Resumo: É possível salientar que não mais prospera a visão da Ciência Jurídica enquanto um arcabouço teórico hermético, no qual inexistia qualquer diálogo entre as suas ramificações. Nesta toada, convém mencionar que a interdisciplinaridade apresenta, como axioma robusto, uma interação entre as ciências, sendo considerada uma proeminente ferramenta que propicia o alargamento do conhecimento, tal como a contemporaneidade das múltiplas ramificações. Ao lado disso, a tendência em comento objetiva possibilitar que, na produção do conhecimento, não incida o radical cientificismo formalista ou ainda o exacerbado humanismo, promovendo uma conjunção de distintas óticas, oriundos das mais complexas e díspares variantes científicas. Em se tratando da Ciência Jurídica, é possível observar as constantes manifestações no sentido de permitir o complemento entre os diversos ramos jurídicos, a exemplo do diálogo travado entre o Direito Civil e o Direito Constitucional. Ao lado disso, como um traço característico da contemporaneidade está cingido na abundância das fontes legislativas, patentes são as possibilidades de conversações jurídicas, a orientar o aplicador e o intérprete do arcabouço normativo pátrio. Na mesma ótica, agasalhando-se pelas robustas modificações que têm emoldurado o Direito contemporâneo, é possível ponderar que a responsabilidade civil tem influenciado nas relações familiares, seja nas relações de parentalidade, seja nos vínculos de conjugalidade.
Palavras-chaves: Responsabilidade Civil. Relações Familiares. Infidelidade.
Sumário: 1 Considerações Iniciais: O Aspecto de Mutabilidade da Ciência Jurídica em relevo; 2 A Interdisciplinaridade entre o Direito das Famílias e a Responsabilidade Civil; 3 A Monetarização do Direito das Famílias: A Infidelidade enquanto causa de Responsabilidade Civil
1 Considerações Iniciais: O Aspecto da Mutabilidade da Ciência Jurídica em relevo
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida hastear como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
Diante de tais ponderações, ressaltar se faz imperioso que com a inauguração de uma visão civilista, consolidada, maiormente, com a construção e promulgação do Estatuto de 2002, certos valores que, em momento passado, tinham amplo e farto descanso, já que eram a substancialização das características da sociedade dos séculos XIX e XX, não gozam de sedimento para se nutrir nem sustentáculos robustos para justificar sua manutenção. Ao reverso, passaram a ser anacrônicos e dispensáveis, sendo, por extensão, substituídos por uma gama de novos corolários e baldrames, que refletem a realidade vigente, abarcando os aspectos mais proeminentes da coletividade.
Neste diapasão, calha sublinhar, com grossos traços, que o Diploma em apreço abarcou tanto premissas de cunho patrimonialista, oriundas do antigo Códex de 1916, como a visão humanitarista e social preconizada e substancialmente valorizada pela Carta Magna, baseando-se nos valores da pessoa humana, da criança, do adolescente, do idoso, do consumidor, do deficiente e da família. Desta feita, cumpre afirmar que maciças foram as alterações trazidas pela Lei N°. 10.406/2002 que, praticamente, todos os ramos que o constituem sofreram grandes mudanças, dentre os quais está à parte dos Contratos. Denota-se também a relevante valoração de certos mandamentos e preceitos que em outros tempos foram renegados a uma segunda categoria, dentre os quais o princípio da solidariedade familiar, da pluralidade das entidades familiares e da isonomia entre os cônjuges/companheiros, sem olvidar da igualdade entre os filhos.
2 A Interdisciplinaridade entre o Direito das Famílias e a Responsabilidade Civil
À sombra dos argumentos aventados, é possível salientar que não mais prospera a visão da Ciência Jurídica enquanto um arcabouço teórico hermético, no qual inexistia qualquer diálogo entre as suas ramificações. Nesta toada, convém mencionar que a interdisciplinaridade apresenta, como axioma robusto, uma interação entre as ciências, sendo considerada uma proeminente ferramenta que propicia o alargamento do conhecimento, tal como a contemporaneidade das múltiplas ramificações. Ao lado disso, a tendência em comento objetiva possibilitar que, na produção do conhecimento, não incida o radical cientificismo formalista ou ainda o exacerbado humanismo, promovendo uma conjunção de distintas óticas, oriundos das mais complexas e díspares variantes científicas.
