A mediação como instrumento impulsionador da transição do paradigma da culpa para o paradigma da responsabilidade

Resumo: O presente trabalho visa estudar a mediação como elemento principal para a mudança do paradigma de reação ao delito ligado à culpa para o voltado à responsabilidade das partes – principalmente para a autoresponsabilidade. Para tanto, o ponta pé inicial é a análise do atual modelo de reação ao conflito – paradigma da culpabilidade, em que é abordada as suas características e peculiaridades, fala-se, também, sobre a crise de legitimidade em que se encontra o referido modelo. Frente a este cenário, a mediação, um dos instrumentos utilizados pela Justiça Restaurativa aparece como uma alternativa para o caos e elemento impulsionador para o surgimento de um novo paradigma para a resolução dos crimes, agora pautado na autoresponsabilidade e no viés transformativo. A metodologia utilizada é a analítica bibliográfica.

Palavras-chave: Modelos de reação ao crime. Culpabilidade. Mediação Penal. Autoresponsabilidade. Mudança de Paradigma.

Abstract: Thisworkaimsto study mediation as a key element to change the paradigm reaction to crime linked to blame for facing the responsibility of the parties – mainly for autoresponsabilidade. Thus, the tip starting foot is the analysis of the current response model to the conflict – the guilt paradigm, in which it is addressed their characteristics and peculiarities, there is talk, too, about the crisis of legitimacy that is that model. Given this scenario, mediation, one of the instruments used by the Restorative Justice is an alternative to chaos and the stimulus for the emergence of a new paradigm for solving crimes, now ruled in autoresponsabilidade and transformative bias. The methodology used is the analytic literature.

Keywords: Reaction models crime. Guilt. Criminal mediation. Autoresponsabilidade. Paradigm shift.

Sumário: Introdução; 1 – O paradigma moderno de reação ao delito – paradigma da culpa; 2 – A mediação; 2.1. A mediação no âmbito penal: instrumento da justiça restaurativa; 3 – O paradigma da responsabilidade e o papel da mediação; Conclusão. Referências.

Introdução.

O conflito é um fenômeno que têm um potencial de desagregação, pois é o cerne para a mudança pessoal e social, além de ser um sinal de aviso, sobre as insatisfações e os problemas que permeiam a sociedade. Por isso que lhe deve ser dada atenção a fim de evitar o comprometimento da paz social e da estrutura estatal.

E o modo como o Estado brasileiro encontrou para pacificar a sociedade, mantendo-a unida, coesa, regulada, e, também, extrair do conflito as suas melhores consequências foi trazendo para si a atribuição de dar as soluções aos litígios, através do Poder Judiciário, investido como o Estado-Juiz, utilizando-se da jurisdição e do processo como instrumentos. Ao fazer isso, passou a monopolizar a Jurisdição e ditar o direito para cada caso concreto de forma impositiva. Tenta-se neutralizar o conflito com a aplicação forçada do direito.

Todavia, o atual sistema processual pautado na retribuição e no paradigma da culpa, que tem por escopo o mero encerramento do conflito, apresentou-se com o passar do tempo cada vez mais desatualizado, aleatório à realidade vigente e extremamente burocrático o que o transformou em um aparato ineficaz, ineficiente, chegando-se ao ponto de em alguns casos serem obsoleto.

Em face deste cenário, surgi um movimento que propõe a utilização de outras modalidades de resolução dos conflitos, visando desafogar o judiciário e dar a solução adequada para cada caso concreto, exalta, para tanto, a mediação como um modelo inteligente e útil para resolver os conflitos.

Assim, o objetivo do presente estudo é analisar o instituto da mediação com foco na sua vocação para a resolução de conflitos, principalmente o seu papel na transformação do paradigma de reação ao delito. A metodologia adotada é a pesquisa bibliográfica, parcialmente exploratória, e que parte-se de um escorço histórico sobre o conflito e as formas como este foi resolvido no decorrer da história, além de informar as outras modalidades existentes de resolver o conflito.

1. O paradigma moderno de reação ao delito – paradigma da culpa

O Direito Penal surgiu como um instrumento a ser utilizado pelo Estado, para manter a paz e a harmonia social, restaurando a ordem pública e jurídica após o cometimento de um crime. Para tanto, tutela os bens jurídicos dos indivíduos que convivem em sociedade.

Este ramo do direito tem, por objeto, comportamentos humanos descritos de forma positiva ou negativa, em tipos legais de condutas proibidas. E, por missão, a proteção dos valores fundamentais para a existência do individuo, da sociedade organizada e da manutenção do corpo social, tais como vida, saúde, liberdade, propriedade, que são os denominados bens jurídicos.

Neste diapasão, crime e contravenção são concebidos como condutas humanas tipicamente previstas no Código Penal (condutas típicas) que violam os bens judicialmente tutelados (antijurídicas) e que devem ser compelidas pelo Estado (culpáveis).

Para dar respostas aos crimes, o paradigma moderno utiliza a lógica da heterocomposição, especificadamente, da jurisdição, em que o Estado regulador, substituindo a vontade da vítima, em alguns casos, propõe a ação penal, e, ao final, determina a solução para o conflito apresentado, aplicando, da melhor forma possível, o direito ao caso concreto e “alcançando a justiça”, além de proteger os bens jurídicos mais relevantes.

Todavia, impende ressaltar que além da heterocomposição, existem outras modalidades de resolução de conflitos, como por exemplo, a autocomposição e autotutela. A última é muito criticada por trazer em seu âmago a vingança privada, por isso é pouco utilizada, enquanto que a outra nunca foi muito estimulada por representar, de certa forma, a ausência do Estado.[1]

E para proteger os bens jurídicos, utilizando-se da heterocomposição, o paradigma moderno de resolução usa a lógica de retribuir ao infrator todo o mal causado, devendo este arcar com as consequências pela conduta praticada.

O paradigma retributivista, pauta-se na aplicação de uma sanção, que pode ser uma pena ou uma medida sócio-educativa, variando a depender da agressão cometida para se adequar ao caso concreto, ou seja, do grau de reprovabilidade da conduta praticada.

Sobre a origem da pena Beccaria (BECCARIA, 2009, p. 18/19) assevera que as leis foram às condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram, formando uma sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de ter uma liberdade sem a certeza de que podiam conservá-la. Sacrificam-se para poder usufruir dessa liberdade com segurança e tranquilidade. O autor salienta ainda que como o homem não se satisfaz só com a porção que lhe cabe, tentando, sempre, apoderar-se da dos outros, fez-se necessário à criação de limites – penas impostas aos infratores das leis.

A finalidade da aplicação de uma pena é para antes de qualquer coisa punir o infrator pelo ato praticado, depois evitar futuras práticas criminosas e reincidências, dar uma solução para o crime e, por fim, "fazer a justiça".

Os defensores do sistema retributivo, ao contrário, defendem que a pena tem como finalidade a pacificação social, mas, diante do sistema penal brasileiro, é de fácil constatação que, em verdade, a pena, se apresenta como uma sanção que traz em seu âmago, castigo e punição. É um modo de repressão disfarçado pelo discurso da manutenção da paz social e a harmonia entre os membros da sociedade.

O grau de reprovabilidade que guiará a cominação de uma pena deve ser medida pelo terceiro elemento caracterizador do crime – a culpabilidade. Tal elemento, diferente dos outros (fato típico e antijuridicidade) não está direcionado ao fato ocorrido, mas, especificadamente, com o agente infrator, é o chamado juízo de reprovação pessoal.

Como no paradigma moderno de reação ao delito vige a máxima “nullumpoenasine culpa”, ou seja, nula pena se não existe culpa, o Direito Penal e, por sua vez, a cominação de uma penalidade volta os seus olhos para o elemento subjetivo do conceito de crime (culpabilidade), já que os outros (objetivos) focam no fato ocorrido.

Caminhou-se da vingança privada indiscriminada, da responsabilização sem culpa do “direito penal de sangue”, para um sistema preocupado com a manifestação de vontade do agente infrator e com a censura social do ato praticado. Foi abandonada a ideia da responsabilidade objetiva, aquela em que a cominação de uma sanção decorria, tão somente, da simples relação entre o dano causado e a conduta do indivíduo.

A culpabilidade para a doutrina brasileira é encarada como o elemento mais importante do conceito analítico de crime, pois o Direito Penal ao abandonar o viés da responsabilidade pelo resultado ou responsabilidade objetiva, debruçou-se sobre a responsabilidade pessoal dos agentes envolvidos.

