUÇÃO
Nos primórdios do mundo, o ser humano primitivo era um ser individualista e natural, no sentido de que vivia da natureza. Com o advento das primeiras concentrações e aglomerados de pessoas, deu-se início ao processo de socialização desse indivíduo. Os interesses pessoais passaram a ser vistos em segundo plano, dando prioridade para os interesses coletivos.
Ao longo dos anos, muitos foram os estudiosos que pensaram e ensaiaram acerca dessa organização social. Mas foi em 1762 que o filósofo e jurista francês Jean Jacques Rousseau publicou uma obra que mudaria para sempre a compreensão da sociedade e do homem que vivia nessa sociedade: Do Contrato Social.
Sucintamente podemos dizer que nessa obra, Rousseau apresenta a tese de que todos nascem livres, mas vivem sob grilhões, acorrentados pelas convenções sociais, que imporiam ao indivíduo a restrição ao seu estado natural para que se propague um estado de bem estar social, que beneficiaria não apenas um indivíduo de forma isolada, mas todo o grupo. Assim, se cria a ideia de que o interesse coletivo se sobressai ao interesse individual.
Mas quem estabeleceria esse interesse coletivo? Outro grande autor nos apresenta a resposta: Thomas Hobbes. Em sua obra Leviatã, Hobbes apresenta o Estado como a espinha dorsal dessa sociedade coletiva. Assim, o indivíduo seria governado por uma entidade maior, o Estado ou o Leviatã, que geriria a sociedade.
Uma base comum nas duas obras, bem como em várias outras acerca do mesmo tema, é a existência de regras de conduta que norteariam a vida dos indivíduos. Essas regras de conduta são definidas como o Direito. O Direito então seria o fio condutor da conduta do indivíduo em sua vida social.
Mas então, o que acontece com aquele indivíduo que se desvia dessas regras de conduta? Que descumpre aquela norma estabelecida para a convivência dos indivíduos? Ora, a resposta é óbvia: seria punido! A punição faz parte da sociedade desde seus primórdios, estabelecendo a repreensão daquelas condutas que afrontem o ideário social estipulado pelo Contrato Social vigente.
Hodiernamente, baseados nas ideias de Cesare Beccaria e, principalmente, nos princípios trazidos pela Declaração dos Direitos do Homem, a pena deixou de ser apenas uma manifestação do poder do Estado ante o indivíduo para tornar-se também um ponto catalisador do entendimento da criminalidade na sociedade, estabelecendo-a não apenas como uma punição à transgressão, mas também como uma advertência aos demais indivíduos acerca das consequências do descumprimento das normas.
Além disso, além desse caráter punitivo e ameaçador das penas, o apenado também passou a ser visto como um despossuído, carente e necessitado de auxílio. Segundo Carnelutti, em sua obra As Misérias do Processo Penal, o acusado encontra-se no último degrau da escada, abaixo de todos, no lugar de menor prestígio e maior pressão. Sobre esses aspectos da pena é que este trabalho nos leva.
1. O HISTÓRICO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
Como dito, desde que os homens passaram a viver em sociedade, foram estabelecidas regras de conduta, às quais, se descumpridas, ensejariam punições aos transgressores. A ideia de prisão como pena é um conceito relativamente moderno. Na antiguidade, as penas relativas às transgressões cometidas tinham caráter eminentemente físico.
Em um primeiro momento, antes da construção sociológica do direito penal positivado, a punição às transgressões sociais era exercida pela justiça privada, mormente com a vingança. Entretanto, esse tipo de punição acabou por se mostrar imprecisa e desvantajosa.
“Como na época da vingança privada o revide não guardava proporção com a ofensa, sucederam-se acirradas lutas entre grupos e famílias, que assim se iam debilitando, enfraquecendo e até extinguindo. Surgiu, então, como primeira conquista no terreno repressivo, o “talião”, conhecido pela máxima “olho por olho e dente por dente”. Por ele o castigo é delimitado e a vingança não mais seria arbitrária e desproporcional” (NORONHA, 1991, p. 20).
A Lei de Talião, positivada no Código de Hamurabi, muda o foco da punição, deixando de lado a vingança em seu sentido estrito e inaugurando a justiça privada.
Porém, mais uma vez, a justiça privada exercida quase que arbitrariamente não satisfez a sociedade. Com o surgimento de poderes constituídos em torno de um governo centralizado, surge também a necessidade da intervenção desses poderes no processo punitivo.
Especificamente na Europa, por conta do caráter francamente religioso dos povos na Idade Média, o processo punitivo foi transferido para a Igreja Católica, caracterizada principalmente pelas ordálias ou juízos de Deus.
A evolução natural das relações sociais, a secularização dos governos e o afastamento do Estado e Igreja acabaram por transferir esse múnus novamente para o Estado. Surge então o sistema punitivo baseado no jus puniendi exclusivo do Estado.
Ainda assim, essa transferência não garantiu a instalação da prisão como forma básica de punição. Os castigos físicos, execuções e penas de cunho patrimonial continuaram sendo o “carro-chefe” do sistema punitivo. A prisão então servia apenas como meio intermediário pelo qual o Estado asseguraria a execução das demais formas punitivas.
A prisão como forma de pena ganha destaque com a Revolução Francesa, em 1789, que, entre outros pontos, tendia pela abolição das penas cruéis, degradantes ou humilhantes. Ainda que, mesmo antes da Revolução Francesa, já houvesse prisões na Europa, essas se destinavam a vagabundos, mendigos e prostitutas, mostrando o caráter muito mais eugenista do que punitivo destes lugares.
Segundo Foucault, em sua obra Vigiar e Punir (1999), aponta que o sistema prisional como o conhecemos hoje, remonta ao sistema Rasphuis, de Amsterdã, que instituiu um sistema de privação de liberdade na qual os detidos poderiam ter a duração de seu cárcere reduzido pelo comportamento, deveriam necessariamente trabalhar, recebendo por isso, inclusive, e deveriam ter um tempo estabelecido para meditação, reflexão e exortação religiosa, tudo isso visando devolver esse indivíduo à sociedade regenerado.
Já no Brasil, até 1830, não existia qualquer tipo de legislação acerca de temas criminais, sendo utilizadas as Ordenações Filipinas, herança do Brasil colônia, as quais permitiam penas de açoite, mutilação, degredo, execução, confisco de bens, entre outras.
Com a Constituição do Império, em 1924, surgiram as primeiras ideias nacionais de proteção à integridade do indivíduo submetido à justiça. De fato, o art. 179, XIX, estabeleceu que estavam banidas as penas cruéis, como açoites, tortura, marcação com ferro quente etc. Ainda, a Carta Magna Imperial extinguia o confisco de bens, proibia que a pena ultrapassasse a pessoa do condenado e que as cadeias fossem limpas, arejadas e seguras, respeitando-se as diferenças entre os crimes cometidos pelos condenados.
Em 1830, foi promulgado o Código Criminal do Império, que estabeleceu as penas de prisão simples e prisão com trabalho forçado. Ainda que permanecessem as penas de morte e banimento, surgiu então um princípio pelo qual o sistema punitivo brasileiro manteria até os dias atuais: a prisão.
