A proteção da confiança, a boa-fé objetiva e a irretroatividade como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar

Resumo: O princípio da segurança jurídica é considerado como uma das vigas mestras da ordem jurídica, um dos subprincípios básico do próprio conceito do Estado de Direito (art. 5º, inciso, II, CF). É o crescimento da importância do princípio da segurança jurídica, entendido como o princípio da boa fé dos administrados ou da proteção da confiança. O Princípio da Boa Fé exige que as partes se comportem de forma correta não só durante as tratativas, mas também durante a formação e o cumprimento do contrato, até a completa extinção da obrigação, subdividindo-se em Boa fé objetiva e Boa fé subjetiva. O inciso XXXVI do artigo 5º da Lei Maior dispõe que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Esta é a forma ampla que consagra o princípio da irretroatividade como direito fundamental do indivíduo. A Constituição Federal estabelece no seu artigo 150 e incisos, a vedação para a União, para os Estados, para o Distrito Federal e para os Municípios, cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentados. Dentro do escopo do principio da segurança jurídica, abordaremos no presente Artigo, o Principio da Boa Fé e o Princípio da Irretroatividade da Lei, como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar.

Palavras chave: administrado, administração, ato, boa-fé, coisa, diálogo, direito, estado, irretroatividade, julgada, jurídica, jurídico, objetiva, subjetiva, segurança, pública, principio, tributo.

Abstract: The principle of legal certainty is regarded as one of the girders of the legal order, one of the basic sub principles of the very concept of the Rule of Law (Article 5, paragraph II, CF). The growing of the importance of the principle of legal certainty is understood as the principle of good faith of administered or of protection of confidence. The Principle of Good Faith requires parties to behave correctly not only during the negotiations, but also during the formation and performance of the contract until the complete extinction of the obligation, subdividing into objective good faith and subjective good faith. The paragraph XXXVI of Article 5 of Law Greater provides that the law shall not injure the vested right, the perfect juridical act and the res judicata. This broadly consecrates the principle of non-retroactivity as a fundamental individual right. The Federal Constitution provides in Article 150 and subsections, the seal for the Union, for the States, for the Federal District and for the municipalities, tribute in relation to events that occurred before the effective date of the law which instituted or increased them. Within the scope of the principle of legal certainty, we discuss in this Article, the Principle of Good Faith and the Principle of Non-retroactivity of Law, such as constitutional limitations on the judicial branch to tax.

Keywords: administered, administration, act, good faith, thing, dialogue, law, rule, non-retroactivity, judged, legal, judicial, objective, subjective, security, public principle, tribute.

Sumário: 1. Introdução. 2. A Formação da Confiança e o Tempo em Niklas Luhmann. 3.  A responsabilidade pela confiança à luz do Direito Privado, em especial no modelo Canaris.  4. Pontes de Miranda versus Canaris. 5. A boa-fé objetiva no Direito Privado.  6. Em resumo, a proteção da confiança e a boa fé objetiva no Direito Privado. 7. A proteção da confiança e a boa-fé objetiva no Direito Público. 8. Conclusão. Referências bibliográficas.

1. Introdução.

Os princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do Governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da Administração e da Jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; tem que ser prestigiados até as últimas consequências (ATALIBA, 2004, p. 34).

O Princípio da Segurança Jurídica. O princípio da segurança jurídica é considerado como uma das vigas mestras da ordem jurídica, sendo para J.J. Gomes Canotilho, um dos subprincípios básico do próprio conceito do Estado de Direito (art. 5º, inciso, II, CF). Para Almiro do Couto e Silva, um “dos temas mais fascinantes do Direito Público neste Século XX, é o crescimento da importância do princípio da segurança jurídica, entendido como o princípio da boa fé dos administrados ou da proteção da confiança” (MEYRELLES, 2001, p. 90).

 Se o administrado tiver reconhecido um direito pela Administração ou se a lei respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, por respeito ao princípio da segurança jurídica, não é admissível que o administrado tenha seus direitos flutuando ao sabor de interpretações jurídicas variáveis no tempo. Como exemplo, poderíamos citar a falta de fiscalização de um terreno público, que propicia, na maioria das vezes, a invasão e a instalação de uma favela naquele local.  Assim, em razão do inevitável problema social decorrente, via de regra, a área é regularizada pelo Poder Público, em favor dos invasores como forma a estabilizar as relações sociais entre o Estado e a coletividade.

Nesta perspectiva, o mesmo Poder Público, por intermédio de uma nova Administração, não poderá ingressar com a reintegração de posse da área invadida, contra as pessoas ali residentes, pois criará, inexoravelmente, uma insegurança jurídica e uma desestabilização social, com efeitos nefastos para o Poder Público e para a sociedade.

