Acaba de ser promulgada a Lei nº. 12.737, publicada no Diário Oficial da União do dia 03 de dezembro de 2012 e que entrará em vigor depois de decorridos cento e vinte dias de sua publicação oficial. Ela dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos, alterando alguns dispositivos do Código Penal. Certamente, a nova lei deveu-se a um lamentável episódio que envolveu Carolina Dieckmann Worcman, atriz brasileira, célebre por suas atuações em diversas telenovelas e seriados da Rede Globo. Mais uma vez, vê-se como funciona na prática o nosso processo legislativo e a força da mídia e, em especial, das Organizações Globo!
Abstraindo-se este fato (inconteste, sem dúvidas), foi acrescentado ao Código Penal (finalmente respeitando-se o principio da reserva do código[1]) o art. 154-A, com a seguinte redação, ipsis litteris: “Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. § 1o Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput. § 2o Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico. § 3o Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. § 4o Na hipótese do § 3o, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos. § 5o Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra: I – Presidente da República, governadores e prefeitos; II – Presidente do Supremo Tribunal Federal; III – Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou IV – dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.” Em tais crimes, a ação penal é publica condicionada à representação, “salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos.” (art. 154-B).
Também os arts. 266 e 298 do Código Penal, passam a vigorar com nova redação: “Art. 266 (…). “§ 1o Incorre na mesma pena quem interrompe serviço telemático ou de informação de utilidade pública, ou impede ou dificulta-lhe o restabelecimento. § 2o Aplicam-se as penas em dobro se o crime é cometido por ocasião de calamidade pública.”; “Art. 298 (…) “Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, equipara-se a documento particular o cartão de crédito ou débito.”[2]
Pois bem.
Em vários trabalhos anteriores, tenho insistentemente pugnado contra o excesso de criminalização de condutas em nosso País, transformando aquilo que deveria ser a ultima ratio em prima ratio, basicamente pelo fato de que ao longo dos anos a ineficiência da pena de prisão mostrou-se de tal forma clara que chega a ser difícil qualquer contestação a respeito. Em nosso País, por exemplo, muitas leis penais puramente repressivas estão a todo o momento sendo promulgadas, quase sempre para satisfazer a opinião pública (previamente manipulada pelos meios de comunicação), sem que se atente para a boa técnica legislativa e, o que é pior, para a sua constitucionalidade. E, mais: o encarceramento como base para a repressão. Assim, por exemplo, ao comentar a lei dos crimes hediondos, Alberto Silva Franco afirma que ela, “na linha dos pressupostos ideológicos e dos valores consagrados pelo Movimento da Lei e da Ordem, deu suporte à idéia de que leis de extrema severidade e penas privativas de alto calibre são suficientes para pôr cobro à criminalidade violenta. Nada mais ilusório.”[3]
Certamente, na imensa maioria das vezes, de nada adiantam leis severas, criminalização excessiva de condutas, penas mais duradouras ou mais cruéis… Vale a pena citar Evandro Lins e Silva, que diz: “Muitos acham que a severidade do sistema intimida e acovarda os criminosos, mas eu não tenho conhecimento de nenhum que tenha feito uma consulta ao Código Penal antes de infringi-lo.”[4] O mesmo jurista, Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, em outra oportunidade afirmou: “precisamos despenalizar alguns crimes e criar punições alternativas, que serão mais eficientes no combate à impunidade e na recuperação do infrator (…). Já está provado que a cadeia é a universidade às avessas, porque fabrica criminosos, ao invés de recuperá-los.” “A prisão avilta, degrada e nada mais é do que uma jaula reprodutora de criminosos”, informando que no último congresso mundial de direito criminal, que reuniu mais de 1.000 criminalistas de todo o mundo, “nem meia dúzia eram favoráveis à prisão.”[5]
Ademais, a nossa realidade carcerária é preocupante; os nossos presídios e as nossas penitenciárias, abarrotados, recebem a cada dia um sem número de indiciados, processados ou condenados, sem que se tenha a mínima estrutura para recebê-los; e há, ainda, milhares de mandados de prisão a serem cumpridos; ao invés de lugares de ressocialização do homem, tornam-se, ao contrário, fábricas de criminosos, de revoltados, de desiludidos, de desesperados; por outro lado, a volta para a sociedade (através da liberdade), ao invés de solução, muitas das vezes, torna-se mais uma via crucis, pois são homens fisicamente libertos, porém, de tal forma estigmatizados que tornam-se reféns do seu próprio passado.[6] Hoje, o homem que cumpre uma pena ou de qualquer outra maneira deixa o cárcere encontra diante de si a triste realidade do desemprego, do descrédito, da desconfiança, do medo e do desprezo, restando-lhe poucas alternativas que não o acolhimento pelos seus antigos companheiros; este homem é, em verdade, um ser destinado ao retorno: retorno à fome, ao crime, ao cárcere (só não volta se morrer).