Segundo Claudia Santos (SANTOS, 2014, p. 414):

“A culpa é, nessa medida, um pressuposto imprescindível para se poder afirmar a responsabilidade penal do sujeito, porque é ela que permite sustentar o merecimento de uma pena por parte daquele agente e só esse merecimento de punição é ainda coerente com a afirmação da dignidade da pessoa que é punida.”

Para Paulo Queiroz (QUEIROZ, 2015, p. 359), “princípio da culpabilidade é sinônimo do princípio da responsabilidade penal pessoal/subjetiva, significando que nenhuma pena passará da pessoa do agente do crime”.

Corroborando o exposto acima, Cláudio Brandão (BRANDÃO, 2010, p. 223) aduz:

“Quando se diz que a culpabilidade é um juízo de reprovação pessoal, diz-se que a mesma é um juízo que recai sobre a pessoa. Por isso diz-se que a culpabilidade é o elemento mais importante do crime, porque o Direito Penal há muito abandonou a responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva, para debruçar-se sobre a responsabilidade pessoal. Na referenciada responsabilidade objetiva não se fazia nenhuma indagação sobre os motivos que levaram o agente a cometer o delito, mas somente interessava o resultado de dano.”

Assim, a culpabilidade é compreendida como um juízo de reprovação que avalia a relação entre o infrator e o fato praticado, questionando (i) se existia possibilidade da conduta não ser praticada, (ii) ser realizada em conformidade com a ordem jurídica, ou (iii) se o mal cometido poderia ser evitado.

A ideia que norteia o paradigma da culpa é que a pena que deverá ser aplicada ao final do processo penal deverá ser proporcional ao grau de culpa atribuído ao agente infrator, já que não haverá pena se a conduta praticada não for reprovável pelo ordenamento jurídico.

Impende ressaltar que a culpabilidade sendo uma censura, somente existirá se o autor poderia ter se comportado conforme o direito, mas optou por contrariá-lo, quando, a depender das circunstâncias, o agente não puder agir de acordo com o previsto no ordenamento jurídico, sobre ele não poderá recair qualquer juízo de reprovação.

A culpabilidade no ordenamento jurídico brasileiro possui diversos escopos, tal como princípio da culpabilidade, da não-culpabilidade, crime culposo, culpabilidade como circunstância judicial e como elemento do conceito analítico de crime, por isso que é difícil conceituar este instituto. A definição como veremos abaixo, dependerá da teoria norteadora que se adotará.

De antemão, ressaltamos que, para o presente trabalho, as concepções mais importantes serão da culpabilidade como (a) elemento subjetivo do conceito de crime, pois nela está arraigada a ideia da responsabilização pessoal, a análise da vontade e das circunstâncias que fizeram o agente a praticar determinado ato, pois investiga-se o dolo e/ou culpa e (b) como circunstância judicial, pois aqui está consubstanciado o princípio da proporcionalidade, a limitação da aplicação da pena, a análise dos agravantes e atenuantes.

Voltando a definição, a culpabilidade, na seara penal, pode ser conceituada de diversas formas:

Para a teoria psicológica, na lição de Franz Von Liszt, a culpabilidade é o nexo psíquico que liga o delito ao seu autor, fazendo-o penalmente responsável. Esta vertente se prende ao estado mental do autor do delito, tomando como base aqueles fatos que foram reconhecíveis por meio da observação e acessíveis a uma descrição. (MELLO, 2010, p. 119)

Somente a partir da teoria normativa, houve a separação entre dolo e a culpa[2] da culpabilidade, que até então eram considerados como espécies daquela. E, então, a culpabilidade, passou a ser vista como um juízo de censura que se faz ao autor pela prática de um fato danoso que, talvez, pudesse ter sido evitado.

Esta estrutura da tipicidade dentro da teoria do crime é herança deixada pelo finalismo de Welzel, que se distanciando da sistemática até então defendida, foi responsável pela retirada do dolo e da culpa da culpabilidade, sendo estes transferidos para a conduta do agente, característica do fato típico, para que dessa forma a verificação da tipicidade passasse a ser objetiva e subjetiva.

Neste sentido, ressalta Flávio Augusto (BARROS, 2011, p. 372) que, segundo esta teoria:

“[…] Exclui-se a culpabilidade quando não se pode exigir do agente um comportamento conforme o direito.

Essa doutrina não expurgou da culpabilidade o nexo psicológico (dolo e culpa), que liga o fato ao seu autor. Todavia, a culpabilidade deixou de ser apenas esse nexo psicológico para ser a valoração desse nexo em relação às exigências de uma norma.”

Já para a chamada teoria normativa pura ou extrema ou estrita, o dolo e a culpa integram o tipo penal, localizando-se dentro da conduta humana. No nosso Código Penal, como exemplos, podemos citar o erro escusável ou inescusável.

Há ainda a limitada, que se aproxima da normativa pura, na medida em que utiliza os mesmos elementos estruturais da culpabilidade (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa), mas se diferenciam, pois esta teoria trata as discriminantes putativas de modo diverso. A posição da antijuridicidade na estrutura do tipo legal é que diferenciará estas vertentes.

A culpabilidade ao se apresentar como o elemento que, de certa forma, dirá se o sujeito poderá ou não ser punido pela infração que cometeu, constitui, também, circunstância judicial, pois esta deve ser considerada no momento da averiguação se o fato que ocorreu, apesar de ser típico e antijurídico não está enquadrado em uma das hipóteses de exclusão da culpabilidade do agente, bem como servirá de baliza para a individualização da pena.

O nosso Código Penal, excepcionou algumas hipóteses em que existiria uma excludente da culpabilidade, ou seja, situações que em que pese existir fato típico e antijurídico, o agente infrator não seria apenado, pois ao autor não restou alternativa a não ser praticar o ato criminoso. Essas situações são: (a) inimputabilidade decorrente de alienação mental, (b) menoridade penal, (c) coação moral irresistível, (d) obediência hierárquica, (e) embriaguez – voluntária e involuntária e (f) emoção e paixão. (QUEIROZ, 2015, p. 376/387)

Além de ser importante para a configuração do crime, a culpabilidade é imprescindível na prolação de uma sentença condenatória, quando o juiz, deverá atentar para as circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal e, além de individualizar a pena, deverá utilizar tal elemento como a efetivação do princípio da proporcionalidade.

Assim, o paradigma moderno, essencialmente, retributivista, fundado no princípio da culpabilidade e na máxima de que não existe pena se não há culpa, não se preocupa com a efetiva resolução do delito, nem com a autoresponsabilidade do agente, apenas em punir o infrator, desde que este tenha agido com dolo ou culpa, preocupa-se em não punir um inocente e que a aplicação da sanção seja proporcional ao mal causado.

Entretanto, na prática o que se vê é um total desvirtuamento, já que a pena é usada como um mecanismo de autoafirmação do Estado através da sistemática penal. A pena transforma-se na expressão do poder punitivo do Estado, imposta ao sujeito que viola o ordenamento jurídico-penal, podendo assumir diversas modalidades, porém, sempre, visando retribuir todo o mal causado, olvidando-se das demais finalidades.

Na teoria, até poética, o processo penal deveria ser utilizado pelo Estado para ele, valendo-se da sua condição de superioridade, investigar o caso e, ao final, constatando que o agente não poderia agir de outra forma, apená-lo na exata medida da sua culpabilidade, nem a mais para não ser arbitrário e nem a menos para não gerar uma sensação de impunidade no restante da sociedade.

Entretanto, na prática, as sanções são punições impostas pelo Estado ao infrator considerado culpado pela prática de um ato criminoso, completamente desproporcionais com a conduta praticada ou com o dano causado, revestindo verdadeiro papel de legitimadores e reafirmadores do poder estatal.

Ao privar a liberdade de um individuo, se procura evitar a ocorrência de novos delitos, retirando do meio da sociedade o sujeito que trouxe a desordem, protegendo-a e possibilitando a reforma do infrator. Todavia, com o passar dos anos, constatou-se que só a prisão era insuficiente para se extrair algum efeito positivo sobre o apenado, pois isso dependia de outros fatores conjugados. Diante do cenário atual de violência generalizada, agressões imotivadas, faz-se necessário uma medida que permita uma ressocialização concreta e eficaz.

O insucesso constatado a partir da aplicação da pena privativa de liberdade gerou um movimento contrário à sua aplicação. Busca-se agora repensar as necessidades da sociedade em face da utilidade, efetividade e finalidade desta sanção. Procura-se, aperfeiçoar esta penalidade e aplicá-la somente quando necessária e, tentar substitui-la, quando possível e recomendável.