O Princípio da Boa-Fé.  O Princípio da Boa-Fé exige que as partes se comportem de forma correta não só durante as tratativas, mas também durante a formação e o cumprimento do contrato, até a completa extinção da obrigação. A Boa- fé subdivide-se em Boa-fé objetiva e Boa-fé subjetiva.

A Boa-fé objetiva constitui um modelo jurídico, na medida em que se reveste de variadas formas, tais como, a honestidade, a retidão, a lealdade e a clareza das informações a respeito do negócio jurídico. A Boa-fé subjetiva é o convencimento individual da parte ao agir em conformidade ao Direito, sendo aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Baseia-se numa crença ou ignorância da aparência de certo ato.

O Princípio da Irretroatividade. O inciso XXXVI do artigo 5º da Lei Maior dispõe que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Esta é a forma ampla que consagra o princípio da irretroatividade como direito fundamental do indivíduo. A Constituição Federal estebelece no seu artigo 150 e incisos, a vedação para a União, para os Estados, para o Distrito Federal e para os Municípios, cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentados.

Daí pode-se inferir que o princípio da irretroatividade possui relevância e por ser considerado um dos princípios basilares que respaldam o exercício do poder de tributar, garantindo os direitos dos contribuintes.

Dentro do escopo do principio da segurança jurídica, abordaremos no presente Artigo, o Principio da Boa-Fé e o Princípio da Irretroatividade da Lei, como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar.

Este Artigo estabelecerá uma breve conexão dos pensamentos e textos de Humberto Ávila, Fábio Martins de Andrade, Heleno Taveira Torres e Mizabel Abreu Machado Derzi.

Entretanto, neste Artigo, será estabelecida uma conexão mais imediata do pensamento e texto de Mizabel Abreu Machado Derzi, in Modificações da Jurisprudência no Direito Tributário, Editora Noeses, motivo pelo qual realizaremos a reprodução parcial ou adaptação do texto em atendimento ao título e subtítulos do presente Artigo, bem como nos textos e ensinamentos de Niklas Numann, Claus Wilheim Canaris, Pontes de Miranda, e Carneiro da Frada, entre outros.

Destacamos que Mizabel Derzi é ex-Procuradora-Geral do Estado de Minas Gerais, 1999-2001 e ex-Procuradora-Geral do Município de Belo Horizonte, 2005-2006.  É Professora Doutora Titular de Direito Financeiro e Tributário da Universidade federal de Minas Gerais – UFMG. É Professora Doutora Titular de Direito Tributário das Faculdades Milton Campos e membro do Grupo de Pesquisa Europeu de Fianças Públicas – GERFIP (Groupement Européen de Recherches en Finances Publiques, com sede em Paris), e Presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT. Mizabel Derzi também possui cadeiras na Academia Mineira de Letras Jurídicas, na Academia Brasileira de Direito Tributário e na Academia Internacional de Direito e Economia (AIDE) e tem mais de trinta obras de sua autoria e coautoria, além de diversas condecorações pela contribuição do seu saber ao Direito Tributário.

2. A Formação da Confiança e o Tempo em Niklas Luhmann.

Niklas Luhmann (nasceu Lünerburg em 08/12/1927 e faleceu em Oerlinghausem em 06/11/1998), foi um sociólogo alemão, sendo hoje considerado, juntamente com Jürgen Habermas, um dos mais importantes representantes da Sociologia alemã atual. Adepto de uma teoria particularmente própria do pensamento sistêmico, Luhmann teorizou a sociedade como um sistema autopoitético. Autopoiese ou autopoiesis (do grego auto “próprio”, poiesis “criação”) é um termo cunhado na década de 1970, pelos Biólogos e Filósofos chilenos, Francisco Varela e Humberto Maturana, para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios.

Segundo esta teoria, um ser vivo é um sistema autopoiético, caracterizado como uma rede fechada de produções moleculares (processos), onde as moléculas produzidas geram com suas interações a mesma rede de moléculas que as produziu. A conservação da autopoiese e da adaptação de um ser vivo ao seu meio são condições sistêmicas para a vida. Por tanto um sistema vivo, como sistema autônomo está constantemente se autoproduzindo, autorregulando, e sempre mantendo interações com o meio, onde este apenas desencadeia no ser vivo mudanças determinadas em sua própria estrutura, e não por um agente externo. De origem biológica, o termo passou a ser usado em outras áreas  por Steven Rose na neurologia, por Niklas Luhmann na Sociologia, por por Gilles Deleuze e Antonio Negri, na Fisosofia, e por Patrik Shumacher na Arquitetura.