Bem a propósito é a lição de Antônio Cláudio Mariz de Oliveira: "Ao clamar pelo encarceramento e por nada mais, a sociedade se esquece de que o homem preso voltará ao convívio social, cedo ou tarde. Portanto, prepará-lo para sua reinserção, se não encarado como um dever social e humanitário, deveria ser visto, pelo menos, pela ótica da autopreservação." (Folha de São Paulo, 06/06/2005). Na mesma linha, o Professor de Sociologia da Universidade de Oslo, Thomas Mathiesen avalia que “se as pessoas realmente soubessem o quão fragilmente a prisão, assim como as outras partes do sistema de controle criminal, as protegem – de fato, se elas soubessem como a prisão somente cria uma sociedade mais perigosa por produzir pessoas mais perigosas -, um clima para o desmantelamento das prisões deveria, necessariamente, começar já. Porque as pessoas, em contraste com as prisões, são racionais nesse assunto. Mas a informação fria e seca não é suficiente; a falha das prisões deveria ser ‘sentida’ em direção a um nível emocional mais profundo e, assim fazer parte de nossa definição cultural sobre a situação.”[7]
Ademais, as condições atuais do cárcere, especialmente na América Latina, fazem com que, a partir da ociosidade em que vivem os detentos, estabeleça-se o que se convencionou chamar de “subcultura carcerária”, um sistema de regras próprias no qual não se respeita a vida, nem a integridade física dos companheiros, valendo intra muros a “lei do mais forte”, insusceptível, inclusive, de intervenção oficial de qualquer ordem. Já no século XVIII, Beccaria, autor italiano, em obra clássica, já afirmava: “Entre as penalidades e no modo de aplicá-las proporcionalmente aos crimes, é necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no espírito público a impressão mais eficiente e mais perdurável e, igualmente, menos cruel no organismo do culpado.”[8]
Por sua vez, Marat, em obra editada em Paris no ano de 1790, já advertia que “es un error creer que se detiene el malo por el rigor de los suplicios, su imagen se desvanece bien pronto. Pero las necesidades que sin cesar atormentan a un desgraciado le persiguen por todas partes. Encuentra ocasión favorable? Pues no escucha más que esa voz importuna y sucumbe a la tentación.”[9]
Esquece-se com muita facilidade que o modelo clássico de Justiça Penal vem cedendo espaço para um novo modelo penal, este baseado na idéia da prisão como extrema ratio e que só se justificaria para casos de efetiva gravidade. Em todo o mundo, passa-se gradativamente de uma política “paleorrepressiva” ou de hard control, de cunho eminentemente simbólico (consubstanciada em uma série de leis incriminadoras, muitas das quais eivadas com vícios de inconstitucionalidade, aumentando desmesurada e desproporcionalmente a duração das penas, inviabilizando direitos e garantias fundamentais do homem, tipificando desnecessariamente novas condutas, etc.) para uma tendência despenalizadora. Como afirma Jose Luis de la Cuesta, “o direito penal, por intervir de uma maneira legítima, deve respeitar o princípio de humanidade. Esse princípio exige, evidentemente, que se evitem as penas cruéis, desumanas e degradantes (dentre as quais pode–se contar a pena de morte), mas não se satisfaz somente com isso. Obriga, igualmente, na intervenção penal, a conceber penas que, respeitando a pessoa humana, sempre capaz de se modificar, atendam e promovam a sua ressocialização: oferecendo (jamais impondo) ao condenado meios de reeducação e de reinserção.”[10]
