Resumo: A modulação dos efeitos temporais no controle de constitucionalidade. Examina as nuances dos efeitos temporais das decisões no controle concentrado de constitucionalidade, identificando as condicionantes para modulação desses efeitos, e a conseqüente mitigação do princípio da nulidade das leis e atos normativos declarados inconstitucionais através de pesquisa bibliográfica e análise de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. Constata-se que a nulidade da lei ou ato normativo inconstitucional muitas vezes ofende princípios consagrados na Constituição. Assim, de forma excepcional deve ser admitida a modulação dos efeitos da decisão que reconhece a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, de forma a só produzir efeitos a partir da decisão ou de data expressamente fixada.
Palavras-chave: efeitos temporais, controle de constitucionalidade, mitigação dos efeitos.
Abstract: Modulation of temporal effects on control of constitutionality. Examines the nuances of the temporal effects of judgments in the concentrated control of constitutionality, identifying the constraints to modulation of these effects, and the consequent mitigation of principle of invalidity of laws and normative acts declared unconstitutional through bibliographic search and review of decisions handed down by the Supreme Federal Court. It is noted that the invalidity of the law or normative act unconstitutional often offends the principles enshrined in the Constitution. Thus, exceptional fashion should be admitted to the modulation of the effects of the decision that recognizes the unconstitutionality of law or normative act, so only take effect as from the decision or date expressly set.
Keywords: temporal effects, control of constitutionality, mitigation of the effects.
Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento do trabalho. 1.1 – Linhas gerais acerca do controle de constitucionalidade. 1.2 – Os atos inconstitucionais e a teoria da nulidade e da anulabilidade. 1.3 – A mitigação da teoria da nulidade e a modulação dos efeitos temporais no controle concentrado de constitucionalidade. 1.4 – Os requisitos para a modulação dos efeitos temporais no controle de constitucionalidade. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Verifica-se através das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações de controle concentrado de constitucionalidade, que muitas vezes o reconhecimento da inconstitucionalidade não leva necessariamente a ausência de efeitos da lei ou ato normativo desde a sua edição.
É a chamada mitigação dos efeitos temporais das decisões no controle de constitucionalidade, onde é possível o Supremo Tribunal Federal determinar que sua decisão que declarou a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo só passe a produzir efeitos a partir do trânsito em julgado ou de outro termo expressamente fixada, não afetando os efeitos jurídicos decorrentes da lei ou ato normativo reconhecido inconstitucional.
Assim, o presente trabalho visa examinar as nuances dos efeitos temporais das decisões no controle concentrado de constitucionalidade, identificando as condicionantes para modulação desses efeitos, e a conseqüente mitigação do princípio da nulidade das leis e atos normativos declarados inconstitucionais, realizando uma análise acerca da natureza dessa decisão moduladora.
Neste intento, será abordado de forma sucinta as características e fundamentos do controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico pátrio.
Ademais, será feita uma introspecção acerca dos princípios da nulidade e da anulabilidade das leis ou atos normativos declarados inconstitucionais, de maneira a demonstrar o alcance de seus efeitos e conseqüências no controle de constitucionalidade.
Passando ao cerne da temática proposta, serão verificadas as peculiaridades da mitigação dos efeitos da decisão proferida no controle de constitucionalidade, de forma a trazer o fundamento para a adoção desta técnica pelo Supremo Tribunal Federal.
Por derradeiro, serão examinados os requisitos exigidos para que o Supremo Tribunal Federal se valha da mitigação dos efeitos da decisão no controle de constitucionalidade.
Para tal desiderato, o desenvolvimento do trabalho se deu a partir de pesquisa bibliográfica e através da análise de livros e artigos jurídicos publicados acerca do assunto.
Ademais, analisa decisões em processos de controle abstrato de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, utilizando dados disponíveis no sítio www.stf.jus.br e consultando o inteiro teor de decisões.