Ao aplicar o conceito dos sistemas autopoiéticos ao direito, Luhmann consegue reduzir a complexidade social. De tal modo, os estudos de Luhmann apregoam que o direito, em seu viés autopoiético, se (re)cria com base nos seus próprios elementos. Sua autorreferência permite que o direito mude a sociedade e se altere ao mesmo tempo movendo-se com base em seu código binário (direito/não-direito). Tal característica permite a construção de um sistema jurídico dinâmico mais adequado à hipercomplexidade da sociedade atual.

Luhmann Estudou direito na Universidade de Freinburg entre 1946 e 1949, quando obteve seu doutorado e começou sua carreira na administração pública. Durante um descanso em 1961, foi para Harvard (EUA)  para estudar a sociologia de Talcott Parsons, o teórico mais famoso do mundo à época. Nos últimos anos, Luhmann abandonou o sistema teórico de Parsons, desenvolvendo um rival aproximado próprio. Ao deixar o serviço público em 1962, estudou na renomada Hochschule für Verwaltungswissenschaften (Universidade para Ciências Administrativas) em Spyer, na Renânia-Palatinado até 1965, quando lhe foi oferecido um posto no Departamento de Pesquisa Social da Universidade de Münster, liderado por Helmut Schelsky.

Entre 1965 e 1966 estudou um semestre de sociologia em Münster. Dois livros anteriores foram retroativamente aceitos como tese de Pós-Doutorado e a ele foi conferido o título de Professor. Em 1968/1969, ele ocupou o posto de palestrante na cadeira originalmente de Theodor Adorno, na Universidade de Frankfurt sendo indicado como Professor de Sociologia na recém-fundada Universidade de Bielefeld, até a aposentadoria, em 1993. Continuou seu trabalho até finalmente completar sua grande obra, Die Gesellschaft der Gesellschaft (“A Sociedade da Sociedade”), publicado em 1997.

O elemento central da teoria de Luhmann é a comunicação. Sistemas sociais são sistemas de comunicação e a sociedade é o sistema social mais abrangente. Um sistema é definido pela fronteira entre ele mesmo e o ambiente, separando-o de um exterior infinitamente complexo. O interior do sistema é uma zona de redução de complexidade: a comunicação no interior do sistema opera selecionando apenas uma quantidade limitada de informação disponível no exterior. O critério pelo qual a informação é selecionada e processada é o sentido (em alemão Sinn).

Observado a sintese bibliografica de Lumann,  passa-se a análise do subitem em apreço,  esclarecendo que a confiança é o ato de confiar na analise se um fato é ou não verdadeiro, devido a experiências anteriores, entregando essa análise à fonte de estatísticas e opiniões de onde provém a informação e simplesmente considerando-a, checando-a com outras informações, o chamado cruzamento de informações. Se refere a dar crédito, considerar que uma expectativa sobre algo ou alguém será concretizada no futuro.

A confiança é o resultado do conhecimento sobre alguém, da informação e de um sistema de Inteligência. Quanto mais informações sobre quem necessitamos confiar, melhor formamos um conceito positivo da pessoa e é o que Sun Tzu chama de confiança no desenvolvimento da guerra, sendo fundamental, para a sobrevivência do Estado,  o chamado Sistema Nacional de Inteligência. (TZU, 2006, P. 67).

A noção no senso comum de tempo é inerente ao ser humano, visto que todos somos, em princípio, capazes de reconhecer e ordenar a ocorrência dos eventos  percebidos pelos nossos sentidos. Contudo a ciência evidenciou várias vezes que nossos sentidos e percepções são mestres em nos enganar. A percepção de tempo inferida a partir de nossos sentidos é estabelecida via processos psicossomáticos, onde variadas variáveis, muitas com origem puramente psicológica, tomam parte, e assim como certamente todas as pessoas presenciaram em algum momento uma ilusão de ótica, da mesma forma de que em algum momento houve a sensação de que, em certos dias, determinados eventos transcorreram de forma muito rápida, e de que em outros os mesmos eventos transcorreram de forma bem lenta, mesmo que o relógio,  aparelho especificamente construído para medida de temp,  diga o contrário.

Em outras palavras, o tempo é uma componente do sistema de medições usado para sequenciar eventos, para comparar as durações dos eventos, os seus intervalos, e para quantificar o movimento de objetos. O tempo tem sido um dos maiores temas da religião, filosofia e ciência, mas defini-lo de uma forma não controversa para todos, em uma forma que possa ser aplicada a todos os campos simultaneamente, tem iludido os maiores conhecedores.