A ideia de privar o indivíduo transgressor de sua liberdade de ir e vir constituiu a partir de então o principal sistema pelo qual haveria punição. Mesmo durante períodos de exceção como a Ditadura Civil-Militar, em que havia castigos físicos, o sistema punitivo continuava-se baseando na prisão. É o caso exemplar de Luis Carlos Prestes durante a Era Vargas. Apesar de seus correligionários serem seguidamente torturados para divulgarem informações sobre o líder comunista, a real punição por seus “crimes” foi sua prisão.
Hodiernamente, se defende a teoria de que a pena de prisão seja não apenas de caráter repressivo, mas também educativo e socializador, buscando o retorno daquele infrator ao seio da sociedade. A Constituição Federal, em seu art. 1º, traz como fundamentos da República do Brasil a dignidade humana. Sendo assim, trata-se de princípio fundamental, estipulado em cláusula pétrea constitucional, de maneira que deveria ser respeitado acima de tudo.
Nada mais utópico e distante da realidade do sistema prisional brasileiro, superlotado, com unidades prisionais insalubres, sem qualquer perspectiva acerca da efetiva ressocialização do indivíduo infrator, como se verá mais adiante.
Assim, qual a solução para um problema grave e crônico brasileiro?
2. O ATUAL SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
O atual sistema carcerário brasileiro não passa de um depósito de gente. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN[1], o Brasil conta atualmente com 1.424 Unidades Prisionais. Distribuídas nessas unidades, encontram-se 376.323 vagas, entre vagas nos regimes Fechado, Semiaberto, Aberto, além de vagas para medidas de internação e outras modalidades de penas privativas de liberdade. Saliente-se que, dessas vagas, 115.952 são para presos provisórios e 165.206 são para presos em regime Fechado.
Entretanto, o país conta com 579.787 presos, o que resulta em uma superlotação estimada em mais de 54% das vagas. Analisando somente os recuperando efetivamente recolhidos, temos 222.242 presos provisórios e 250.013 presos em regime Fechado, o que resulta em uma superlotação de mais de 99% dos presos provisórios e mais de 51% dos presos em regime Fechado.
Analisando o perfil social dos recuperandos, um quarto dos recuperandos brasileiros tem entre 18 e 29 anos, perfazendo uma população prisional bastante jovem. Por outro lado, 13,3% são brancos enquanto 28,5% são negros ou pardos, mostrando claramente a discriminação racial presente dentro desse sistema encarcerador.
Outra análise necessária quando se fala em sistema prisional é aquele referente ao número de presos provisórios e definitivos existente. Conforme informações do DEPEN, cerca de 38,3% da população carcerária brasileira é de presos provisórios, ou seja, sem condenação, enquanto mais de 43% são de presos em regime Fechado. Ou seja, o Estado punitivo busca, essencialmente, a manutenção no cárcere daqueles que sejam socialmente desajustados. Enquanto antigamente as prisões serviam para agrilhoar prostitutas, vagabundos e bêbados, atualmente servem para afastar da sociedade aqueles considerados fora dos padrões.
Por outro lado, a Lei de Execuções Penais – LEP, a Lei Federal 7.210/84, traz em seu bojo:
“Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” (Grifo Nosso)
Assim, o objetivo inicial da Execução Penal, ao menos em tese, não é apenas punir, mas preparar o indivíduo infrator para retornar à sociedade. A ideia é propiciar ao recuperando condições de se ajustar às normas de conduta resguardadas pela sociedade e, de maneira progressiva, reinserir este recuperando dentro do seio da sociedade.
Essas ideias são caracterizadas pelos institutos da Remissão e da Progressão de Regime, previstos nos art. 33, principalmente o parágrafo segundo, do Código Penal e da Seção IV da Lei de Execuções Penais. Assim, o recuperando, mediante seu esforço, mérito e comportamento, evoluiria progressivamente dentro do Sistema Prisional até o retorno completo à sociedade.
Não obstante, isso não ocorre como seria desejável. A bem da verdade, não ocorre de forma nenhuma. Projetos de Remição de Pena por trabalho e estudo praticamente não existem, salvo por situações pontuais, normalmente de iniciativa externa ao Estado. Na ideia de conseguir fundo político e tapar um buraco muito grande, surgem decisões e normas das mais inócuas para “propiciar a ressocialização” do preso, como a recente decisão do STJ que considerou válida a remição por participação em coral!
No outro lado da balança, a progressão de regime também se torna uma piada. A Seção V da Lei Execuções Penais apresenta o Livramento Condicional como um último degrau do cumprimento da pena, caracterizado pela saída total do estabelecimento prisional por parte do recuperando. No Livramento Condicional seriam estabelecidas regras a serem cumpridas, às quais substituem a privação de liberdade e a permanência do recuperando em estabelecimentos prisionais, ensejando definitivamente a reintegração do mesmo à sociedade.
Já o regime Semiaberto, disciplinado no art. 35 do Código Penal, institui uma liberdade apenas relativa ao recuperando, que não pode sair do estabelecimento prisional, salvo exceções (para trabalho externo, frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior, se deferido pelo magistrado da execução), sendo que o recuperando permanece recolhido em Colônias Agrícolas, Industriais ou Similares.
Entretanto, em vários estados, a falta de estabelecimentos adequados para o cumprimento em Regime Semiaberto acaba por ensejar um falso regime, com condições semelhantes ao do Livramento Condicional (comparecimento regular ao juízo, recolhimento domiciliar noturno, limitações de direitos). Ou seja, na prática, ao invés de passar pelos três regimes prisionais normais e somente ao final atingir o Livramento Condicional, o preso, muitas vezes cumprindo apenas 1/6 da pena, acaba por ser beneficiado com o mais vantajoso benefício. Tudo por conta da desídia do Estado.
Caso clássico disso, a Comarca de Comodoro, no Oeste do Estado de Mato Grosso, divisa com o Estado de Rondônia, recebe diversos recuperandos da vizinha Comarca de Vilhena. Isso porque em Rondônia o regime Semiaberto é cumprido nos moldes do previsto em Lei. Assim, sabedores das facilidades e benefícios existentes em uma comarca sem qualquer estrutura prisional, os recuperandos pedem transferência para Comodoro, sendo liberados assim que chegam.
Não raro, continuam a residir em Vilhena, já que o comparecimento em juízo normalmente é mensal apenas, e a falta de aparato policial ou mesmo de equipamentos como tornozeleiras eletrônicas torna inviável a fiscalização do cumprimento da condição de não sair da comarca sem autorização judicial.
Falando em tornozeleiras eletrônicas, sob a justificativa de necessidade de economia, várias Casas do Albergado, estabelecimentos prisionais destinados aos recuperandos em regime Aberto, estão sendo desativadas ou utilizadas para cumprimento do regime Semiaberto, substituídas pelas tornozeleiras eletrônicas.
