Resumo: Este trabalho propõe o estudo da relação entre Direito e moral, a qual compreende o fundamento da (in)utilidade dos argumentos morais nas decisões judiciais. A moral por vezes determina (in)equivocadamente as decisões judicias, hipótese de pesquisa que orientou a análise da decisão do Supremo Tribunal Federal – STF –, ADI nº 3.510/DF, afim de conferir a (im)pertinência das referências morais utilizadas pela corte brasileira. Propõem-se, assim, por meio do método fenomenológico-hermenêutico, precedido da revisão teórica na literatura especializada, analisar a decisão do STF entendida, arbitrariamente, como moralmente controversa visto que provocou debates públicos sobre questões aparentemente morais. Verificou-se para os fins do trabalho, especialmente, a utilização de conceitos e elementos extrajurídicos apresentados na fundamentação dos votos da decisão que deu solução às controvérsias morais submetidas ao Direito. Assim, o tema ora tratado, envolve a incidência de princípios constitucionais que, na sua condição, guardam relação direta com questões morais e fazem do arcabouço normativo um colóquio da problemática envolvendo a (in)correta judicialização da moral.
Palavras-chave: Moral. Filosofia do direito. Célula-Tronco. Constituição. ADI 3.510.
Abstract: This paper aims to study the relation between Law and moral in the Brazilian legal order, which comprehends the fundament of (in)utility of moral arguments in the legal decisions. Sometimes the moral determines (un)mistakenly the legal decisions, research hypothesis that lead the analysis of decisions from the Supreme Federal Court – STF -, ADI nº 3.510/DF, considering grant the (in)pertinence of moral references used in the Brazilian Court. Those propose themselves to, trough the phenomenological-hermeneutic method, preceded from the theory review in specialized literature, analyzing the know decision from STF, arbitrarily, like morally controversial since those result in public debates over apparently moral questions. Have been consider for the paper dues, especially, the use of extrajudicial concepts and elements presented in the substantiation in the votes of the decision, which gave solutions to the moral controversies, which Law is submitted to. So, the subjects sometimes treated, involve the incidence of constitutional principles which, in their condition, keep direct relation with moral questions and make from the normative outline a colloquy of problematic involving a (in)correct judicialization of moral.
Keywords: Moral. Law philosophy. Stem Cell. Constitution. ADI 3.510.
Sumário: Introdução. 1. As Relações Entre Direito e Moral. 2. Lei De Biossegurança ADI nº 3.510: O Princípio Da Dignidade Humana. Conclusão. Referências.
Introdução
Com o avanço da ciência genética, a Ética tornou-se protagonista de discussões judiciais e colocou na pauta do Poder Judiciário controvérsias em torno das pesquisas com células-tronco, utilização de medicamentos não testados e alimentos geneticamente modificados.
O conteúdo das controvérsias acima referidas abrangem as relações entre Direito e moral, razão pela qual são capazes de gerar infindos questionamentos éticos, bem como essas mesmas controvérsias são incapazes de determinar respostas jurídicas conclusivas sobre os dilemas práticos que as envolvem.
Aliás, as pesquisas supramencionadas ilustram a própria relação que envolve a moralidade no Direito, especialmente no que se refere às questões e desafios paradigmáticos da convivência conflituosa entre Direito positivo e argumentos morais.
Quando juízes, políticos ou cidadãos são chamados para dar suas opiniões sobre alguns temas polêmicos envolvendo o Direito, geralmente nos deparamos com respostas como “Eu sou pessoalmente contra a pesquisa com células-tronco, porque a vida é sagrada”, “A Constituição garante a liberdade científica”, "Com esta decisão o STF fez justiça", “A proibição da pesquisa com embriões é uma questão de respeito à dignidade humana”.
Nesse sentido, correspondente às perspectivas supramencionadas existe um problema relevante ao enfrentamento doutrinário que acompanha a doutrina jurídica, qual seja as (in)pertinentes relações entre Direito e moral.
Essas relações carregam um elemento em comum, qual seja a confusão existente entre noções jurídicas e extrajurídicas, as quais dificultam uma plena distinção entre argumentos jurídicos e argumentos morais.
Neste contexto, os problemas das relações entre Direito e moral, sobretudo em torno dos argumentos favoráveis e contrários acerca das pesquisas com células-tronco, apreciada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 3.510/DF, foi o pressuposto objetivo que fundou as interrogações deste trabalho.
1. As Relações Entre Direito e Moral
É inegável que a relação do Direito com outras teorias filosóficas acompanhe normalmente uma cadeia de argumentos controvertidos. Também, não é por mera impertinência que as discussões da doutrina permanentemente embatem sobre a influência de outras esferas ao Direito, ao ponto de questionarem o poder das implicações éticas de determinar (in)equivocadamente as questões jurídicas. Nesse contexto está inserida a moral, sendo que a sua relação com o Direito, ao juízo de Kaufmann (2000, p. 47), “[…] forma parte de las cuestiones más controvertidas de la Filosofiá del Derecho”.