2 – DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
2.1 – Linhas gerais acerca do controle de constitucionalidade
O fundamento para a existência de um mecanismo de controle de constitucionalidade de leis e atos normativos encontra-se na supremacia da Constituição e em sua rigidez.
A Constituição traça as regras básicas de organização do Estado e da Sociedade (CUNHA JÚNIOR, 2009), indicando os valores políticos, jurídicos, sociais e ideológicos em que se deve pautar. Ainda, é na Constituição que se elencam os direitos e garantias fundamentais, que numa visão clássica, servem como limitadores do poder estatal. Mostra-se por isso, como o conjunto de normas mais importante do Estado, na medida em que contém suas regras estruturantes.
Ademais, tratando-se de Constituição rígida, onde o processo para sua alteração demanda um esforço maior do poder constituído, assim entendido como o cumprimento de requisitos de ordens diversas, cujo atendimento se mostra mais dificultoso do que o processo de alteração das leis ordinárias, é perceptível a preocupação do constituinte em conferir estabilidade e afirmar sua superioridade em relação aos demais atos normativos internos.
Neste esteio, a Constituição é alçada ao ápice do ordenamento jurídico, compondo um sistema normativo hierarquizado.
E é neste contexto, como o conjunto de normas mais importante do Estado, que se verifica a necessidade de preservar a integridade da Constituição em face dos demais atos normativos.
Assim, segundo Moraes (2008, p. 701) “controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais”.
O controle de constitucionalidade é realizado tomando-se como paradigma a disposição constitucional, devendo ser realizado um juízo de conformidade com o ato normativo infraconstitucional.
A aferição do respeito e adequação das leis ou dos atos normativos infraconstitucionais à Constituição é imprescindível, pois admitir a convivência de atos contrários ao mais importante conjunto normativo de um Estado, seria o mesmo que negar a sua supremacia e a sua força normativa (CUNHA JÚNIOR, 2009).
Desse modo, a Constituição Federal de 1988 prevê um complexo sistema de controle de constitucionalidade de leis ou atos normativos, permitindo a aferição de compatibilidade, entre outras formas, por qualquer juiz ou tribunal, através do sistema difuso, ou apenas pelo Supremo Tribunal Federal, através do sistema concentrado. Trata-se do chamado controle jurisdicional, a par dos demais sistemas de controle admissíveis (controle exercido pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo).
Ressalta-se que no sistema difuso, a verificação é realizada de forma incidental (por exceção), não sendo a declaração de inconstitucionalidade o objeto principal da demanda. Já no controle concentrado, a aferição da compatibilidade da lei ou ato normativo com a Constituição é o objeto principal da ação.
Em cada sistema de controle é possível a verificação de efeitos temporais diferentes, sendo que no presente trabalho será abordado com maior afinco os efeitos temporais do controle de constitucionalidade concentrado, não se furtando, contudo, de trazer aspectos gerais quanto aos efeitos verificados no controle de constitucionalidade pelo método difuso.
2.2 – Os atos inconstitucionais e a teoria da nulidade e da anulabilidade
Em sede de controle de constitucionalidade, são encontrados na doutrina e jurisprudência, dois sistemas ou teorias acerca dos efeitos temporais, bem ainda com relação à natureza da sentença que reconhece a desconformidade do ato normativo com a Constituição, sendo que cada uma apresenta implicações próprias.
Tem-se, assim, a chamada teoria da nulidade e a teoria da anulabilidade.
A teoria da nulidade, fundada na doutrina antiga americana, reconhece na sentença que afirmar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, natureza declaratória, e por conseqüência, efeito retroativo (ex tunc).
