Relivaldo José da Silva – Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, ex – estagiário do Ministério Público/SP, ex-aluno Monitor de Direito Constitucional pela PUCCAMP. E-mail: Relivaldo.jose@yahoo.com.br.
Resumo: O presente artigo, metodologicamente dedutivo, comprometeu-se a investigar se o julgamento do RE 636.886/AL pelo Supremo Tribunal Federal, que decidiu ser prescritível a pretensão de ressarcimento ao Erário derivada de decisão do Tribunal de Contas da União, conferiria segurança jurídica diante das manifestações recentes dessa Augusta Corte no campo da prescrição frente à Administração Pública. Sendo a segurança jurídica elemento de extrema importância no Estado de Direito, este artigo buscou angariar elementos que levassem a uma análise da coerência do julgamento da Corte com sua própria jurisprudência. Dessa forma, o trabalho analisou o Tribunal de Contas da União, perpassando pelo princípio da segurança jurídica e o instituto da prescrição. Concluindo, por fim, que as decisões técnicas do Tribunal de Contas não recaem sobre indivíduos, e sim contas, não tendo aptidão para aferir se houve dolo ou culpa do agente público, fato esse que levou a Corte Suprema do país a julgar de modo contrário ao seu posicionamento jurisprudencial pela imprescritibilidade dos atos de improbidade dolosos.
Palavras-chave: Prescrição – Erário – Tribunal de Contas da União – Segurança Jurídica
Abstract: This article, methodologically deductible, undertook to investigate whether the judgment of RE 636.886 / AL by the Supreme Federal Court, which decided to prescribe the claim for reimbursement to the Treasury derived from the decision of the Federal Court of Auditors, would confer legal certainty before the recent manifestations of this Augusta Court in the field of prescription before the Public Administration. As legal security is an extremely important element in the rule of law, this article sought to gather elements that would lead to an analysis of the consistency of the Court’s judgment with its own jurisprudence. In this way, the work analyzed the Federal Audit Court, going through the principle of legal certainty and the statute of limitations. Finally, concluding that the technical decisions of the Court of Auditors do not fall on individuals, but on accounts, not having the ability to assess whether there was intent or guilt on the part of the public agent, which led the country’s Supreme Court to judge otherwise to its jurisprudential position due to the imprescriptibility of malicious acts of improbity.
Keywords: Prescription – Treasury – Federal Audit Court – Legal Security
Sumário: Considerações iniciais – 1. O Tribunal de Contas – 2. A segurança jurídica e a prescrição – 3. A análise do RE 636.886/AL – Conclusão – Referências.
Considerações Iniciais
A segurança jurídica é um dos pilares que sustenta o Estado Democrático de Direito, distribuindo um sentimento de previsibilidade aos jurisdicionados, daí a necessidade de uma jurisprudência uniforme e coerente. Conforme os Tribunais se manifestam nos casos concretos, mais dúvidas são geradas em relação aos casos análogos. Nesse cenário, demandas questionando pontos peculiares surgem no campo judicial, uma dessas – RE 636.886/AL – decorreu das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à (im) prescritibilidade dos atos de improbidade administrativa e de ilícito civil.
Imbuído disso, pode-se afirmar que a necessidade de espacar dúvidas de seu entendimento jurisprudencial fez o Supremo Tribunal Federal se debruçar, recentemente, no RE 636.886/AL, sobre a prescrição no tocante às prentensões de ressarcimento ao Erário derivadas de decisão de Tribunal de Contas. Em outras palavras, a Suprema Corte, que já tinha decidido sobre a prescrição nos atos de improbidade, retornou a discutir sobre a prescrição na seara da Administração Pública, inclusive se aquela decisão (imprescritiblidade dos atos dolosos de improbidade) poderia ou não ser aplicada ao caso do Tribunal de Contas, objeto de questionamento no Plenário do STF.
Com base nisso, o problema investigado foi se a decisão tomada pela Suprema Corte foi realmente coerente ao seu posicionamento exteriorizado em outras oportunidades, como nos atos de improbidade. Assim, o presente artigo tomou a tarefa de analisar se a regra da prescritibilidade é compatível com as prentensões de ressarcimento ao Erário decorrentes das decisões do Tribunal de Contas da União, estando ou não em conformidade com a atual jurisprudencia da Suprema Corte.