Entrementes, ao se analisar o aspecto de mutabilidade que influência a Ciência Jurídica, quadra assinalar que os entendimentos vanguardistas e inovadores carecem de ínterim para serem assimilados nas situações concretas, eis que ainda se verifica entendimentos conservadores, nos quais os diálogos entre ramificações distintas do Direito não recebem amparo. Tal situação ocorre sobremaneira no que se refere à monetarização dos desgastes advindos das relações conjugais, notadamente quando há presença de infidelidade, ruptura dos vínculos de lealdade. Aludidas questões são encaradas, em especial pela jurisprudência, como meros dissabores da vida cotidiana, os quais não têm o condão de configurar abalo à honra ou mesmo enseja afixação de verba indenizatória ao cônjuge ou companheiro traído. É possível colacionar, neste aspecto, entendimentos jurisprudenciais que não acolhem o pedido indenizatório quando há traição. Para tanto, colaciona-se:
“Ementa: Apelação cível. Ação de divórcio litigioso direto. Indenização por dano moral. Cerceamento de defesa. Preliminar rejeitada. Agravo retido desprovido. Cabe ao julgador apreciar, com base no artigo 130 do Código de Processo Civil, quais as provas necessárias para a instrução do feito, sendo-lhe facultado o indeferimento daquelas que entenda inúteis ou então protelatórias. Infidelidade. Dano moral. Descabimento. A apelante pretende a condenação do apelado ao pagamento de indenização por danos morais, em razão da conduta ilícita do apelado: infidelidade, isto é, relação extraconjugal do apelado com a mãe e tia da apelante. Esta Corte entende que a quebra de um dos deveres inerentes ao casamento, a fidelidade, não gera o dever de indenizar. Além disso, não evidenciada a ocorrência dos alegados danos morais, porque os fatos delituosos de infidelidade não são recentes, nem são a causa direta do divórcio movido pelo apelado. A apelante somente veio alegar os danos decorrentes da infidelidade do apelado, em reconvenção, na ação de divórcio direto ajuizada pelo apelado, quando já está separada de fato do apelado há mais de três anos e já convivendo com outro companheiro. Preliminar rejeitada, e agravo retido e recurso de apelação desprovidos.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sétima Câmara Cível/ Apelação Cível nº 70023479264/ Relator: Desembargador Ricardo Raupp Ruschel/ Julgado em 16.07.2008).
Com efeito, em que pese o entendimento vanguardista, o qual apregoa o diálogo entre as distintas ramificações do Direito, verifica-se, ainda, robusta resistência dos aplicadores do ordenamento jurídico em permitir um diálogo maior entre a Responsabilidade Civil e o Direito de Família. “O Estado não pode interferir tão a fundo nas relações que envolvam sentimentos, sob pena de acabar impondo, em caráter mais punitivo do que realmente indenizatório, o que seria muito mais uma vingança do que uma reparação propriamente dita”[4], como assinalou o Desembargador Jorge Luís Dall’Agnol, ao relatoriar a Apelação Cível Nº. 70051711935. É denotável que a tônica do argumento encontra sedimento no ideário que a reparação de desilusões, traições, humilhações e tantos outros dissabores advindos das relações conjugais promoveria uma marcantilização das relações existenciais. Em mesmo sentido, é possível fazer alusão ao entendimento jurisprudencial firmado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, em relatoriar o Recurso Especial Nº 1.122.547/MG, em especial quando pondera que:
“O cúmplice de cônjuge infiel não tem o dever de indenizar o traído, uma vez que o conceito de ilicitude está imbricado na violação de um dever legal ou contratual, do qual resulta dano para outrem, e não há no ordenamento jurídico pátrio norma de direito público ou privado que obrigue terceiros a velar pela fidelidade conjugal em casamento do qual não faz parte”[5].
