Resumo: O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a importância do instituto do amicus curiae para a abertura do processo de controle de constitucionalidade concentrado perante o Supremo Tribunal Federal, permitindo o acesso de órgãos e entidades, que na defesa de interesses que ultrapassam a esfera jurídica de um indivíduo, trazem informações e elementos capazes de aprimorar a decisão a ser proferida. Por meio do estudo efetuado, foi examinada a inserção do instituto no ordenamento jurídico brasileiro, com críticas à sua regulamentação precária e com proposta de ampliação do rol dos legitimados e de suas competências. A despeito da regulamentação incompleta, o instituto ganhou destaque nos processos de fiscalização de constitucionalidade, permitindo ao julgador atuar como mediador entre as diferentes forças com legitimação no processo constitucional. Sustenta-se que sendo o Supremo Tribunal Federal o guardião da Constituição e seu principal intérprete, precisa da colaboração de terceiros imparciais, que conhecedores da matéria a ser analisada, trazem elementos e fatos, revestidos de valores sociais.
Abstract: This work aims at showing the relevance of amicus curiae concept in opening the procedures for constitutionality inspection with the Federal Supreme Court, by allowing access to agencies and entities, which, on defending the interests beyond the judicial sphere of an individual, bring information and elements able to enhance the decision to the handed. Through the study at issue, the inclusion of the concept in the Brazilian legal system was analyzed, with criticisms to its still poor regulation, apart from proposal for expansion of legitimacy of amicus curiae and the scope of the concept competence. Despite its not complete regulation, the concept stood out in proceedings for review of constitutionality, by allowing the judge to engage as mediator between different aspects upon legitimacy on the constitutional process. It is sustained that on being the guardian of the Constitution and its principal interpreter, the Federal Supreme Court needs the cooperation of unbiased third parties, which on knowing the matter being analyzed, bring social-related elements and facts.
1. A democratização do acesso e da participação social nos processos de aplicação e controle das normas constitucionais
Nos últimos anos, deu início, no Brasil, o processo de democratização do acesso à jurisdição constitucional, por meio da criação de instrumentos autorizativos da participação da sociedade civil no controle de constitucionalidade, notadamente a partir da edição da Constituição Federal de 1988, que trouxe como novidade a desmonopolização da iniciativa do controle abstrato de constitucionalidade, bem como da Lei Federal nº 9.868/99, que disciplinou o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
O referido texto federal conferiu caráter pluralista ao processo de controle abstrato de constitucionalidade ao prever:
(i) a participação de órgãos ou entidades – legitimados ou não para a propositura da ação direta – na qualidade de amicus curiae, intervindo ativamente nas decisões de compatibilidade constitucional (art. 7º, §2º, da Lei nº 9.868/99).Enfatiza GUSTAVO BINENBOJM que o mencionado dispositivo tem efeito democratizante nos processos de controle da constitucionalidade, por possibilitar a apresentação de memoriais e permitir ao Supremo Tribunal Federal conhecer as opiniões daqueles que vivenciam a realidade constitucional e sofrem a incidência da lei impugnada. Nesse sentido, o cidadão “é elevado de sua condição de destinatário das normas jurídicas para atuar simultaneamente como intérprete da Constituição e das leis, com direito a ter sua opinião ouvida e devidamente considerada pelo Tribunal Constitucional”.[1]
(ii) a possibilidade do relator solicitar esclarecimentos adicionais a peritos, comissões de peritos ou designar data para que, em audiência pública, sejam ouvidas pessoas com experiência na matéria. (art. 9º, §1º, da Lei nº 9.868/99 ) Especificamente, no que se refere à audiência pública, a lei autorizou a participação de técnicos e especialistas que representam, naquele ato, os diversos grupos sociais, desmistificando a ideia de que o controle constitucional configura-se questão meramente jurídica.
