Resumo: O desenvolvimento do mercado imobiliário passou a exigir que as decisões judiciais contem com laudos de avaliação mais sofisticados e principalmente, mais atentos à realidade contemporânea à sentença.
Nas regiões com veloz desenvolvimento – mesmo que episódico – os laudos de avaliação se desatualizam com crescente rapidez, situação que finda sendo enfrentada em todas as ações judiciais, nas quais objetive o litígio o valor do patrimônio imobiliário ou a sua renda, ou ocorra caução ou penhora de imóvel.
A apuração do valor dos imóveis ou do rendimento respectivo exige o estudo de vários elementos[1] informativos e relevantes, de onde a essencialidade dos laudos periciais, cuja metodologia tem sido sofisticada, em prol do atendimento das sucessivas mutações econômicas (expressão de diversos fatores, evidentemente) vivenciadas no país e em especial, em alguns locais.
Os peritos enfrentam problemas complicados, de variadas ordens, podendo ser recordados de pronto, aqueles referentes à base de dados. Por exemplo, escrituras (que retratariam os valores entabulados pelos interessados diretos, certificando negócios efetivos) são de difícil ou dispendioso acesso e interpretação; é sempre presente a dúvida sobre os preços efetivamente praticados (que nem sempre são aqueles anunciados na propaganda).
Em adição, existem as surpresas decorrentes de novas obras locais, de movimentos ou pleitos de associações de moradores, da segurança[2] pública na região, de restrições ambientais, de novas disciplinas edilícias ou de decisões do governo local. Estas são poucas dentre as incontáveis ilustrações dos temas que sempre têm fortíssimas conseqüências sobre o valor dos imóveis.
Essa diversidade de alterações dos fatos tem provocado o envelhecimento precoce das avaliações, é possível observar. A engenharia identificou a questão, prevendo o Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia – IBAPE[3], que “Nos casos de exame de dados não contemporâneos, é desaconselhável a atualização do mercado imobiliário através de índices econômicos, quando não houver paridade entre eles, devendo, nesse caso, o preço ser atualizado mediante consulta direta à fonte”. Em outras palavras, a singela aritmética calçada em índices de inflação, pode levar a apuração de valor enganado, errado.
Convém anotar, não raros conceitos, ao longo dos anos, passaram a ser descartados nas perícias, tais como os porcentuais de remuneração (por anos e anos se teve como dogma, a fixação de aluguel correspondente a 10% a 12% anuais, sobre o valor do imóvel, embora tal não se praticasse, na verdade) e de resto, substituídos por mais modernos e por novas necessidades[4], findando contemplados em normas técnicas[5].
Aliás, na apuração e na apreciação de dados díspares, é forte condicionante do sucesso, a colaboração das partes, até para que não se redunde em erro[6], sendo clara a lei ao dispor sobre o acompanhamento da perícia pelas partes e a possibilidade de elas apresentarem quesitos suplementares durante as diligências periciais[7] ou mesmo, exigirem esclarecimentos. Curial, dessas atividades só decorrerá resultado concreto se assistidas as partes por especialistas[8], pois afinal, trata-se de apuração técnica.
Pois bem, enxerga-se sempre como solução possível, a formação da convicção judicial com elementos outros que não aqueles apuráveis e estampados somente nos laudos técnicos. É a aplicação no artigo 436, do Código Processual Civil: “O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos”.
Realmente, desde que o juiz identifique os fatos que formaram sua convicção, poderá apreciar livremente a prova (art. 131, do CPC) e, na elaboração lógica que resultará na sentença, utilizar-se-á das máximas de experiência[9] e dos fatos notórios, que independem de prova e hão de integrar a cultura do julgador, membro que é da coletividade que bem conhece tais inteligências e evidências[10].
Porém, a singela apreciação de outros elementos de prova em confronto com laudos cientificamente elaborados tem se mostrado tarefa árdua. Percebe-se, crescentemente, na incessante perseguição do valor exato e contemporâneo como pressuposto da distribuição da justiça, que tais elementos de convicção têm se prestado não à imediata fixação, pelo juiz, de valor divergente do alcançado em laudo, mas na base lógica da determinação de confecção de um novo laudo, aperfeiçoado e consentâneo com a realidade.
