Sumário: Resumo – Introdução – 1. Noções gerais acerca da mediação – 2. A ligação entre a mediação e o direito contratual – 3. O objetivo central da mediação no ambiente corporativo: restabelecer a comunicação rompida – Considerações finais. Referências.
Palavras-chave: Mediação – ambiente corporativo – autonomia da vontade.
Resumo: Pretendemos, neste estudo, analisar a mediação como um instrumento preventivo de conflitos no ambiente corporativo. Para isso, utilizaremos como premissa o fato de que as empresas constituem-se em um enorme feixe de interesses e ligações inter-pessoais que se estruturam por meio de amistosas relações negociais. Neste contexto, identificaremos que quatro elementos são absolutamente essenciais para a estrutura da mediação no ambiente empresarial, a saber: boa-fé, respeito, cooperação e sigilo.
INTRODUÇÃO
Buscaremos indicar os pontos favoráveis na busca da solução alternativa dos conflitos no ambiente corporativo, obedecendo à nova visão contemporânea do direito, não mais atrelado à cultura do litígio, mas, sobretudo, atento à satisfação das partes.
Neste contexto, o presente estudo se propõe a identificar, num primeiro momento, as noções gerais acerca da mediação, onde procuraremos estabelecer a relação existente entre o acesso à justiça e os novos meios de resolução de conflitos.
Num segundo momento, apresentaremos conexões da mediação com o direito contratual. Neste ponto, partiremos da idéia central que o princípio da autonomia da vontade é o eixo regulador da mediação.
Por fim, no terceiro momento, abordaremos que o objetivo da mediação, especialmente para o cenário empresarial, será restabelecer a comunicação rompida.
1. NOÇÕES GERAIS ACERCA DA MEDIAÇÃO
A resolução alternativa de disputas é o gênero no qual a mediação, a conciliação, a arbitragem e a negociação são as espécies. Tais métodos se põem na esteira da dicotomia que separa os métodos heterônomos dos métodos autônomos de solução de controvérsias (Morais, 2003, p. 86).
A jurisdição estatal e a arbitragem são formas heterônomas, já que o juiz ou o árbitro, respectivamente, estabelecem a solução para o caso concreto. Por outro lado, nas formas autônomas, os conflitos são resolvidos a partir do consenso das partes envolvidas.
As formas autônomas de resolução de disputas provêm não de uma intermediação externa do juiz ou do árbitro que estabelece uma sentença, mas de uma confrontação explícita de pretensões, interesses e dúvidas (Morais, 2003, p. 87). Por isso, neste processo de troca, nasce uma solução consensual, apenas mediada pela figura de um sujeito imparcial, cujo papel é facilitar o acordo e não impor soluções.
A conciliação é classificada como conciliação institucionalizada (conforme previsão em lei, tais como no Código de Processo Civil brasileiro e na Consolidação das Leis do Trabalho) e como conciliação não impugnativa, isto é, decorre da iniciativa única e exclusiva das partes que resolvem chegar num ponto em comum para solucionar o conflito.
Na arbitragem, as partes decidem submeter seu conflito à decisão de um árbitro, que irá tomar a decisão após ouvir as argumentações e as provas apresentadas.
Já a negociação é o ajuste firmado entre duas ou mais pessoas para acertar certos pontos em discussão ou até mesmo para finalizar certo negócio pendente. É um instituto antigo que muito se utiliza na seara empresarial. Assim, a negociação pura é o único meio de resolução de disputas em que as partes se relacionam sem a ajuda de um sujeito imparcial.
A mediação surgiu nos Estados Unidos, na década de 70, tendo a Universidade de Harvard[1] como precursora do modelo negocial de mediação.
No Brasil, a reforma de 1994 no Código de Processo Civil, no tocante aos procedimentos e prazos das audiências de conciliação prévia, fortaleceu a necessidade de novos estudos acerca da mediação. Neste contexto, entrou em vigor em 1995 a Lei que regulou os Juizados Especiais, a Lei. 9.099.