A intervenção do amicus curiae e a realização de audiência pública são instrumentos que visam impedir que a Corte Constitucional se torne uma instância autoritária de poder, que impõe suas decisões sem considerar os anseios da sociedade. Tais instrumentos, como bem esclarece GUSTAVO BINENBOJM, fomentam a prática da cidadania constitucional e, por via de consequência, da criação de uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição. Defende, ainda, aquele autor, ser salutar a participação ativa de todos no processo de revelação e definição da interpretação constitucional, cabendo ao Tribunal Constitucional funcionar como instância última – mas não única – da fiscalização. “A maior ou menor autoridade da Corte Constitucional depende, necessariamente, de sua capacidade de estabelecer este diálogo com a sociedade e de gerar consenso, intelectual e moral, em torno de suas decisões”.[2]
Em outros termos, as inovações da Constituição Federal de 1988 e da Lei Federal nº 9.868/99 romperam com a tradição até então vigente no ordenamento jurídico brasileiro no sentido da interpretação constitucional estar restrita aos intérpretes jurídicos vinculados, autorizando o julgador a atuar como mediador entre as diferentes forças sociais com legitimação no processo constitucional.
2 – Origem da figura do amicus curiae
O amicus curiae, desde as suas origens históricas do direito inglês[3] e do recente direito norte-americano[4], é uma figura neutra, imparcial, que traz ao julgador, voluntariamente ou por provocação, informações que não se espera que os juízes tenham conhecimento. A manifestação do amicus curiae contribui para que a decisão proferida equacione da melhor forma possível a lide, considerando, para tanto, os fatores subjacentes à norma jurídica, que nem sempre são essencialmente jurídicos.. Assim, a figura do amicus curiae, como colaborador da instrução do processo e portador das manifestações dos diversos setores da sociedade e do próprio Estado, revela-se essencial. “Só ela e por ela é que se realiza essa necessária aproximação do juiz com a sociedade e o próprio Estado e, nesse sentido, com o próprio direito a ser aplicado a cada caso concreto que lhe seja submetido para exame”.[5]
É nesse contexto de colaborador do juiz, que a figura do amicus curiae ganha relevância, justamente por fornecer valores e esclarecimentos que auxiliam o magistrado a fazer a correta interpretação da norma. Desta forma, o amicus curiae propicia a abertura do processo interpretativo, com a efetiva participação popular, característica intrínseca do Estado Democrático de Direito, consagrado pela Constituição brasileira que, também, deve se refletir no processo civil.
A expressão amicus curiae, que, em latim, significa amigo da cúria ou da justiça, aparece textualmente na Resolução nº 390/04 do Conselho da Justiça Federal, que instituiu o regimento interno da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais.[6] Contudo, a existência dessa figura interventiva no processo é reconhecida pela doutrina e jurisprudência brasileira, que, erroneamente, a classificava como “intervenção de terceiro” ou “assistência”, institutos esses que no regramento processual têm significado diferente do amicus curiae, especialmente no que se refere ao interesse jurídico que os legitima. Porém, tal equívoco encontra-se superado, diante do regramento instituído pelo artigo 138 do novo Código de Processo Civil:
“Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.
§ 1o A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3o.
§ 2o Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.
§ 3o O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.”
Tal dispositivo torna incontroverso que o instituto do amicus curiae não tem como pressuposto o interesse jurídico no sentido tradicional, utilizado pelo Código de Processo Civil, qual seja o terceiro ser titular de algum direito ou obrigação cuja existência ou não dependa da apreciação da causa pendente. A sua intervenção pode ser determinada diretamente pelo juiz, independentemente de requisição, o que não é admitido na intervenção de terceiros. Por fim, na hipótese de intervenção de terceiro, em regra, esse terceiro fica impedido de rediscutir a matéria em outro processo, o que não ocorre em relação ao amicus curiae.
A figura do amicus curiae , nos termos da nova regulamentação processual, materializa o princípio constitucional do contraditório, previsto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, por acrescentar ao debate jurídico valores da sociedade civil, aproximando o juiz do fato social, para que possa bem compreendê-lo e, assim, proferir decisão que atenda, de forma equilibrada, os anseios difusos da sociedade.
Nessa linha, PETER HÄBERLE ensina que a interpretação constitucional não pode estar limitada aos intérpretes jurídicos vinculados às corporações e aos participantes formais do processo constitucional, mas aberta aos diversos segmentos de uma sociedade pluralista. No processo de interpretação constitucional “estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausulus de intérpretes da Constituição”.[7] Desta forma, a participação pluralista constitui verdadeiro elemento de operacionalização da Constituição no âmbito do Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto, pode-se afirmar que o amicus curiae é um terceiro que intervém no processo, voluntariamente ou por convocação judicial, mesmo sem o interesse jurídico tradicionalmente concebido, para apresentar ao juiz esclarecimentos úteis ao julgamento da lide, mantendo postura neutra.