Na física  e noutras ciências, o tempo é considerado uma das poucas quantidades essenciais. O tempo é usado para definir outras quantidades,  como a velocidade, e definir o tempo nos termos dessas quantidades iria resultar numa definição redundante.  Por influência da teoria da relatividade idealizada pelo Físico Albert Einstein, o tempo vem sendo considerado como uma quarta dimensão do continuun espaço-tempo do Universo do, que possui três dimensões espaciais e uma temporal. Na metereorologia o tempo é o estado físico das condições atmosféricas em um determinado momento e local. Isto é, a influência do estado físico da atmosfera sobre a vida e as atividades do homem.

A complexidade das sociedades de risco contemporâneas é tomada como problema central por Niklas Luhmann e abordada por meio de técnicas, usadas para a sua redução, consoante sustenta Mizabel Derzi. ( DERZI, 2009, p.325).

A linguagem, que pressupõe a representação e auto-consciência reflexiva, permitindo a formação de generalizações e seletividade, a concepção dos sietmas, como forma de ordenação unitária, que necessariamente se utiliza de abstração e universalidade, sobretudo guiadas pela coerência dogmática, o tempo autêntico e a confiança, que viabiliza a vida e as açoes, são técnicas de redação dependente, todas redutoras da complexidade do mundo, que é difícil de manejar.

Todavia,  o tempo está em relação com a confiança e ele, por si, pode ser um instrumento redutor de complexidade. Como esclarece Luhmann, mostrar confiança é antecipar o futuro. É comportar-se como se o futuro fosse certo. Poder-se-ia dizer que, através da confiança, o tempo se invalida ou ao menos se invalidam as diferenças de tempo (LUHMANN, 1996, p. 14).

Luhmann, ao analisar a relação entre tempo e confiança, distingue entre o tempo como fluxo unidimensional, para trazer noções de duração por oposição à de variação, ou noção de estado em contratste com a de evento/acontecimento. Sem essas noções, não há possibilidade de se entrar na questão da confiança. É que as impressões cambiantes, que estão em tudo e em toda parte, até em nós mesmos, são possíveis por meio de experiência humana de duração, oposta à variação. Com essa noção, constroi-se o tempo objetivo, como medida do relógio, um contínuo de pontos, entre dois agoras, como diria Heidegger, igual para todos os homens. Assim, o tempo objetivo inclui o constante e o que muda. (HEIDEGGER, 1979, P.34).

Para Luhmann, a base de toda confiança é o presente como um continuo intacto de sucessos cambiantes, como a totalidade dos estados com respeito aos quais os eventos podem ocorrer. O problema da confiança é que o futuro contém muito mais possibilidades do que aquelas que poderiam atualualizar-se no presente e do presente transferir-se para o passado. A incerteza é elementar: nem todos os fatores podem converter-se em presente e daqui em passado. O futuro coloca uma carga excessiva na habilidade do homem para representar coisas para si mesmo. Portanto a confiança deve reduzir o futuro de modo que se iguale com o presente, isto é, reduzindo a complexidade.

A confiança supõe tres características elementares:  (a)  a permanência  dos estados, de modo que se igualem presentes e futuros; (b) a simplificação por meio de redução da complexidade e das infinitas possibilidades variáveis; (c) a atntecipação do futuro, pela projeção daquilo que se dá no presente, para tempos vindouros.

Onde há a supremacia sobre os eventos e os acontecimentos, a confiança não é necessária. A confiança e a proteção da confiança não se colocam do ponto do vista do Estado, como ente soberano. Isso porque nas obrigações ex lege, o Estado tem supremacia sobre os eventos e os acontecimeentos que ele mesmo provoca, vale dizer, as leis, as decisões admnistrativas e as decisões judiciais na modelação e cobrança dos tributos.

2.1. Da Confiança familiar à confiança sistêmica.

No ensinamento de Mizabel Derzi, na medida em que as sociedades se tornam mais complexas, a familiaridade por parentesco ou por experiência fática, perde seu caráter prosaico. Assim, a História deixa de ser a memória das coisas experimentadas e se torna uma estrutura predeterminada, que é a base para a confiança. Na fase ainda familiar, a confiança é antes interpessoal e serve, sobretudo, para superar a incerteza em relação ao comportamento das outras pessoas. À medida que cresce à complexidade, a familiaridade se reduz, embora não seja eliminada, nascendo como resultado, a confiança no sistema, que implica renunciar, como risco consciente, a alguma possibilidade de maior informação e ao continuo controle dos resultados. A confiança não significa assim, mera esperança. Ela implica a expectativa confiável, que interfere diretamente na decisão tomada pela pessoa que confia (DERZI, 2009, p. 329).