A ideia é bastante interessante. Entretanto, dois são os problemas mais apontados pelos críticos do sistema. Primeiramente, o fato de que o sistema ainda não é confiável. Vários são os casos em que recuperando usando tornozeleiras conseguiram burlar o sistema, cometendo novos ilícitos. Segundo e mais relevante, a pena deve ter caráter punitivo-pedagógico, ou seja, deve haver tanto a satisfação da sociedade em ter o infrator punido quanto gerar no infrator e nos demais o fundado receio da punição ao cometer ilícitos. Entretanto, a manutenção de um infrator praticamente solto, principalmente tendo em vista as dificuldades do sistema de monitoramento, acaba por gerar uma insatisfação social com o sistema, consequentemente gerando uma sensação de impunidade que dificilmente será controlada.
Aliás, falando em insatisfação social, outro aspecto que gera muita controvérsia no Sistema Prisional é no tocante aos gastos. Não raro surgem questionamentos quanto ao custo de manutenção do preso. A própria Ministra do STF Carmem Lúcia, em 2016, constatou que “Um preso no Brasil custa R$ 2,4 mil por mês e um estudante do ensino médio custa R$ 2,2 mil por ano. Alguma coisa está errada na nossa Pátria amada”. Com uma população carcerária tão grande e crescendo cada vez mais, os custos de manutenção do Sistema Prisional são exorbitantes.
Entretanto, como conciliar uma economia do custo do preso com a necessidade de punição aos infratores? Respondendo a essa pergunta, discursos de ódio como o já conhecido “bandido bom é bandido morto” começa a encontrar eco nos mais diversos setores da sociedade.
Assim, somando-se todas as dificuldades e o descaso estatal com o Sistema Penitenciário Brasileiro, é fácil concluir que o mesmo está fadado ao fracasso ao menos que haja uma mudança drástica e rápida.
3. A SUPERLOTAÇÃO DOS PRESÍDIOS
A superlotação das unidades prisionais é uma verdade clara e objetiva no Brasil. Conforme os dados acima indicados, o déficit de vagas prisionais é claro e pacífico. Pela lógica então, deveríamos construir mais presídios?
Claro que não! A ideia de que só conseguiremos reduzir a superlotação com o aumento de vagas é totalmente falacioso. Isso porque, como dito alhures, um dos motivos do aumento da criminalidade é justamente a sensação de impunidade que paira nos nossos sistemas judiciário e prisional.
Os presídios viraram terras de ninguém, onde comandos criminosos reinam livremente. O único motivo pelo qual todos os presos não fugiram ou tomaram as rédeas do lugar é porque não querem. Presídios são ótimos locais de recrutamento. Quando o ladrão de galinhas, que nunca fez nada de errado, é encarcerado junto com um dos líderes do tráfico, surge a oportunidade perfeita para juntar aquele indivíduo ao bando, principalmente se a unidade não oferece as mínimas condições de segurança ou possibilidades de ressocialização.
Por outro lado, um dos grandes fatores de superlotação prisional se oriunda da reincidência. Segundo uma pesquisa do IPEA, encomendada pelo CNJ em 2015, cerca de um quarto dos presos no Brasil são reincidentes. Isso considerando apenas a reincidência formal, aquela em que houve uma condenação transitada em julgado antes do fato que ensejou a prisão atual. Não existem dados específicos acerca daqueles encarcerados que tem mais de uma passagem por unidades prisionais, mas qualquer um que tenha contato com o Poder Judiciário ou o Sistema Prisional tem conhecimento empírico da grande quantidade de presos com mais de uma prisão. Isso apenas confirma a tese de que o atual Sistema Prisional Brasileiro não passa de uma “fábrica de bandidos” e de ponto de recrutamento das organizações criminosas.
Então qual seria a solução para a superlotação dos presídios? A solução é simples e já está prevista em lei: deixar de prender! O art. 282, §6º, do Código de Processo Penal é claro ao definir que a prisão cautelar, a prisão antes da condenação, somente deverá ser decretada caso não seja aplicável algumas das medidas cautelares. Isso quer dizer que a prisão cautelar é ultima ratio, devendo ser a exceção e não a regra.
Entretanto, os magistrados brasileiros nem mesmo tentam buscar medidas cautelares diversas da prisão antes de encarcerar um suspeito. Em alguns casos, chega-se a presumir a pena do indivíduo, antes mesmo da instrução criminal, para justificar que quando condenado o sujeito deverá ser encarcerado.
O encarceramento antes da prisão, para FIDALGO (2016) “A prisão deverá ser utilizada como ‘última ratio’, apenas quando não existirem outras medidas igualmente eficazes de atingirem seu fim.” Para TOURINHO (2009), o “cárcere não tem função educativa; é simplesmente um castigo, e, como já se disse, esconder sua verdadeira e íntima essência sob outros rótulos é ridículo e vitoriano”.
Dessa forma, fica claro que a ideia de prisão antes da sentença não pode ser tida como normal. Conforme dados acima, quase 50 por cento da nossa população prisional não foi condenada. Como acreditar que toda essa quantidade de gente não poderia ser mantida em liberdade sob pena de cometimento de novos crimes ou ainda obstar o andamento processual, principalmente se a eles não fora dada a possibilidade?
Outra questão que permeia as discussões acerca da superlotação prisional é no que diz respeito à progressão de regime. Existe uma necessidade urgente de se proceder um sistema útil e funcional no qual a progressão de regime seja definitivamente cumprida.
Na verdade, a superlotação das Unidades Prisionais acaba por tornar o sistema um grande depósito de pessoas, impedindo também o correto processo de ressocialização dos recuperandos.
Assim, uma das principais ferramentas para humanizar o Sistema Prisional, ao mesmo tempo em que favorece tanto o caráter punitivo da pena e propicia o efetivo processo de ressocialização, é a drástica diminuição da quantidade de presos recolhidos.
4. RESSOCIALIZAÇÃO DO RECUPERANDO
O processo de ressocialização dos recuperandos está previsto na legislação brasileira, como objetivo inicial da execução penal, como dito acima e disposto no art. 1º da Lei de Execuções Penais, in verbis:
“Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” (GRIFO NOSSO)
Assim, um dos objetivos da execução penal, além da punição da infração cometida, o reingresso do apenado na sociedade, de maneira a não voltar a delinquir.
Entretanto, é público e notório que tal situação não encontra eco no sistema prisional brasileiro. Principalmente porque não existe qualquer tentativa real e efetiva de ensejar algum tipo de efetiva ressocialização do recuperando.
A própria legislação penal determina que deva ser ofertado ao recuperando oportunidades de trabalho e estudo, sem contar que umas das poucas iniciativas reais de ressocialização, o método APAC, que é de iniciativa não governamental, tem dado bons frutos, reduzindo drasticamente a reincidência.
O Código Penal, ao estabelecer os regimes de pena, dispõe acerca do trabalho prisional:
“Art. 34 – O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para individualização da execução.
§ 1º – O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno. (…)
Art. 35 – Aplica-se a norma do art. 34 deste Código, caput, ao condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semi-aberto.
§ 1º – O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. (…)
Art. 36 – O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado.
§ 1º – O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga.” (Grifo nosso [sic])
Já Lei de Execução Penal, em seu Capítulo III, dispõe sobre as regras do trabalho prisional, in verbis:
“Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. (…)” (Grifo nosso)
Fica clara, portanto, a previsão legal, bem como a necessidade de oferta de trabalho ao recuperando.
