1. Do conceito de ato administrativo
Com o escopo de servir como sustentáculo a posterior argumentação, faz-se necessário tecer, brevemente, alguns comentários acerca de ato administrativo, da sua classificação quanto à margem de escolha do administrador, bem como, estabelecer a diferenciação entre motivo e motivação.
Assim, traz-se à cola, inicialmente, um breve conceito de ato administrativo, como sendo o ato jurídico decorrente do exercício da função administrativa, sob um regime de direito público ou, como prefere Marçal Justen Filho, “é uma manifestação de vontade funcional apta a gerar efeitos jurídicos, produzida no exercício de função administrativa”.
2. Ato vinculado e ato discricionário
Ultrapassada a noção preliminar de ato administrativo, é pertinente mencionar que ele possui inúmeras classificações, que muitas vezes diferem de acordo com o posicionamento dos doutrinadores.
Uma das classificações é quanto a liberdade da Administração na prática do ato (ou seja, quanto à margem de escolha do administrador); segundo a qual os atos administrativos podem ser discricionários ou vinculados.
Contudo, cumpre mencionar que há uma parcela da doutrina pátria que desconsidera a existência de atos discricionários, sob égide do argumento de que nenhum ato pode ser assim considerado em sua íntegra.
Todavia, a maioria doutrinária leva em consideração a classificação em pauta.
Assim sendo, ato discricionário é aquele que a Administração pratica com certa margem de liberdade de decisão, visto que o legislador, não podendo prever de ante-mão qual o melhor caminho a ser tomado, confere ao administrador a possibilidade de escolha , dentro da lei.
É pertinente salientar, no entanto, que não se confunde margem de escolha com liberdade absoluta, pois o ato discricionário deve sempre respeitar os limites legais e, segundo aduz Odete Medauar “o próprio conteúdo tem de ser consentido pelas normas do ordenamento; a autoridade deve ter competência para editar; o fim deve ser o interesse público”. Portanto, o administrador não possui total liberdade, estando sempre balizado pelas imposições legislativas.
Em outro diapasão, ato vinculado é aquele em que a Administração não possui qualquer margem de liberdade de decisão, visto que o legislador pré-definiu a única conduta possível do administrador diante da situação, sem deixar-lhe margem de escolha.
Após a noção geral acerca de ato discricionário e ato vinculado, é pertinente tecer um panorama geral acerca de um dos elementos (ou requisitos) do ato administrativo, qual seja, o motivo.
3. Motivo e motivação do ato administrativo
Neste sentido, faz-se necessário mencionar que o motivo caracteriza-se como as razões de fato e de direito que autorizam a prática de um ato administrativo, sendo externo a ele, o antecedendo e estando necessariamente presente em todos eles.
Contudo, cumpre esclarecer que motivo não se confunde com motivação.
A motivação feita pela autoridade administrativa afigura-se como uma exposição dos motivos, a justificação do porquê daquele ato, é um requisito formalístico do ato administrativo. De acordo com Celso Antonio Bandeira de Mello “é a exposição dos motivos, a fundamentação na qual são enunciados (a) a regra de direito habilitante, (b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente, (c) a enunciação da relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado”.
4. Teoria dos motivos determinantes
No esteio das diferenças estabelecidas entre motivo e motivação, surge a teoria dos motivos determinantes, segundo a qual o motivo é um requisito tão necessário à prática de um ato, que fica “umbilicalmente” ligado a ele, de modo que se for provado que o motivo é falso ou inexistente, por exemplo, é possível anular-se totalmente o ato, ou seja, os motivos se integram à validade do ato.
Desta forma, uma vez enunciados os motivos pelo seu agente, mesmo que a lei não tenha estipulado a necessidade de enunciá-los, o ato somente terá validade se os motivos efetivamente ocorreram e justificam o ato.
5. DA NECESSIDADE DA MOTIVAÇÃO
Neste palco, surge a debatida discussão acerca de quando é ou não necessária a motivação de um ato administrativo.
Há variados posicionamentos a respeito do assunto, como: o de alargar a extensão de incidência da necessidade de motivação dos atos administrativos; o da obrigatoriedade de motivação apenas quando a lei impor; o da motivação ser sempre obrigatória; e, o da necessidade de motivação depender da natureza do ato, exigindo ou não a lei.
Com o escopo de sanar a discussão acerca do tema, é criada a Lei nº 9784 de 1999, estabelecendo em seu artigo 50 as situações em que os atos deverão necessariamente ser motivados:
“ Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V – decidam recursos administrativos;
VI – decorram de reexame de ofício;
VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.”
Embora a lei disponha expressamente os casos em que deve haver motivação, acredita-se que todo o ato discricionário deve ser necessariamente motivado.
No que tange ao ato vinculado, a lei já pré-definiu qual a única possibilidade de atuação do administrador diante do caso concreto. Assim, nas hipóteses não esculpidas na lei, em não havendo motivação, mas sendo possível se identificar qual o motivo, não há que se falar em vício, não havendo efetiva necessidade de motivação.
Entretanto, no que concerne aos atos discricionários,
entende-se pela sua necessária motivação, independente de designados ou não na lei; caso não motivado, estará eivado de vício, pendendo à conseqüente invalidação.
Defende-se tal posicionamento pois, no ato discricionário o administrador possui uma margem de liberdade de atuação e, como não se encontra na qualidade de detentor da coisa pública, mas de mero gestor dos anseios da coletividade, deve explicação à população como um todo, fazendo valer o princípio da publicidade sempre que houver qualquer margem de liberdade na tomada de decisões. Afinal, o fato de vivermos em um Estado Democrático de Direito confere ao cidadão o direito de saber os fundamentos que justificam o ato tomado pelo administrador.
Ressalta-se ainda que, se todas as decisões do Poder Judiciário, bem como as decisões administrativas dos Tribunais, devem necessariamente ser fundamentadas; há de ser motivado também o ato administrativo, principalmente o discricionário.
Ademais, destaca-se que a motivação deve ser sempre anterior ou concomitante a execução do ato, caso contrário, abrir-se-ia margem para a Administração, após a prática do ato imotivado e diante da conseqüente possibilidade de sua invalidação, inventar algum falso motivo para justificá-lo, alegando que este foi considerado no momento de sua prática.
Diante do exposto, defende-se a necessária motivação de todo o ato discricionário, de modo a fazer valer os princípios e valores basilares da Constituição pátria, como a democracia, a moralidade, a probidade administrativa e a publicidade, entre outros.
Assessora Jurídica do Gabinete da Secretaria de Estado da Fazenda do Paraná; Bacharéu em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba; Cursando Especialização em Direito Administrativo No Instituto Romeu Felipe Bacellar.
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