A pena deveria ser proporcional à culpa do sujeito e as circunstância do fato ocorrido, todavia, na prática o que se vê é o Estado se valer da pena privativa de liberdade para todos os problemas, usa este espécie como resposta para todo e qualquer delito, independente das circunstâncias, por acreditar que ao privar a liberdade de um indivíduo se alcançariam as tão sonhadas finalidades da pena e, com isso, a diminuição da criminalidade e da violência.

Entretanto, o que se vê é um completo desequilíbrio do poder punitivo do Estado, o abarrotamento das penitenciárias e delegacias, a aplicação indiscriminada da pena privativa de liberdade e o completo esquecimento da culpabilidade como encarregado pela responsabilidade do sujeito e como efetivador do princípio da proporcionalidade, gerando um verdadeiro descrédito e crise de legitimidade de todo o sistema penal brasileiro.

Este descrédito vai além das penas privativas de liberdade, alcançando todo o sistema penal, tendo em vista que este se apresenta excessivamente burocrático, com mecanismos que podem ser usados de modo a procrastinar o desenrolar do processo, pois é formado por exigências e trâmites desnecessários que só alargam, ainda mais, a sua duração, além da incompatibilidade que há entre a demanda e a estrutura física existente.

Na conjuntura atual, é invencível a constatação de que deve ser reconhecido que o próprio sistema punitivo é um produtor de criminalidade.

O paradigma da culpa se baseia na culpabilidade como circunstância judicial para a proporcionalidade na aplicação de uma pena e como um elemento caracterizador do crime para a responsabilização pessoal do agente. Quando o Estado ao penalizar um agente não observa os ditames deste princípio que, também se reveste como um limite ao poder punitivo estatal, acaba afundando o paradigma moderno de reação aos delitos em uma crise de legitimidade.

A culpa, por ser pressuposto e limite intransponível na aplicação de uma penalidade, constitui um obstáculo para o poder punitivo do Estado, por isso que é tão importante para a sistemática retributivista.

Assevera Leonardo Sica, (SICA, 2007, p. 119) que “a falência do sistema penal não é fruto de uma fase passageira, nem tende a ser superada com a natural evolução do saber penal ou das condições estruturais do judiciário, que influiriam nas práticas punitivas e autoritárias arraigadas nas agências judiciais”.

Acrescenta, ainda, que, apesar dos enormes esforços desprendidos para se solucionar os problemas constantes, mantendo-se as bases do atual sistema, quais sejam: o processo penal como manifestação de autoridade, o Direito Penal como exercício de poder, faz-se necessário promover uma “revolução”, quebrando o paradigma atual e avançando na direção de uma justiça penal mais humana, mais legítima e mais democrática, em que, efetivamente, se coloque em prática o princípio da culpabilidade.

Frente a total falência da atual sistemática penal e carcerária, a mediação é apontada como uma possível solução para se dar uma resposta adequada aos conflitos, pois não é uma proposta burocrática, visa resgatar a vítima do total esquecimento, tem os seus olhares voltados para o conflito, buscando a solução mais adequada para o caso.

A mediação instaura o paradigma da autoresponsabilidade e, diferente do retributivismo, foca no futuro, na restauração dos laços que foram rompidos com o cometimento do crime, com o estado em que se encontram os indivíduos envolvidos, objetivando, sempre, construir uma solução efetiva para cada caso concreto, com a participação das partes para, através da negociação, minimizar os efeitos negativos do delito.

2. A mediação

Pois bem, fixadas algumas premissas fundamentais e indispensáveis para o entendimento do sistema processual penal atual, sobre o paradigma da culpa, bem como demonstrada a importância e a necessidade de métodos alternativos de solução de conflitos; cabe, agora, ingressar em um estudo acerca da mediação, buscando compreender suas especificidades e, ao mesmo tempo, proceder a uma análise crítica de alguns pontos polêmicos sobre o tema.

Para tanto, importante fazer um escorço sobre como a mediação está sendo conceituada e os seus elementos.

Segundo alguns autores a mediação é um exemplo de solução autocompositiva de conflito, em que as partes utilizam-se de um terceiro, para através do diálogo, pactuarem a melhor solução para o caso concreto. Sendo, por isso, uma alternativa à jurisdição e à atuação e regulação estatal.

Neste sentido, Francisco Cahali (CAHALI, 2013, p. 63), entende que “a mediação é um dos instrumentos de pacificação de natureza autocompositiva e voluntária, no qual um terceiro, imparcial, atua, de forma ativa ou passiva, como facilitador do processo de retomada do diálogo entre as partes, antes ou depois de instaurado o conflito”.

A mediação é uma modalidade de resolução de conflitos não adversarial, que prescinde da jurisdição e da atuação estatal, nestes aspectos se aproxima da autocomposição, mas, com ela não se confunde, seja porque, de certa forma, assemelha-se à heterocomposição, em virtude da atuação de um terceiro imparcial que, aqui, apenas auxiliará as partes a chegarem elas próprias a um acordo ou, seja porque não implica, necessariamente, em concessões recíprocas ou renúncias.

De tal modo alerta Daniel Amorim (NEVES, 2015, p. 7):

“A mediação é uma forma alternativa de solução de conflitos fundada no exercício da vontade das partes, mas não se confunde com a autocomposição, porque, enquanto nesta haverá necessariamente um sacrifício total ou parcial dos interesses da parte, naquela a solução não traz qualquer sacrifício aos interesses das partes envolvidas no conflito. Para tanto, diferente do que ocorre na conciliação, a mediação não é centrada no conflito em si, mas sim em suas causas.”

Na lição de Fernanda Tartuce (TARTUCE, 2008, p. 208):

“A mediação consiste na atividade de facilitar a comunicação entre as partes para propiciar que estas próprias possam, visualizando melhor os meandros da situação controvertida, protagonizar uma solução consensual. A proposta de técnica é proporcionar um outro ângulo de análise aos envolvidos: em vez de continuarem as partes enfocando suas posições, a mediação propicia que elas voltem sua atenção para os verdadeiros interesses envolvidos.”

José Luis e Fabiana (MORAIS, 2012, p. 131) ensinam que:

“A mediação, enquanto espécie do gênero justiça consensual, poderia ser definida como a forma ecológica de resolução dos conflitos sociais e jurídicos na qual o intuito de satisfação do desejo substitui a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção legal. Trata-se de um processo no qual uma terceira pessoa – o mediador – auxilia os participantes na resolução de uma disputa. O acordo final trata o problema com uma proposta mutuamente aceitável e será estruturado de modo a manter a continuidade das relações pessoais envolvidas no conflito.

A mediação é geralmente definida como a interferência – em uma negociação ou em um conflito – de um terceiro com poder de decisão limitado ou não autoritário, que ajudará as partes envolvidas a chegarem voluntariamente a um acordo, mutuamente aceitável com relação às questões em disputa. Dito de outra maneira, é um modo de construção e de gestão da vida social graças à intermediação de um terceiro neutro, independente, sem outro poder que não a autoridade que lhes reconhecem as partes que a escolheram ou a reconheceram livremente. Sua missão fundamental é (re)estabelecer a comunicação.”

Vale anotar, ainda, a definição de mediação dada pela Lei n. 13.140 de 2015, aprovada no dia 02.06.2015 no Senado Federal:

“Art. 1º omissis

§1º Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial e sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.”

Assim, de um modo geral, a mediação é vista como um instrumento que pode ser utilizado pelas pessoas que estejam envolvidas em algum tipo de conflito, seja ele de cunho familiar, social, econômico, emocional, comunitário, escolar, em que se busca solucioná-lo através do diálogo e do restabelecimento dos canais de comunicação que foram rompidos com a ocorrência do litígio.

José Maria Rossani Garcez (GARCEZ, 2004, p. 39) afirma que:

“Quando, devido à natureza do impasse, quer seja por suas características ou pelo nível de envolvimento emocional das partes, fica bloqueada a negociação, que assim, na prática, permanece inibida ou impedida de realizar-se, surge, em primeiro lugar, a mediação como fórmula não adversarial de solução de conflitos.”

Vale ressaltar que na seara penal, a mediação é um dos instrumentos utilizados pela Justiça Restaurativa, pois além dele há outros modelos tais como as conferências e os círculos de sentença.

Claudia Santos (SANTOS, 2014, p. 641) ensina que:

“A mediação penal é um encontro, todavia neste não deve haver o abraço (porventura asfixiante) de um terceiro que representa o Estado, porque o que se deseja é antes um estender de braços de cada um dos intervenientes em direção aos outros, com o auxílio de um terceiro pouco interventivo que é o mediador.”