Assim, a solução do caos prisional brasileiro hoje existente perpassa, necessariamente, pela oferta de programas de ressocialização dos recuperandos. Mas como propiciar isso?
4.1 DO TRABALHO PRISIONAL
Inicialmente, o trabalho é parte essencial desse processo. Oferecer trabalho para os detentos tem várias vantagens: primeiro, oferece a possibilidade real de o recuperando produzir algo, forjando nele uma conduta melhor do que aquela que o levou ao cárcere. Segundo, a ocupação laboral dos recuperandos reduz, se não impede, as possibilidades de recrutamento por parte de organizações criminosas bem como de planejamento de atividades ilícitas, dentro ou fora da unidade prisional, já que o tempo ocioso do recuperando diminui consideravelmente; afinal, como diz o adágio popular, “cabeça vazia é oficina do Diabo!”. Em terceiro plano, o trabalho prisional acaba por aumentar as oportunidades do recuperando quando retornar à sociedade, já que terá aprendido uma profissão de não a tinha, aprendido uma nova profissão, caso não tenha desempenhado sua profissão original dentro da unidade, e, em todos os casos, terá recomendações favoráveis para conseguir uma colocação no mercado de trabalho.
Além das óbvias vantagens para o recuperando, o trabalho prisional também oferece uma pacificação social. Não raro, críticos do sistema prisional se utilizam do argumento de que “estão sustentando vagabundo sem fazer nada, enquanto o ‘cidadão de bem’ tem que trabalhar para se sustentar”. Claro que tal argumento não tem fundamento, quer jurídico, quer social, já que o Estado, ao avocar para si o ius puniendi, também avoca para si o cuidado com os detentos ao seu cargo.
Entretanto, convencer uma população com parca instrução como a brasileira, ao menos em sua maioria, de tais circunstâncias mostra-se bastante complexo. Além disso, com a devida vênia, ainda que seja uma concepção preconceituosa e falaciosa, não deixa de ter um fundo de verdade, já que o custo do sistema prisional, em comparação com sua efetividade, é demasiadamente alto.
Assim, combinada com as vantagens oferecidas aos recuperandos por laborarem durante sua pena, a ideia de que o preso não fique ocioso é bastante salutar, tanto para o sistema prisional em si quanto para a sociedade.
Para tanto, conforme dito acima, o trabalho do recuperando é necessário e tem previsão legal, tanto no Código Penal quanto na Lei de Execução Penal. Tanto assim, que dispõe a LEP:
“Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. (…)
§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.
Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.
§ 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:
a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;
b) à assistência à família;
c) a pequenas despesas pessoais;
d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.
§ 2º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.
Art. 30. As tarefas executadas como prestação de serviço à comunidade não serão remuneradas.
SEÇÃO II
Do Trabalho Interno
Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade.
Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.
Art. 32. Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades
futuras do preso, bem como as oportunidades oferecidas pelo mercado. (…)
Art. 33. A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem
superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados.
Parágrafo único. Poderá ser atribuído horário especial de trabalho aos presos designados para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal.
Art. 34. O trabalho poderá ser gerenciado por fundação, ou empresa pública, com autonomia administrativa, e terá por objetivo a formação profissional do condenado.
§ 1o. Nessa hipótese, incumbirá à entidade gerenciadora promover e supervisionar a produção, com critérios e métodos empresariais, encarregar-se de sua comercialização, bem como suportar despesas, inclusive pagamento de remuneração adequada.
§ 2o Os governos federal, estadual e municipal poderão celebrar convênio com a iniciativa privada, para implantação de oficinas de trabalho referentes a setores de apoio dos presídios.
Art. 35. Os órgãos da Administração Direta ou Indireta da União, Estados,
Territórios, Distrito Federal e dos Municípios adquirirão, com dispensa de
concorrência pública, os bens ou produtos do trabalho prisional, sempre que não for possível ou recomendável realizar-se a venda a particulares.
Parágrafo único. Todas as importâncias arrecadadas com as vendas reverterão em favor da fundação ou empresa pública a que alude o artigo anterior ou, na sua falta, do estabelecimento penal.
SEÇÃO III
Do Trabalho Externo
Art. 36. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.” (Grifo nosso)
Assim, resta patente a possibilidade e necessidade da implementação do trabalho dentro das unidades prisionais, tanto como forma de ressocialização quanto como forma de satisfação social.
4.2 DO ESTUDO
O direito ao estudo é direito constitucional, consagrado no art. 205 da CF/88, in verbis:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (Grifo nosso)
Ainda nessa mesma senda, dispõe a Lei 9.394/96, A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB:
“Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (Grifo nosso) (…)
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (Grifo nosso)
Assim, constitucional é o direito do recuperando em também ter acesso ao estudo, bem como é dever do Estado em satisfazer esse direito. Além disso, é direito do recuperando remir sua pena mediante estudo, conforme inteligência do art. 126 da LEP:
“Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.” (grifo nosso)
Esses dispositivos legais embasam uma clara possibilidade de implementação do estudo como parte do processo de ressocialização do recuperando, ensejando não apenas o respeito ao direito à dignidade humana, mas também a possibilidade de reinserção social do mesmo.
Em outros tempos, um dos maiores empecilhos ao estudo dentro de unidades prisionais era a falta de estrutura e professores dispostos a ministrar as aulas. O preconceito e o receio da violência fazia com que poucos educadores se mostrassem dispostos a ministrar aulas dentro de unidades prisionais.
Outro problema dizia respeito à rotatividade dos alunos/recuperandos. Presos provisórios poderiam sair a qualquer momento, afinal esse sempre foi seu grande anseio, e recuperandos do regime fechado ou semiaberto poderiam ser progredidos de regime e/ou transferidos de unidade prisional. Isso fazia com que o processo educacional acabasse descontinuado, prejudicando o projeto e provocando seu encerramento.
Entretanto, os dois problemas podem ser resolvidos com uma única solução: o Ensino à Distância. Disposto no art. 80 da LDB e regulamentado atualmente pelo Decreto nº 9.057/17, o Ensino à Distância é ferramenta válida para o processo de ensino-aprendizagem, no qual é desnecessária a presença física do professor em sala de aula. Outra questão interessante da EaD e que tem valor maior para a educação prisional, é o fato de que a EaD é calcada no esforço individual do aluno e na mobilidade do processo de ensino. Assim, independentemente da unidade prisional que o recuperando estiver recluso, bem como de seu livramento, ele poderá continuar seus estudos, podendo, no caso de estar em liberdade, optar continuar na modalidade à distância ou migrar para a modalidade presencial, se houver.
Como dito anteriormente, o Ensino à Distância está previsto na LDB, em seu art. 80:
“Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada”.