Basicamente, a controvérsia cinge nas diversas teses sobre as relações entre Direito e moral abarcarem distintos entendimentos, na sua maior parte, verificam-se em relação à convergência entre os mandamentos jurídicos e morais (identidade); sobre a concepção das regras jurídicas constituídas por questões centrais das regras morais (Ética no Direito); no tocante às regras morais formarem o ponto central do Direito, que por si abrange outras variadas normas que desprezam questões morais (influência mínima da moral no ordenamento); sobre regras da doutrina jurídica que possuem semelhanças com as regras morais, sendo impossível criar e interpretar o Direito sem considerar os efeitos da moral (conexão entre Direito e moral); e a doutrina que aponta os elementos constitutivos da moral e Direito plenamente separados (DIMOULIS, 2003, p. 107).
É lógico perceber que entre os fundamentos das relações supramencionadas existem pontos que são motivos de divergência por parte da doutrina do Direito. Para isso ficar mais claro basta elencar algumas das posições defendidas por autores que abordam o tema em suas obras.
Nesse sentido, a relação entre Direito e moral, da perspectiva do positivismo, é discutida na doutrina de Alf Ross (1899-1979). Para esse jurista dinamarquês a problemática estabelecida entre Direito e moral é equivocada quando apresentada em formato comparativo de sistemas de normas, porque é importante “[…] mostrar como está relacionado o sistema institucional do direito com as atitudes morais individuais que predominam na comunidade jurídica” (ROSS, 2000, p. 89).
Ademais, Ross (2000, p. 89) ressalta a necessidade de uma harmonia entre o Direito e a moral em razão dos seus fundamentos comuns, bem como salienta a existência de uma cooperação prática entre as atitudes morais e o ordenamento jurídico, sendo que as decisões judiciais podem constituir fatores influentes ao meio social.
Entretanto, Ross (2000, p. 90) explica que a moral não pode ser racionalizada em regras concretas, organizadas conforme simples conceitos, uma vez que os fundamentos morais não podem ser aceitos de forma universal e absoluta. Esses fundamentos exigem sempre uma adaptação à luz de variantes fáticas.
A doutrina positivista de Ross no ponto em que aborda o tema da experiência moral faz lembrar a chamada pretensão de correção de Robert Alexy. Nesse sentido, Ross afirma que “A experiência moral sempre assume suas manifestações mais vivas na decisão concreta ajustada a uma situação particular e a esta situação exclusivamente” (ROSS, 2000, p. 90).
Portanto, na medida em que a moral envolve um “ajustamento” do direito aos casos concretos, bem como abarcando a racionalização da moral em função de conceitos jurídicos, as relações entre a moral e o Direito “[…] se encontram em perpétuo e indissolúvel conflito” (ROSS, 2000, p. 90).
A doutrina de Ross é reveladora e em uma perspectiva idealista apresenta um elemento circunstancial para o tema pesquisado neste trabalho, qual seja a diferença entre Direito e moral, a qual é assim expressa (ROSS, 2000, p. 90):
“[…] enquanto a norma moral se origina da pura razão, inclusive no seu conteúdo, a validade do direito se vincula a um conteúdo terreno e temporal – o direito positivo com seu conteúdo historicamente determinado. A moral é pura validade; e o direito é simultaneamente fenômeno e validade, uma intersecção entre a realidade e a idéia, ou a revelação de uma validade da razão no mundo da realidade”.
Com essas variantes do idealismo, Ross busca firmar que o conhecimento do Direito não visa determinar uma descrição das questões factuais, ao contrário, empreende atenção às questões de validade jurídica (ROSS, 2000, p. 92). O autor complementa que a validade normativa não pode ser vista como originada de um fato natural, mas sua origem precisa advir de uma norma fundamental.
Outra expressiva visão doutrinária, capaz de interpretar com singularidade o tema das relações entre Direito e moral é a doutrina de Ronald Dworkin (1931-2013). Para esse autor, em síntese, o Direito – diferentemente do ideal positivista – em sua essência não é independente da moral.
Desse modo, Dworkin afirma que as diversas correntes de abordagem do Direito fracassaram por ignorar que as principais causas dos problemas relacionados à teoria do Direito dizem respeito, em resumo, aos princípios morais e não exatamente aos modelos ou fatos jurídicos (DWORKIN, 2002, p. 12).
Da mesma forma, segundo Dworkin (2002, p. 12), torna-se impossível identificar o verdadeiro conteúdo do Direito no tocante às regras e princípios, sem valer-se da moral e da política, uma vez que “[…] para ser bem sucedida a teoria do direito, deve trazer à luz esses problemas e enfrenta-los como problemas de teoria moral”. Logo, para a descrição de regras e princípios é necessária sua justificação à luz de preceitos morais da sociedade.
Da perspectiva dos princípios morais de Dworkin, surge a necessidade de uma aproximação pontual à doutrina de Robert Alexy (1945-).
Na tese de Alexy (1993, p. 43), a relação entre Direito e moral cinge em uma espécie de relação necessária, o que em contrapartida supõe-se de imediato a insuficiência do positivismo jurídico como teoria geral do Direito.