Na mediação, é necessária à atuação de um terceiro imparcial, que atuará apenas para supervisionar o diálogo, em nada influenciando na construção de uma solução consensual, pois esta deve ser feita pelas próprias partes litigantes.

O terceiro imparcial é chamado de mediador, e exerce uma função de mero orientador, coordenando as atividades e incitando os envolvidos a desenvolverem a dialética e comunicação, permitindo falar sobre o conflito, as consequências e ofensas causadas, além de fornecer elementos para que haja o reconhecimento dos valores relevantes.

Neste contexto, a figura do mediador representa, segundo André Gomma de Azevedo (AZEVEDO, 2012, p. 60):

“Uma pessoa selecionada para exercer o múnus público de auxiliar as partes a compor a disputa. No exercício dessa importante função, ele deve agir com imparcialidade e ressaltar às partes que ele não defenderá nenhuma delas em detrimento da outra – pois não está ali para julgá-las e sim para auxiliá-las a melhor entender suas perspectivas, interesses e necessidades. O mediador, uma vez adotada a confidencialidade, deve enfatizar que tudo que for dito a ele não será compartilhado com mais ninguém, excetuado o supervisor do programa de mediação para elucidações de eventuais questões de procedimento. Observa-se que uma vez adotada a confidencialidade, o mediador deve deixar claro que não comentará o conteúdo das discussões nem mesmo com o juiz. Isso porque o mediador deve ser uma pessoa com que as partes possam falar abertamente sem se preocuparem e eventuais prejuízos futuros decorrentes de uma participação de boa fé na mediação.”

O mediador não pode dar sugestões, e deve ter a sensibilidade de encontrar o real motivo do conflito, a origem da desavença, além da capacidade de, também, levar as partes a esta percepção. Ou seja, este terceiro não tem a função de decidir, cabe, tão somente, auxiliar os envolvidos na obtenção de uma solução consensual, fazendo com que elas enxerguem os obstáculos que impeçam de construírem um acordo e consigam removê-los de forma consciente e harmônica, como manifestação de sua vontade e de sua intenção de compor o litígio como alternativa ao embate.

O mediador deve, por conseguinte, estar consciente da função que lhe cabe exercer durante o processo, com o fito de proporcionar um ambiente de cooperação e controle, estimulando as partes a revelarem seus interesses em detrimento da defesa de soluções unilaterais propostas por cada parte. O enfoque importante deve ser voltado às questões e aos interesses de cada parte e não à atribuição de culpa.

A sistemática da mediação implica na prática de uma negociação assistida por um terceiro, por isso que algumas orientações da teoria da negociação devem ser atendidas. Por exemplo, podem-se citar as estruturas alternativas de resolução de problemas que podem ser utilizadas pelo mediador durante o processo autocompositivo, aqui a proposta consiste em abandonar, quando possível, formas rudimentares de negociação, como a chamada negociação posicional, a fim de se buscar resultados mais satisfatórios aos interesses das partes em negociação. (AZEVEDO, 2012, p. 79)

Com o auxílio do mediador as partes buscarão compreender o seu problema por completo, com todas as peculiaridades, com o intuito de tratar o conflito de forma satisfatória.

Na mediação, por ser um mecanismo consensual, as partes apropriam-se do poder de gerir seus conflitos, diferentemente da Jurisdição estatal em que este poder é delegado àqueles investidos das funções jurisdicionais.

O processo de mediação, basicamente, pauta-se em uma estrutura informal, simplificada e acessível para todos, uma vez que há a flexibilização dos procedimentos, a prática de sessões individualizadas, para cada caso é dada uma atenção específica e direcionada e, por fim, o tom informal, para que tal modelo seja acessível.[3]

Ademais, insta frisar que a informalidade do processo de mediação, não implica no desatendimento dos direitos e garantias processuais do individuo, pelo contrário, como método apropriado de resolução de controvérsias, traz o contraditório, permitindo-se, que todos os envolvidos possam atuar de modo a tentar resolver o conflito, além da ampla defesa.

Com o uso da mediação resta evidenciado que o que se busca, sobretudo, é que as próprias partes cheguem à solução, construindo a resposta a ser dada ao crime.

Como princípios informadores da mediação, dentre outros, podemos citar: (a) a autonomia da vontade das partes que deverá regular todo o trabalho a ser desenvolvido; (b) a imparcialidade do mediador; (c) a independência tanto do mediador com as partes, como das partes no decorrer do desenvolvimento dos trabalhos; (d) a credibilidade que deve ser depositada no mediador escolhido e, por fim, (e) a confidencialidade, tudo que acontecer nas reuniões deve permanecer ali.

Apresentam-se como as principais características do processo de mediação: a privacidade; a economia financeira e de tempo; a oralidade; a reaproximação das partes; a autonomia das decisões e o equilíbrio das relações entre as partes.

Por se fundar na livre manifestação de vontade das partes e na escolha por um instrumento mais profundo de solução de conflito, mesmo ainda não tendo sida convertida em modelo oficial de resolução dos litígios, a mediação é amplamente difundida no Brasil, sendo utilizada, inclusive, pelos órgãos que compõe o Poder Judiciário.

Ademais, impende esclarecer que na mediação não se busca uma decisão que ponha um fim na controvérsia, como dito, a mediação pode se satisfazer apenas por permitir que os canais de comunicação antes interrompidos pelo cometimento de um conflito tenha se (re)estabelecido.

Para que exista um processo de mediação, imprescindível a presença de três elementos básicos: (i) a existência de partes em conflito, (ii) uma contraposição de interesse e (iii) um terceiro imparcial neutro e capacitado a facilitar a composição.

No tocante as partes, estas podem ser pessoas físicas ou jurídicas, entes despersonalizados, menores, desde que assistidas por seus representantes e gestores. Quanto ao conflito, este delimitará a amplitude da atividade a ser desenvolvida pelo mediador. E o mediador, como já dito, deve ser neutro, equidistante das partes e apto a interagir com elas.

A mediação é entendida como se fosse um trabalho artesanal, visto com base no diálogo e na cooperação entre as partes, de forma que por meio do qual se busca preenchidas as lacunas existentes nas relações, atingindo-se um consenso, ou, no mínimo, um compromisso. Por isso que cada caso é único, demandando tempo e estudo já que o mediador deve enxergar os interesses por trás das posições externalizadas pelos envolvidos.

Assim, atualmente, o elemento central para se compreender a mediação é a formação de uma cultura de pacificação, pautada no diálogo, em contraposição à cultura existente em torno da imprescindibilidade de uma decisão judicial para que a lide possa ser resolvida.

Deve-se aqui, abrir um parêntese, para que seja esclarecido que a mediação não é sinônimo de conciliação. São instrumentos de gestão de conflitos, porém, completamente diferentes. A mediação é entendida como um meio alternativo e voluntário de resolução de conflitos no qual um terceiro imparcial orienta as partes para a solução das controvérsias, sem sugestionar. Na mediação, as partes se mantêm autoras de suas próprias soluções.

Enquanto que a conciliação é uma alternativa de solução extrajudicial de conflitos. Aqui, um terceiro imparcial intervirá para buscar, em conjunto com as partes, chegar voluntariamente a um acordo, interagindo, sugestionando junto às mesmas. O conciliador pode sugerir soluções para o litígio, entrando no mérito da causa.

Ou seja, com a mediação, visa-se recuperar o diálogo entre as partes. Por isso mesmo, são elas que decidem. As técnicas de abordagem do mediador tentam primeiramente restaurar o diálogo para que posteriormente o conflito em si possa ser tratado. Só depois se pode chegar à solução, enquanto que a conciliação pode ser mais indicada quando há uma identificação evidente do problema, quando este problema é verdadeiramente a razão do conflito – não é a falta de comunicação que impede o resultado positivo. Diferentemente do mediador, o conciliador tem a prerrogativa de sugerir uma solução.

Ressalta Leonardo Sica (SICA, 2007, p. 50) que na conciliação, o terceiro neutro não tem o poder de decidir sobre o problema trazido pelas partes, mas tem um papel ativo na resolução da disputa: na tentativa de chegar a um acordo entre as partes o conciliador tem uma função diretiva na promoção da conciliação e no controle e orientação da discussão sobre elementos tidos como úteis. Enquanto que a mediação, ao inverso, é um processo de resolução dos conflitos no qual é deixado às partes, o poder, e consequentemente a responsabilidade, de decidir se e como encontrar uma solução ao conflito, sendo o mediador um mero facilitador da comunicação.