Inicialmente voltada ao ensino superior, atualmente pode ser utilizada também na educação básica, conforme disposto na LDB:
“Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão (…)
§ 4º O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais. (…)
Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino (…)
§ 11. Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento (…)” (grifo nosso)
Assim, existe previsão legal para a oportunização do ensino, em qualquer de seus níveis, dentro das unidades prisionais, mediante ensino à distância. A própria LEP também incentiva o fomento da educação prisional quando aumenta a remição por estudo em caso de conclusão de grau escolar:
“Art. 126 (…)
§ 5o O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação”
Apesar de bastante raras, algumas propostas e iniciativas ainda são oportunizadas. Recentemente, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso firmou convênio com Universidade Federal de Mato Grosso e com a Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos para oferecer curso superior de Bacharelado em Administração Pública na Penitenciária Central do Estado – PCE, sendo a primeira iniciativa do gênero no Brasil.
Dessa forma, mostra-se totalmente viável e possível a implementação do estudo como forma de ressocialização do recuperando, utilizando-se o sistema de Ensino à Distância, sendo este efetivo, mais barato e vantajoso para todos os envolvidos.
5. OS PRESOS PROVISÓRIOS
Segundo CARNELUTTI (2001), o réu está no último degrau da escada. É aquele que mais necessita de apoio e amizade. “O encarcerado é, essencialmente, um necessitado” (CARNELUTTI, 2001), um necessitado, principalmente, de amor e amizade. Talvez porque tenham tudo e todos contra ele que seja tão necessitado assim. Num momento em que toda uma sociedade se volta contra uma só pessoa, como deixá-la sozinha e sem auxílio?
É nesse contexto que se encontra o preso provisório. Como dito alhures, a prisão cautelar deve ser ultima ratio, devendo ser decretada apenas e tão somente quando as outras medidas cautelares falham.
Infelizmente não é assim, que acontece. Aparentemente, a prisão cautelar é a regra, da qual decorrem poucas exceções. Quando analisamos os presos efetivamente presos sem qualquer liberdade de locomoção, ou seja, os presos cautelares e em regime fechado, temos que mais de 47% dos recolhidos em cadeias e presídios são provisórios[2].
Além disso, uma das “condições” mais utilizada pelos magistrados para a decretação da prisão cautelar é a inexistência de trabalho lícito e residência fixa. Ora, é patente que a quantidade de presos provisórios de baixa renda, os chamados “ladrões de galinha”, em nossos presídios, enquanto indiciados mais abastados cumprem apenas medidas cautelares. Isso porque, supostamente, os ricos têm emprego e domicílio, enquanto os pobres não.
Mas quantos presos não entram na vida do crime tão somente por não terem condições financeiras para viver? Quantos não são os que roubam apenas para tentar sustentar suas famílias? É justamente por não terem emprego e casa é que entram para o mundo do crime! Então como dar uma oportunidade de esse indivíduo de se mostrar merecedor de uma nova chance, se desde o primeiro momento da persecução penal ele já é perseguido e vilipendiado, enquanto aqueles que roubam apenas por ganância ficam livres?
Outra questão que merece comento sobre os presos provisórios diz respeito à presunção de culpabilidade que decorre da prisão cautelar. Dispõe o art. 5º, LVII, da Constituição Federal que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Entretanto, a manutenção em prisão cautelar, principalmente sem elementos definitivos e incontestáveis da periculosidade ou ainda sem provas da incapacidade ou inutilidade da aplicação de outras medidas cautelares, nada mais é do que a execução antecipada de uma pena que sequer foi prolatada.
Não raro, vê-se casos em que, preso por determinado delito, o preso acaba desqualificando o tipo penal, sendo condenado por outro tipo penal, cuja pena aplicada em concreto é inferior ao tempo em que esteve preso preventivamente. Ora, então aquele indivíduo fica com um “saldo de prisão” em haver com o Estado? Ele pode cometer outro ilícito e esse remanescente será descontado da nova pena? Claro que não. Na verdade, a única consequência verdadeira que decorre disso é a sensação de violação experimentada pelo preso, que voltará a delinquir, mas dessa vez por algo que “mereça a cadeia”, gerando ainda mais violência, em um ciclo interminável.
Dessa maneira, existe uma necessidade de humanizar o sistema prisional, principalmente no que tange à prisão antes da condenação, deixando-a restrita aos casos mais extremos, em que a aplicação de outras medidas cautelares se mostrem incabíveis ou ainda que tenham descumprimento por parte do preso. Dir-se-á que isso apenas aumentaria a criminalidade nas ruas aumentaria com o crescimento de “bandidos” nas ruas. Ainda que extremamente preconceituosa, tal afirmação até poderia mostrar-se verdadeira se analisada de forma restritiva. Mas quando se propõe uma mudança geral em todo o sistema prisional, sendo a diminuição dos presos provisórios apenas uma faceta de um projeto bem maior, vê-se claramente que tal medida será consideravelmente mais benéfica do que apenas entulhar as Unidades Prisionais de pessoas sem condenação.
6. A POLÍTICA DE PROGRESSÃO DE REGIMES
A Progressão de Regimes Prisionais é uma situação pensada para oportunizar ao preso condenado a sua reinserção social, de forma gradativa, respeitando-se tanto o caráter punitivo da pena, quanto o caráter pedagógico, respondendo também à satisfação social em ver o infrator punido. Como nos ensina MARTINELLI (2012):
“A progressão de regimes se faz necessária por diversos motivos. Primeiramente, se uma das funções da pena é a ressocialização e a volta do condenado ao convívio social, deve-se prepará-lo gradativamente mediante observação de seu comportamento durante o cumprimento da pena. Em segundo lugar, deixar um sujeito trancafiado por longo tempo demonstra-se ineficaz, sendo comum o efeito contrário, isto é, a prisão é capaz de transformar um sujeito em alguém ainda mais perigoso.”
Segundo o disposto na Lei de Execução Penal, a pena deverá ser cumprida de forma progressiva, devendo o recuperando fazer jus à evolução regimental mediante a passagem do tempo e também ao comportamento dentro da unidade prisional.
Não obstante, é forçoso salientar que a LEP está completando 33 anos. A estrutura e a realidade social atual do Brasil mudaram muito. Além disso, alguns dispositivos legais já não são tão vantajosos como pareciam 30 anos atrás.
6.1 QUANTO AOS REGIMES E AS FORMAS DE CUMPRIMENTO
6.1.1 REGIME FECHADO
Segundo dispõe o art. 34 do Código Penal, in verbis:
“Art. 34 – O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para individualização da execução.
§ 1º – O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno.
§ 2º – O trabalho será em comum dentro do estabelecimento, na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com a execução da pena. (…)” (grifo nosso)
Ainda, dispõe o art. 87 da LEP, sobre o regime fechado:
“Art. 87 – A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado.
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).” (grifo nosso)
Ora, lendo esses dispositivos legais e comparando com a realidade fática das nossas Unidades Prisionais, é nítido que o cumprimento da pena dá-se muito diversamente daquilo previsto em lei, tanto na parte da cela individual quanto na parte do trabalho em área comum.
Atualmente, os recuperandos em regime fechado cumprem suas penas em presídios superlotados, em celas apinhadas de gente, sem qualquer salubridade e condições mínimas de higiene, e sem qualquer possibilidade de efetuar algum tipo de trabalho.
Assim, não existindo o efetivo cumprimento dos dispositivos legais previstos, que por si sós já não garantiam nada, como exigir do recuperando que volte à sociedade, após cumprir sua pena, devidamente reintegrado e pronto para cumprir as normas que lhe forem impostas? A resposta é simples: não vai! Não vai ressocializar. Não vai se reintegrar à sociedade. E muito provavelmente não vai abandonar o mundo da criminalidade.