Mendes ensina que
“O dogma da nulidade da lei inconstitucional pertence à tradição do Direito brasileiro. A teoria da nulidade tem sido sustentada por praticamente todos os nossos importantes constitucionalistas. Fundada na antiga doutrina americana, segundo a qual “the inconstitucional statue is not law at all”, significativa parcela da doutrina brasileira posicionou-se em favor da equiparação entre inconstitucional e nulidade. Afirmava-se, em favor dessa tese, que o reconhecimento de qualquer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição.” (MENDES, 2008, p. 1244-1245)
Ainda sobre o surgimento da teoria da nulidade, afirma Reis que
“O surgimento da teoria da nulidade advém do caso Marbury VS Madison, no qual o Juiz Marshall desenvolveu um raciocínio jurídico sobre a supremacia da lei constitucional sobre a lei ordinária em que se infere a conclusão de que todo o ato normativo do Congresso contrário à Constituição deve ser reputado nulo, inválido, írrito e ineficaz.” (REIS, 2010)
Conforme já abordado, a Constituição ocupa o ápice do ordenamento jurídico, diante de sua superioridade, e atrelado ao fato de que a inconstitucionalidade revela o descompasso da lei ou ato normativo com a Constituição, é decorrência lógica que o ato desconforme deve ser extirpado do ordenamento jurídico.
Entretanto, conforme se verifica através da teoria da nulidade, a lei ou ato normativo que esteja em descompasso com a Constituição, deve ser tido com um ato que nunca teve o condão de produzir efeitos na órbita jurídica, pois o vício de inconstitucionalidade é tão grave que não admite convalidação.
O ato normativo inconstitucional, em razão de portar o vício desde o seu nascimento, deve ser considerado despido de qualquer força, não sendo passível de produzir qualquer efeito durante o período que compôs o ordenamento jurídico. Ele é extirpado do ordenamento jurídico desde o seu nascimento, afirmando-se assim, o efeito retroativo e declaratório da sentença.
Atos praticados com fundamento num ato normativo inconstitucional também devem ser considerados nulos, em razão de não encontrarem fundamento de validade no ordenamento jurídico.
A ilação supra é confirmada por Ferreira
“Sendo a Constituição o texto ápice antecedente cronologicamente, era até natural defender-se que toda lei editada que se afigurasse contrária a ela o seria desde o seu nascimento, uma vez que jamais deveria ter sido elaborada e ingressado na ordem jurídica. A declaração de inconstitucionalidade implicava necessariamente a nulidade da lei ab initio, também denominada nulidade de pleno direito, na medida em que se entendia a incompatibilidade como a ausência dos elementos essenciais que a identificavam, o que acarretava a carência de produção de efeitos jurídicos desde a origem e a impossibilidade de ser ratificada ou sanada.” (FERREIRA, 2007, p. 157-158)
Ademais, tomando-se por base o sistema de invalidades, afirma a teoria da nulidade que o vício de inconstitucionalidade é aferido no plano da validade. (LENZA, 2010, p. 197)
Em contraposição a teoria da nulidade dos atos inconstitucionais, apresenta-se a teoria da anulabilidade, adotado pelo sistema austríaco, e embasado nas idéias de Hans Kelsen, em que se defende que a sentença no controle de constitucionalidade tem natureza constitutiva, atribuindo efeitos tão somente a partir da prolação da sentença (ex nunc).
Analisando a teoria da anulabilidade dos atos inconstitucionais, Martins e Mendes afirmam
“Segundo essa concepção, a lei inconstitucional não pode ser considerada nula, por que, tendo sido editada regularmente, gozaria de presunção de constitucionalidade, e sua aplicação continuada produziria conseqüências que não poderiam ser olvidadas.
A lei inconstitucional não seria, portanto, nula ipso jure, mas apenas anulável. A declaração de inconstitucionalidade teria, assim, caráter constitutivo.” (MARTINS e MENDES, 2001, p. 314)
A conseqüência da aplicação da teoria da anulabilidade dos atos inconstitucionais é que os atos praticados até a sentença que reconhece a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, produzem regularmente seus efeitos jurídicos, deixando de compor o ordenamento jurídico tão somente a partir da sentença.