Todavia, em que pese o pensamento conservador que ainda subsiste, de maneira paulatina, é possível verificar, em se tratando da Ciência Jurídica, constantes manifestações no sentido de permitir o complemento entre os diversos ramos jurídicos, a exemplo do diálogo travado entre o Direito Civil e o Direito Constitucional. Ao lado disso, como um traço característico da contemporaneidade está cingido na abundância das fontes legislativas, patentes são as possibilidades de conversações jurídicas, a orientar o aplicador e o intérprete do arcabouço normativo pátrio. “As interfaces, as interligações mutualistas, entre os diversos ramos do Direito Civil, também são constantes na contemporaneidade. As mais marcantes são as interações entre o Direito de Família e o Direito das Obrigações”[6]. Na mesma ótica, agasalhando-se pelas robustas modificações que têm emoldurado o Direito contemporâneo, é possível ponderar que a responsabilidade civil tem influenciado nas relações familiares, seja nas relações de parentalidade, seja nos vínculos de conjugalidade. Nesta última, o tema da responsabilidade civil tem permeado as manifestações jurisprudenciais, com uma quantidade enorme de variantes, havendo entendimento que sustentam a inocorrência de tal diálogo.
O primeiro pilar sustentador do diálogo entre as ramificações do Direito das Obrigações e do Direito de Família encontra sedimento na premissa que se refere à normal incidência das regras concernentes à responsabilidade civil a essa seara da Ciência Jurídica. Ora, não mais prospera a anacrônica distinção entre os Direitos Patrimoniais e os Direitos Existenciais, sendo certo que, após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[7], os institutos obrigacionais e contratuais passaram a encontram como ponto de arrimo a proteção e promoção da pessoa humana, florescendo, em razão disso, normas protetivas de ordem pública, intimamente relacionadas com os axiomas sociais contratuais. “No entanto, dentro do Direito de Família, há normas de cunho patrimonial, de ordem privada, que até podem ser contrariadas pela autonomia privada dos envolvidos por serem dispositivas”[8]. Ora, como decorrência lógica dos argumentos arvorados, não é possível admitir uma visão hermética, na qual os corolários das múltiplas ramificações do Direito não podem influenciar se interpenetrar; ao reverso, o diálogo e a influência da tábua principiológica, enquanto instrumento de concreção da doutrina pós-positivista, se apresenta como extremamente salutar para o dinamismo da Ciência Jurídica.
Outro ponto de escora que merece destaque, o conceito de culpa, essencial para a interseção e unificação de uma acepção conceitual da responsabilidade civil. Ao lado disso, não é possível olvidar que a culpa, em um sentido amplo, se afigura como elemento estruturante do ato ilícito, encontrando previsão no artigo 186 da Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[9], que institui o Código Civil, pelo qual este é perpetrado que, por ação ou omissão voluntária (dolo), negligência ou imperícia (culpa em sentido estrito), violar direito e causar dano a outrem, ainda que seja exclusivamente em uma órbita moral. Ora, crucial se faz evidenciar que a culpa do ato ilícito e da responsabilidade civil é a mesma culpa propulsionadora do término dos vínculos conjugais, porquanto ambas as espécies albergam em si a concepção do desrespeito a um dever preexistente.
Um terceiro bastião robusto, há a convicção de que a responsabilidade civil emerge nas relações de conjugalidade é, fundamentalmente, uma responsabilidade extracontratual. Ora, cuida salientar que não é possível admitir que o casamento, no atual cenário brasileiro, no qual o afeto passou a impregnar e a influenciar os liames afetivos, recebendo inclusive farta recepção pelos entendimentos jurisprudenciais vanguardistas[10]. Com supedâneo nas ponderações de Tartuce e Simão, “em havendo um ato ilícito extracontratual, deve servir como norte o outrora citado art. 186 do Código Civil, pelo qual o ato ilícito exige a presença dos demais elementos: a) a violação de um direito, essencialmente de natureza subjetiva ou pessoal, e b) um dano que pode ser material ou imaterial”[11].