3. Evolução da legislação brasileira
A Constituição Federal de 1988 foi um marco para a democratização do processo de controle constitucional, ao ampliar o rol dos legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade, nos termos do artigo 103. Na Carta Magna anterior (1967, modificada pela Emenda Constitucional 1/69), o Procurador Geral da República era o único legitimado a propor as referidas ações, impondo à sociedade civil papel secundário de mera espectadora do debate constitucional.
Essa tendência de democratização consubstanciou-se com a edição da Lei Federal nº 9.868/99, que regulamentou o instituto do amicus curiae e, assim, aperfeiçoou o sistema de controle concentrado, permitindo o amplo debate a respeito da constitucionalidade de determinado ato normativo, inclusive a manifestação de órgãos e entidades, desde que demonstrada sua representatividade e a relevância da matéria.
Consoante voto do Ministro CELSO DE MELLO, proferido na ADI 2130-SC, “o ordenamento positivo brasileiro processualizou a figura do amicus curiae (art. 7°, parágrafo 2°, da lei n° 9868/99), permitindo que terceiros – desde que investidos de representatividade adequada – possam ser admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente a própria controvérsia constitucional. A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo adjetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obsequio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de entidade e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais”.
O Supremo Tribunal Federal, antes mesmo do advento da Lei Federal nº 9.868/99 e com a expressa vedação em seu Regimento Interno, acrescida pela Emenda Regimental nº 02/85[8], já permitia a apresentação informal de memoriais por amicus curiae, para elucidar as questões discutidas em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Notório o julgamento do agravo regimental na ADI 748-4, em que o plenário do Supremo Tribunal Federal, confirmou decisão do Ministro CELSO DE MELLO, autorizando que memoriais de um colaborador permanecesse juntado por linha ao processo.[9]
Decisões semelhantes do Supremo Tribunal Federal demonstraram a tendência daquela Corte de permitir a fiscalização abstrata de constitucionalidade a terceiros que pudessem contribuir com a investigação fática e jurídica a respeito da norma impugnada.
Contudo, afigurava-se essencial a regulamentação do caráter pluralista do processo de controle abstrato de constitucionalidade, autorizando a participação de terceiros, por requisição judicial ou espontaneamente, no debate constitucional.
Nesse contexto, foi publicada a Lei Federal nº 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Dentre suas principais inovações, destaca-se a admissão de terceiro naqueles procedimentos, desde que presentes duas condições: relevância da matéria e representatividade do postulante. (art. 7º, §2º) [10]
Diante da autorização legal expressa, o Supremo Tribunal Federal vem admitindo com maior frequência a figura do amicus curiae nos processos de fiscalização constitucional.
A Lei nº 9.868/99 ao tratar da ação declaratória de constitucionalidade não repetiu a regra expressa do artigo 7º, parágrafo 2º, relativa à ação direta de inconstitucionalidade. Porém, a omissão da lei, não é óbice à admissão de terceiro, na qualidade de amicus curiae, para desempenhar as mesmas funções previstas naquele dispositivo legal, uma vez que a utilidade dessa intervenção não se limita ao texto de lei referido, e sim ao próprio sistema constitucional que consagra a participação democrática no controle de constitucionalidade.
O julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental está disciplinado na Lei nº 9.882/99, que assegurou ao relator o poder de ouvir órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado; partes envolvidas nos processos que geraram a arguição; requisitar informações; designar peritos ou comissão de peritos; fixar datas para declarações em audiências públicas; deferir sustentação oral e juntada de memoriais, enfim, determinar a melhor instrução do processo, de forma similar ao que a Lei nº 9.868/99 prevê para a ação direta de inconstitucionalidade e para a ação declaratória de constitucionalidade. A despeito de não haver previsão a respeito da intervenção do amicus curiae na arguição de descumprimento de preceito fundamental, dado que seu objeto pode ensejar o controle de constitucionalidade, com decisão que atinge a todos e vinculante, “não há como afastar a possibilidade de entidades de classe ou outros órgãos representativos de segmentos sociais pleitearem seu ingresso na qualidade de amicus curiae, fundamentando-se não só no art. 7º, §2º, da Lei nº 9.868/99, aplicável à espécie por analogia, mas, superiormente, na ordem constitucional.[11]
Além da previsão expressa da figura do amicus curiae, a Lei Federal nº 9.868/99 inovou, também, ao permitir que o julgador da ação de controle concentrado de constitucionalidade solicitasse informações aos órgãos ou às autoridades responsáveis pela edição da norma impugnada, de modo a viabilizar o seu convencimento a respeito da tese apresentada. (art. 6º).