Salienta-se que o vício de inconstitucionalidade é verificado no plano da eficácia, sendo que até a decisão o ato é válido e produz normalmente seus efeitos (LENZA, 2010, p. 197).
Mendes (1996) citado por Figueiredo Neto (2006, p. 286) salienta que o direito brasileiro adotou tradicionalmente a teoria da nulidade dos atos inconstitucionais, reconhecendo a natureza declaratória das sentenças proferida no controle de constitucionalidade, e efeitos retroativos (ex tunc). Entretanto, lembra que é possível encontrar na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, uma tentativa de abandonar a teoria da nulidade, tendendo a aplicação da teoria da anulabilidade dos atos inconstitucionais.
Por derradeiro, resta evidente a adoção tradicional da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais, no voto do Ministro Celso de Melo, na ADI 652
“Atos inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituído, em conseqüência, de qualquer carga de eficácia jurídica.
Esse tem sido o entendimento doutrinário compatível com o sentido das Constituição rígidas, tal como a que hoje vigora no Brasil. E diversa não tem sido, nesse tema, a orientação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cujo magistério, de um lado, sublinha a nulidade plena do ato inconstitucional, e, de outro, proclama – a partir de sua absoluta ineficácia jurídica – o caráter retroativo da declaração judicial que reconhece a sua incompatibilidade hierárquico-normativa com a Lei Fundamental.”
2.3 – A mitigação da teoria da nulidade e a modulação dos efeitos temporais no controle concentrado de constitucionalidade
Conforme visto, a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, pelo em menos em regra, é pela aplicação do princípio da nulidade dos atos inconstitucionais.
Salienta-se que não há na Constituição Federal de 1988 qualquer disposição autorizando a não aplicação do efeito retroativo aos atos declarados inconstitucionais. Entretanto, durante a Assembleia Nacional Constituinte, houve a proposta de autorizar o Supremo Tribunal Federal a aplicar nas decisões de controle abstrato de constitucionalidade efeito diverso do retroativo (ex tunc), porém, a proposta foi rejeitada (CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 369). Novamente, na revisão constitucional de 1994, houve discussão acerca do assunto, contudo, mais uma vez a iniciativa não foi aceita (FIGUEIRA NETO, 2006, p. 288-287).
Em 1999 foi editada a Lei 9.868 disciplinando o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, que em seu artigo 27, trouxe disposição autorizando, desde que cumprido determinados requisitos, que o Supremo Tribunal Federal module os efeitos da sentença que declara lei ou ato normativo inconstitucional, nos seguintes termos:
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Ressalta-se que mesmo antes da edição da Lei 9.868/99, é possível encontrar decisões do Supremo Tribunal Federal em que deixa de aplicar o efeito retroativo (ex tunc) no controle de constitucionalidade, afirmando a produção de efeitos do ato normativo inconstitucional, em que pese à adoção à teoria da nulidade do ato inconstitucional (LIMA, 2011).
A possibilidade de modular os efeitos da sentença declaratória de inconstitucionalidade, em verdadeira mitigação ao princípio da nulidade do ato inconstitucional, segue com a decisão do julgador de reconhecer que a lei ou ato normativo desconforme com a Constituição cesse seus efeitos a contar do trânsito em julgado da decisão, ou em data futura, fixada pelo julgador.
Verifica-se que o legislador ao prever a possibilidade de modulação dos efeitos, admite a aplicação de efeitos próprios do princípio da anulabilidade dos atos inconstitucionais.
Admite-se que o ato, mesmo inconstitucional, produza efeitos até o trânsito em julgado da decisão proferida na ação que realizou o controle de constitucionalidade, impingindo assim, efeitos ex nunc à decisão.
Ademais, permite que o julgador, fixe uma data posterior ao próprio trânsito em julgado, para que o ato declarado inconstitucional deixe de produzir efeitos, produzindo assim, a sentença, efeitos pro futuro.