O avanço dos mecanismos extrajudiciais de prevenção e solução de disputas é inegável no Brasil, já que a partir da experiência dos Juizados, restou evidente o anseio social por métodos que buscassem a resolução do conflito extraprocessual.
A melhor doutrina compreende que a figura da mediação corresponde à garantia de efetividade dos direitos individual e coletivo. “Os direitos só se tornam efetivos quando deles temos consciência e quando, pela lesão ou ameaça de lesão, pode-se recorrer a uma instância ou entidade à qual reconhecemos legitimidade para redimir o conflito” (Pedroso, 2002, p. 1).
A mediação é um fenômeno do direito material, mas que não encontra previsão em leis brasileiras. A ausência de legislação específica sobre o tema prejudica a aplicabilidade e a aceitação dessa técnica, já que o nosso ordenamento se estrutura no sistema romano-germânico. Não existindo parâmetros legais, entendemos que a própria sociedade cria bloqueios para compreender e praticar a mediação em seus conflitos.
Para tentar resolver esta questão já foi aprovado no Senado Federal brasileiro o Projeto de Lei 4.827/98 que institucionaliza e disciplina a mediação, como método de prevenção e solução de conflitos[2].
Tal projeto se concentra em duas formas de mediação: 1) a mediação prévia, que será facultativa, podendo ser extrajudicial ou judicial; 2) a mediação incidental, que será obrigatória e ocorrerá na distribuição da ação[3]. Assim, no último caso, ocorrendo o acordo entre os sujeitos envolvidos, não haverá necessidade de intervenção do juiz.
Segundo o referido projeto, os mediadores serão preparados para o serviço que prestarão à sociedade. Caberá, no entanto, aos Tribunais de Justiça, às instituições especializadas em mediação e à Ordem dos Advogados do Brasil a capacitação e seleção dos mediadores.
O controle das atividades mediadoras será atribuído ao Tribunal de Justiça. Quanto aos mediadores, tal papel será dos advogados, com experiência profissional mínima de três anos. Tais operadores deverão se submeter aos cursos preparatórios e de formação, e se aprovados estarão sujeitos às regras procedimentais apropriadas para auxiliar os mediados na busca de uma solução consensual para sua disputa[4].
Destaca-se, ainda, que o Projeto em análise valoriza a mediação extrajudicial, conferindo ao acordo natureza de título executivo, judicial ou extrajudicial, conforme seja, ou não, submetido à homologação do Poder Judiciário.
A mediação é uma técnica de resolução de disputas intermediada por um terceiro que indica mecanismos que patrocinam a participação dos interessados no processo de solução dos seus interesses. Trata-se de mecanismo que possui caráter confidencial e voluntário, em que a responsabilidade pela construção das decisões cabe aos sujeitos envolvidos.
Destacamos que ao contrário do árbitro, o mediador não decide sobre o resultado do conflito, mas tem a função de orientar as partes e estabelecer a comunicação entre elas, para que as mesmas encontrem a base do acordo, que permitirá o fim da controvérsia.
Dessa forma, a resolução alternativa das disputas, intermediada pela figura do mediador, permite a manutenção das relações entre os envolvidos, e se mostra especialmente adequada nos conflitos civis, empresariais, trabalhistas, ambientais e internacionais.
2. A LIGAÇÃO ENTRE A MEDIAÇÃO E O DIREITO CONTRATUAL
O princípio da autonomia da vontade, princípio fundamental do Direito das Obrigações, regula a mediação, na medida em que esta se pauta na voluntariedade e na liberdade de contratar das partes envolvidas.
A liberdade de criação dos negócios jurídicos apresenta as seguintes premissas: garante ao indivíduo a liberdade e a possibilidade de participar da atividade econômica e a não interferência estatal nas relações privadas. A livre iniciativa é pautada no individualismo jurídico, que tem sua base estrutural ligada ao princípio da autonomia da vontade. Quando o indivíduo assume obrigações por intermédio de um acordo, fica adstrito a cumpri-las, mas porque quis, porque autolimitou sua liberdade (Bobbio, 1987, p.173).