Niklas Luhmann afirma que a confiança é uma necessidade pessoal, interpessoal e sistêmica. Como o sistema é incapaz de captar inteiramente o real, ele interpreta o mundo seletivamente, e rebaixa a informação que possui e, com isso, a complexidade. Como afirma Derzi, a confiança sistêmica é uma ilusão, ou seja, ela supõe a falta de informações. Quem dispõe de informações muito completas e consistentes de um fato não precisa confiar. Contudo, quando não é possível esgotar as informações, o risco é inerente ao processo. Assim, o sistema funciona com confiança.

De acordo com Luhmann, a primeira condição para se outorgar a confiança seria familiaridade ou a informação prévia. A deficiência informativa não pode ser radical. Evidentemente, a confiança supõe a informação prévia, que reduz o risco, mas não elimina. Nas sociedades simples, a familiaridades, como experiência fática pessoal, é fator de supressão da necessidade de outras informações institucionais. Mas, à medida que se passa aos modelos mais complexos, do externo para o interno, a reflexão afasta o homem do objeto observado, reduzindo-se a familiaridade fática e assim, a confiança deverá superar a desinformação.

Immanuel Kant foi um filósofo prussiano, considerado como o último grande filósofo dos princípios da era moderna, sobretudo pela elaboração do denominado idealismo trancendental: todos nós trazemos formas e conceitos a priori (aqueles que não vêm da experiência), para a experiência concreta do mundo, os quais seriam de outra forma, impossíveis de determinar. Sua principal obra foi Critica da Razão Pura,npublicada em 1781. Kant firma que “consistindo a verdade” na concordância de um conhecimento com o seu objeto, esse objeto deve, por isso, distinguir-se de outros. Ora, um conhecimento é falso quando não concorda com o objeto a que é referido, mesmo contendo algo que poderia valer para outros objetos. Portanto, um critério geral da verdade seria aquele que fosse válido para todos os conhecimentos, sem distinção dos seus objetos (KANT, 2005, p.93).

A segunda condição para se outorgar a confiança são as estruturas motivadoras, como as leis, que permitem o desenvolvimento da confiança, porque estabilizam as expectativas, tornando-as sancionáveis. Entretanto nos sistemas sociais mais diferenciados e complexos, a lei e a confiança não mais coincidirão inteiramente, pois se poderá falar, da proteção da confiança, mesmo em face dos atos ilícitos.

Na confiança no sistema, está se continuamente consciente de que tudo o que se realiza é um produto, que cada ação foi decidida depois de ser comparada com outras possibilidades. A confiança no sistema conta com processos explícitos para a redução da complexidade, quer dizer, com pessoas, não com a natureza. Os grandes processos civilizadores de transição, até a confiança no sistema, dão à humanidade uma atitude estável em direção ao que é contingente em um mundo complexo, faz possível viver com a consciência de que tudo poderia ser de outra maneira. Esses processos fazem com que o homem possa ter consciência da contingência social do mundo. Esse pensamento dá origem ao problema da consciência transcendental na constituição significativa do mundo.

Como afirma Derzi, o sistema abriga também o oposto da confiança. A confiança supõe a expansão da confiança, porque, igualmente, latente no sistema, graças à desconfiança. A predominância da confiança sobre a desconfiança supõe testemunhas, ou seja, supõe que outros também confiem. Parece antes que a familiaridade com o dinheiro, o poder e a verdade é apreendida como uma conduta e que, tipicamente, a reflexividade desse mecanismo fique latente, assim como também o seu caráter altamente arriscado. Tal estado latente pode fazer com que a criação da confiança seja mais simples e atuar como salvaguarda contra temores incontroláveis. Assim, o que aconteceria se cada um, de repente, quisesse trocar em moeda todo o seu dinheiro, ou se andasse armado nas ruas, a base da racional da confiança no sistema jaz na confiança depositada na confiança de outras pessoas (DERZI, 2009, P. 333).

A reflexividade da confiança sistêmica torna a confiança um valor, de tal modo que a confiança de uns supõe a confiança de outros, mas sob relativo controle, porque a confiança sistêmica é, em grande parte, percebida, razão pela qual, a desconfiança latente pode transparecer como equivalente funcional da confiança, ou seja, como redutor adicional da complexidade.

2.2. A confiança e a desconfiança como redutores de complexidade.

Conforme afirma Luhmann, consequentemente a desconfiança também logra simplificação, não raramente uma simplificação drástica. Uma pessoa que desconfia necessita muito mais de informação, mas ao mesmo tempo limita a informação àquilo que ela sente seguramente que pode confiar. Faz-se mais dependente com relação a menos informação. (LUHMANN, 1996, p. 124).