Neste ponto, vale ressaltar o entendimento de Moraes (2008, p. 758), de que a fixação de efeito pro futuro da decisão não autoriza que a data limite apontada para que o ato inconstitucional continue produzindo efeitos seja posterior a publicação oficial da decisão
“Assim, se o STF entender pela aplicação dessa hipótese excepcional, deverá escolher como termo inicial da produção de efeitos, qualquer momento entre a edição da norma e a publicação oficial da decisão. Dessa forma, não poderá o STF estipular como termo inicial para produção de efeitos da decisão data posterior à publicação da decisão no Diário Oficial, uma vez que a norma inconstitucional não mais pertence ao ordenamento jurídico, não podendo permanecer produzindo efeitos.”
No entanto, verifica-se através da ementa decisão proferida na ADI 3022/RS, cujo relator foi o Ministro Joaquim Barbosa, que foi fixado como termo inicial para produção dos efeitos da decisão que declarou a inconstitucionalidade da lei, data posterior ao julgamento da ação
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RITO DO ART. 12 DA LEI 9.868. ART. 45 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. ALÍNEA A DO ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 9.230/1991 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. ATRIBUIÇÃO, À DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, DA DEFESA DE SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS PROCESSADOS CIVIL OU CRIMINALMENTE EM RAZÃO DE ATO PRATICADO NO EXERCÍCIO REGULAR DE SUAS FUNÇÕES. OFENSA AO ART. 134 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Norma estadual que atribui à Defensoria Pública do estado a defesa judicial de servidores públicos estaduais processados civil ou criminalmente em razão do regular exercício do cargo extrapola o modelo da Constituição Federal (art. 134), o qual restringe as atribuições da Defensoria Pública à assistência jurídica a que se refere o art. 5º, LXXIV. 2. Declaração da inconstitucionalidade da expressão "bem como assistir, judicialmente, aos servidores estaduais processados por ato praticado em razão do exercício de suas atribuições funcionais", contida na alínea a do Anexo II da Lei Complementar estadual 10.194/1994, também do estado do Rio Grande do Sul. Proposta acolhida, nos termos do art. 27 da Lei 9.868, para que declaração de inconstitucionalidade tenha efeitos a partir de 31 de dezembro de 2004. 3. Rejeitada a alegação de inconstitucionalidade do art. 45 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. 4. Ação julgada parcialmente procedente.
Verifica-se ainda que a previsão legal autorizando a modulação dos efeitos da sentença que reconhece a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, a fim de não se aplicar o efeito retroativo, e excluir do mundo jurídico qualquer efeito por ele produzido, não escapou de críticas.
Uma das críticas é de que a admissibilidade da modulação dos efeitos de um ato declarado inconstitucional equivaleria a equiparar à atividade jurisdicional a verdadeira atividade legislativa, segundo Ferreira, pela seguinte razão
“Isso se deve à crença de que conferir efeitos prospectivos à decisão de inconstitucionalidade significa dá validade à lei considerada inválida e, portanto, incapaz de produzir efeitos válidos. Estaria o juiz a declarar como válida determinada lei, durante dado intervalo de tempo, e, assim, lançando-a no mundo jurídico como texto normativo de hierarquia constitucional, o que se revelaria como típica função de legislador – ou mesmo constituinte – positivo. De acordo com esse entendimento, somente o legislador gozaria da capacidade de inovar o cenário jurídico, dando validade a uma determinada lei, nunca o juiz ou o tribunal.” (FERREIRA, 2007, p. 163)
Lado outro, há inúmeros argumentos para a aplicação da modulação dos efeitos na declaração de inconstitucionalidade.