Assim, é necessário que o Regime Fechado dê todas as condições para que o recuperando volte à sociedade realmente ressocializado.
Por outro lado, a ideia básica por trás do direito penal é justamente coibir as infrações e punir os infratores. Também, a aplicação da pena não deve vir calcada apenas na punição, muito menos no sentimento de vingança. Deve vir acompanhada da satisfação social e da manifestação da mão do Estado, incutindo inclusive (e por que não?) o sentimento de medo naqueles que eventualmente procurem o cometimento de ilícitos.
Então, a pena, principalmente em regime fechado, além de propiciar a ressocialização do recuperando, também deve incutir nesse recuperando a sensação de punição experimentada bem como gerar a certeza no indivíduo que ainda não cometeu ilícitos de que sua conduta não será relevada.
Mas como fazer isso? Como ressocializar e punir ao mesmo tempo? Por incrível que pareça, não é tão difícil! Um ponto essencial acerca da sensação de impunidade do sistema prisional é no tocando à total falta de atribuições ao recuperandos. Durante sua permanência no regime fechado, o recuperando apenas fica preso, sem produzir ou trabalhar. Esse “hotel” forçado acaba por incutir no recuperando uma noção de tranquilidade, ainda que falsa, bem como se apresenta à sociedade como uma forma de injustiça, já que o “cidadão de bem” deve trabalhar para se sustentar enquanto o Estado, e por consequência a população, “sustentam presos”, ideia ainda mais falsa.
Nessas circunstâncias, o trabalho do custodiado em regime fechado não seria apenas seu direito, mas também uma satisfação social e moral. O recuperando que desenvolve algum tipo de trabalho interno nas unidades prisionais brasileiras acaba tendo índices de reincidência bem menores do que aqueles que não trabalham apenas por terem tido uma oportunidade de melhor cumprir sua reprimenda. Exemplo disso é o Método APAC, no qual o trabalho exerce papel fundamental. Segundo FARIA (2011), no modelo tradicional, a reincidência é de aproximadamente 85%, enquanto no Método APAC chega a 8.26%.
Assim, a oferta de trabalho, preferencialmente remunerado, ao recuperando passa a ter importância essencial no processo de ressocialização do recuperando, estimulando sua volta ao convívio social, propiciando uma profissão àqueles que não possuem e garantindo dignidade ao recuperando.
Dir-se-á que tal situação esbarra no fato de que a proibição do trabalho forçado no cumprimento de penas é cláusula pétrea da Constituição Federal. Entretanto, assim como os homens são diferentes uns dos outros, os recuperandos, que são também seres humanos (apesar de alguns se esquecerem disso), também são diferentes. Nem todos tem interesse na ressocialização ou mesmo no trabalho prisional.
Esses indivíduos devem ser respeitados sim. Mantendo-se algumas unidades prisionais do “modelo tradicional”, onde o trabalho não seja obrigatório e se possa cumprir sua reprimenda sem maiores questionamentos. Nesses estabelecimentos então, o recuperando deve cumprir sua reprimenda apenas no interior de sua cela, sem sair, salvo banho de sol e visitas.
Assim, o cumprimento da pena em unidade onde o trabalho seja obrigatório não seria uma imposição, mas uma opção e também uma benesse, à qual o recuperando deve fazer jus, podendo perdê-la em caso de descumprimento das condições impostas.
Entretanto, é necessário sim em que as unidades onde o trabalho seja obrigatório devem ser separadas das unidades “comuns”, de forma a deixar clara a diferença entre os sistemas.
Assim, aqueles recuperandos que buscam efetivamente pagar sua pena e retornar à sociedade podem cumprir sua reprimenda em local adequado, salubre, com oportunidades de trabalho, renda e remição.
6.1.2 DO REGIME SEMIABERTO
O Regime Semiaberto, nos termos dos art. 33 e 35 do Código Penal e do art. 91 e 92 da Lei de Execuções Penais é aquele cumprido em Colônia Agrícola, Industrial ou similar, no qual o recuperando será alojado em cela coletiva e será submetido ao trabalho diurno.
Ressalvada a proibição constitucional do trabalho obrigatório, conforme visto alhures, ainda assim, no regime semiaberto haveria, em tese, uma progressão das condições da unidade prisional.
Entretanto, isso não passa de uma falácia. Poucos são os estados que possuem esse tipo de modalidade. Mato Grosso mesmo possui apenas uma colônia agrícola, sendo que a mesma encontra-se interditada. Assim, o funcionamento do Semiaberto não passa de uma construção imaginária da lei, sem correspondente real.
Ainda tomando Mato Grosso como exemplo, o regime Semiaberto é cumprido com limitação de direitos, como comparecimento regular ao fórum ou à unidade prisional e recolhimento domiciliar noturno e aos finais de semana. Ora, o próprio instituto da substituição da pena previsto na Lei 9.099, a Lei dos Juizados Especiais, é mais restritivo, pois impõe ao recuperando o serviço comunitário!
Na comarca de Cuiabá ainda existe o funcionamento do sistema de monitoramento eletrônico, mas como dito antes, não é efetivo, pois não funciona corretamente e não impede o cometimento de novos delitos por parte do recuperando.
Para ser efetivo, o regime Semiaberto deveria de fato ser cumprido em locais apropriados, onde o recuperando laborasse e, mais uma vez, fosse remunerado por isso, dando-lhe dignidade e a possibilidade de retorno ao convívio social.
Como exemplo, fazendas-prisão, onde fossem cultivadas hortaliças, frutas e com criações como gado de leite e corte suínos e outras criações, poderiam facilmente ser estimuladas, sendo que tais produções poderiam ser adquiridas pelo próprio Estado para o abastecimento de escolas, hospitais e outros estabelecimentos estatais. Até mesmo para abastecer as unidades prisionais.
Com alojamentos abertos, sem a restrição das celas por grades, apenas com cercas ao redor da unidade como um todo, as condições seriam muito mais salubres do que as atuais cadeias que temos.
Mais uma vez, a restrição constitucional do trabalho forçado é um empecilho. Mas tal situação poderia ser resolvida mais uma vez com a existência, dentro mesmo dos presídios de regime fechado, de alas destinadas aos recuperandos em regime Semiaberto, os quais poderiam ser mantidos com liberdade de pátio no período diurno e recolhimento às celas no período noturno. Assim, as unidades de trabalho seriam de livre escolha do recuperando e não uma imposição estatal.
6.1.3 DO REGIME ABERTO
Nos termos do art. 33 do Código Penal, o Regime Aberto destina-se aos presos condenados à pena não superior a 4 anos, ou ainda que tenha sido progredido oriundo do regime semiaberto, a ser cumprido em Casa do Albergado.
Nesse regime, em tese, o recuperando permanecerá na unidade Casa do Albergado durante a noite e nos finais de semana, saindo para trabalhar e/ou estudar, sem vigilância, durante o período diurno.