Portanto, fazemos questão de reafirmar, ainda que sendo repetitivos, que o Direito Penal não deve ser utilizado para incriminar toda e qualquer conduta ilícita (atentando-se para o princípio da intervenção mínima[11]), devendo, diversamente, ser resguardado para situações limites, pois só assim terá “um papel bastante modesto e subsidiário de uma política social de largo alcance, mas nem por isso menos importante. Uma boa política social (inclusive ambiental, diríamos nós), ainda é, enfim, a melhor política criminal”, como afirma Paulo de Souza Queiróz.[12]
Porém, no caso da nova lei, e fazendo questão de ressalvar a existência de alguns defeitos de ordem dogmática (que certamente serão apontados mais acertadamente pelos penalistas críticos e atentos à Constituição Federal), desde há muito entendíamos como absolutamente necessária a promulgação de normas penais especiais a respeito dos chamados crimes informáticos. Repetimos que, nada obstante ser indiscutível que a prisão em todo o mundo passa por uma crise sem precedentes – e que a idéia disseminada a partir do século XIX segundo a qual a prisão seria a principal resposta penológica na prevenção e repressão ao crime perdeu fôlego, predominando atualmente “uma atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional”, como pensa Cezar Roberto Bitencourt.[13] – o certo é que desta vez agiu corretamente o legislador.
Se também concordamos com Hulsman que “em inúmeros casos, a experiência do processo e do encarceramento produz nos condenados um estigma que pode se tornar profundo. Há estudos científicos, sérios e reiterados, mostrando que as definições legais e a rejeição social por elas produzida podem determinar a percepção do eu como realmente ‘desviante’ e, assim, levar algumas pessoas a viver conforme esta imagem, marginalmente. Nos vemos de novo diante da constatação de que o sistema penal cria o delinqüente, mas, agora, num nível muito mais inquietante e grave: o nível da interiorização pela pessoa atingida do etiquetamento legal e social”[14], reconhecemos, mais uma vez, que era urgentemente preciso uma legislação específica para criminalizar condutas como tais.
Ora, vivemos há muito (para o bem e para o mal, sem maniqueísmos, por favor!) uma nova ordem mundial, a partir da “descoberta de que a terra se tornou mundo, de que o globo não é mais apenas uma figura astronômica, e sim o território no qual todos encontram-se relacionados e atrelados, diferenciados e antagônicos – essa descoberta surpreende, encanta e atemoriza”.[15] As fronteiras nacionais, de certa forma e em certa medida, diluíram-se, tudo a indicar que “o sistema social mundial” está “em movimento e se moderniza”, fazendo com que “o mundo pareça uma espécie de aldeia global. Aos poucos, ou de repente, conforme o caso, tudo se articula em um vasto e complexo todo moderno, modernizante, modernizado. E o signo por excelência da modernização parece ser a comunicação, a proliferação e generalização dos meios impressos e eletrônicos de comunicação, articulados em teias multimídia alcançando todo o mundo”.[16]
É evidente que o Direito, visto também como um fenômeno histórico-cultural[17], não poderia passar ao largo deste fenômeno mundial. Com efeito, as transformações provocadas pela globalização também atingiram o Direito, em todos os seus ramos. Com a informática, deparamo-nos com a realidade dos contratos virtuais, do comércio eletrônico, com a assinatura digital[18], com a possibilidade de proteção jurídica da propriedade intelectual nos sites[19], com o uso do e-mail como meio de prova e a possibilidade de sua interceptação, com o direito de resposta na internet[20], com a utilização dos cookies como forma de violação do direito à informação e da privacidade do internauta[21], etc., etc.