3 A Monetarização do Direito das Famílias: A Infidelidade enquanto causa de Responsabilidade Civil
Com clareza solar, a Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002[12], que institui o Código Civil, enumera como um dos deveres do casamento a fidelidade, sendo considerada como lealdade e firmeza nos compromissos firmados. Como bem aponta Rolf Madaleno, “certamente a infidelidade não perdeu seu status de representar a mais abjeta causa de separação afetiva, de formação monogâmica, repugna à natureza dos povos ocidentais qualquer pluralidade de relações”[13], conquanto tenha sido descriminalizado o adultério, provavelmente segue sendo uma das mais dolorosas causas de rompimento do vínculo conjugal. Com destaque, a infidelidade pressupõe exclusividade do débito conjugal, porquanto com o casamento cada cônjuge renuncia à sua liberdade sexual, lançando, via de consequência, mão do direito de uni-se sexualmente ou em íntima afetividade com qualquer outra pessoa que não seja o seu consorte.
Em mesmo sentido, Venosa obtempera que a “fidelidade recíproca é corolário da família monogâmica admitida por nossa sociedade. A norma tem caráter social, estrutural, moral e normativo, como é intuitivo”[14]. Entretanto, conquanto atua em distintas esferas, é também norma jurídica, posto que sua transgressão admite punição na órbita civil. Trata-se de um estado de espírito, facilmente compreensível, caso seja considerado que corriqueiramente ela decorre de desajustes, desentendimentos ou mesmo incompreensões conjugais, tornando mais graves as cenas de ciúme e um estado de maciça insegurança quando faltam maturidade e confiança no parceiro conjugal. Nesta toada, ainda, convém mencionar que o esfacelamento do dever de fidelidade é o adultério que se consuma com a conjunção carnal com outra pessoa.
Imerso nas ponderações aventadas acima, cuida salientar que a mera infidelidade, sem produzir maiores repercussões, tal como pontuado algures, não tem o condão de gerar o dever de indenizar o cônjuge traído. Ora, os valores contemporâneos, que permeiam a sociedade, não reputam importante a manutenção da sociedade conjugal o dever de fidelidade recíproca, que faz do casamento não uma confluência de afetos e interesses maiores de companheirismo e colaboração, mas um mecanismo de repressão sexual, quando o relacionamento alcança o seu término. Coadunando com os argumentos articulados, anotar faz-se carecido o entendimento do Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, ao relatoriar a Apelação Cível Nº. 70049346125, em especial quando destaca que “é forçoso convir que a infidelidade constitui fato da vida, que gera sofrimento e é capaz de determinar a ruptura da relação amorosa havida, mas não constitui ato ilícito e não enseja indenização por dano moral”[15]. Verifica-se, desta maneira, que a infidelidade, por si só, não tem o condão de substancializar o dano moral, sendo necessária a demonstração do momento ou do fato que causou constrangimento ao cônjuge traído.