Alguns autores preferem falar que a liberdade não é algo que se prende às preferências individuais, mas um estado espiritual, que se realiza no âmbito social e comunitário. Não é, portanto, a possibilidade de fazer ou deixar de fazer algo, mas uma liberdade que se enriquece pelo seu teor de objetividade e de finalidade.
Por autonomia, devemos entender toda manifestação livre de qualquer vinculação; logo a autonomia da vontade, no campo da mediação, refere-se ao fato de alguém se manifestar livremente quanto a submeter à resolução da sua disputa, mediante a condução do mediador.
Consideramos, então, que a autonomia da vontade é o princípio negocial clássico que parte do pressuposto de que as partes são livres, pois ratifica a idéia de pacto, do acordo firmado entre os contratantes, posicionados no mesmo plano de igualdade, aptos a aventar todas as cláusulas até uma convergência real de vontades.
Neste contexto, a vantagem da ligação entre a mediação e o contrato empresarial reside nos seguintes fatores: 1) simplificação da negociação e revisão contratual, tendo em vista a dificuldade de uniformização das normas aplicáveis aos negócios; e 2) minimização do risco econômico presente nas negociações, por meio da técnica do ganha x ganha.
A natureza jurídica da mediação está atrelada à idéia de existência de vontades que objetivam alcançar um fim comum. Esta noção está intimamente relacionada aos princípios da boa-fé e da autonomia da vontade.
A mediação, assim, incentiva a renegociação dos negócios, já que podem ocorrer variadas adversidades na execução dos acordos inicialmente propostos pelos contratantes.
Entendemos que o litígio pode enfraquecer ou destruir as relações contratuais. O término dessas relações como resultado de uma “ação judicial por quebra de contrato pode sair bem caro se as partes investiram em relacionamento e tornaram-se mutuamente dependentes” (McCauley apud Besanko. In: Economia da Estratégia, 2006, p. 139).
Exemplificamos algumas áreas contratuais que podem utilizar a mediação: micros e médias empresas, prestação de serviços na área da saúde (planos de saúde, médicos, dentistas, enfermeiros, etc…); relações trabalhistas; relações internacionais; e área imobiliária[5]”.
3. O OBJETIVO CENTRAL DA MEDIAÇÃO NO AMBIENTE CORPORATIVO: RESTABELECER A COMUNICAÇÃO ROMPIDA
Na mediação, o foco para a solução do conflito contratual, sem que as partes tenham que submeter o seu conflito à Justiça chama-se comunicação.
A mediação acontece a partir da busca de um diálogo assistido por um mediador que propicia um acordo aceitável para os interessados preservando-lhes o bom relacionamento, o que geralmente ocorre quando há uma preocupação em preservar a relação empresarial.
Stephen R. Covey (2005, p. 41-42) alerta que “quanto mais nos conscientizamos de nossos paradigmas e do quanto somos influenciados por nossas experiências, maior a responsabilidade de lutar contra esses paradigmas”. Dessa forma, os paradigmas precisam ser examinados em confronto com a realidade empresarial, de forma a ouvir a opinião dos envolvidos e nos abrir para as variadas percepções, obtendo, assim, um quadro mais amplo e, por sua vez, uma visão mais objetiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme apresentado, entendemos que:
1) A solução dos conflitos não se exaure com a atuação do Poder Judiciário;
2) No âmbito corporativo, devemos considerar a prática da mediação como medida fundamental para preservar a relação estabelecida.
3) Entendemos que a mediação é um instrumento jurídico que cria condições reais para que a justiça seja prestada de forma mais rápida, sigilosa e menos onerosa para os contratantes envolvidos.
Doutora e Mestre do programa de pós-graduação stricto sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Especialista em Direito Empresarial (FDV). Professora de Direito Civil da graduação e pós-graduação lato sensu da FDV. Advogada e sócia fundadora do escritório Lyra Duque Advogados
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