Conforme sustenta Mizabel Derzi o sistema jurídico também absorve desconfiança, que permanece latente, e uma série de medidas são adotadas sem o claro reconhecimento da desconfiança. Sem dúvida o jogo dos delitos e das penas tem a função de estabilizar as expectativas, mas também sinalizam desconfiança sistêmica. No Direito Financeiro, as técnicas de controle de Finanças Públicas, como legalidade orçamentária, execução do orçamento e prestação anual de contas absorvem desconfiança, justificada pela experiência histórica do passado. No Direito Tributário, a desconfiança manifesta-se, frequentemente implícita, em regras de controle, por meio de imposição de uma série de deveres acessórios, informações, registros contábeis e declarações impostas aos contribuintes; às vezes, em regras de presunção, simplificação e pautas de valores; mas chega a seu ponto mais elevado em institutos como a substituição tributária progressiva, em que se cria a obrigação de pagar o tributo antes mesmo da ocorrência do fato jurídico, que lha dá origem. Por todo sistema perpassam regras antissonegação ou antifraude. De fato, a simplificação que a desconfiança obtém pode ser mais drástica e a ela corresponder uma renúncia a maiores informações ou a valores, que são sacrificados, pela recusa da confiança. (DERZI, 2009, P. 335).

Luhmann, afirma que para limitar a desconfiança, desse modo, reduzem a probabilidade de que um sistema social entre seus membros, o que pode significar um ganho crítico em tempo para a sobrevivência do sistema, na medida em que o sistema possa empregá-lo para aprender a confiança e acumular capital de confiança, com a ajuda da qual logo chegue a ser menos sensível e possa também sobreviver a situações mais sérias.

Em síntese, pelo pensamento de Luhmann, e nas lições de Mizabel Derzi, pode- se consolidar que a confiança não significa mera esperança, pois ele implica na expectativa confiável, que interfere diretamente na decisão tomada pela pessoa que confia. (DERZI, 2009, p. 338).

O Estado de Direito está consubstanciado no inciso II, do art. 5º, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Assim, como afirma Heleno Taveira Torres, consolidado o Estado de Direito, afirma-se a doutrina do “Estado Constitucional”, especialmente com os avanços da doutrina da Constituição material. Como decorrência da crise do “Estado Liberal”, ou se preferir, com o êxito do “Estado Social”, e o surgimento do “Estado Democrático”, foi marcante a expansão das necessidades de receitas tributárias para a cobertura de inúmeros custos financeiros com direitos sociais e com a função extrafiscal de intervenção estatal na economia. (TORRES, 2011, p. 175-176).

O Estado Constitucional de Direito, fundado na livre iniciativa e na propriedade privada obriga-se a sustentar-se mediante impostos. A partir de agora, melhor seria falar de um Estado Constitucional Tributário, como o faz Saldanha Sanches, pois a passagem para a fase do Estado Fiscal vai implicar na constitucionalização do direito fiscal nos seus aspectos fundamentais (SANCHES, 1989, 354).

Neste contexto, por “Estado Constitucional Tributário” tem-se que todos aqueles financiados por tributos, instituídos nos limites previstos pela Constituição, como meios financeiros para a cobertura dos custos com a organização do Estado, direitos sociais e todos os fins das suas competências materiais.

Dessa forma a confiança supõe certa exposição ao risco, certa relação de dependência daquele que confia. Onde há supremacia sobre os eventos e acontecimentos, a confiança não é necessária, nem a sua proteção.  Começam neste ponto as razões pela quais, nas relações tributárias, o Estado não ocupa a posição daquele que confia, e, que por isso, mereça proteção, mas a ele poderá ser imputada a responsabilidade pela confiança gerada. O Estado é que tem supremacia sobre eventos e acontecimentos, pois elabora as leis, promove as cobranças de tributos e, ao mesmo tempo, julga os conflitos, jamais o contribuinte, pelo menos diretamente. As leis são frutos do processo democrático, em que o interesse de todos deve ou deveria ser considerado, ou pelo menos, posto no espaço público.

Na realidade brasileira, no entanto, a supremacia sobre os eventos e acontecimentos se faz de forma aguda: as iniciativas das leis tributárias, altamente técnicas e inacessíveis em sua inteligência ao contribuinte médio, as medidas provisórias, fertilíssimas em matéria tributária e elaboradas no silêncio palaciano dos governos, as maiorias mantidas no Congresso Nacional por meio de trocas de cargos e favores constantemente noticiados pela mídia, tudo isso nos assegura que, efetivamente, essa dependência do contribuinte ás ações do Estado e a supremacia estatal sobre os acontecimentos são fatos irrefutáveis.

O princípio da supremacia do interesse público. Esse princípio, também chamado de princípio da finalidade pública, está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda sua atuação.

No que diz respeito á sua influência na elaboração da lei, é oportuno lembrar que uma das distinções que se costuma fazer entre o direito privado e o direito público (e que vem desde o Direito Romano) leva em conta o interesse que se em vista proteger; o direito privado contém normas de interesse individual e, o direito público, normas de interesse público, conforme nos ensina Maria Silvia Zanella  (DI PIETRO, p. 68).