Schlaich (1987) citado por Bonavides afirma que
“Outra razão entende com a segurança jurídica que torna necessário que preceitos, embora inconstitucionais, possam existir ou ter eficácia durante um prazo de transição, levando-se em conta que a invalidade das prescrições das Constituições, ou seja, a supressão da norma por declaração de nulidade, produziria uma situação que aos julgadores se afigura mais “inconstitucional” de que aquela provocada pela conservação temporária da validade da lei declarada apenas “incompatível” com a Constituição.” (SCHLAICH, 1987, apud BONAVIDES, 2008, p. 340)
Tomando por base a afirmação supra, é possível concluir que haverá situações, em que a aplicação pura e simples do princípio da nulidade do ato inconstitucional, de forma a extrair todos os efeitos do ato desde a sua concepção, pode figura mais prejudicial, do que decidindo o julgador pela manutenção de seus efeitos até a data do trânsito em julgado da sentença ou fixando data futura para a cessação dos efeitos.
É possível que com a aplicação de efeitos retroativos a decisão que reconhece a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, outros valores constitucionais possam ser severamente atingidos, causando uma violação a Constituição em maior grau, exigindo assim uma ponderação de valores, a fim de se verificar no caso concreto, qual se mostra mais relevante.
Lenza aponta alguns princípios que devem ser sopesados na modulação de efeitos
“Ao lado do principio da nulidade, que adquire, certamente, o status de valor constitucionalizado, tendo em vista o princípio da supremacia da Constituição, outros valores, de igual hierarquia, destacam-se, por exemplo, o princípio da segurança jurídica e do da boa-fé.”(LENZA, 2010, p. 200)
Assim, princípios outros devem ser considerados no momento da modulação dos efeitos da decisão que reconhece a inconstitucionalidade de lei o ato normativo, não se podendo apegar de forma estéril ao princípio da nulidade do ato inconstitucional.
Vale ressaltar, que o que ditará a exigência da modulação dos efeitos são valores constitucionalmente previstos, e que por essa razão exigem uma ponderação, a fim de através de uma análise de proporcionalidade apontar pela mitigação ou não do princípio da nulidade do ato inconstitucional.
Verifica-se que principal argumento para legitimar a modulação dos efeitos temporais na declaração de inconstitucionalidade é de natureza jurídica, apelando-se para uma ponderação de valores, a fim de harmonizar os preceitos constitucionais envolvidos.
Contudo, instar mencionar um argumento político, trazido por Miranda (2007)
“Envolve, pois, uma tarefa de harmonização e concordância prática. E acaba (por paradoxal que pareça prima facie) por servir de instrumento de garantia, porque se ela se não operasse, poderiam os órgãos de fiscalização, para evitar consequências demasiado gravosas, vir a não decidir pela inconstitucionalidade.” (MIRANDA, 2007)
O ponto de vista do citado autor é de suma importância, pois a ausência de mecanismos próprios para harmonizar os valores constitucionais ao princípio da nulidade do ato inconstitucionais, poderia levar o julgador a não reconhecer a inconstitucionalidade, de forma a reduzir eventuais colisões de princípios que pudessem ocasionar prejuízos de grande monta.
Entretanto, é bom lembrar, que a ausência de mecanismo próprio autorizador para modulação de efeitos no controle de constitucionalidade, não se mostrava impedimento para o Supremo Tribunal Federal para que desse à decisão que reconhecia a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo efeito diverso do retroativo (ex tunc).
E a razão de não se prenderem a ausência de previsão legal para concessão de efeitos ex nunc ou prospectivo (pro futuro) é que a própria Constituição exige que haja em caso de aparente colisão de princípios uma ponderação para que se aplique ao caso concreto o valor que mais se aproxime da vontade constitucional.
Constata-se, portanto, tratar-se a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, de método necessário para a convivência harmônica dos princípios constitucionais, assegurando assim, valores como os da segurança jurídica, do interesse social e da boa-fé (LENZA, 2010, p. 201).