Humberto Pinho e KarolDurço (PINHO e DURÇO, 2010, p. 382), sobre a diferença entre conciliação e mediação complementam:

“Podemos, então, estabelecer três critérios fundamentais:

Quanto à finalidade, a mediação visa resolver abrangentemente o conflito entre os envolvidos. Já a conciliação contenta-se em resolver o litígio conforme as posições apresentadas pelos envolvidos.

Quanto ao métodos, o conciliador assume posição mais participativa, podendo sugerir às partes os termos em que o acordo poderia ser realizado, dialogando abertamente a este respeito, ao passo que o mediador deve abster-se de tomar qualquer iniciativa de proposição, cabendo a ele apenas assistir as partes e facilitar a sua comunicação, para favorecer a obtenção de um acordo de recíproca satisfação.

Por fim, quanto aos vínculos, a conciliação é uma atividade inerente ao Poder Judiciário, sendo realizada por juiz togado, por juiz leigo ou por alguém que exerça a função específica de conciliador. Por outro lado, a mediação é atividade privada, livre de qualquer vínculo, não fazendo parte da estrutura de qualquer dos Poderes Públicos. Mesmo a mediação paraprocessual mantém a característica privada, estabelecendo apenas que o mediador tem que se registrar no Tribunal para o fim de ser indicado para atuar nos conflitos levados à Justiça.”

Assim, passada a diferença entre conciliação e mediação, insta frisar que a partir dos resultados positivos extraídos com o uso da mediação como modo de resolução dos conflitos, olhou-se a autocomposição com outros olhos, agora, sob a ótica da satisfação do usuário por meio da utilização de técnicas apropriadas, adequada ao ambiente dos debates e da relação social entre mediador e partes que favoreça o entendimento do dano causado e dos seus efeitos.

Deste modo, como a mediação é exercitada através de um processo que engloba os interesses e sentimentos das partes, existindo a figura do mediador que é um personagem que exerce um papel importante, porém, como coadjuvante, na medida em que fornece a estrutura e a proteção necessárias para aproximar as partes, permitir que estas percebam o conflito de forma mais positiva, apresenta-se como o novo modelo de justiça compatível com os novos conflitos e anseios da sociedade.

2.1. A mediação no âmbito penal: instrumento da justiça restaurativa

Tudo o que foi dito nas linhas alhures se aplica na seara penal, já que as técnicas, finalidade e logística da mediação são únicas e uniformes independente do ramo jurídico ou dos conflitos. Diferenciando-se em cada caso concreto, que, a depender das suas peculiaridades, uma técnica (mapa) poderá ser mais utilizada do que outra.

Já que a mediação praticada dentro da logística restaurativa é vista como um processo de comunicação entre vítima e infrator, em que ao final há a construção de um acordo, sempre com a ajuda de um terceiro imparcial, que supõe uma reparação de todos os danos causados, sejam eles materiais ou imateriais.

Aqui o foco do nosso estudo será ver a mediação como um instrumento utilizado pela Justiça Restaurativa para alcançar os fins colimados, quais sejam: o resgate da vítima, a participação da sociedade atingida, a restauração dos laços que foram rompidos com o cometimento de um crime e a construção da melhor solução para o caso.

Mas, de logo, é importante ressaltar que a ideia de trazer a mediação para o âmbito penal, por este ramo tutelar os bens jurídicos mais importantes para a manutenção da sociedade e, por sua vez, do Estado, causa certo espanto, e, de certo modo, rejeição, pois a sociedade está arraigada com a ideia da retribuição ao mal causado, da cominação de uma pena como resposta para tudo e, principalmente, da visão de que o infrator é um inimigo da sociedade.

Em consequência desta repulsa, do medo de que com a mediação ocorra uma impunidade e o aumento da violência, no Brasil, a mediação ainda é vista como uma alternativa apenas para os crimes de menor potencial ofensivo e para casos excepcionais e pontuais, não sendo visto, ainda, como um mecanismo que poderá ser utilizado para todos os tipos penais previstos no nosso Código.

Impende destacar que, em que pese à mediação ser apontada como o principal instrumento de realização da Justiça Restaurativa, consoante dito, este não é o único, existem as conferências que se caracterizam pela aceitação da participação de outras pessoas próximas ao agente e/ou vítima para além destes e de um “coordenador treinado” em que é almejada a celebração de um acordo que permita a reparação dos vários danos originados pelo crime e os círculos de sentença que envolve além do agressor e da vítima, pessoas próximas, representantes das instâncias formais de controle (ministério público, policiais, advogados, magistrados) e outros indivíduos da sociedade que, de alguma forma, possuam interesse ou estejam envolvidos com o fato criminoso. (SANTOS, 2014, p. 634)

No paradigma restaurativo, a mediação aparece como um de seus principais instrumentos, pois como neste se pretende alcançar novos mecanismos de resolução de conflitos que, além de serem mais eficientes, devem ser voltados não apenas a transformar a sistemática penal, mas, principalmente, visa reduzir a vitimização, e, por sua vez, os seus efeitos, aumentar a educação, o empoderamento da vítima, a humanização do conflito, bem como a ressocializar e prevenir, por isso que.

De acordo com a lição de Pablo Palermo, a mediação penal é um processo informal e voluntário em que as partes envolvidas com o delito tentam celebrar um acordo em que esteja inserida, de certo modo, a reparação, através da ajuda de um terceiro imparcial (o mediador). Este acordo poderia assumir o caráter compensatório (reparação do dano) ou conciliatório (além da reparação do dano, há a reconstrução das relações sociais). (PALERMO, 2011, p.172-173)

Claudia Santos (SANTOS, 2014, p. 642) elenca quais são os elementos caracterizadores da mediação penal, trazidos pela doutrina restaurativa, defendendo que estes não se preocupam em conceituá-la, mais, tão somente, em elencar os atributos:

“Seriam essencialmente quatro: em primeiro lugar, o procedimento radicado na participação voluntária do(s) agente(s) do crime e da(s) sua(s) vítima(s); em segundo lugar, a intervenção de uma instância de mediação que visa facilitar a comunicação e garantir a segurança dos intervenientes, mas que não detém autoridade decisória do conflito; em terceiro lugar, a existência de um processo comunicacional orientado para a expressão dos sentimentos e necessidades dos intervenientes; finalmente, a procura de uma pacificação do conflito através da responsabilização e da reparação.”

Enquanto que Leonardo Sica (SICA, 2007, p. 46), apresenta a etimologia da palavra mediação (do latim, mediare, que é dividir, abrir ao meio) e afirma o seguinte:

“(…) refere-se a uma atividade em que uma parte terceira, neutra, ajuda dois ou mais sujeitos a compreender o motivo e a origem de um conflito, a confrontar os próprios pontos de vista e encontrar uma solução sob a forma de reparação simbólica, mais do que material. (CERETTI, 1997, pp.91-92). A mediação visa restabelecer o diálogo entre as partes para poder alcançar um objetivo concreto: a realização de um projeto de reorganização das relações, com resultado o mais satisfatório possível para todos. (PISAPIA, 1997, p.05).”

A respeito da sua natureza, André Gomma de Azevedo (AZEVEDO, 2007, p. 23), defende que ela deve ser um processo, pois “passou a ser tratada, em razão de sua técnica, como um conjunto de atos coordenados lógica e cronologicamente visando atingir escopos pré-estabelecidos, possuindo fases e pressupondo a realização da prática de determinados atos para se atingirem, com legitimidade, fins esperados”.

Neste contexto restaurativo, a figura do mediador é muito importante para a estrutura adotada pela justiça restaurativa, pois como esta se preocupar em desobstruir os laços que foram rompidos com a prática de um delito, será este terceiro imparcial que procurará as razões implícitas que rodeia o conflito e o cerne da questão.

Claro que a construção de uma solução para o delito é um objetivo da mediação, mas, repise-se, não é o único, esta já se satisfaz com a abertura das partes para um diálogo, com a desobstrução dos canais de comunicação, com o retorno da vítima como protagonista e, com a humanização do processo.

A mediação é um processo voltado aos interesses, sentimentos e questões das partes, tendo no mediador a figura de um mero instrumento que fornecerá a estrutura e proteção necessárias para aproximar as partes, permitir que estas percebam o conflito de forma mais positiva e assim construam a melhor solução.

Por derradeiro, importante citar que a mediação pode ser revestida de duas categorias, satisfativa ou transformativa, vai depender do objetivo primordial que se buscará, ou seja, as técnicas mediativas serão organizadas e utilizadas de acordo com o intuito que se pretende alcançar, podendo ser um mero acordo ou a restauração dos laços rompidos em virtude do crime.