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade, e a título de exemplo podemos citar que haverá interesse Público ou a supremacia do interesse público em matérias sobre meio ambiente, direito tributário, direito processual, segurança pública, poder de polícia, saúde, educação, em favor da coletividade e em detrimento aos interesses individuais.

Dentre as precondições para se outorgar confiança, tem-se a deficiência informativa, em que o risco existente ainda, permanece; as estruturas motivadoras e impulsivas do processo de se gerar confiança, como as leis e normas em geral; e os mecanismos de comunicação, a lei será apenas uma delas, por isso mesmo a legalidade não esgota a riqueza e a extensão da confiança, que transborda em seu estado latente. A confiança expande os tempos de um sistema, e permite o resgate do passado e a antecipação do futuro.

A reflexividade é fator de aumento da confiança e, pois, da redução do risco e da complexidade, dais resultando a confiança com o valor. Com isso, pode-se falar que o sistema convive com confiança latente e confiança, em grande parte, percebida.

Também a desconfiança, sempre latente, como a confiança, é poderosa redutora de complexidade, mas, por sua capacidade destrutiva, tem necessariamente de ser combatida e limitada.

3.  A responsabilidade pela confiança à luz do direito privado, em especial no modelo Canaris.

O jurista alemão Claus-Wilhelm Canaris tem destacada atuação na área do direito civil e da filosofia jurídica, tendo sido professor das Universidades de Graz, de Hamburgo e de Ludwig-Maximilian (Alemanha), sendo que também recebeu importantes prêmios e distinções, como a Ordem da Baviera Maximiliano de Ciência e Arte.

No escopo de estudar a natureza própria da tensão entre dois princípios constitucionais, é necessário diferenciar a oposição de contradição, no que concerne ao fenômeno do conflito principiológico. Para tanto, destacamos o entendimento do jurista alemão Claus-Wilhelm Canaris, citado pelo brasileiro Juarez Freitas (FREITAS, 1995, p. 53).

Mencionando as chamadas quebras no sistema, Canaris diferencia cabalmente meras oposições entre princípios constitucionais de contradições. Para ele, as oposições são naturais dentro de um sistema aberto onde estão plasmados, notadamente diferentes anseios jurídico-sociais. De tal forma que, não devem ser suprimidas tais oposições, haja vista que constituem a própria essência de uma ordem jurídica, ajustando entre si as cargas valorativas de seus princípios, buscando sempre uma via intermediária e harmonizadora das disposições constitucionais. Assim, tal tensão não restaria suprimida, mas superada e mantida no sistema, enquanto baliza.

Em contrapartida, visualiza Canaris, as contradições atinentes a princípios constitucionais como vis a um sistema aberto de princípios e regras, como o próprio a uma constituição democrática, devendo estas, acaso existentes, serem suprimidas. Assevera o jurista alemão que “(…) contradições de valores perturbam a adequação interior e a unidade da ordem jurídica e sua harmonia e que, por isso, devem basicamente ser evitadas ou eliminadas” (apud FREITAS, 1995, p.60).

No outro sentido, a abertura é entendida como uma incompletude proposital do sistema, necessária para tornar possível a evolução e a mutação da ordem jurídica. Porém, como bem adverte Canaris, a abertura não deve ser confundida com a mobilidade do sistema, ainda que ambas se refiram à mutabilidade do sistema. A concepção da mobilidade, conforme os ensinamentos do estudioso são relevantes porque torna possível a existência de sistemas fechados, porém, móveis, ou, ao menos, com aspectos mutáveis. Caracteriza-se a mobilidade pela falta de escolhas por parte do legislador, pela ausência de valorações, as quais poderão ser determinadas mediante as particularidades do caso concreto (CANARIS, 1996, p. 1-3).

Segundo a lição de Canaris, as características de ordenação e unidade se sobressaem dentre as várias definições de sistema jurídico. Sustenta o jurista alemão que o postulado de justiça (tratar o igual de modo igual e o diferente de modo diferente, na medida da diferença) conduz à exigência de ordem e unidade, a primeira vinculando tanto o juiz quanto o legislador a agirem com adequação valorativa (ou seja, estão eles adstritos a retomar e repensar os valores encontrados, procedendo com adequação) e a segunda tendente a garantir a ausência de contradições na ordem jurídica (o que poderia ser admitido, na hipótese de o sistema ser fracionado por diferentes ordens desconexas, cada qual com soluções próprias para o enfrentamento dos mesmos problemas concretos).