Aliás, hoje já se refere ao Direito Informático ou o Direito da Informática, definido como “el conjunto de normas y princípios jurídicos que tienen por objetivo estudiar, reglar, definir e interpretar los distintos aspectos em que se relaciona la tecnología informática com una institución jurídica determinada en los diversos ámbitos del Derecho”.[22] Este novo ramo do Direito “se ocupa del tratamiento de las normas jurídicas vinculadas con las consecuencias jurídicas que puede traer aparejado el uso de las computadoras”.[23] Há tempos foi instituída no Brasil a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, visando a garantir exatamente a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras, estabelecendo-se, por exemplo, que a todos é assegurado o direito de se comunicar com os órgãos públicos por meio eletrônico.
Neste contexto, a informática representa hoje o meio de comunicação típico e mais representativo da era globalizada. É difícil, por exemplo, imaginar que os homens tivessem alcançado o grau de interação que hoje possuem sem que houvesse, pari passu, a evolução dos meios de comunicação, principalmente no que diz respeito à rede mundial de computadores[24]. A internet permite numa velocidade impressionante a transmissão de uma informação de um lugar para outro, diminuindo consideravelmente as distâncias.
É evidente que com o crescimento dos internautas e com as facilidades indiscutíveis trazidas pela rede, uma nova forma de criminalidade surgiria. Esta era uma realidade da qual não se poderia fugir. A internet, ao lado de representar um avanço no desenvolvimento da humanidade, indiscutivelmente, permitiu o aparecimento de uma nova criminalidade, aliás, muito mais difícil de ser combatida. Segundo o site www.paranaonline.com.br, na edição do dia 14 de setembro de 2004, “pesquisas apontam que o Brasil está na rota dos crimes envolvendo a internet. De acordo com a Polícia Federal, de cada 10 hackers ativos no mundo, oito vivem no Brasil. Além disso, cerca de 2/3 dos responsáveis pela criação de páginas de pedofilia na internet – já detectadas por investigações policiais brasileiras e do exterior – têm origem brasileira. As pesquisas também apontam que, no Brasil, as fraudes financeiras que utilizam internet e correios eletrônicos já superam, em valores financeiros, os prejuízos de assalto a banco.”
Em 15 de maio de 2000, o grupo dos sete países mais industrializados do mundo, e mais a Rússia (G-8) reuniram-se na capital francesa e depois em Okinawa, no Japão, exatamente para discutirem a respeito dos crimes cibernéticos. A iniciativa surgiu depois de dois ataques que causaram um prejuízo de bilhões de dólares nos cinco primeiros meses daquele ano. Na abertura da reunião, em Paris, “o ministro das Relações Exteriores, Yohei Kono, não descartou a possibilidade dos ‘terroristas’ eletrônicos matarem, num futuro próximo, através da tela de um computador. Ele fala com conhecimento de causa. Da mesma forma que o desenho animado Pokémon provocou crise de epilepsia coletiva em milhares de crianças orientais que o assistiam, pela TV, os vírus virtuais – e seus agentes – podem atentar não apenas contra a economia mundial, mas contra a vida. Da reunião dos sete países mais industrializados e a Rússia, saiu a convicção, formulada por especialistas internacionais, de que a criminalidade via internet é a terceira grande ameaça à potências, após as armas químicas, bacteriológicas e nucleares. Finalmente, o mundo parece ter acordado para a importância (vital) de melhor compreender e controlar o ciberespaço”.[25]
Assim, e sem nunca esquecermos o princípio da intervenção mínima do Direito Penal, era efetivamente necessário que houvesse uma legislação específica e apropriada para esta “nova criminalidade”, pois “no puede dejar de ponerse enfático acento en que el legislador debe sensibilizarse a la vulneración de los más diversos bienes jurídicos que diariamente apareja este tipo de conductas ‘tecnificadas’ siendo necesario otorgar mayores márgenes de seguridad y protección a aquellos”.[26] Como escreveu o mestre gaúcho Luiz Luisi se de um lado é necessária “uma ampla e responsável política de descriminalização, ou, pelo menos, de despenalização”, por outro lado, “em virtude de aporia presente no direito penal contemporâneo, a exigência de neocriminalização, imposta pelo surgimento de fatos inéditos e altamente lesivos a interesses relevantes, e cuja tutela está a exigir o rigor da sanção penal. Mas tenho acentuado que esta neocriminalização há de fazer-se de forma criteriosa, quando realmente necessária, e sem atropelar os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito e do seu Direito Penal.”[27] (grifo nosso).