Essas duas inovações do texto federal demonstram a intenção do legislador de promover a abertura do processo de controle concentrado de constitucionalidade, possibilitando o debate e a apresentação de informações a respeito das questões que o Supremo Tribunal Federal está para decidir, ora consagrado com o artigo 138 do novo CPC.
4. Regime jurídico da admissão do amicus curiae no processo de controle concentrado de constitucionalidade
4.1 Natureza jurídica
Relativamente à natureza jurídica do instituto do amicus curiae não há convergência de entendimento entre os doutrinadores. Há os que reconhecem na figura do amicus curiae uma verdadeira intervenção de terceiro; outros uma assistência qualificada e, por fim, um terceiro auxiliar do juízo.
Analisando a Lei nº 9.868/99, verifica-se que existem duas hipóteses distintas de intervenção do amicus curiae: (i) por requisição judicial e (ii) por iniciativa do próprio órgão ou entidade.
Se a intervenção decorrer de iniciativa judicial, esse terceiro exerce função semelhante ao do auxiliar do juiz, observando-se, para tanto, as determinações contidas nos artigos 9º, § 1º e 20, da Lei nº 9.868/99. A despeito de colaborar com o juiz nas questões técnico-jurídicas, o amicus curiae não se confunde com as figuras tradicionais de auxiliares, especialmente com a do perito, que é nomeado pelo juiz, para esclarecer questão não jurídica, com recebimento de honorários e sujeito a impedimentos e suspeições. Na verdade, ele é um terceiro que contribui para melhor instrução do processo, sem interesse subjetivo no desfecho.
Da mesma forma, na intervenção voluntária (art. 7º, §2º, da Lei nº 9.868/99) o amicus curiae revela-se como terceiro interveniente de natureza especial, que não tem relação com o interesse subjetivo das partes.
O instituto do amicus curiae afasta-se da assistência, que autoriza o ingresso de um terceiro em processo alheio, “com vistas a melhorar o resultado a ser dado nesse litígio, tendo em vista a parte a que passa a assistir, seja porque tem interesse próprio (art. 50 do CPC em vigor e art. 119 do novo CPC), seja porque o seu próprio direito possa ser afetado (art. 54 do CPC em vigor e 124 do novo CPC).”[12]
Desta forma, para restar configurada a assistência simples, o terceiro deve ter interesse jurídico para ingressar na lide e, para a assistência litisconsorcial, o terceiro deve ter relação jurídica com o adversário do assistido. Já o amicus curiae caracteriza-se pela intervenção de um terceiro imparcial, que não tem interesse jurídico no litígio, nem tem relação jurídica com as partes.
A figura do amicus curiae não se confunde com a do custos legis, por ser um colaborador técnico que reflete valores, anseios e reflexões de parcela da sociedade, para a produção de melhor decisão judicial. Nesse sentido, sua intervenção não é obrigatória e pode envolver direitos disponíveis, o que o afasta das atribuições legais conferidas ao Ministério Público, que atua como guardião da lei.
Examinando as características do instituto amicus curiae, conclui-se que esse não se confunde com a assistência, simples ou litisconsorcial, nem com a atuação do custos legis, nem dos auxiliares tradicionais do juiz, devendo ser tratado como uma intervenção de terceiro sui generis.
4.2. Requisitos de admissibilidade
Conforme retro mencionado, a admissão formal do amicus curiae está condicionada a dois requisitos materiais:
(i) relevância da matéria, especificidade do tema ou repercussão social da controvérsia: é um critério objetivo, a ser aferido como indicativo da conveniência do debate sobre a norma questionada e os valores presentes na sociedade civil. A admissibilidade deve ser precedida de mínima motivação a respeito da relevância, especificidade ou repercussão social a justificar a participação da entidade em relação à matéria sub judice.