Mais uma vez, tal regime não passa de uma utopia. Primeiro pela absoluta falta de unidades prisionais de Casa de Albergado no Brasil. No Mato Grosso, apenas as comarcas de Cuiabá e Várzea Grande dispõem de tal unidade.
Segundo, porque ele se mostra totalmente descabido. Ora, o preso que inicia sua pena no Regime Fechado, por exemplo, deve cumprir 1/6 da pena para ser progredido ao regime Semiaberto e mais 1/6 da pena para a progressão para o regime aberto, totalizando 2/6 ou ainda 1/3. Um terço da pena é a fração necessária para a concessão do Livramento Condicional. Porque então ter sua liberdade restringida ao regime Aberto se é possível usufruir do Livramento Condicional?
Para aqueles que iniciam sua reprimenda nos regimes Semiaberto e Aberto, face à ausência de Casas do Albergado, seu cumprimento acaba por ser desnecessária já que o cumprimento é feito com condições idênticas ao Livramento Condicional, conforme já mencionado no tópico anterior.
Outra questão acerca do Regime Aberto diz respeito aos recuperandos condenados inicialmente ao regime Aberto. De acordo com o art. 44 do Código Penal, são suscetíveis de substituição da pena aqueles crimes cuja pena cominada em concreto não seja superior a 4 anos, o mesmo requisito da condenação em Regime Inicial Aberto. Assim, qual o objetivo real de se cumprir uma pena em um regime supostamente rígido se pode-se optar pela substituição de pena?
Então, na prática, qual o objetivo do regime Aberto? Nenhum. A verdade é que O Regime Aberto tornou-se apenas uma “lei que não pega”, sendo totalmente desprezada na prática, já que não existe efetivo cumprimento desse regime.
Assim, é necessária uma alteração tanto do Regime Aberto quanto das regras para inserção no mesmo, como será debatido mais adiante. Quanto às alterações no cumprimento, o Regime Aberto mostra um funcionamento viável caso os dispositivos legais que o regulam fossem devidamente cumpridos.
A existência de Casas do Albergado, que poderiam facilmente ser anexadas às Cadeias Públicas urbanas ou às instituições policiais como Delegacias de Polícia ou Quartéis da Polícia Militar, é requisito indispensável ao funcionamento do regime.
Vale salientar que, nos termos dos arts. 33 e 36 do Código Penal, o trabalho externo é condição para fixação do Regime e não obrigação, não encontrando empecilho constitucional. Mas se o trabalho é condição para o Regime Aberto, e se o recuperando não conseguir emprego? Ele volta para o regime mais gravoso?
A crise financeira brasileira (agravada pelo Golpe de 2016) e mundial tem tornado cada vez mais difícil o emprego regular. Junte isso ao preconceito arraigado existente na sociedade de que o recuperando é bandido e empregá-lo em detrimento de um “cidadão de bem” é um absurdo e as chances do indivíduo conseguir trabalho lícito diminuem consideravelmente.
Resolver isso passa por diversos aspectos sociais. Como dito antes, analisar individualmente cada uma das medidas propostas é temerário e falacioso, já que não se vê o quadro geral. Entretanto, ao analisar a tese como parte de um todo o cenário fica mais claro. No caso do Regime Aberto e a necessidade de trabalho para nele permanecer, é necessário voltarmos ao item 4, onde se defende a redução dos presos provisórios. Isso porque uma grande parte dos presos acaba perdendo o emprego que tinha quando é preso. Então, quando começar a cumprir sua pena em Regime Aberto não mais terá emprego. Essa situação é mais patente em casos de indivíduos acusados e denunciados por crimes mais graves, que ensejaria, em tese, a prisão cautelar, mas que tiveram sua conduta desclassificada para crime menos graves, importando em condenações em Regime Aberto.
Já os recuperandos que progrediram até o Regime Aberto tem um caminho mais difícil. Para estes, a perda do emprego é consequência natural da condenação, já que incompatível a manutenção de emprego fora de estabelecimento prisional com a necessidade de internação em unidades prisionais de liberdade restrita. Assim, é necessário que ele busque uma colocação no mercado de trabalho depois de sua progressão ao Regime Aberto.
Nesses casos, o que foi dito antes acerca das dificuldades de colocação no mercado de trabalho junto com o preconceito arraigado na sociedade cria uma barreira complexa e de difícil transposição. Ora, impedir que o indivíduo faça jus ao benefício do Regime Aberto por motivos que estão fora da sua alçada é injusto e desumano. Assim, o recuperando que demonstrasse verdadeira intenção de conseguir emprego, comparecendo à entrevistas e buscando colocações empregatícias, não poderia ser regredido de regime.
E tal fiscalização não é tão difícil. Quando um desempregado que esteja recebendo seguro desemprego não se dirige à agência de empregos estatais ou, indicado à uma empresa, não comparece à uma entrevista, seu benefício é cortado. Então, qual a dificuldade em fiscalizar a busca pelo emprego por parte de recuperandos? Por outro lado, já que o modelo aqui proposto para o sistema prisional é baseado em trabalho pela livre motivação, é natural que os empregadores se sintam mais confiantes em oferecer uma oportunidade ao recuperando se o mesmo demonstrar que durante o cumprimento de sua reprimenda buscou de fato a ressocialização, inclusive aprendendo uma profissão, caso não a tivesse.
Além disso, é necessário que se estabeleça definitivamente a diferença entre emprego lícito e emprego formal para a manutenção do Regime Aberto. Se o recuperando vende na rua os salgados caseiros que sua esposa prepara em casa, ele não tem carteira assinada ou registro empregatício, mas também não está cometendo nenhum fato típico criminal. Então ele faz jus ao Regime Aberto.
Por fim, políticas estatais de emprego também são uma saída para essa situação. Em regra, os entes estatais acabam por terceirizar diversos serviços meio, como limpeza, manutenção predial, construção e fornecimento de alimentos (cozinhas). A criação de Fundações de Apoio ao recuperando, que oportunizassem ao recuperando do Regime Aberto o trabalho, poderiam participar de concorrências para fornecer esses serviços, tendo grandes chances de serem vencedoras do certame face ao seu caráter não lucrativo. Tal política tornaria o sistema praticamente autossustentável, já que o ganho dessas fundações poderia ser revertido à unidade de Regime Aberto.
6.1.4 DO LIVRAMENTO CONDICIONAL
Apesar de não ser propriamente um Regime Prisional, o Livramento Condicional é um dos degraus a ser alcançado pelo recuperando no curso do cumprimento de sua condenação.
Regido pelo disposto no art. 83 e seguintes do Código Penal e 131 e seguintes da Lei de Execução Penal, caracteriza-se pela saída completa do recuperando de unidade prisional, sendo sua liberdade de locomoção restringida através de condições impostas pelo juízo da execução no momento da concessão do benefício.
As condições, como dito antes, são, em regra, limitação de finais de semana e de frequência à determinados lugares, comparecimento regular em juízo, proibição de mudança de endereço sem prévia comunicação ao juízo da execução, proibição de mudança da comarca sem anuência do juízo da execução, recolhimento domiciliar noturno, entre outros.