Vários países há alguns anos já procuraram viabilizar meios eficazes de repressão e prevenção dos chamados delitos de informática, que cada vez mais se diversificam, razão pela qual era necessário que se estabelecesse uma legislação pertinente e adequada, a fim de que não se maculasse a todo o tempo o princípio da legalidade ou, por outro lado, tornassem impunes condutas relevantes do ponto de vista penal[28]. Por exemplo, na Argentina “no hay legislación sobre el tema. Los juristas deben conformarse – por ahora – con las figuras existentes que, como lo hemos venido demostrando a lo largo de este capítulo, no siempre se ajustan a las características de esos delitos.”[29] Na Espanha, ao contrário, há várias normas legais que tipificam condutas relacionadas com a informática, a ponto de se poder afirmar “que la legislación española es muy completa y precisa, ya que tipifica la gran mayoría de las conductas antijurídicas que hemos considerado como delitos informáticos o como delitos que se pueden cometer por medios informáticos”.[30] No Peru, em que pese não haver legislação específica, o certo é que “la doctrina y jurisprudencia de ese país ha considerado asimiladas a ciertas figuras comunes del Código Penal del Perú a este tipo de delitos”.[31] No Chile, a Lei nº. 19.223/93 tipifica uma série de delitos relacionados com a informática, como a sabotagem, a espionagem, etc. Nas Filipinas, de onde teria se originado o vírus ILOVEYOU, que causou quase US$ 7 bilhões em danos, os deputados tentam aprovas às pressas uma lei, com penas de seis meses a três anos de prisão para os hackers[32], além do pagamento de multa proporcional aos prejuízos causados.
A propósito, o Conselho da Europa, que reúne 41 países do continente europeu, em fevereiro de 2000, resolveu elaborar a primeira convenção internacional sobre o crime cibernético, entendendo que “como esses são crimes internacionais por natureza, medidas de âmbito nacional precisam ser complementadas pela cooperação internacional”.