(ii) representatividade do postulante: os entes legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade, listados no artigo 103 da Constituição Federal [13], que não integram a lide, podem intervir na qualidade de amicus curiae, desde que demonstrem seu interesse, a ser avaliado pelo julgador. A admissão dos co-legitimados no processo de controle concentrado de constitucionalidade não se dá pela intervenção de terceiro – assistência litisconsorcial – que é expressamente vetada no caput do artigo 7º, da Lei Federal nº 9868/99, mas pela intervenção do amicus curiae.
Pode-se afirmar, portanto, que as pessoas que integram o rol do artigo 103 da Constituição Federal consideram-se pré-qualificadas, mas para sua efetiva admissão na qualidade de amicus curiae, há que estar devidamente justificado seu interesse jurídico na participação do debate a respeito da constitucionalidade de ato normativo.
CASSIO SACARPINELLA BUENO esclarece que tanto as pessoas jurídicas de direito público como as de direito privado, indicadas no artigo 103 da Constituição Federal, precisam demonstrar sua relação “com o que está sendo discutido em juízo, mas isso deve ser aferido no plano institucional, de suas finalidades institucionais, e não propriamente de seus interesses próprios no deslinde da ação e das consequências de seu julgamento”. [14]
Outras entidades, que não mencionadas no dispositivo constitucional, mas de notória representatividade, podem ser admitidas no debate, desde que a matéria tenha relação com as atividades por elas desenvolvidas. Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal já admitiu o ingresso de associações de magistrados, de advogados, de entidades de defesa de direitos humanos, de consumidores, de meio ambiente,…. E essas entidades não precisam ter representatividade nacional, assim, poderá ser admitida a Associação dos Advogados de São Paulo ou a Associação Comercial do Rio de Janeiro.
NELSON NERY JR e ROSA MARIA ANDRADE NERY defendem, ainda, que o julgador pode admitir pessoas físicas, como por exemplo, manifestação de professor de direito ou de cientista com notório conhecimento da matéria. [15]. Contudo, o Ministro CELSO DE MELLO na ADI 3.421/PR indeferiu a admissão de professor de direito, na qualidade de amicus curiae.[16]
ALEXANDRE DE MORAES destaca que no controle concentrado de constitucionalidade é importante a manifestação do amicus curiae, “permitindo-se, pois ao Tribunal o conhecimento pleno das posições jurídicas e dos reflexos diretos e indiretos relacionados ao objeto da ação, mesmo que seu ingresso ocorra após o término do prazo de informações ou após a inclusão da ação direta na pauta de julgamento”.[17]
Considerando os aspectos abordados, conclui-se que a decisão de admissão de amicus curiae deve ser motivada, de forma a afastar eventual arbitrariedade. Daí, a importância do postulante demonstrar em seu requerimento a importância de sua contribuição para exame das questões discutidas no processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade.
A decisão monocrática de admissão de entidade ou órgão, na qualidade de amicus curiae, é irrecorrível, nos termos do que dispõe o parágrafo 2°, do artigo 7°, da Lei n° 9.868/99 e do artigo 138 do novo Código de Processo Civil. Contudo, a doutrina reconhece que a decisão do relator pode ser impugnada por agravo interno, com fundamento no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, sempre que houver vícios, como por exemplo, ausência de motivação. GUSTAVO BINENBOJM afirma ser incorreta a opção da Lei nº 9.868/99 por transformar o julgador em autoridade exclusiva da conveniência e oportunidade das manifestações e consultas previstas nos artigos 7º e 9º. “Segundo uma interpretação, que privilegie o contraditório e a ampla defesa, as partes poderão requerer as providências acima aludidas, insurgindo-se, inclusive, por meio de agravo interno dirigido ao Plenário da Corte, contra eventual decisão contrária do relator”.[18]
Interessante observar que a previsão do § 2º, do mencionado artigo 7º da Lei nº 9868/99, assim como do artigo 138 do novo CPC, impõem a irrecorribilidade da decisão do relator que admite a intervenção do amicus curiae, contudo, não veda a recorribilidade da decisão que nega a intervenção. CARLOS GUSTAVO DEL PRÁ conclui que “não há vedação legal quanto à recorribilidade, em tese, da decisão que indefere a intervenção do amicus curiae”. [19]
4.3. Momento da intervenção e prazo para manifestação
A Lei Federal n° 9.868/99 e o novo Código de Processo Civil não fixam o momento da intervenção do amicus curiae. Nesse sentido, a jurisprudência supriu a lacuna, definindo que a sua intervenção nas ações de controle concentrado de constitucionalidade poderá ser deferida a qualquer tempo, antes de iniciado o julgamento.