Nessa linha, a presente pesquisa tem como um de seus objetivos analisar e compreender como o STF tratou do tema da prescrição, a construção que o levou a adotar pela aplicação da regra da prescritibilidade nas ações indenizatórias do Estado decorrente de decisões do Tribunal de Contas, tendo em vista que a Augusta Corte enfrentou temas semelhantes recentemente. Aliás, cita-se que o Plenário do STF, por maioria, entendeu que os atos dolosos de improbidade são imprescritíveis, razão pela qual este artigo preocupou-se em destacar as diferenças de ambas hipóteses.
Diante disso, a razão desta pesquisa fica ancorada na segurança jurídica, a prescrição como um garantidor desse valor é, por si só, de estudo relevante em qualquer seara jurídica, principalmente a importância em compreender como a mais Alta Corte do país a adota nos casos de pretensões de reparação ao Erário, que mexe com dinheiro público, fato que já atrai o interesse dos estudiosos de diversos ramos, entre eles o Direito. Assim, perpassou-se por importantes temas para iluminarem esta análise, sem a audácia de pretender aprofundá-los, mas sim trazer balizas que auxiliaram a entender a pesquisa desenvolvida.
Em um primeiro momento, o artigo buscou trazer a natureza do Tribunal de Contas da União, suas principais atividades e, também, como esse órgão é visto na sistemática do accountability. Ultrapassada essa investigação, analisou-se um dos princípios basilares da República, qual seja da segurança jurídica, relacionando-o com o instituto da prescrição. Não se ousou adentrar na distinção teórica entre princípios e regras quanto ao valor da segurança jurídica, e sim adotá-lo como princípio sem questionar o seu enquadramento científico, discussão essa que fugiria do tema proposto neste artigo.
Percorreu, por fim, na análise do RE636.886/AL, buscando relacionar os fundamentos sustentados com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a natureza do Tribunal de Contas da União. Assim, a pesquisa buscou apresentar o entendimento consolidado da Suprema Corte no campo da prescrição frente à Administração Pública. Dessa forma, a pesquisa, na sua completude, foi baseada no cenário nacional, não buscando angariar comparações com o direito alienígena.
Sob o aspecto metodológico, a pesquisa se valeu de uma abordagem dedutiva, valendo-se de diversos artigos elaborados por outros pesquisadores para sustentar as afirmações constantes no artigo elaborado.
O controle externo dos atos da Administração Pública é exercido primordialmente pelo Congresso Nacional, sem desconsiderar outras formas existentes. Esse controle é operado com o auxílio de um órgão administrativo, previsto expressamente no artigo 71 da Constituição Federal, que, no âmbito federal, é o Tribunal de Contas da União (CABRAL, 2018, p. 7). Assim, a análise do TCU –Tribunal de Contas da União – requer uma “navegação” em alguns conceitos propedêuticos, com a finalidade de melhor situar o leitor, antes de uma abordagem mais direta no tocante à natureza das suas decisões. Importa mencionar, neste momento, que são poucos os pesquisadores que dedicam um espaço em suas pesquisas para mencionar de forma lógica as funções que tal Tribunal ocupa no ordenamento jurídico, geralmente apenas reprisam o que consta expressamente no texto constitucional.
Frisa-se, antes de tudo, que nenhum dos três poderes é absoluto. O sistema tradicionalmente concebido como pertencente a teoria de Montesquieu (CASALINO; PAULANI, 2018, p. 11), denominada de divisão dos poderes, foi introduzido notadamente na Constituição Federal de 1988 com a possibilidade de um poder exercer o controle do outro, também podendo ser chamado de accountability horizontal, dentro dos parâmetros constitucionais estabelecidos. O accountability horizontal carrega o sentido do check and balances, expressão estrangeira usada para indicar o exercício da fiscalização mútua entre os Poderes (FILHO; JÚNIOR, 2018, p.15). No tocante à Administração Pública Federal, o Congresso Nacional exerce uma função de controle político, financeira e orçamentária, em apertada síntese. A bem da verdade, esse é apenas um dos mecanismo legais de controle do ato administrativo do Poder Executivo, contudo é o que interessa para o entendimento deste artigo.