Consequentemente, a definição de Direito em Alexy (2004, p. 24) compreende a “[…] estrutura de um sistema social que se baseia na generalização congruente de expectativas normativas de comportamento […]”, sendo que estas expectativas são referentes a um grupo social de determinada época. Assim, Alexy entende que o Direito dentro dos limites de uma ordem jurídica deve compreender o todo da sociedade. Portanto, existe uma conexão básica e necessária entre Direito e moral.
Com base no exposto, o entendimento de Alexy (1994, p. 29):
“[…] primero, existe una conexión conceptualmente necesaria entre derecho y moral y, segundo, hay razones normativas que hablan en favor de una inclusión de elementos Morales en el concepto de derecho que, en parte, refuerzan la conexión conceptualmente necesaria y, en parte, van más allá de ella; dicho brevemante: existen conexiones conceptual y normativamente necesarias entre derecho y moral”.
Sob a ótica da citada conexão, as normas morais são responsáveis por conter a presença da ideia de justiça, mesmo que em concepções distintas (KELSEN, 2003, p. 04). Logo, as normas morais somadas ao Direito, em Alexy, buscam a ideia de justiça.
Ademais, Alexy (1994, p. 78) assinala que no Direito existem casos-problemas e que, para solucioná-los, é imprescindível a ponderação de princípios, que por sua vez são elementos essenciais em qualquer ordem jurídica.
Não obstante, a presença de princípios no ordenamento jurídico corresponde à já referida conexão necessária entre Direito e moral, porque “[…] todos los sistemas jurídicos contienen necesariamente principios. Esto basta como base para la fundamentación de una conexión necessária entre derecho y moral a través del argumento de los principios” (ALEXY, 1994, p. 79).
Como visto, ao contrário do que muitos profissionais da área jurídica acreditam, o Direito é muito mais do que um grande sistema de normas positivadas, isento de influências morais e políticas, porque, entre outros fatores, os debates judicias constitucionais continuam, intermitentemente, sendo acompanhados por argumentos de natureza extrajurídica.
Nesse sentido, a controvérsia moral acerca das pesquisas com células-tronco reúne de uma só vez importante debate de ordem ética, jurídica e científica. Por isso, não é difícil perceber que a ciência do Direito está envolvida por dilemas morais, políticos e filosóficos, que por sua vez podem gerar (in)eficácia de alguns direitos e garantias previstos na ordem constitucional.
Além disso, as soluções jurídicas podem parecer simples diante de um ordenamento jurídico amplamente codificado – por meio de leis, princípios constitucionais, regulamentos e precedentes constitucionais –, entretanto o conflito existente entre as circunstâncias que envolvem ações concretas de caráter protagonista em contrapartida ao resignado dogmatismo jurídico torna as análises judicias mais densas e o exame das implicações dos efeitos decisórios na sociedade ainda mais complexa.
2. Lei De Biossegurança ADI nº 3.510: O Princípio Da Dignidade Humana
A constante relação dos imperativos da moral com o Direito tem como consequência concreta a aproximação de princípios constitucionais. Nesse sentido, o direito à vida se comunica diretamente com a dignidade humana, porque o valor do substrato vida digna está protegido na ordem jurídica constitucional brasileira (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012, p. 353).
Sobre o direito à vida e a dignidade da pessoa humana, Sarlet (2012, p. 354) observa que a “[…] vida e dignidade são grandezas (valores, princípios, direitos) que não podem ser hierarquizados em abstrato, respeitando-se, ademais, a sua pelo menos parcial autonomia no que diz com seus respectivos âmbitos de proteção”. Logo, não é possível afirmar que a moral está plenamente afastada de uma discussão que envolva o direito à vida e a sua relação com a dignidade humana, sendo que é exatamente sob o contexto dos princípios vida e dignidade que o Supremo Tribunal Federal enfrentou a ADI nº 3.510.
A Lei federal nº 11.105/2005 – lei da Biossegurança – por meio da disposição prevista em seu art. 5º, ensejou a propositura da ADI nº 3.510/DF de 29/05/08, a qual teve seus pedidos julgados improcedentes pelo Supremo Tribunal Federal.
Em síntese, a referida ação declaratória de inconstitucionalidade proporcionou uma discussão principalmente sobre temas polêmicos como (a) a inexistência do Direito à vida (violação da dignidade humana de embriões excedentes); (b) da descaracterização do aborto; e (c) da relação entre os limites impostos pela Ética e Direito nas pesquisas científicas.
Não obstante, as impugnações à Lei de Biossegurança questionavam a afronta da lei ao constitucionalismo fraternal imposto pela Constituição brasileira, a qual segundo a decisão do STF protege às relações humanas por meio dos valores da liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento científico, igualdade e da justiça (BRASIL, 2008, p. 03).
O julgamento do Supremo Tribunal Federal buscou qualificar de forma expressa que as pesquisas científicas, com os embriões referidos na Lei de Biossegurança (in vitro), não violam o direito à vida, porque os embriões não são exatamente uma pessoa humana – no sentido biológico – fisicamente constituída, especialmente por falta de terminações nervosas, elemento que não condiciona vida autônoma dos embriões (2008, p. 03).