Nos termos de reiteradas decisões, o Supremo Tribunal Federal consolidou como prazo fatal para a intervenção do amicus curiae na ação de controle de constitucionalidade o dia da remessa dos autos à mesa para julgamento. [20] E tal como na assistência, o amicus curiae recebe o processo no estado em que se encontra.
No que se refere ao prazo para o amicus curiae apresentar manifestação, há, também, lacuna nas disposições do artigo 7º, da Lei Federal nº 9.868/99, especialmente em razão do veto ao parágrafo primeiro daquele artigo.
Diante de tal omissão, parte da doutrina defende que seja aplicado o mesmo prazo de 30 (trinta) dias, estabelecido no artigo 6º, daquele diploma legal, para as autoridades prestarem as devidas informações nas ações diretas de controle de constitucionalidade, considerando-se como dies a quo a data do deferimento de admissão do amicus curiae. Porém, a doutrina majoritária defende o relator pode fixar prazo para manifestação do amicus curiae, se já não a tiver apresentado desde logo com o requerimento de admissão, não vinculado aos 30 (trinta) dias fixados no artigo 6º da Lei nº 9.868/99. E esse tem sido o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal, conforme se depreende das decisões prolatadas nas ADI 2735/RJ e ADI 1104/DF, em que os relatores concederam, por exemplo, prazo de 05 (cinco) dias para manifestação do amicus curiae.[21]
Tal questão encontra-se superada com a regra do novo Código de Processo Civil que supriu a lacuna do artigo 7º, da Lei Federal nº 9.868/99, ao estabelecer o prazo de 15 (quinze) dias, contados da intimação para a manifestação.
4.4. Capacidade postulatória e pluralidade de amicus curiae
A pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada pode apresentar manifestação no processo de fiscalização de constitucionalidade, na qualidade de amicus curiae.
Nesse aspecto, o artigo 138 do novo Código de Processo Civil ampliou a legitimidade do amicus curiae, com a inclusão das pessoas naturais – o Supremo Federal admitia somente pessoas jurídicas, de direito público ou privado -, desde que haja comprovado interesse no debate e conhecimento das questões analisadas. Isso porque o controle de constitucionalidade deve ser baseado no mais amplo universo de manifestações de pessoas com especializações técnicas variadas.
Essa ampliação da legitimidade, no entanto, não pode gerar a paralisação ou atraso do processo de fiscalização de constitucionalidade, cabendo ao julgador analisar com critério a admissão dos amici curiae, bem como avaliar a sua atuação no processo, especialmente, a sua imparcialidade. O julgador pode e deve afastar as intervenções que se fundam exclusivamente em interesses econômicos ou de duvidosa idoneidade. Em outros termos, se de um lado é inquestionável a importância da participação social na fiscalização da constitucionalidade, de outra, deve-se evitar o tumulto do processo com manifestações sem qualquer relevância.
Não há limite legal ao número de amici curiae autorizados a atuar nas ações diretas de controle de constitucionalidade, podendo haver pluralidade em determinado feito. Nesse sentido, esclarece CASSIO SCARPINELLA BUENO que o argumento de que muitas manifestações de amici curiae poderiam inviabilizar o julgamento no Supremo Tribunal Federal, não se sustenta porque é da competência daquela Corte ouvir a sociedade civil, já que “no exercício de sua função institucional, dá-se vazão aos princípios do processo civil, penal e trabalhista, vale dizer , cumpre-se o “modelo constitucional do processo”. O Supremo Tribunal Federal inviabiliza-se, institucionalmente, quando não dá ouvidos à sociedade(…)”[22]
4.5.Limitação da atuação processual do amicus curiae
A participação do amicus curiae foi gradualmente ampliada à medida que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a importância de sua intervenção para garantir o debate democrático na solução dos temas constitucionais.
A Lei nº 9.868/99, no artigo 7º, § 2º, estabelece que o amicus curiae pode apresentar manifestação por escrito. Grande debate jurídico entre os doutrinadores e o Supremo Tribunal Federal foi travado quanto à possibilidade do amicus curiae apresentar suas razões oralmente. Diante da decisão proferida na ADI 2.777/SP, pacificou-se na Suprema Corte o entendimento da legalidade do amicus curiae fazer sustentação oral.