Sensível, a jurisprudência[11] (buscando base no artigo 683, do CPC) tem proclamado necessária nova avaliação:
a) Pois “a simples atualização pela correção monetária é inviável, uma vez que existem diferentes fatores que devem ser considerados para a fixação do valor de um bem” [12], impondo nova avaliação (a anterior, no caso, contava com cinco anos) mesmo após a arrematação em hasta pública, único meio de ser aquilatada a prática de preço vil, anotado que a arrematação se fizera por importe superior a 60% do valor atualizado da avaliação;
b) Distinguindo a atualização monetária, da avaliação: “Valor do bem penhorado. Atualização monetária. Legalidade de sua determinação de ofício, em nada equivalente a nova avaliação” [13];
c) Dando por excessivo o transcurso de “quase três anos” desde a avaliação e jogando luz sobre outras provas: “imperiosa a necessidade de atualização do valor da avaliação do bem levado à hasta pública, especialmente considerando que decorreu lapso temporal de quase três anos entre a avaliação e a realização da hasta pública, a fim de se evitar eventual enriquecimento sem causa do arrematante, em detrimento do executado” e aduzindo ser prudente a nova avaliação “sempre que houver evidências concretas de dessemelhança significativa entre a avaliação procedida e atualização”;
d) Se “além da avaliação imobiliária e reportagens acostadas pelo recorrente com vistas a demonstrar a valorização do imóvel, consta também certidão em que o Poder Público Municipal avalia o bem…” [14] em valor superior ao encontrado no laudo judicial, confrontando, portanto, a avaliação encartada naqueles autos judiciais com os outros elementos provados;
e) Quando “os elementos trazidos aos autos pelo agravante indicam provável defasagem no valor arbitrado pelo perito do juízo” [15], preferindo sanar a dúvida (“provável defasagem”) através da elaboração de novo laudo;
f) Porque “forçoso é convir que constitui fato notório que a Municipalidade de São Paulo implementou obras viárias de relevo na região em que situado o imóvel penhorado (…), que podem ter importado em valorização do bem em vulto que se denote incompatível com a mera atualização monetária da avaliação realizada há aproximadamente quatro anos”[16], trazendo conhecimento corrente aos autos e dando por demasiado o transcurso de “quase quatro anos” desde a elaboração do laudo, buscando justiça ao dispor “talvez, pelo tempo decorrido, a dúvida seja uma simples decorrência da flutuação do mercado. De qualquer modo, se impõe a realização de outra avaliação, através de laudo, com o fito de outorgar o justo valor ao bem, mesmo porque, a avaliação dispõe de estabilidade apenas relativa”;
g) Que “o pedido de reavaliação do bem é possível, haja vista a possibilidade de prolongamento por anos da fase que medeia a avaliação e a efetiva alienação do bem penhorado, sendo normal a eventual desvalorização ou valorização deste bem” [17], enfrentando assim a conseqüência do passar dos anos entre a avaliação e o leilão;
h) “Não bastasse o decurso de mais de cinco anos desde a avaliação, a parte devedora acostou aos autos, ainda, matérias acerca da valorização dos imóveis usados, nos anos de 2008 e 2009 (…), além de cotações de imóveis residenciais similares ao constrito” [18], ou seja, apreciando reportagens e pesquisas publicadas em jornais;
i) Diante da “apresentação de fatos novos que recomendam atualizar a avaliação à vista da alteração do zoneamento e da implantação em área vizinha de retroporto”, numa situação em que “agora, os co-executados trazem elementos relativos a fatos novos, dos quais pode ter decorrido uma grande valorização do imóvel e que podem fazer possível seu aproveitamento para satisfação da execução sem outros gravames para os devedores e podem tornar interessante a proposta de seu aproveitamento como área de preservação permanente, mais útil, do ponto de vista ambiental, do que o dinheiro que possa ser obtido em alienação judicial…”[19], analisando com eficácia, além da necessidade de nova avaliação, o binômio concernente ao efetivo interesse do credor e a menor onerosidade ao devedor;
j) “Para tornar a execução menos onerosa ao devedor (CPC, art. 620) o Juiz pode, de ofício, determinar nova avaliação do bem. Nada no art. 683 do CPC veda tal possibilidade” [20], buscando a sempre desejável supremacia da justiça.
Em suma, aos tradicionais motivos de nova avaliação, dentre eles sempre destacada a primazia do tempo (que hoje, apura-se com a contagem de pouquíssimos anos, quiçá meses, conforme a situação concreta) decorrido entre a avaliação e o ato expropriatório ou a conclusão judicial, as modernas circunstâncias com repercussão no valor dos imóveis e os cada vez mais acessíveis meios de informação, têm sido considerados como mote de novas avaliações, único meio de subsidiar decretos judiciais estritamente legais e justos.
Advogado, Membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico, da OAB/SP
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