Nessa toada, a Constituição Federal prevê em seu artigo 71, caput, e incisos seguintes, um rol de atividades a cargo do Tribunal de Contas da União, que irá atuar primordialmente como auxiliar do Congresso Nacional na fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública e demais entidades que recebam dinheiro público. Essa fiscalização, segundo o artigo 70 do texto constitucional, será além do exame da conformidade do ato administrativo com a estrita legalidade (CABRAL, 2018, p. 7). Em síntese, será uma abordagem feita pelo TCU no tocante a economicidade, legalidade e legitimidade do ato administrativo averiguado.
Sem pretensão de esgotar o análise dos requisitos: economicidade, legalidade e legitimidade, cabe trazer breves conceitos desses critérios de controle que o TCU deve adotar no exercício de suas atividades. A economicidade contempla a ideia de que o ato adotado pelo administrador deve possuir uma relação de custo-benefício adequada. O critério da legalidade, por sua vez, consagra o exame da compatibilidade do ato administrativo com a lei, sob o ângulo formal. Por fim, o critério da legitimidade traduz o respeito do ato com os princípios do constantes do ordenamento jurídico brasileiro. (OLIVEIRA, 2018, 854)
A atuação do Tribunal do Tribunal de Contas é, segundo o texto constitucional, no auxílio do Poder Legislativo, possuindo esse poder a prerrogativa do exercício do controle direto dos atos do executivo, desde que nos limites que a Lei Maior estabeleceu. A necessidade de previsão Constitucional é um pouco lógica, tendo em vista que a atuação de um poder nos atos de outro deve ser exceção, respeitando a divisão dos poderes (OLIVEIRA, 2018, P. 853), cuja extrapolação não terá respaldo constitucional.
Dessa forma, o controle do Poder Legislativo sob o Executivo é exercido com auxílio do Tribunal de Contas da União, não é à toa que a constituição o colocou topograficamente ao lado do Congresso Nacional nessa função de controle. Embora atue como auxiliar do Legislativo, não lhe é subordinado (CABRAL, 2018, p. 8). Embora não incluído entre os três poderes, é considerado um órgão constitucional independente (OLIVEIRA, 2018, p. 853), importante no auxílio do controle legislativo sob o poder executivo e seus agentes, mas não sendo, frisa-se novamente, parte integrante do legislativo, em que pese exista quem assim defenda.
A expressão “tribunal” não se confunde com os Tribunais de Justiça, pois o Tribunal de Contas não exerce função jurisdicional (JÚNIOR, 1988, p.4). Conquanto realize dentro de sua competência julgamentos, não passam de julgamentos administrativos. Em outras palavras, a função administrativa técnica que o Tribunal de Contas possui é amplo, contudo não foge de apreciação do poder judiciário, podendo rever seus atos se forem abusivos ou ilegais.
O Tribunal de Contas da União, no exercício de sua função administrativa técnica, pode até mesmo apreciar a legalidade ou inconstitucionalidade de um ato administrativo do Poder Executivo, consoante o entendimento do Supremo Tribunal Federal que se extraí da Súmula 347. Nesse contexto, as decisões desse Tribunal auxiliar do Congresso Nacional possui eficácia de título executivo extrajudicial, sejam nas que constituam débitos ou multas (OLIVEIRA, 2018, p. 853).
Vale mencionar que as normas constitucionais, que balizam o TCU, devem ser observadas no que for cabível pelos Tribunais de Contas estaduais e municipais (OLIVEIRA, 2018, p. 854).
Quanto às funções que o TCU pode executar, estão previstas na própria Constituição Federal e, também, na lei orgânica do Tribunal de Contas – lei 8.443/1992. Possui, em epítome, as atribuições consultiva, fiscalizadora, julgadora, registro, sancionadora, corretiva e de ouvidoria. Diante do acúmulo dessas atribuições, pode-se compreender como um modelo de accountability, o qual pode ser resumido na prestação de contas e na responsabilização do agente público pelo prejuízo ao erário (FILHO; JÚNIOR, 2018, p. 14.).