De outra perspectiva, o julgamento do Supremo Tribunal (2008, p. 07) definiu que a própria Lei de Biossegurança possui proposições normativas com suficiência de cautela e restrições legais no tocante às pesquisas científicas, afastando qualquer mácula em relação às matérias religiosas, filosóficas e morais. Todavia, para o requerente (2008, p. 10) o art. 5º da Lei de Biossegurança viola o direito à vida, porque o embrião humano representa o próprio princípio da vida humana.
Ainda, o ministro relator (2008, p. 12) da referida ação constitucional exalta seu entendimento o qual considera a matéria em julgamento como de relevância social por ser de interesse de toda humanidade. Explica também (2008, p. 13) que diante das informações trazidas na audiência pública ficou constatada a existência de duas correntes em dissenso.
A primeira corrente compreende o embrião como um organismo biologicamente constituído de forma unilateral, sendo que a retirada (pesquisa) de células-tronco destrói a unidade do embrião no seu conjunto celular. Essa condição corresponderia em uma espécie de aborto, pois o embrião já seria um organismo humano vivo. Logo, para a primeira corrente, em qualquer estágio do processo de vida deve-se atenção jurídica ao embrião (2008, p. 14).
Os fundamentos referidos na primeira corrente são semelhantes aos argumentos utilizados por Peter Singer (2012, p. 166), o referido autor ao abordar o tema dos embriões assinala que o argumento “[…] contra experiências com embriões se fundamenta em uma das duas afirmações […] de que o embrião tem direito à proteção por ser um ser humano, ou a de que o embrião tem direito à proteção por ser um ser humano em potencial”.
De outra parte, uma segunda corrente (2008, p. 15) presente no julgamento do STF entende pela prioridade das pesquisas, pois acredita nos resultados científicos positivos que podem ser alcançados inclusive em prazos médios. Defendem que as pesquisas não possuem impedimentos morais, porque embora o embrião seja qualificado como um organismo vivo não pode ser igualado a uma forma de vida autônoma (somente se transforma combinado com uma série de questões biológicas, por exemplo, a permanência no útero por determinado período). Assim, o relatório da decisão apresentou controvérsia até mesmo por parte dos pesquisadores, o que ensejou uma dicotomia de visões científicas sobre o tema.
O ministro relator Ayres Britto (2008, p. 19) manifesta-se primeiramente afirmando que os temas discutidos na ADI nº 3.510 devem ser encarados somente à luz do Direito, todavia não esconde que o tema da ADI é “[…] multidisciplinar, na medida em que objeto de estudo de numerosos setores do saber humano formal, como o Direito, a filosofia, a religião, a ética, a antropologia e as ciências médicas e biológicas”.
Da perspectiva do direito constitucional brasileiro, Ayres Britto (2008, p. 30) entende que as disposições normativas pertinentes para o caso não incluem o embrião no sentido de um organismo pleno (constituído em circunstancias físicas, morais e espirituais). Logo, não há o que falar em defesa da dignidade humana do embrião ou sobre a mesma proteção conferida aos direitos e garantias do indivíduo pleno (2008, p. 31).
Neste ponto, o entendimento do ministro Ayres Britto converge com a interpretação doutrinária de Ingo Sarlet, porque o referido autor acredita que a dignidade humana não exige obrigatoriamente um respeito absoluto à vida (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012, p. 354).
Nesse sentido, assinala o ministro Ayres Britto que a constituição não faz de todo “[…] e qualquer estágio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva e, nessa condição, dotada de compostura física ou natural” (2008, p. 32).
Outrossim, o ministro relator conclui que os princípios constitucionais, especialmente o princípio da dignidade humana não deve transcender o nascimento com vida para fins de proteger embriões (2008, p. 36) e afirma ser evidente que o Direito protege por diversos meios cada etapa do desmembramento biológico da vida humana (2008, p. 34), mas que não é correto confundir realidades, pois “[…] as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Esta não se antecipa à metamorfose dos outros dois organismos” (2008, p. 39).
Na sequência do voto, o ministro Ayres Britto (2008, p. 48) enfatiza que a discussão precisa ter em vista que a Lei de Biossegurança não autoriza, em nenhuma hipótese, a remoção de embriões do corpo feminino e sim a autorização legal veicula apenas para pesquisas externas ao corpo humano, situação que afasta qualquer espécie de hipótese abortiva.
Outro argumento utilizado pelo relator consiste na questão pela qual os embriões não possuem ligação afetiva com a mulher gestante (2008, p. 55), todavia em se tratando de um feto a questão é vista de outra perspectiva, pois o feto – ao contrário de um embrião – possui todo um processo de ligação sentimental com a gestante (2008, p. 57).
Por fim, o ministro relator critica um Direito limitado, o qual seja indiferente às realidades sociais. Logo, Ayres Britto afirma (2008, p. 74) que sua decisão considerou a ótica pós-positivista, está voltada especialmente aos imperativos da ética humanista e justiça material.