A mais tradicional é a chamada “mediação satisfativa”, que tem como foco principal a celebração de um acordo. Foi desenvolvida pela Escola de Havard e se baseia nas técnicas de negociação de conflitos. Como este tipo não se preocupa com os sentimentos das partes envolvidas, pois ignora as questões remotas, que influenciaram na ocorrência do conflito, também, não tenta melhorar a relação entre elas, repita-se, o objetivo é, tão somente, a pactuação de uma solução.

Como resultado deste desprezo com o aspecto relacional do conflito, tão importante para a sistemática restaurativa, aparece uma modalidade de mediação menos focada na celebração do acordo e mais atenta para a reconstrução das relações, que é chamada “mediação transformativa”.

Este segundo modelo, procura modificar a característica destrutiva do conflito que, com base na ética da alteridade, tenta extrair do litígio consequências positivas. A importância deste viés, além de tentar alcançar todas as finalidades restaurativas, está no verdadeiro empoderamento das partes que, efetivamente, podem protagonizar seus conflitos.

Complementando o exposto acima, Ilana Martins (LUZ, 2012, p. 126) conclui com o seguinte registrado:

“Explicitadas as espécies mediativas, compete, em linhas conclusivas, afirmar que a mediação de cunho transformativo parece ser a mais completa, dentre as espécies acima delineadas, porquanto objetiva a reconstrução da relação rompida, sem, contudo, negligenciar a importância do acordo. (…) Por conta disto, ainda que a mediação da Escola de Harvard, focada, unicamente, no acordo, não seja o parâmetro ideal, não se pode desconsiderar que, em alguns casos, será ela o modelo ideal a ser utilizado, com vistas a resolver os inconvenientes do problema que envolve as partes mediadas.”

Ainda sobre o viés transformativo, Bush e Folger (BARUCH BUSH, 2008, p. 46/47) ensinam o seguinte:

“La promesa original de la mediación reside en su capacidad para  transformar el carácter de los antagonistas individuales y la sociedad en general. A causa de su informalismo y su consensualidad, la mediación puede permitir que las partes definan problemas y metas en sus propios términos, convalidando de ese modo la importancia de dichos problemas y metas en la vida de las partes. Además, la mediación puede apoyar el ejercicio de la autodeterminación en las partes, al decidir cómo resolver una disputa, o incluso si se lo hará; y puede ayudar a las partes a movilizar sus propios recursos para abordar problemas y alcanzar sus metas.”

Neste diapasão, o viés transformativo se coaduna melhor com os objetivos e ideais do sistema restaurativo, pois, não se restringe em resolver o problema ou de dar uma resposta ao crime, mas, principalmente, tentar entender todos os aspectos que envolvem o litígio, os anseios e frustrações das partes.

Todavia, diante do grande volume de conflitos e da ânsia para que seja dada uma rápida resposta ao crime, o processo de mediação acaba sendo muito influenciado pela linha satisfativa e sua finalidade é restringida apenas para a celebração de um acordo.

3. O paradigma da responsabilidade e o papel da mediação

Consoante visto, o paradigma da culpa, fundado na culpabilidade, pressupõe a presença do Estado que, portador do ius puniendi, atuará através dos mecanismos da heterocomposição. Este poder-dever estatal de regular os conflitos que permeiam à comunidade e podem acarretar em desagregação social, devendo, apenas, ele dar a melhor solução para o caso (manutenção estatal), pois as desordens sempre traduziram as necessidades e as fragilidades dos indivíduos e, via de consequência, do grupo, resultou em um afastamento das partes no processo penal e uma impessoalidade do conflito.

Quando o Estado trouxe para si o poder-dever de dar as respostas adequadas e justas para todos os conflitos que afligem a sociedade, atuando como terceiro imparcial consagrou a heterocomposição como a forma prioritária de resolução das questões, considerando as demais modalidades como primitivas, transformando, portanto, o crime em um assunto de estado e, não só dos envolvidos.

Pela heterocomposição, o Estado regulador, substitui a vontade da vítima, vê no infrator um inimigo para a sociedade, propõe a ação penal e, ao final, determina a solução para o conflito apresentado visando proteger os bens jurídicos mais relevantes.

Com tal postura, o Estado, busca evitar, dentre outras coisas, (i) que novos conflitos fossem instaurados; (ii) a utilização da força como instrumento; (iii) o agravamento das diferenças e divergências; (iv) a prevalência da vontade do mais forte e (v) a instauração e perpetuação da velha política da vingança de sangue e do “olho por olho e dente por dente”.

E, para alcançar tais fins, utilizou uma política de desestímulo à busca de práticas alternativas para a resolução dos conflitos, e de condutas ativas dos cidadãos em resolver sozinhos os problemas que estejam envolvidos. Para tanto, defende que os litígios devem ser apreciados detidamente pelo Estado e, este, deverá impor a solução mais adequada para o caso, tudo em prol de uma sociedade saudável e igualitária.

Em pari passu, assegurou a todos os cidadãos a possibilidade de resolver o seu litígio, sem qualquer obstáculo, através do Poder Judiciário, sustentando que a prestação jurisdicional é a forma mais segura para a resolução das querelas, devendo ser a única a ser utilizada, criando, assim, uma dependência.

Em verdade, esta preocupação estatal nada mais é do que um controle, o medo de que os conflitos se catalisem e se transforme em fator de desagregação e, por sua vez, de enfraquecimento das classes dominantes. Tal temor é mascarado pela busca da pacificação, igualdade e unidade.

Em aversão às formas alternativas de resolução de conflitos, firmaram-se dois entendimentos (i) cabe somente ao Poder Judiciário o dever de resolver os crimes que afligem a sociedade e (ii) só compete ao Estado o poder de dirimir os delitos ocorridos não tendo a população capacidade de solucioná-los sem criar traumas que prejudiquem o desenvolvimento saudável da sociedade.

O resultado deste sistema é a criação de uma dependência na prestação jurisdicional que, atrelada à cultura da litigiosidade, provoca uma multiplicação de demandas repetitivas, o abarrotamento dos tribunais, o retardo nos julgamentos e nos desfechos das causas, além da falta de participação dos cidadãos em tentar solucionar o conflito em que estão envolvidos, um total esquecimento da vítima e, por fim, o mais grave, a dificuldade de concretizar o efetivo acesso à justiça.

A postura do Estado em pregar que os indivíduos não podem resolver sozinhos os seus conflitos, necessitando, sempre, da atuação estatal, acaba criando uma dependência que prejudica a implementação de meios alternativos de pacificação, pois se vê apenas na figura do juiz e, por sua vez, no Poder Judiciário como o responsável em garantir a segurança jurídica e a efetiva resolução dos litígios.

A consequência desta “entrega” do conflito para o Estado, é uma alteração no cenário em que se obtém uma solução para o problema, pois será um terceiro que dará a resposta ao problema, estando às partes, completamente, aleatórias.

No paradigma da culpa, como o crime passa a ser uma questão de Estado, há um total desprezo pelas partes. A vítima é, absolutamente, esquecida e o infrator é visto como um mero objeto que será apenado pela conduta praticada. E, em que pese serem analisadas as circunstâncias que influenciaram a prática do ato, a conduta do agente e, principalmente, de existir uma responsabilização pessoal, o paradigma da culpa gera um desresponsabilização dos intervenientes de um litígio, já que todo o protagonismo é entregue ao Estado-Juiz.

No entanto, o aparato processual, no decorrer do tempo, apresentou-se cada vez mais desatualizado, aleatório à realidade vigente e extremamente burocrático o que o transformou em um sistema ineficaz, ineficiente, chegando-se ao ponto de, em certa forma, ser obsoleto.

Outro fator que contribui para a crise do paradigma da culpa é a postura que o Estado adota ao solucionar o conflito, visando, sempre, dar a melhor resposta que atenda aos seus interesses e aos fins colimados, olvidando-se, completamente, das pessoas envolvidas, dos aspectos sociais, psicológicos, emocionais e mentais que podem estar envolvidos.

Ao condenar uma parte em detrimento de outra, declarando uma parte vencedora e a outra derrotada pode até compensar o dano causado, mas, não necessariamente, encerra o conflito.

E quando são os próprios envolvidos que tomam para si a resolução do problema, abraçam a responsabilidade de serem delas o dever de dar uma solução para o caso e não um terceiro que somente tem em conta os aspectos formais da questão, devendo apreciar todas as peculiaridades e interesses. As partes ao construírem a solução restabelecerão a comunicação que foi rompida com o cometimento do delito.