Por derradeiro, salienta-se que o Supremo Tribunal Federal vem aplicando a modulação dos efeitos temporais nas decisões que reconhecem a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, conforme pode-se verificar da ementa da ADI 3601 ED/DF, cujo relator foi o Ministro Dias Toffoli
EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL Nº 3.642/05, QUE “DISPÕE SOBRE A COMISSÃO PERMANENTE DE DISCIPLINA DA POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL”. AUSÊNCIA DE PEDIDO ANTERIOR. NECESSIDADE DE MODULAÇÃO DOS EFEITOS. 1. O art. 27 da Lei nº 9.868/99 tem fundamento na própria Carta Magna e em princípios constitucionais, de modo que sua efetiva aplicação, quando presentes os seus requisitos, garante a supremacia da Lei Maior. Presentes as condições necessárias à modulação dos efeitos da decisão que proclama a inconstitucionalidade de determinado ato normativo, esta Suprema Corte tem o dever constitucional de, independentemente de pedido das partes, aplicar o art. 27 da Lei nº 9.868/99. 2. Continua a dominar no Brasil a doutrina do princípio da nulidade da lei inconstitucional. Caso o Tribunal não faça nenhuma ressalva na decisão, reputa-se aplicado o efeito retroativo. Entretanto, podem as partes trazer o tema em sede de embargos de declaração. 3. Necessidade de preservação dos atos praticados pela Comissão Permanente de Disciplina da Polícia Civil do Distrito Federal durante os quatro anos de aplicação da lei declarada inconstitucional. 4. Aplicabilidade, ao caso, da excepcional restrição dos efeitos prevista no art. 27 da Lei 9.868/99. Presentes não só razões de segurança jurídica, mas também de excepcional interesse social (preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio – primado da segurança pública), capazes de prevalecer sobre o postulado da nulidade da lei inconstitucional. 5. Embargos declaratórios conhecidos e providos para esclarecer que a decisão de declaração de inconstitucionalidade da Lei distrital nº 3.642/05 tem eficácia a partir da data da publicação do acórdão embargado.
2.4 – Os requisitos para a modulação dos efeitos temporais no controle de constitucionalidade
Antes de abordar os requisitos para a modulação dos efeitos temporais no controle de constitucionalidade, há que deixar claro, tratar-se de prática excepcional.
A regra é a aplicação do princípio da nulidade dos atos inconstitucionais as decisões proferidas no controle de constitucionalidade, possuindo as sentenças efeito retroativo (ex tunc), alcançado o ato viciado desde a sua gênese.
Proferida a sentença no controle de constitucionalidade, inexistindo menção quanto ao efeito aplicado, compreende-se que no caso, estará a se aplicar o efeito retroativo (ex tunc), sendo que para aplicação de efeitos ex nunc e pro futuro (prospectivo) exige-se abordagem expressa pelo órgão julgador acerca da manipulação dos efeitos.
Feita essa ressalva, e passando para a análise das condições para a manipulação dos efeitos, verifica-se que a Lei 9.868/99 em seu art. 27 permitiu ao Supremo Tribunal Federal que proceda à modulação dos efeitos temporais da sentença de declaração de inconstitucionalidade, exigindo para tal desiderato a observância de dois requisitos, sendo um de ordem formal e outro de ordem material (MORAIS, 2008, p. 756-757).
O requisito formal, e de simples compreensão, refere-se à exigência de que a decisão seja proferida por maioria de 2/3 (dois terços) dos membros do Supremo Tribunal Federal.
Assim, para que se limite os efeitos temporais da decisão declaratória de inconstitucionalidade, exige que no mínimo 8 (oito) ministros do Supremo Tribunal Federal votem neste sentido.
Entretanto, a análise do requisito material não se apresenta tão fácil como o requisito formal.
Conforme se extrai do art. 27 da Lei 9.868/99, exige-se que a decisão que tenha seus efeitos manipulados, esteja fundamentada em razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.
Infere-se que os requisitos materiais para a limitação dos efeitos da decisão apresentam-se com alto grau de abstração, tratando-se de conceitos indeterminados e vagos. Portanto, demandam um juízo de valorativo do julgador.