O grande perigo do antigo vácuo legislativo pátrio é que muitas vezes procurava-se subsumir determinadas condutas praticadas via internet a tipos penais já existentes em nosso sistema positivo, porém em flagrante desrespeito à reserva legal.[33] Exatamente por isso, entendemos absolutamente necessária a aprovação de uma legislação específica, que tipifique perfeitamente os fatos delituosos praticados por meio da informática, sem que estejamos a concordar com a inflação legislativo/penal que hoje crassa em nosso país, por conta do nefasto movimento da lei e da ordem[34]. Como pensa Esther Morón Lerma, Professora de Direito Penal da Universidade de Barcelona, “no puede aceptarse la aplicación analógica a Internet de normativa reguladora de otros medios y, por tanto, de realidades muy distintas a la encarnada por las redes telemáticas de información, propuestas que desvelan una especie de ‘frenesí’ panregulatorio y que adolecen de garantías, con grave cercenación de principios fundamentales como el de legalidad y el de proporcionalidad”. [35]
Em nosso país, por exemplo, já havia sido foi promulgada a Lei nº. 9.983/00, que alterou o Código Penal, acrescentando, dentre outros, os seguintes delitos: art. 153, 313-A, 313-B e 325. À época, como anotou Antonio Lopes Monteiro, estávamos “diante de um tipo penal diretamente ligado aos chamados delitos de computador ou de informática (…), no qual o computador não é simplesmente o meio utilizado para o crime, mas “será ele o próprio objeto material”.[36] “(…) “O computador por certo será um dos meios de acesso a essas informações sigilosas que poderão depois ser divulgadas”.[37] Tal como os anteriores, “trata-se de forma clara de um tipo penal ligado aos chamados delitos de computador ou de informática”.[38] Antes desta lei, em 1998, editou-se uma outra, a de nº. 9.609/98, que dispôs sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador e sua comercialização no País. Neste diploma legal, conceitua-se programa de computador como “a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.” No seu art. 12 tipifica-se a conduta de “Violar direitos de autor de programa de computador”, prevendo-se uma pena de detenção de seis meses a dois anos ou multa. Nesta mesma sanção incorre “quem vende, expõe à venda, introduz no País, adquire, oculta ou tem em depósito, para fins de comércio, original ou cópia de programa de computador, produzido com violação de direito autoral.”
Em meados do ano passado, o Juiz francês Jean-Jacques Gómez determinou que a empresa YAHOO! pagasse indenizações de US$ 1.390 à União dos Estudantes Judeus e à Liga Contra o Racismo e o Anti-Semitismo, por ter promovido um leilão de objetos com símbolos nazistas na internet.[39] Na Argentina e no Uruguai também já houve condenações civis contra sites de discriminação racial.[40] Aliás, a esse respeito, segundo informa Shimon Samuels, diretor de assuntos internacionais do Centro Simon Wiesenthal, o número de sites que pregam o racismo, a violência e o terrorismo subiu de mil para 2,2 mil nos últimos cinco anos (o que mostra a necessidade de um maior controle sobre eles), ressaltando a falta de legislação específica em vários países para responsabilizar judicialmente os responsáveis pela discriminação. Ainda segundo suas informações, “alguns destes sites ensinam a fabricar bombas, a abrir fechaduras e armar uma fraude bancária.”[41]
Nesta mesma época, agora no Brasil, em Fortaleza, foi descoberto um esquema de fraude pela internet que teria causado um prejuízo de cerca de R$ 30 milhões a empresas de todo o país. O agente, que agia há oito anos, utilizava um programa de computador (por meio do qual tinha acesso a todos os dados das empresas, inclusive, o estoque) para criar uma identidade fictícia, falsificar cartões de crédito e fazer comprar de produtos pela internet.[42] Em outra oportunidade, a Polícia Federal prendeu na cidade de Sorocaba, interior paulista, um rapaz que utilizava a internet para aliciar mão-de-obra, inclusive para o exterior.[43]
Estes exemplos mostram a proliferação acentuada dos denominados crimes informáticos que, segundo a denominação da Profª. Ivette Senise Ferreira é “toda ação típica, antijurídica e culpável contra ou pela utilização de processamento automático de dados ou sua transmissão.”[44]
Procurador de Justiça no Estado da Bahia. Foi Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). É Coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador-UNIFACS (Curso coordenado pelo Professor J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático. Integrante, por duas vezes consecutivas, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação da Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, do Curso JusPodivm e do Curso IELF. Autor das obras “Curso Temático de Direito Processual Penal”, “Comentários à Lei Maria da Penha” (em co-autoria com Isaac Sabbá Guimarães) e “Juizados Especiais Criminais”– Editora JusPodivm, 2009, além de organizador e coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, Editora JusPodivm, 2008. Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados na Bahia e no Brasil.
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