Com uma visão oposta ao relator, o ministro Menezes Direito (2008, p. 104) inicia seu voto dizendo que “Trata-se, ao contrário, de decidir uma questão sob o ângulo jurídico, o que não afasta a necessidade de buscar perspectiva interdisciplinar considerando valores apropriados que não se esgotam em um só segmento do conhecimento humano”.
Ademais, Menezes Direito (2008, p. 105) sintetiza que a Lei federal nº 11.105/2005 é plenamente compatível com a Constituição, no que se refere à proteção do direito à vida e a dignidade humana dos embriões, mas a ADI nº 3.510 – mesmo posta em plano constitucional – precisa ser vista também por meio de valores éticos.
A afirmação do ministro confere força à tese da influência equivocada da moral no julgamento do STF, porque a utilização de valores éticos confere subjetividade ainda maior ao tema em discussão, uma vez que o direito à vida e suas implicações torna-se problemático pelo fato de que cada indivíduo possui valores próprios sobre a vida humana, o que gera, naturalmente, interpretações morais antagônicas (DWORKIN, 2003, p. 98).
Porém, para o ministro Menezes Direito (2008, p. 122) a interferência moral parece não incomodar, porque para ele a questão crucial da discussão judicial é saber se o embrião tem o mesmo valor humano de um feto. Da mesma forma, o referido ministro (2008, p. 124) considera um equívoco a colocação de um marco na reprodução humana, capaz de determinar quem possui ou não direitos, porque existem atos contínuos no processo de desenvolvimento vital dos embriões, questão a qual supostamente concederia defesa constitucional aos mesmos.
De qualquer modo, Menezes Direito considera (2008, p. 131) que diante de um dissenso científico e jurídico internacional sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal não poderia simplesmente declarar inconstitucional ou não determinada lei, sob o perigo de produzir uma decisão socialmente repudiada.
O que se constata é que o voto do ministro Menezes Direito se utiliza de argumentos que extrapolam os limites jurídicos, porque o referido ministro acredita (2008, p. 132) que a própria biologia e as pesquisas que envolvem vida humana devem ser subordinadas “[…] a valores éticos. Estes valores devem prevalecer sobre os argumentos meramente utilitaristas ou sobre aqueles que pretendem tornar ilimitada a busca científica”.
Por conseguinte, Menezes Direito (2008, p. 133) assevera que cientistas não podem discutir os limites da ciência na qualidade de cientistas. Para tanto, precisam usar-se da condição de cidadãos.
Assim, sempre por meio de uma base argumentativa extrajurídica, o ministro (2008, p. 134) aponta que atitudes as quais envolvam a vida, morte e sofrimento devem ser avaliadas da perspectiva dos valores humanos. Logo, para o ministro Menezes Direito, os argumentos técnicos favoráveis às pesquisas não são suficientemente relevantes por si mesmos sem ponderação aos valores da ética.
Por fim, Menezes Direito utiliza como argumento uma conhecida máxima kantiana, que ao seu juízo consiste no princípio moral de não colocar em jogo o sacrifício dos meios para atingir determinados fins (2008, p. 153). Esse pensamento deve-se, essencialmente, pelo motivo de acreditar que as promessas de eventuais resultados médicos positivos, através das pesquisas científicas, são circunstâncias insuficientes para autorizar manipulação científica de embriões.
Nessa perspectiva moral, Menezes Direito vota pela procedência parcial dos pedidos da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, referindo que:
“Simplificar a solução pela justificativa utilitarista é criar para a humanidade opções que esmagam a dignidade da pessoa humana. Se pelo bem praticamos o mal, se para salvar uma vida negamos outra, ficará sem salvação o homem, que estará aguardando a sua vez de ser sacrificado. Os cientistas, sejam os da área médica, sejam os da área biológica, sejam os da área jurídica, não podem, diante de seus compromissos com o futuro da humanidade, cair no abismo do utilitarismo. As opções que fazemos no mundo científico não serão exitosas pelos resultados que alcançarmos se esses resultados ferirem valores éticos que não são contingentes. Para viver com esses valores será necessário muitas vezes morrer por eles. Assim, para sermos dignos da vida, devemos valorizar a vida” (2008, p. 153).
Com uma visão divergente ao entendimento de Menezes Direito, a ministra Cármen Lúcia (2008, p. 194), no início do seu voto, aponta a direção pela qual acredita ser a melhor maneira de julgar o tema em litígio, qual seja uma posição isenta de pressões sociais, bem como atrelada, essencialmente, à Constituição Federal.
Nesse sentido, Cármen Lúcia afirma que mesmo diante das inúmeras manifestações sociais, as quais a priori envolvem argumentos morais e religiosos o “[…] compromisso do juiz do seu dever de se ater à ordem constitucional vigente e de atuar no sentido de fazê-la prevalecer”.
Igualmente, a ministra rejeita argumentos decisórios distintos dos encontrados na Constituição Federal, para tanto assevera (2008, p. 196) que a “Emoção não faz direito, que é razão transformada em escolha jurídica”.