Nessa linha, a função consultiva é quem possibilita a elaboração de pareceres técnicos, como os elaborados previamente sobre as contas prestadas pelo Presidente da República, nos termos do artigo 71, inciso I, da CF/88. (Oliveira, 2018, p. 854)
No tocante à função fiscalizadora, o TCU tem como uma de suas atribuições realizar uma fiscalização contábil, financeira e orçamentária. Conforme previsto na Constituição Federal no artigo 71, incisos IV, V e VI, da Constituição Federal.
De outro giro, o TCU analisa, para fins de registro, a legalidade dos atos administrativos de admissão de pessoal e, inclusive de aposentadorias. Consoante o disposto no artigo 71, inciso III, da Lei Maior, cabe ao TCU “apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta (…).”
Outra função, também importante, é a corretiva, na qual o TCU determina a correção de irregularidades administrativas que constatou no exercício de sua atribuição, estabelecendo prazo a ser observado pelo órgão ou pelo transgressor dos aspectos legais do ato. Assim, nos seguintes termos a Constituição o prevê em seu artigo 71, inciso IX, “assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade”.
Outrossim, o TCU irá atuar no recebimento de denúncias de irregularidades ou ilegalidades ofertada por qualquer um do povo ou entidades (art. 74, § 2.º, da CRFB). Outra vez, apresenta-se uma perspectiva do accountability vertical, pelo qual a população participa do controle dos atos administrativos dos poderes da república que violentam os cofres público (FILHO; JÚNIOR, p.15)
Finalmente, neste momento, cabe trabalhar conjuntamente as funções julgadora e sancionadora. A Corte de Contas possui a prerrogativa de julgar as contas dos agentes públicos que são responsáveis pelo dinheiro público, aplicando sanção ao tais sujeitos pelas contas irregularmente prestadas ou despesas não aprovadas (Oliveira, 2018, p. 855), nos termos do artigo 78, VII, da Constituição Federal. De forma lacônica, o TCU acompanha e fiscaliza a execução do orçamento, contratações, aposentadorias e, ainda, julga as contas dos responsáveis pelo dinheiro público (JÚNIOR, 1988, p. 5).
Desse modo, fica evidente que o Tribunal de Contas da União é um órgão administrativo especializado, “friamente” técnico, não adentrando nem investigando o aspecto volitivo do agente. Assim, não é da essência do Tribunal emitir parecer técnico sobre o ânimo do agente público, se agiu com dolo ou culpa, e sim se respeitou o prisma da legalidade, economicidade e legitimidade no emprego do dinheiro público por meio de atos administrativos ou contratos.
A vida em sociedade é dinâmica e permeada de eventuais conflitos, contudo o direito tem como um de seus objetivos solucionar esse “choque” de interesses. Assim, os direitos subjetivos necessitam de estabilidade, essa estabilização clama por uma segurança jurídica. Dessa forma, as decisões judicias na solução desses conflitos devem primar por decisões paritárias, dentro de critérios mais equânimes possíveis, não tratando casos idênticos de formas distintas, ao arrepio do princípio da isonomia e da segurança jurídica.
A segurança jurídica pode ser compreendida como um aglomerado de condições que propiciam as pessoas o conhecimento antecipado das consequências diretas de seus atos e fatos em sociedade (SILVA, 2013, P. 436). Como é cediço, o princípio da segurança jurídica é um postulado inafastável do Estado de Direito, assumindo um valor fundamental do sistema jurídico brasileiro, cabendo-lhe um papel de destaque na efetivação da justiça material (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 532).
Cabe destacar, ainda, que o princípio da segurança jurídica comporta duas forma de ser analisado, objetiva e subjetiva. Sua compreensão na forma objetiva identifica o sentido do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (OLIVEIRA, 2018, P. 94). É bem verdade que, para este artigo, o aspecto objetivo do princípio da segurança jurídica não é relevante, pois não há no objetivo da pesquisa analisar a sucessão de leis e os atos privados, mas sim do aspecto subjetivo que o princípio carrega.
Pois bem. O princípio da segurança jurídica traz uma abordagem subjetiva, na qual se busca garantir a confiança que a população tem sobre os atos estatais, ou seja, ela confia que os atos estatais são verdadeiros e isonômicos e que não terá surpresas, atuando com previsibilidade. Assim, a segurança jurídica no seu aspecto subjetivo traz o sentido de boa-fé (DI PIETRO, 2018, p. 155).