Restabelecer a comunicação implica que as partes reconheçam os seus interesses, os seus objetivos, até os intrínsecos, para se resolver o conflito por completo.

Frente à crise acima relatada, a mediação, antes considerada como uma forma primitiva de resolução dos conflitos ressurge, como uma alternativa ao sistema processual, em que se pretende buscar a melhor solução para o caso concreto e não apenas para a parte agredida, além de ser um modelo que possibilita a análise de todos os aspectos que o litígio pode apresentar.

Desde o ano de 2010, quando o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, editou a Resolução n. 125, a mediação no Brasil passou a ser vista com outros olhos. Abandonou-se a visão de que a mediação iria prejudicar a hegemonia estatal e criar respostas aos conflitos que seriam prejudiciais para a sociedade, passando-se a visualizá-la como uma alternativa para desafogar o Poder Judiciário e como um modelo que, efetivamente, soluciona o problema, em sua completude, todos os aspectos e peculiaridades.

O modelo proposto com a mediação como técnica de resolução dos conflitos, visa gerar uma democratização no acesso à justiça, pois ao minimizar as deficiências do sistema penal punitivo, consequentemente sanam-se as carências com uma humanização do direito penal, trazendo a vítima para participar ativamente na resolução do conflito.

Neste diapasão, o incentivo a utilização da autocomposição é um reforço ao princípio participativo, pilar do Estado Democrático de Direito, em que é concedido às pessoas o poder de solucionar os seus litígios.

Tal princípio é interessante porque valoriza a forma de resolução de conflito que instiga a capacidade das partes envolvidas chegarem à solução do seu conflito, como, também, passa para elas a percepção de competência, o que contribui significativamente com a obtenção da pacificação social. E como a mediação possui essa grande vantagem, pois visa restaurar os laços rompidos com o conflito e promover a convivência futura, apresenta-se como o modelo mais apropriado.

Em resposta às críticas, impende fazer o seguinte esclarecimento, conforme explicitado linhas alhures, o objetivo de se estimular o uso das medidas autocomposivas para solucionar os conflitos não é para desabarrotar o Poder Judiciário, muito menos, encerrar os processos que estão se arrastando há anos de qualquer jeito ou, pior ainda, resolver de qualquer jeito os conflitos novos, com o mero intuito de se evitar a provocação da jurisdição estatal e a demora no desenrolar do processo.

Com o estímulo a utilização da mediação, busca-se enxergar o conflito não só como um fenômeno jurídico, mas, também, como social, psicológico, emocional, valorativo, ou seja, como ele é de verdade, na sua inteireza, para que a solução ser construída atente para todos esses vieses e busque resolvê-los, também.

Através deste novo modelo, as pessoas conseguirão resolver os problemas por uma via alternativa, pois é mais fácil resolver definitivamente um conflito através do diálogo do que por uma sentença impositiva, cuja execução demora um longo tempo e consome significativo volume de dinheiro público.

O fundamental deste novo paradigma que surge é a criação de uma nova mentalidade sobre as formas de dar respostas aos delitos, uma cultura de que a mediação também é uma coisa muito boa do ponto de vista social e, por consequência, também é muito boa do ponto de vista dos serviços estatais.

Este paradigma, chamado de paradigma da responsabilidade, é um modelo inovador de justiça criminal na medida em que visa à concretização da humanização do processo penal, e volta sua atenção não só para a sociedade ou para o infrator, mas para a congregação dos interesses de todas as partes envolvidas no problema criminal, por meio da pacificação da relação social conflituosa que o originou, integrando, assim, todas as preocupações envolvidas.

O referido modelo pugna pela restauração das relações abaladas com o conflito, o que inclui, também, à reparação aos danos causados não só à vítima, mas, também, à comunidade, a partir de uma postura positiva do infrator. Além de proporcionar ao delinquente oportunidade para refletir sobre a conduta praticada e o dano causado, tendo, como uma das principais consequências, a reparação do dano.

O paradigma da responsabilidade propõe que as partes ligadas através do cometimento de um crime possam decidir em conjunto como solucionar o problema e também como lidar com os seus efeitos, ou seja, devolve para os envolvidos a responsabilidade de dar respostas aos seus problemas, retirando a dependência do Estado.

Quando os envolvidos estão imersos no processo de resolução do conflito, surge uma autoresponsabilidade de cada parte, pois eles, individualmente, se responsabilizarão pela construção da melhor solução para o caso.

Assim, inegável que a mediação e, por sua vez, a Justiça Restaurativa é uma forma diferente de responder a um crime, pois instauram um novo paradigma, que vê o crime não meramente como uma violação à lei, mas como o causador de danos às vítimas, à comunidade e até aos infratores e que, por isso, devem ser solucionados por eles, os envolvidos.

A mediação pressupõe, portanto, um modelo de solução de conflitos que propõe valorizar a vítima, oferecendo resultados mais compatíveis com o fim de humanização, sem que isso implique em vingança privada ou na adoção de mecanismos de privatização do espaço público.

Visa superar o quadro trazido pelo sistema "dos delitos e das penas", suplantando a ideia do castigo como retribuição ao mal provocado pelo crime, para o entendimento de que outros caminhos devem ser buscados, sobressaindo-se outros valores.

A mudança de paradigma ocorre, também, porque há a uma relativização dos interesses, transformam-se os conflitos em individuais, para que haja uma maior participação da vítima, o ideal é tentar resgatar a convivência pacífica no ambiente afetado pelo crime.

Na lógica atual, quando há o cometimento de um ato criminoso, ao agressor, é imputado o dever de reparar não só o dano, mas, também, a vítima, e, por conseguinte toda a sociedade atingida, pois, repita-se, busca-se a paz social, resguardar a cidadania.

Como o crime atinge um grupo (vítimas secundárias e terciárias), a proposta do paradigma da responsabilidade é perceber que o crime atinge a vítima, a comunidade e o autor do crime e, que, por esta razão, para que se obtenha êxito no combate aos efeitos do crime, devem ser atendidas todas as necessidades, ou pelo menos a maioria, dos envolvidos com a prática delituosa.

Além de reintroduzir a vítima, tal modelo é capaz de promover uma ampliação na participação popular na área criminal, tendo em vista que a vítima, o infrator e a comunidade se apropriam de parte do processo decisório, na busca partilhada de uma solução mediante uma nova visão, agora, construtiva, acerca do conflito.

Frise-se que o modelo restaurativo é benéfico para todas as partes afetadas pelo crime, pois devido à metodologia utilizada consegue dar a devida atenção aos envolvidos. Ao infrator, o foco é quanto ao seu amadurecimento pessoal, a partir do enfrentamento direto das consequências suportadas pelas vítimas, predispondo-o a comprometer-se na solução dos problemas; no tocante à vítima, objetiva-se aplicar medidas em que há uma devolução do papel de protagonista na busca da resposta estatal que será dada ao delito, o que evita as vitimizações secundária e terciária, sem esquecer-se da comunidade que também sofre com o conflito, dando-lhe um papel de auxiliar na construção da solução.

Assim, claro está que o novo paradigma proporciona inúmeros resultados positivos, tanto para a vítima, ao facilitar a sua reabilitação, ao criminoso, a entender as consequências do crime, em relação ao impacto da atuação da justiça sobre eles, uma vez que traz em seu âmago um sentimento de solução do problema.

E, como bem salienta este autor, (BARUCH BUSH; FOLGER, 2008, p. 21), a mediação sendo um processo em que contém um específico potencial de transformação das pessoas, promove o seu crescimento moral e ajuda a lidar com situações difíceis, além de resguardar as diferenças humanas envolvidas nos conflitos. Ressalta, ainda, que esta possibilidade de transformar se origina na capacidade em que a mediação possui de gerar dois importantes efeitos: o empoderamento da vítima e reconhecimento do dano.

No tocante ao infrator, o novo paradigma visa dar-lhe a chance de responder, perante a vítima, responsabilizando-se pela reparação do dano que tenha causado. O sistema penal deve dar oportunidade ao autor do delito de emendar seus erros e redimir-se perante a sociedade.

Além de atribuir o dever ao agressor de reparar a vítima, a nova sistemática penal lança um novo olhar sobre a pessoa do infrator, tentando entender o que o levou a cometer o delito, quais foram às razões que lhe impulsionaram a adotar tal conduta.

O paradigma da responsabilidade busca, ao devolver o conflito para as partes, oferecer ao infrator, através do diálogo, os meios necessários para que possa entender acerca da conduta praticada, suas repercussões, e sobre qual a real mensagem que ele deseja transmitir.