Seguindo uma linha de raciocínio semelhante a do ministro relator Ayres Britto, Cármen Lúcia raciocina (2008, p. 207) que “Mesmo o direito à vida haverá de ser interpretado e aplicado com a observação da sua ponderação em relação a outros que igualmente se põem para a perfeita sincronia e dinâmica do sistema constitucional”.
Com efeito, a ministra conclui que a Lei federal nº 11.105/2005 não apresenta hipóteses de inconstitucionalidades, bem como afasta a ideia do direito à vida como absoluto, visto que:
“Não há violação do direito à vida na garantia da pesquisa com células-tronco embrionárias, menos ainda porque o cuidado legislativo deixou ao pesquisador e, quando vier a ser o caso, ao cientista ou ao médico responsável pelo tratamento com o que da pesquisa advier, a exclusiva utilização de células-tronco embrionárias inviáveis ou congeladas há mais de três anos. Se elas não se dão a viver, porque não serão objeto de implantação no útero materno, ou por inviáveis ou por terem sido congeladas além do tempo previsto na norma legal, não há que se falar nem em vida, nem em direito que pudesse ser violado” (2008, p. 210).
Outrossim, ao defender a primazia da dignidade humana da mulher gestante, Cármen Lúcia (2008, p. 220) compreende a dignidade não só como um bem jurídico tutelado pela Constituição, mas também como uma própria concepção moral valorada à base de referências éticas. Ao contrário do pensamento do ministro Menezes Direito, Cármen Lúcia utiliza a máxima do kantismo (fins e meios) da perspectiva da gestante, sendo que a mulher não deve ser utilizada como um meio para fins de proteção de embriões (2008, p. 219).
Por fim, Cármen Lúcia (2008, p. 229) conclui pela improcedência dos pedidos veiculados na ação, consoante os fundamentos constitucionais do direito à vida e tendo como referência o princípio da dignidade humana.
Com uma visão distinta, o ministro Ricardo Lewandowski (2008, p. 270) refere-se, inicialmente, que o direito à vida precisa ser compreendido como um bem coletivo, pertencente à sociedade ou mesmo à própria humanidade, em vista dos riscos existentes em meio às pesquisas produzidas com o código genético humano.
Para corroborar essa ideia, Lewandowski (2008, p. 271) entende relevante partir do pressuposto de que o direito à vida “[…] não pode ser encarado, ao menos para o efeito da discussão que ora se trava, sob uma perspectiva meramente individual, devendo, ao revés, ser pensado como um direito comum a todos os seres humanos”.
Igualmente, Lewandowski (2008, p. 277) enfrenta o princípio da dignidade humana sob a ótica comum, com valoração coletiva “[…] porque, em sendo a dignidade humana a própria matriz unificadora dos direitos fundamentais, a começar do direito à vida, não pode ela ser considerada apenas um bem jurídico atribuído à determinada pessoa”.
Assim, o ministro Ricardo Lewandowski compreende as duas premissas – dignidade humana e direito à vida – como bens jurídicos coletivos, relativizando o elemento da autodeterminação. Logo, o referido ministro concentra sua análise decisória no sentido de vincular o conceito da dignidade da pessoa humana como limite valorativo, alcançando toda e qualquer relação social (2008, p. 278).
Desse modo, Lewandowski (2008, p. 281) considera a dignidade humana como um postulado normativo, o qual transcende o conceito de um princípio. Na verdade para o referido ministro a dignidade humana tem um papel singular, qual seja o de conferir real significado aos direitos fundamentais.
Partindo desse entendimento, Lewandowski rejeita o posicionamento (utilitarista) de que às pesquisas com embriões são válidas em função dos possíveis resultados médicos que alcançariam positivamente milhares de outras vidas. Para tanto, o ministro (2008, p. 307) utiliza o argumento moral kantiano “[…] de que "o valor moral de uma ação não reside no efeito que dela se espera", mas num "bem supremo e incondicionado" para o qual a vontade de um ser racional deve convergir”.
A partir do exposto, Lewandowski (2008, p. 314) considera a dignidade humana e o direito à vida, inexoráveis o bastante ao ponto de não serem relativizados. Por fim entende os pedidos da ação de inconstitucionalidade como parcialmente procedentes.
Com outra ênfase é o voto do ministro Eros Grau. Por meio de argumentos fundados nos depoimentos científicos apresentados perante o Supremo Tribunal Federal, o referido ministro profere um voto conciso, o qual cuida de racionalizar os temas conflitantes da Lei federal nº 11.105/2005.
Dentro dessa perspectiva, Eros Grau (2008, p. 321) afirma “Não tenho a menor dúvida: a pesquisa em e com embriões humanos e conseqüente destruição afronta o direito à vida e a dignidade da pessoa humana”. Todavia, Eros Grau acredita que essa razão não é capaz de conferir plena convicção de que a norma objeto da presente ação direta seja inconstitucional (2008, p. 321).