Em razão daquele julgamento, houve alteração da redação do parágrafo 3º, do artigo 131, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal [23]que autorizou a sustentação oral de terceiros admitidos no processo de controle abstrato, aplicando-se, por analogia, a regra que concede prazo máximo de quinze minutos.
A posição processual do amicus curiae não lhe confere legitimidade para interpor recursos das decisões proferidas nos processos em que é admitido, conforme ampla jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[24] , convertida na regra do §1º, do artigo 138 do novo Código de Processo Civil que ressalva a oposição de embargos de declaração.
Observando-se que contra a decisão de mérito nas ações de controle de constitucionalidade, o recurso cabível são os embargos de declaração, com fundamento naquele dispositivo do CPC o amicus curiae tem legitimidade para opô-los, de modo a garantir o contraditório pleno.
Também, conforme já mencionado, o amicus curiae pode recorrer da decisão que indefere a sua intervenção, por meio do agravo interno.
Por fim, o amicus curiae tem legitimidade para requerer a adoção das providências instrutórias previstas no artigo 9º, da Lei nº 9.868/99, a saber: solicitação de informações de tribunais; esclarecimentos de peritos; designação de audiência pública.
Merece destaque, dentre as providências instrutórias, a serem solicitadas pelo amicus curiae, a requisição de designação de audiência pública para ouvir o depoimento de especialistas a respeito de questões técnicas ou circunstâncias de fato. Por meio da Emenda Regimental 29/2009, as audiências públicas forma regulamentadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:
“Art. 21. São atribuições do Relator:(…)
XVII – convocar audiência pública para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em determinada matéria, sempre que entender necessário o esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, com repercussão geral ou de interesse público relevante”.
Tal atribuição, também, é conferida ao Presidente, conforme inciso XVII, do artigo 13 do Regimento Interno do STF.
Oportuno destacar que, nos termos do § 2º, do artigo 138 do novo CPC, caberá ao juiz ou relator, que admitir ou solicitar a participação do amicus curiae , definir os seus poderes.
5. Considerações conclusivas:
O instituto do amicus curiae é um instrumento típico da abertura e democratização da jurisdição constitucional, razão pela qual tem sido objeto de crescente atenção tanto da doutrina, quanto da jurisprudência. Tal instituto provoca a reflexão a respeito da intervenção de um terceiro nas ações de controle de constitucionalidade concentrado, não com a finalidade de auxiliar uma das partes, mas simplesmente de participar do debate a respeito da aplicação de lei ou ato normativo, contribuindo com informações e elementos, embutidos de valores dos diversos segmentos sociais, para a prolação de melhor decisão. Essa intervenção garante que a imparcialidade do juiz seja mantida, na medida em que colabora com a instrução, sem defender determinado interesse subjetivo.
Antes mesmo do advento da Lei nº 9.868/99, o Supremo Tribunal Federal já admitia a intervenção de terceiros nas ações de controle de constitucionalidade concentrado. Após a sua promulgação, a atuação do amicus curiae veio atender aos princípios do Estado Democrático de Direito, especialmente o da segurança, coerência e participação popular. E mais, permitiu a abertura do processo de interpretação constitucional, conectado, atualmente, à realidade social.
A função primordial do instituto do amicus curiae é pluralizar o debate constitucional, contribuindo para a qualidade da decisão a ser proferida pelo órgão julgador, por via de manifestações relativas aos aspectos fáticos, jurídicos ou hermenêuticos da lei impugnada. Observe-se que no sistema vigente, a questão constitucional chega ao Supremo Colegiado, sem prévio debate com a sociedade, daí a relevância da atuação dos amicus curiae.
O instituto do amicus curiae legitima as decisões da Corte Constitucional, pois permite que um intérprete em sentido amplo da Constituição, traga os valores sociais vigentes naquele momento, e, portanto, torne mais robusta a discussão sobre interesses públicos.
Daí a importância de melhor regulamentar o instituto do amicus curiae, que se consagrou como mecanismo de modernização do processo de controle constitucional brasileiro, detalhando as suas competências; reconhecendo sua legitimidade para recorrer; admitindo sua atuação nas ações declaratórias de constitucionalidade e de arguição de violação de preceito fundamental. Essa regulamentação será aprimorada no Novo Código de Processo Civil, que, pela primeira vez, traz dispositivo específico desse tão importante instituto.
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