Portanto, a segurança jurídica é um importante elemento de um Estado de Direito, sem o qual o país não atrairia investimentos e deixaria uma impressão de que tudo pode acontecer conforme a “sorte”. Mas não é bem assim, há institutos que procuram garantir uma situação de estabilidade e confiança, sendo de fundamental importância no cenário jurídico. Como todas as coisas têm um fim, um direito a uma pretensão de ressarcimento também deve encontrar o seu limite. Por isso, a Constituição Federal de 1988 adotou como regra geral a prescritibilidade, sendo a imprescritibilidade a exceção, nos casos expressamente previstos.
A prescrição é um instituto de suma importância em todas as áreas jurídicas, sendo um veículo condutor de certeza e segurança jurídica, no qual procura delimitar direitos caducos, não permitindo que o direito se compadeça de forma infinita das pretensões. Cabe frisar, ainda, que as discussões em torno da prescrição são de longa data, inclusive do período romano (MONTEIRO, 1982, p. 1).
Nessa altura, cabe diferenciar a prescrição da decadência, ambas são formas jurídicas presentes na lei e nos manuais acadêmicos. Apesar da complexidade em distingui-las ser presente para todos os autores, pode-se seguir a distinção mais palpável, que seria a distinção entre o direito a uma pretensão e um direito potestativo, fruto de uma concepção teórica de Chiovenda (JÚNIOR, 2005, p. 2).
Nesse mesmo sentido, o direito a uma pretensão seria o qual o titular de um direito subjetivo – ou seja, o credor – necessita da conduta do devedor para ver atendido o seu direito, como uma relação obrigacional. Essa necessidade de satisfação surge da violação do direito do interessado, como é o caso do inadimplemento, isso porque da violação do direito nasce a pretensão, a qual se extingue pela prescrição. Nessa mesma direção, o artigo 189 do Código Civil prevê a prescrição exatamente como uma modalidade de extinção de uma pretensão, essa nascida após a violação de um direito.
Nos direitos potestativos, por sua vez, o interesse do indivíduo é satisfeito sem necessitar da conduta de alguém, como no caso do divórcio. Dessarte, o direito potestativo não pode ser violado, não é dependente da conduta de terceiros. Em vista disso, a classificação de Chiovenda se amalgama a distinção entre decadência e prescrição (JÚNIOR, 2005, p. 2). Em decorrência dessa distinção, fica fácil perceber que a prescrição lida com pretensões nascidas com a violação de um direito, violação essa que não existe nos direitos subjetivos potestativos.
Feita essa distinção, cabe agora adentrar na prescrição sob o ângulo da Administração Pública, mesmo que a abordagem acima não tenha esgotado o tema prescrição do ponto de vista acadêmico (até porque não é essa a pretensão da pesquisa), essas lições são suficientes para entender a importância do instituto citado.
A prescrição pode atuar perante a Administração Pública em duas formas, na forma em que é ela a parte interessada no decurso do tempo (pretensão de ressarcimento invocada contra o poder público), ou no viés em que ela será a prejudicada pelo lapso temporal. O presente trabalho se ocupou do segundo aspecto.
Nessa linha, a Administração Pública pode ter uma pretensão a exigir judicialmente por vários motivos, entre os quais são os atos ímprobos praticados por seus agentes contra a máquina pública. O agente público pode causar algum dano ao poder público passível de reparação ou contra algum particular, voltando-se o Estado contra o agente imprudente de forma regressiva.
Sendo a prescrição um instrumento da estabilização social, de envergadura constitucional ao se ver umbilicalmente ligada ao princípio da segurança jurídica, a discussão da prescritibilidade ou não do ato de improbidade chegou ao Supremo Tribunal Federal. O Recurso Extraordinário 852.475/SP foi decidido pelo Plenário da Augusta Corte. Discutia-se se os atos de improbidade dolosos e culposos estariam protegidos pela regra da prescritibilidade, que é a regra no direito brasileiro.
O Supremo Tribunal Federal, na interpretação do artigo 37, §5º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que assim dispõe:
A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento
Decidiu pela imprescritibilidade dos atos de improbidade dolosos, por maioria de votos. Assim, no tocante aos atos de improbidade administrativa, só se pode falar em prescrição se o ato decorreu de conduta culposa, não abarcando condutas dolosas.