O ministro Eros Grau (2008, p. 323) explica que não existe conflito constitucional por parte da disposição jurídica do artigo 5º da Lei nº 11.105/05, pois (i) o embrião – da hipótese legislativa – não possui desenvolvimento vital pleno e (ii) não há vida humana no óvulo fecundado fora de um útero. Logo, o ministro não cogita a necessidade de proteção à vida e à dignidade dos embriões por apego à redação do artigo 5º da Lei nº 11.105/05, optando pela constitucionalidade da referida norma (2008, p. 326).
No mesmo trilhar é o voto do ministro Joaquim Barbosa, o qual opta pela validade jurídica da Lei de Biossegurança. O atual presidente do STF, em ocasião do julgamento da ADI nº 3.510 considerou a exceção ao direito à vida, tal como disposta no art. 5º da lei 11.105/2005, constitucional em vista da observância dos princípios constitucionais (2008, p. 339).
Através de um argumento consequencialista, Barbosa (2008, p. 341) considera que:
“A proibição tout court da pesquisa, no presente caso, significa fechar os olhos para o desenvolvimento científico e para os eventuais benefícios que dele podem advir, bem como significa dar uma resposta ética unilateral para uma problemática que envolve tantas questões éticas e tão diversas áreas do saber e da sociedade”.
Por fim, o ministro Joaquim Barbosa (2008, p. 341) acredita que a liberdade de investigação científica prevista na Lei de Biossegurança não viola a Constituição, sendo assim acompanha o voto do ministro relator, julgando improcedentes os pedidos da ADI nº 3.510.
Compreensão distinta da causa estudada é a do ministro Cezar Peluso, porque refuta os argumentos que considera impertinentes para o caso, como critérios normativos para definição do marco de vida ou morte; o argumento consequencialista que envolve a autorização das pesquisas científicas; e aplicação de normas subalternas à Constituição (2008, p. 343).
No que tange ao tema central do caso, Cezar Peluso (2008, p. 354) em defesa dos embriões suscita um argumento moral, afirmando estar convencido que os embriões – até os excedentes e congelados – possuem o que ele chama de atributo de humanidade:
“De minha parte, estou convencido de que o atributo de humanidade já está presente tanto no embrião, quanto nas demais fases do desenvolvimento da criatura. Mais do que o caráter e o sentido elementar da identidade da matéria-prima de que um e outro se compõem, o embrião em si constitui, como depositário dos ainda misteriosos princípios da vida, mais que procriação, a re-produção ou a multiplicação enquanto prolongamento mesmo das pessoas que lhe dão origem e, como tal, não pode deixar de ter a mesma natureza biológica e de compartilhar da mesma suprema dignidade moral e jurídica do ser humano. Essa é, aliás, a razão por que não é lícito reservar-lhe tratamento menos respeitoso sequer no campo jurídico”.
Assim, Peluso (2008, p. 358) se utiliza de uma condição biológica para conceder ao embrião – em princípio – a mesma valoração moral e tutela constitucional que é devida ao feto e ao homem biologicamente constituído. Todavia, Peluso afasta uma analogia perfeita entre homem e embrião, pois entende que o segundo possui apenas potencialidade para vida humana (2008, p. 361).
Nesse sentido, Cezar Peluso (2008, p. 371) acredita que não é válido comparar os embriões da Lei de Biossegurança com outras formas de vida, pois em nenhum plano, como o moral e jurídico existirá um equilíbrio. Logo, conclui pela improcedência dos pedidos, de modo que “Os embriões humanos ditos excedentários, não são, enquanto tais, sujeitos de direito à vida, nem guardam sequer expectativa desse direito” (2008, p. 371).
Para o ministro Celso de Mello (2008, p. 431) o caso é emblemático, devendo ser visto sob a ótica de um Estado laico, livre de influências religiosas, onde a separação constitucional entre Estado e igreja é plena.
Posta a preliminar, Celso de Mello (2008, p. 432) apresenta o que acredita ser o melhor critério para dirimir as implicações da ADI nº 3.510, qual seja aquele critério fundamentado no texto constitucional e nas leis infraconstitucionais ou também as razões de ordem social e pública estimuladas pelo avanço científico que tem o fim de possibilitar o tratamento de doenças.
Assim, o ministro Celso de Mello (2008, p. 448) entende que “[…] o art. 5º da Lei de Biossegurança não ofende o ordenamento constitucional, eis que a extração das células-tronco embrionárias ocorre antes do início da formação do sistema nervoso”, bem como visto que o embrião não possui semelhança ontológica com o nascituro. O referido ministro vota pela improcedência dos pedidos contidos na ADI (2008, p. 449).
Inicialmente, o ministro Gilmar Mendes entende ser necessário delimitar o alcance protetivo da Constituição em face dos direitos fundamentais, quando os mesmos tratam de temas polêmicos que “[…] transcendem os limites do jurídico e envolvem argumentos de moral, política e religião que vêm sendo debatidos há séculos sem que se chegue a um consenso mínimo sobre uma resposta supostamente correta para todos” (2008, p. 464).