Doutro modo, “em algumas situações de maior gravidade, justifica-se a incidência das regras da responsabilidade civil desde que preenchidos os seus requisitos: a conduta humana; a culpa em sentido amplo […]; o nexo de causalidade e o dano ou prejuízo”[16]. Cuida explicitar que, conquanto os entendimentos doutrinários remansosos acenem para a impossibilidade de fixação de indenização em razão da infidelidade, não é possível olvidar que floresce o entendimento jurisprudencial que consagra a incidência da responsabilidade civil, quando o esfacelamento do dever de fidelidade desborda o mero aborrecimento, configurando verdadeiro abalo ao cônjuge traído. Nesta esteira, é possível trazer à colação dois paradigmáticos entendimentos jurisprudenciais emanados pelo Superior Tribunal de Justiça, consagrando a responsabilização do cônjuge infiel:
“Ementa: Recurso Especial. Direito Civil e Processual. Danos materiais e morais. Alimentos. Irrepetibilidade. Descumprimento do dever de fidelidade. Omissão sobre a verdadeira paternidade biológica de filho nascido na constância do casamento. Dor moral configurada. Redução do valor indenizatório. 1. Os alimentos pagos a menor para prover as condições de sua subsistência são irrepetíveis. 2. O elo de afetividade determinante para a assunção voluntária da paternidade presumidamente legítima pelo nascimento de criança na constância do casamento não invalida a relação construída com o pai socioafetivo ao longo do período de convivência. 3. O dever de fidelidade recíproca dos cônjuges é atributo básico do casamento e não se estende ao cúmplice de traição a quem não pode ser imputado o fracasso da sociedade conjugal por falta de previsão legal. 4. O cônjuge que deliberadamente omite a verdadeira paternidade biológica do filho gerado na constância do casamento viola o dever de boa-fé, ferindo a dignidade do companheiro (honra subjetiva) induzido a erro acerca de relevantíssimo aspecto da vida que é o exercício da paternidade, verdadeiro projeto de vida. 5. A família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF/88) devendo-se preservar no seu âmago a intimidade, a reputação e a autoestima dos seus membros. 6. Impõe-se a redução do valor fixado a título de danos morais por representar solução coerente com o sistema. 7. Recurso especial do autor desprovido; recurso especial da primeira corré parcialmente provido e do segundo corréu provido para julgar improcedente o pedido de sua condenação, arcando o autor, neste caso, com as despesas processuais e honorários advocatícios”. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 922.462/SP/ Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva/ Julgado em 04.04.2013/ Publicado no DJe em 13.05.2013).
“Ementa: Direito civil e processual civil. Recursos especiais interpostos por ambas as partes. Reparação por danos materiais e morais. Descumprimento dos deveres conjugais de lealdade e sinceridade recíprocos. Omissão sobre a verdadeira paternidade biológica. Solidariedade. Valor indenizatório. – Exige-se, para a configuração da responsabilidade civil extracontratual, a inobservância de um dever jurídico que, na hipótese, consubstancia-se na violação dos deveres conjugais de lealdade e sinceridade recíprocos, implícitos no art. 231 do CC/16 (correspondência: art. 1.566 do CC/02). – Transgride o dever de sinceridade o cônjuge que, deliberadamente, omite a verdadeira paternidade biológica dos filhos gerados na constância do casamento, mantendo o consorte na ignorância. – O desconhecimento do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados durante o casamento atinge a honra subjetiva do cônjuge, justificando a reparação pelos danos morais suportados. – A procedência do pedido de indenização por danos materiais exige a demonstração efetiva de prejuízos suportados, o que não ficou evidenciado no acórdão recorrido, sendo certo que os fatos e provas apresentados no processo escapam da apreciação nesta via especial. – Para a materialização da solidariedade prevista no art. 1.518 do CC/16 (correspondência: art. 942 do CC/02), exige-se que a conduta do "cúmplice" seja ilícita, o que não se caracteriza no processo examinado. – A modificação do valor compulsório a título de danos morais mostra-se necessária tão-somente quando o valor revela-se irrisório ou exagerado, o que não ocorre na hipótese examinada. Recursos especiais não conhecidos”. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 742.137/RJ/ Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 21.08.2007/ Publicado no DJ em 29.10.2007, p. 218).
Uma visão ainda mais vanguardista que vem, de maneira paulatina, ganhando força faz menção à versão virtual, quando um relacionamento erótico-afetivo é entretido por meio da internet, e se a comunicação permitir, pode acarretar enlaces que desemboquem em uma relação sexual, materializando o adultério. “Tanto um fato quanto o outro são relevantes ao Direito, porque podem levar à separação causal do casamento ou à dissolução da união estável. São variáveis as causas motivadoras dos relacionamentos virtuais, alguns porque se aventuram na prática de conhecer outras pessoas”[17], ao passo que outros busquem superar o tédio e a solidão, existem aqueles que ambicionam uma maior gratificação em seus relacionamentos pessoais. Trata-se, com efeito, de situação decorrente das inovações tecnológicas e que necessitarão de amparo jurídico, notadamente em razão das consequências advindas dos relacionamentos cibernéticos.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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