Além disso, são requisitos para a concessão do Livramento Condicional o cumprimento de 1/3 da pena se primário, 1/2 se reincidente e 2/3 se condenado por crime hediondo ou equiparado (saliente-se que não existe previsão de Livramento Condicional para o recuperando reincidente em crime hediondo ou equiparado) bem como o cumprimento de requisitos subjetivos, como comportamento satisfatório durante a execução da pena e aptidão para sustento próprio com trabalho lícito.
Devido à falta de estabelecimentos prisionais adequados aos Regimes Semiaberto e Aberto, muitas vezes recuperandos desses regimes acabam por ter estabelecidas condições similares, senão idênticas, às do Livramento Condicional. Assim, o que se tem é de fato um cumprimento de benefício muito antes daquilo que a lei previu.
Em verdade, não existem comentários aos requisitos do Livramento Condicional (salvo ao requisito temporal, que será abordado adiante), sendo um benefício bastante válido, caso fosse aplicado corretamente. Assim, não existem mais comentários a serem feitos acerca deste tópico.
6.2 DAS FRAÇÕES DE PROGRESSÃO REGIMENTAL E LIVRAMENTO CONDICIONAL
Como exaustivamente mencionado no presente trabalho, a pena restritiva de liberdade não deve ter caráter apenas punitivo para o recuperando, mas também de ressocialização para o mesmo e de satisfação social para a comunidade. Assim, é necessário que o cumprimento de pena seja, ao mesmo tempo, digno, humano e represente de fato uma punição ao crime cometido.
Entretanto, as frações para a progressão de regime previstas na legislação não respeitam tal circunstância, já que inferem uma sensação de impunidade à sociedade e de facilidade ao réu.
Vejamos o caso do crime de Envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal:
“Art. 270 – Envenenar água potável, de uso comum ou particular, ou substância alimentícia ou medicinal destinada a consumo:
Pena – reclusão, de dez a quinze anos.”
Um sujeito, condenado nas penas do Art. 270, sendo ele primário, com bons antecedentes, sem nada que possa propiciar o aumento da pena acima do mínimo legal, terá sua reprimenda estabelecida em 10 anos, no regime inicial Fechado. Sendo crime comum, para progredir, o sujeito deverá cumprir 1/6 da pena, no caso 1 ano e 8 meses.
Progredido para o Regime Semiaberto, cumprirá mais 1 ano e 8 meses, totalizando até então 3 anos e 4 meses. Com isso terá cumprido 2/6 da pena, ou 1/3 dela, fazendo jus assim ao Livramento Condicional. Note-se que ele não passou por todos os estágios da pena, saltando do Regime Semiaberto diretamente para o Livramento Condicional, sem passar pelo Regime Aberto.
Assim, apesar de ser sentenciado a 10 anos, este indivíduo será posto em liberdade com menos de 3 anos e meio. Como essa situação pode, ao menos minimamente, cumprir seu papel punitivo perante o condenado e seu papel de satisfação social ante o crime cometido.
Dessa forma, é imperativa a imediata mudança nas frações para progressão Regimental e para o Livramento Condicional. Mas se isso é tão necessário, porque não foi feito ainda? Pelo simples fato de que tornar mais rígida a pena com o atual sistema prisional brasileiro é desumano, humilhante e degradante. Apenas após uma verdadeira alteração na situação fática dos nossos presídios é que será viável uma mudança na progressão regimental.
Mas, tomando por base que as ações propostas nos tópicos 4 e 5 e 6.1 fossem levadas à cabo, humanizando o sistema prisional e propiciando a dignidade necessária ao recuperando, ensejando as condições necessárias para a efetiva ressocialização, então se pode pensar em uma reforma efetiva no sistema de progressão regimental.
Como mostrado antes, efetivamente existem três regimes de pena previstos na legislação penal brasileira, já que o Livramento Condicional é benefício e não regime. Desta forma, não seria justo e proporcional que o requisito temporal para progressão também seja com base nessa teoria tríplice?
Assim, para uma progressão justa, que respeitasse os caracteres punitivo e social da pena e a necessidade de ressocialização do recuperando, a fração ideal para progressão de regime deve ser 1/3 da pena. Nessa senda, principalmente quando analisamos os recuperandos que iniciam sua reprimenda no regime Fechado, cada terça da pena imposta seria cumprido em um dos 3 regimes de pena previstos. E mesmo para o recuperando que inicia sua reprimenda nos Regimes Semiaberto e Aberto, o cumprimento de uma fração maior de pena não significaria um prejuízo, já que por tratar-se de fração, o lapso temporal fático será menor também.
Por outro lado, mas complementando a propositura do parágrafo anterior, o Livramento Condicional deve necessariamente retornar ao status quo de benefício, não obrigação penal, como atualmente se entende. Assim, para fazer jus a ele, além das condições já impostas, seria necessário o reconhecimento de que o benefício deve ser proporcional ao fato delituoso cometido.
Assim, a ideia de que a fração temporal necessária para a concessão seja individualizado para cada regime inicial de pena mostra-se bastante salutar. Além disso, é necessário que o benefício deixe de ser uma falácia, como ocorre hoje, em que a progressão para o regime Aberto acaba por deixar de existir por força da fração correspondente ser igual ao do Livramento Condicional.
Nessa perspectiva, o estabelecimento de fração individual por conta do regime inicial do cumprimento de penas, tendo como fração para as penas iniciadas no Regime Fechado estabelecido em 4/5 da pena, para o Regime Semiaberto 2/3 e para o Regime Aberto ½, mostra uma forma mais justa e socialmente aceitável para concessão do benefício.
Com as frações propostas, a diferença entre progressão e benefício torna-se mais claras, estabelecendo inclusive patamares maiores para aqueles que cometem crimes mais graves, respeitando-se o princípio insculpido no art. 5ª, XLVI, da Constituição Federal, que determina a individualização da pena.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em essência, o atual Sistema Prisional Brasileiro não passa de um depósito de gente, insalubre e sem qualquer condição de atender aos mínimos requisitos de dignidade e respeito ao ser humano.
Por outro lado, é importante também frisar que ele não atinge, nem de leve, seu objetivo punitivo, já que se de um lado é altamente indigno, por outro não oferece o mínimo de satisfação social.
Infelizmente, não existem iniciativas válidas que prezem pela verdadeira melhoria do sistema; ao invés disso, o que se faz são “gambiarras” jurídicas, visando atender demandas pontuais deste ou daquele lado.
Diante dessa realidade e da pesquisa obtida neste trabalho, percebe-se a urgente necessidade de uma reforma ampla e completa no sistema prisional, tanto na parte prática e operacional quanto na parte legal.
Somente assim vislumbra-se um raio de esperança. Se não houver essa reforma imediata, muito provavelmente há de se instalar o caos no sistema prisional brasileiro, ainda mais do que já está. Mas como diz o adágio, “Preso não vota!”.
Licenciada em História pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, Pós-Graduada em Docência no Ensino Superior pela Faculdade Campos Elíseos – FCE. Professora da Educação Básica da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso
Bacharel em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, Pós-Graduando em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante – FAVENI. Professor Interino da Universidade do Estado de Mato Grosso, no Curso de Ciências Contábeis pela modalidade parceladas
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