Justamente para julgamento adequado de temas polêmicos, Gilmar Mendes assevera que é fundamental a participação de frentes políticas e sociais, as quais fizeram suas manifestações nas audiências públicas junto ao STF, pois “[…] fazem desta Corte também um espaço democrático. Um espaço aberto à reflexão e à argumentação jurídica e moral, com ampla repercussão na coletividade e nas instituições democráticas” (2008, p. 466).
Avançando em seu voto, Gilmar Mendes (2008, p. 493) destaca o papel de cautela que o Supremo Tribunal costuma tomar diante de situações complexas, no entanto existem casos em que “[…] a Corte não se atenta para os limites, sempre imprecisos, entre a interpretação conforme delimitada negativamente pelos sentidos literais do texto e a decisão interpretativa modificativa desses sentidos originais postos pelo legislador”.
Dessa perspectiva, o ministro Gilmar Mendes (2008, p. 496) entende não haver mácula constitucional com as pesquisas científicas que envolvem embriões. No entanto, acredita ser necessário um voto aditivo, pois no contexto do caso em análise uma simples declaração de constitucionalidade normativa poderia provocar um vazio jurídico. Logo, Gilmar Mendes (2008, p. 497) profere seu voto com uma "função reparadora", o qual declara a constitucionalidade do art. 5º, seus incisos e parágrafos, da Lei nº 11.105/2005, com a possibilidade da permissão da pesquisa com embriões ser condicionada “[…] à prévia autorização e aprovação por Comitê (Órgão) Central de Ética e Pesquisa, vinculado ao Ministério da Saúde”.
Por derradeiro, o STF – com maioria de votos – julgou improcedentes os pedidos da ação direta de inconstitucionalidade nº 3.510, por entender que as pesquisas com células-tronco embrionárias, nas hipóteses legais da Lei de Biossegurança, não infringem o direito à vida, bem como não violam a dignidade humana.
Conclusão
Como visto, a decisão judicial analisada reuniu uma variedade de fundamentos interdisciplinares, sendo que em boa parte dos votos os ministros do Supremo Tribunal Federal fundamentaram suas posições por meio de argumentos jurídicos e extrajurídicos.
Desse modo, restou evidente que o Supremo Tribunal Federal se utiliza de razões baseadas em preceitos morais, sociológicos, de conceitos e noções transcendentais, argumentos com natureza consequencialista, enfim, inúmeros pressupostos das relações entre Direito e moral.
Não obstante, a escolha do caso tratado neste trabalho foi primeiramente pautado no problema doutrinário no que se refere à arbitrariedade dos julgadores e segundo por entender que esse caso obteve ampla visibilidade na mídia, condição a qual foi determinante para o desenvolvimento de um estudo mais crítico.
Desse modo, especificamente no caso envolvendo a Lei da Biossegurança ou ADI nº 3.510/DF, os votos reuniram argumentos voltados para a controvérsia da medicina quanto ao conceito científico do indivíduo (embrião, feto e pessoa humana adulta) biologicamente constituído.
A mencionada ação apresentou ainda referência expressa sobre uma análise da perspectiva dos imperativos da Ética (tanto para a procedência quanto para a improcedência dos pedidos), os ministros se utilizaram também de argumentos de princípios morais, como a dignidade humana da mulher e dos embriões, argumentos da teoria moral de Kant (justificação dos fins), bem como de argumentos consequencialistas em face dos possíveis resultados positivos envolvendo as pesquisas científicas com células-tronco.
Dito isso, verifica-se que, em face da amplitude da esfera moral, suas concepções atemporais e da relação ontológica da moral com diversas facetas da vida do homem, inclusive com os ordenamentos jurídicos, inexiste a plena separação da moral e do Direito. Todavia, isso não significa um determinismo de um pelo outro.
Portanto, os efeitos gerados pelo constante sincretismo e correlação entre moral e Direito apresentam-se como a própria exigência da permanência dos valores morais no ordenamento jurídico, sendo que esses valores (inclusive no que se refere às noções variáveis do justo e injusto) reúnem disposições morais e jurídicas que promovem uma reunião de constantes capazes de condicionar, orientar e regulamentar comportamentos sociais e sistemas políticos de um Estado.
Assim, a moral pode ser responsável por determinar equivocadamente as decisões judiciais. No entanto, a medida para aferir sua efetiva responsabilidade vai depender dos argumentos e critérios em que se pautaram os julgadores, velando sempre e em essência pela primazia do respeito às leis e do clamor por decisões judicias amparadas na Constituição Federal.
Vê-se, por fim, que a justificação do Direito está condenada a um diálogo permanente com a moral, em que o Direito, de um lado, é um conceito interpretativo, e envolve, do outro, toda a moralidade; um conceito cooriginário às vezes significa um todo, às vezes uma parte, ao mesmo tempo é capaz de compreender o conjunto de valores históricos relativos aos deveres éticos e jurídicos.
Graduado no Curso de Direito da Faculdade Meridional – IMED, RS. Pós-Graduando na Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus – FDDJ, SP.
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