De forma sucinta, Cunha Júnior (2009, p. 695-696) esclarece que a segurança jurídica “cuida-se, sem dúvida, de outra garantia fundamental dos regimes democráticos, que consagra a proteção da confiança e a segurança de estabilidade das relações jurídicas constituídas”.
Busca-se, assim, assegurar o princípio da boa-fé e confiança, de forma a garantir os efeitos das relações jurídicas.
No que tange excepcional interesse social, deve-se ter em mente, ainda que em linhas gerais, que deve o julgador preservar os interesses coletivos, de forma que a decisão não cause comoção social, e principalmente, garanta de forma plena os direitos fundamentais.
Assim, observa-se que a análise dos requisitos materiais deve ser realizada a partir das conseqüências da decisão para sociedade.
Ademais, é imprescindível para a manipulação dos efeitos, que a decisão tenha o objetivo de resguardar valores constitucionais, que de certa forma, reflitam uma maior relevância que o próprio princípio da nulidade dos atos inconstitucionais.
Neste sentido, Mendes (2008, p. 1267) explica que
“O afastamento de sua incidência dependerá de um severo juízo de ponderação que, tendo em vista análise fundada no princípio da proporcionalidade, faça prevalecer a idéia de segurança jurídica ou outro principio constitucionalmente importante, manifestado sob a forma de interesse social relevante.”
Portanto, toda a decisão no controle de constitucionalidade com efeitos temporais restritivos não prescinde de um juízo de ponderação acerca de princípios constitucionalmente previstos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De todo o exposto, constata-se que o controle de constitucionalidade como mecanismo de aferição da adequação das leis ou atos normativos à Constituição, é imprescindível para a estabilidade do sistema jurídico, já que a Constituição encontra-se no ápice do sistema, e todos os demais atos devem com ela estarem compatibilizados.
A permanência de uma lei ou ato normativo inconstitucional no sistema jurídico equivale a suplantar a própria Constituição, algo inadmissível em nosso sistema, já que esta é suprema e radia seus valores sobre todos os atos qualificados como jurídicos.
Assim, para inibir a permanência de leis ou atos normativos tidos como inconstitucionais em nosso sistema jurídico, por muito tempo o Supremo Tribunal Federal aplicou o princípio da nulidade, em que considera a decisão como declaratória, e impõem a retroatividade da decisão como efeito temporal, extirpando a lei ou ato normativo desde a sua edição, entendendo que o mesmo não produziu efeito algum.
Contudo, é possível verificar que em algumas situações, a imposição da nulidade a lei ou ato normativo inconstitucional, e por conseqüência, a ausência de produção de efeitos desde a sua edição pode se mostrar violadora de princípios constitucionais.
Portanto, para compatibilizar a necessidade da retirada da lei ou ato normativo inconstitucional do ordenamento jurídico com a eventual violação de princípios constitucionais, o Supremo Tribunal Federal vem adotando, de forma excepcional, o princípio da anulabilidade da lei ou ato normativo inconstitucional, de forma que a decisão é considera como constitutiva, e seu efeito temporal é percebido a partir de decisão (efeito ex tunc) ou a partir de data expressamente fixada na decisão proferida.
Inclusive foi incorporada ao ordenamento jurídico, através do art. 27 da Lei 9.868/99 a admissibilidade da aplicação de efeitos diverso do retroativo a decisão que reconhece a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.
Assim, de forma excepcional, é possível que o Supremo Tribunal Federal, através de 2/3 de seus membros e levando em consideração razões de segurança jurídica e excepcional interesse social decida que os efeitos do reconhecimento da inconstitucionalidade da lei ou ato normativa só ocorra a partir do transito em julgado da decisão ou a contar de data expressamente fixada.
Salienta-se que a razão para a aplicação efeitos ex nunc ou pro futuro é a necessidade de preservação de valores constitucionais outros, que restariam atingidos e repercutiram um maior prejuízo se a lei ou ato normativo inconstitucional fosse retirado do sistema jurídico retroativamente a data de sua edição.
Procurador da Fazenda Nacional
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