Quanto aos atos ilícitos perpetrados contra o erário público, denominados de ilícitos civis, também ganhou manifestação do Pretório Excelso. Discutia-se se essas ações indenizatórias estariam na guarida da imprescritibilidade, haja vista que estaria em jogo uma fonte de receita pública decorrente de reparação civil decorrente de prejuízo causado ao erário.
Esse debate foi aclarado e definido em sede do Recurso Extraordinário 669.069/MG, por maioria dos votos. A Corte chegou a maioria dos votos pela prescritibilidade quinquenal dos ilícitos civis perpetrados contra o erário público. Diferente dos atos de improbidade administrativa, os atos danosos ensejadores de reparação têm como fonte normas de direito privado, como o abalroamento de um veículo particular em um carro oficial do Estado. Por isso, este precedente do Supremo Tribunal Federal não colide com o entendimento exposto no Recurso Extraordinário acima, que trata de atos danosos ao poder público que derivam de improbidade administrativa.
Perpassado essa exposição propedêutica, dos institutos citados anteriormente, cabe destacar que o STF não trabalhou nesses Recursos Extraordinários acima o TCU, isto é, se as violações dos agentes públicos ensejadoras de reparação ao erário público decorrentes de decisão colegiada do TCU seriam ou não imprescritíveis. Sendo o TCU um órgão administrativo, não possui o poder de executar suas próprias decisões, tal tarefa cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, sob o rito previsto na lei de Execuções Fiscais, como dívida ativa não tributária da União, satisfazendo, assim, as pretensões do Estado reconhecidas nas decisões colegiadas do TCU, sendo que essas decisões são possuidoras de eficácia de título extrajudicial. Dessa feita, esse título permite ao Estado exigir do agente público em juízo, diretamente na fase de execução, a devida reparação pelos danos causados ao erário e constatados pelo colegiado do TCU, em uma análise técnica das contas e do dinheiro público empregado.
Diante disso, requer-se uma análise do RE 636.886/AL, para extrair uma afirmação da coerência ou não da decisão tomada pela Augusta Corte. A bem da verdade, o Estado Democrático de Direito não admite decisões contraditórias para fatos que exigem decisões similares, aliás é esse o sentido que o artigo 926, caput, do Código de Processo Civil, ao exigir que os Tribunais mantenham suas jurisprudências integras e coerentes.
Antes de adentrar ao RE, cabe mencionar que se trata, na sua origem, de uma Execução Fiscal ajuizada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, buscando o ressarcimento aos cofres públicos, após o reconhecimento desse direito advindo de condenação pelo Tribunal de Contas da União. Diante da extinção do feito em primeira instância, a União recorreu para a segunda instância, obtendo o mesmo resultado. Fato, esse, que a permitiu pleitear diretamente ao Supremo Tribunal Federal o afastamento da prescrição sustentada na decisão de primeiro grau e confirmada pelo Tribunal Regional Federal, alegando a violação ao artigo 37, §5º, da Constituição Federal.
O Recurso Extraordinário teve como relator o Ministro Alexandre de Moraes, o qual foi o prolator do voto vencedor, sendo seguido por unanimidade por seus pares, no plenário do Supremo Tribunal Federal. O recurso, antes de seu julgamento, teve sua repercussão geral reconhecida. A repercussão geral é um sistema que seleciona os recursos relevantes que tenham como matéria de discussão o aspecto constitucional de uma norma, um crivo processual que separa as ações relevantes e de importância (TUCCI, 2015, p. 2).
Na sessão plenária, por videoconferência, o Ministro Relator tratou de diferenciar a prescrição dos atos de improbidade dolosos do caso em julgamento. Dessa forma, indicou que os danos ensejadores de indenização ao erário são submetidos, em regra, ao decurso do prazo prescricional. Sustentou, assim, que os atos de improbidade que permitem a exceção à regra da prescritibilidade são os que em seu elemento há a presença do dolo.
De fato, o ato de improbidade administrativa possui diversas modalidades, assim são atos de improbidade aqueles que causem prejuízos ao erário, provoque enriquecimento ilícito em detrimento do cargo, violação aos princípios da Administração Pública e, ainda, concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário (OLIVEIRA, 2018, p. 909). Todas essas condutas estão listadas de forma exemplificativa na lei nº 8.429/92, isto é, não são estanques, mas sim trazendo um rol aberto de condutas.