Como o crime possui uma dimensão pública, este novo modelo traz uma democratização na justiça penal, pois propõe a conectividade entre o sistema de justiça, os personagens envolvidos no crime e a comunidade que os cerca, a fim de que as decisões tomadas sejam, de fato, legítimas.

E mais, no paradigma da responsabilidade, quando se devolve às partes a possibilidade delas determinarem a forma como o conflito deve ser solucionado, entrega-lhes o papel de protagonistas devido, deixando de ser de um terceiro a incumbência de impor a solução, passando a ser dos envolvidos, mediante o (re)estabelecimento da comunicação em um clima de confiança, respeito, sigilo, neutralidade e imparcialidade (do mediador).

Por fim, destaca-se que, além dos benefícios imediatos (eficiência e maior rapidez com que os problemas se resolvem), a partir deste novo paradigma é possível visualizar uma vantagem primordial para o sistema penal, relacionado com a autoresponsabilidade dos envolvidos, que seria a forte determinação para os pactos se cumprirem visto que as partes ao participarem ativamente na construção da solução, se comprometem com o cumprimento deste acordo.

A existência de um compromisso, com o intuito de responder ao conflito, independente da presença e imposição do Estado é muito importante para o amadurecimento da sociedade, pois é resultado do seu empoderamento.

Deste modo, deslocando-se o processo penal da visão de vingança, de justiça como retribuição ao dano causado, para a resolução do conflito, em busca da verdadeira pacificação, é possível solucionar o maior número de problemas, unindo a sociedade e atraindo, de volta, o litígio de volta para dentro do judiciário.

Insta frisar que no âmbito da mediação, o mero ressarcimento material, a restituição ou a reconciliação podem ser aceitas como respostas viáveis, mas reduzem o horizonte comunicativo e relacional que pode ser ampliado. Por isso, pode-se até falar em ressarcimento ou reconciliação, que continuam a ser finalidades legítimas, desde que também a mediação venha a ser considerada não somente um meio, mas o fim de uma atividade que prevê a ativação e criação de um contexto no qual vítima e autor de um crime se encontram e se confrontam ao redor do conflito que as envolve.

A mediação é o principal elemento desta mudança de paradigma, uma vez que é através dela que os conflitantes se empoderam, vêm a sua posição de protagonistas e a sua independência frente ao Estado-juiz.

Conclusão

Em face da decorrência da monopolização pelo Estado das formas de resolução dos conflitos, houve uma diminuição, acentuada, na credibilidade e confiança depositadas pela sociedade no Poder Judiciário, surgindo, neste panorama uma crise de efetividade do atual paradigma de resolução dos conflitos.

Como consequência desta crise houve uma redução no acesso à justiça e um aumento na utilização das práticas de vingança privada, o que só aumenta o problema da litigiosidade no Brasil.

Frente a esses problemas, começou-se a buscar uma justiça que, efetivamente, seja mais acessível aos cidadãos e que dê uma solução satisfatória às querelas, de forma a evitar a morosidade e o formalismo exacerbado do atual sistema, proporcionando a todos o um, efetivo, acesso à justiça, respondendo a todas as nuances dos conflitos.

Neste contexto, estrutura-se um novo modelo que pretende trazer para o campo penal, as respostas autocompositivas para os conflitos, apresentando-se a mediação como o principal exemplo, pois a procura de meios consensuais atinge, sobretudo, aos ditames democráticos.

Tal modelo visa dar ao litígio uma resposta efetiva e completa, englobando todos os seus vieses, utilizando a mediação como principal instrumento, e visa-se gerar uma democratização no acesso à justiça, pois ao minimizar as deficiências do sistema processual, consequentemente sanam-se as carências com uma humanização do processo, promovendo a abertura da mentalidade e evolução da população, abandonando-se a cultura de litigiosidade.

O paradigma da responsabilidade surge quando, através da mediação, há um empoderamento das partes de tal modo que, independente da imposição de um terceiro – Esatdo-juiz -, os conflitos são resolvidos e, principalmente, a resposta dada, por ter sido construída com a contribuição de todos os envolvidos é respeitada e cumprida.

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Notas:
[1]Entende-se que a autotutela é a forma primitiva de resolução de conflitos de interesses, usada quando não há um Estado Organizado ou quando este é insuficiente, para coibir os sujeitos de buscar a solução de sua lide através da lei do mais forte e subjugo forçado do mais fraco. Ressalte-se que apesar de ser uma espécie primitiva, ainda há no ordenamento jurídico brasileiro a previsão de possibilidade do ofendido agir imediatamente para repelir a injusta agressão, ante uma situação de urgência, por exemplo, podemos citar a legítima defesa (art. 23 do Código Penal). Já a autocomposição surgiu com o convívio em sociedade e sem que o Estado, tivesse poder para submeter coativamente os cidadãos às suas decisões, as próprias partes em litígio passaram a buscar amigavelmente a solução de suas pendências, aqui não há a sujeição forçada de um dos litigantes. (BARROSO, 2010, p. 37/38).
A autotutela é a própria repressão aos atos criminosos se fazia em regime de vingança privada, possuindo como traços característicos a ausência de juiz distinto das partes e a imposição da decisão por uma das partes à outra. E a autocomposição ocorre quando uma das partes em conflito, ou ambas, abrem mão do interesse ou de parte dele. São três formas de autocomposição a)desistência (renúncia à pretensão); b) submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão); c) transação (concessões recíprocas). E a heterocomposição ocorre quando o conflito é solucionado através da intervenção de um agente exterior à relação conflituosa original. É que, as partes (ou até mesmo uma delas unilateralmente, no caso da jurisdição) submetem a terceiro seu conflito, em busca de solução a ser por ele firmada ou, pelo menos, por ele instigada ou favorecida. Tendo as seguintes modalidades de heterocomposição: jurisdição, arbitragem, mediação (de certo modo) e a conciliação. (GRINOVER, Ada Pellegrini; Cintra, Antonio Carlos de Araújo e DINAMARCO, Cândido Rangel, 2010, p. 26/37).
[2]Welzel reestruturou os elementos da teoria do delito. Como toda ação é dirigida a um fim, o dolo encontra-se na ação e não na culpabilidade, pois “toda ação consciente é conduzida pela decisão da ação, quer dizer, pela consciência do que se quer – o momento intelectual – e pela decisão a respeito de querer realizá-lo – o momento volitivo. Ambos os momentos, conjuntamente, como fatores configuradores de uma ação típica real, formam o dolo (…). Dolo, em sentido técnico penal, é somente a vontade de ação orientada à realização de um tipo de delito”.
Conforme visto, quando o dolo foi deslocado para a ação ele o foi se seu elemento normativo, que é a consciência da antijuridicidade. Assim, o dolo volta a ser puramente naturalístico e pertencente à ação, separado, portanto, da culpabilidade. (BRANDÃO, 2007, p. 142/143)
[3]Segundo o Manual de Mediação Judicial do Ministério da Justiça (Azevedo, 2012, p. 68/69) a flexibilidade procedimental representa que a mediação é composta por um conjunto de atos coordenados lógica e cronologicamente. Apesar de ser útil ter uma estrutura a seguir, o mediador possui a liberdade de, em casos que demandem abordagens específicas, flexibilizar o procedimento conforme o progresso das partes ou a sua forma de atuar. A partir de determinadas referências técnicas cada mediador deve desenvolver seu próprio estilo. O procedimento da mediação será tratado em um capítulo específico posteriormente. As sessões individuais que dizer que os mediadores possuem a prerrogativa de realizar sessões individuais com as partes conforme considerar conveniente. Por reconhecer a importância de comunicação confidencial entre as partes e o mediador, a Lei de Divórcio – Lei nº 6.515/77, em seu art. 3º, § 2º, faz expressa menção à possibilidade de sessões individuais. Já a Lei de Juizados Especiais não faz expressa menção a essa possibilidade; todavia, dos próprios propósitos desta lei pode-se afirmar que, implicitamente, há esta autorização. E o tom informal, por sua vez, é entendido como o mais produtivo se os mediadores não se apresentarem como figuras de autoridades. A autoridade do mediador é obtida pelo nível de relacionamento que ele conseguir estabelecer com as partes. O uso de um tom de conversa, sem maiores formalidades, estimula o diálogo. Naturalmente, tal informalidade não significa, contudo, que todos envolvidos na sessão de mediação não precisem se preocupar com uma adequada postura profissional. Assim, informalidade e postura profissional são valores perfeitamente compatíveis.

Informações Sobre o Autor

Thífani Ribeiro Vasconcelos de Oliveira

Advogada. Mestranda em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito. Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia


Equipe Âmbito Jurídico

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