Importa menciona que todas as modalidades de improbidade administrativa aceitam a forma dolosa, que exige uma análise do aspecto volitivo do agente, não podendo chegar a conclusão do dolo ou culpa do ato pela simples análise do ato ou conduta desvinculado do agente responsável pela lesão aos cofres públicos.
Perpassado o análise dos atos de improbidade, o Relator citou que as decisões do TCU não comportam similitude com o julgamento no qual ficou decidido que os atos ilícitos civis são prescritíveis. Nessa toada, ficou sustentado no RE que não é impeditivo o ajuizamento da ação civil pública de improbidade administrativa paralelamente à ação de execução com supedâneo em acordão do TCU, preservando dessa maneira o direito à ampla defesa e ao contraditório.
Por fim, o relator trouxe a natureza das funções do Tribunal de Contas para fundamentar seu voto. Indicou que após a tomada de contas, o TCU indica se há ou não débito imputado ao agente cujas contas são objeto de exame. Uma vez formalizada a decisão, ela possui eficácia de título executivo extrajudicial, podendo ser executada sob o rito da lei de Execução Fiscal, com a denominação de dívida ativa não tributária. Relatou, que esse Tribunal administrativo não julga pessoas, não há espaço para a ampla defesa e o contraditório igual é existente no judiciário, nem poderia ser, pois seu exame recai sobre as contas do agente, não sobre a sua pessoa. No mérito, o Ministro Relator Alexandre de Moraes foi acompanhado por unanimidade, conhecendo do recurso para negar provimento, reconhecendo a prescritibilidade do ato, por não conter disposição expressa na Constituição Federal que legitime a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento do Erário derivada de condenação pelo Tribunal de Contas da União.
De fato, o Supremo Tribunal Federal caminhou bem ao reconhecer pela prescritibilidade, haja vista que os julgamentos no Tribunal de Contas da União não recaem sobre pessoas (SILVA, 2013, p.767), e sim nas contas prestadas. Vale dizer, o Tribunal de Contas não exerce função jurisdicional, assim os seus julgamento são eminentemente técnicos, analisando ou fiscalizando contas, não apreciando a responsabilidade pessoa do indivíduo, sob o prisma do animus do agente público, enfatizando que a atuação do Tribunal de Contas é prévia ao julgamento do responsável perante ao Poder Judiciário, esse sim fará a análise da culpabilidade do agente público (DI PIETRO, 2018, p. 1010).
Conforme o próprio relator sustentou, a eventual demanda de contas a serem analisadas não justificam uma interpretação prol Administração Pública em detrimento da segurança jurídica, da ampla defesa e do contraditório. Mecanismo que ampara ao Estado seria a ação pública de improbidade, apta a discutir a culpa do responsável pelo dinheiro público, sendo um subterfúgio a morosidade do Tribunal de Contas.
Conclusão
Gizada toda essa fundamentação advinda da pesquisa, é forçoso reconhecer que o Supremo Tribunal Federal caminhou bem ao estipular a prescritibilidade das pretensões de ressarcimento ao erário com supedâneo em decisão do Tribunal de Contas da União.
O caso julgado não se assemelha aos atos dolosos de improbidade, haja vista que o TCU não realiza julgamento de pessoas, mas sim de contas. Sendo um julgamento técnico, a ampla defesa e o contraditório não são presentes como é na esfera judicial, pois o Poder Judiciário se debruça na culpabilidade do agente, adentrando no aspecto volitivo do ato perpetrado.
Além do mais, a Constituição Federal não expressou a imprescritibilidade das ações derivadas de decisões do TCU, conferindo uma atuação estritamente técnica ao TCU, órgão auxiliar do Congresso Nacional no controle externo dos atos da Administração Pública.
Portanto, diante da não contrariedade nas decisões do Supremo Tribunal Federal em relação a prescritibilidade, não construiu sua jurisprudência ao arrepio da segurança jurídica, conservando e pacificando uma dúvida mais prática que daquelas propriamente discutidas nas faculdades de Direito.
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