Karl Larenz ( 1903-1993), foi um jurista e filósofo do Direito alemão. Foi Professor em duas importantes Universidades da Alemanha, a Universidade de Kiel e a Universidade de Munique. Como jurista destacou-se na área do Direito Civil, tendo produzido diversas obras que se fizeram e fazem autoridade na disciplina. Seus ensinamentos muito influenciaram os pensadores pátrios. Dentre os que adotaram sua doutrina, destaca-se o Professor Orlando Gomes. A sua obra mais destacada á Metodologia da Ciência do Direito. 3 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1997.

Conforme sustenta Mizabel Derzi, Karl Larenz diferencia os princípios ético-jurídicos, que podem justificar decisões jurídicas, como expressão material da justiça, dos princípios técnico-jurídicos, que se fundam em razões de oportunidade. Reconhece que os primeiros, os ético-jurídicos podem aflorar em uma descoberta jurídica, inrropendo o umbral da consciência, graças a caso pragmático. Invocou como fruto de tais descobertas, a doutrina do abuso do direito; o instituto do Verwirkung, ou supressio, que configura a derrogação ou caducidade de uma norma, graças ao seu desuso; a responsabilidade pela culpa in contrahendo, embasada no § 242, do Código Civil alemão. (DERZI, 2009, p. 338-339). A culpa in contrahendo é compreendida, nos países de sistema romano-germânico, como uma responsabilidade decorrente da culposa ou dolosa inobservância dos deveres de proteção, informação e lealdade.

Larenz, afirma que coube a Henrich Stoll, associar a culpa in contrahendo, ao principio da proteção da confiança, tendo concluído que o Tribunal Constitucional alemão derivou, do Estado de Direito, princípios como o da proporcionalidade, no sentido de justa medida e de menor restrição possível, bem como o principio da proteção da confiança na relação entre a legislação e o cidadão, com o que a Corte trabalhou a irretroatividade.

Canaris afirma que Balersted e Coing, erigiram a responsabilidade pela confiança em instituto próprio do Direito, pois na época da criação do Código Civil alemão, no final do Século XIX, não havia uma consciência do conceito de confiança, sempre retratada como uma excepcionalidade. Em todas as áreas do Direito, em especial no Direito Comercial, Civil e do Trabalho, deu-se crescimento exagerado das espécies penais de responsabilidade pela confiança, que se solidificaram como Direito Consuetudinário. Em decorrência, disso na obra de Canaris, se reconstrói a proteção e a responsabilidade pela confiança, quer preenchendo lacunas deixadas pelas regras legais quer aditando-lhes o Direito Consuetudinário, tudo de modo sistemático, uniforme e unitário e sem contradições com o Direito vigente.

O pressuposto lógico do principio da proteção da confiança reside no fato de que haja confiança a ser protegida, portanto a responsabilidade pela confiança Gerada depende da existência de uma correspondente confiança. Assim, mesmo na responsabilidade pela aparência, campo no qual sempre se invocou a teoria da confiança, serão excluídos do tema de estudo, aqueles casos em que a ordem jurídica prevê a proteção absoluta da relação, independentemente do fato de a parte ter confiado ou não na aparência ou mesmo procedido de boa-fé.

Estão também excluídas do amplo leque que o principio da proteção da confiança alcança as hipóteses de responsabilidade por atos ilegais delituosos, em que a observância da confiança for apenas um elemento entre muitos, tratando-se antes de responsabilidade por delito e não de responsabilidade pela confiança gerada. Assim, a simulação delituosa pode estar excluída da responsabilidade da confiança.

Assim, na teoria da Canaris, a responsabilidade pela aparência é uma forma positiva de confiança, porque aquele que confia é colocado, muitas vezes como se a situação por ele suposta, e em que confiou, fosse verdadeira, ou seja, como se na realidade existisse. Isso pode ocorrer no caso da procuração por aparência, na sociedade por aparência ou nos casos em que se apresente o comerciante aparente.

3.1. As espécies de proteção da confiança ou responsabilidade.

Canaris estabelece a responsabilidade pela confiança positiva e responsabilidade pela confiança negativa. A confiança positiva se caracteriza pela  esfera jurídica por aquele que confia, é delimitada e garantida como se o fato, em que confiou realmente existisse. A confiança negativa não considera existente o fato em que se confiou, sendo ele desconsiderado, porém garante-se aquele que confiou uma indenização por danos.  A primeira tem efeitos mais completos e depende de certa esquematização, enquanto a segunda tem abrangência restrita, alcançando apenas os investimentos feitos por aquele que confia.

3.2. Características gerais da responsabilidade pela confiança e as hipóteses de aplicação.

Como pressupostos gerais da responsabilidade pode-se citar: (i) o pressuposto fático da confiança, atribuível àquele que a gera e exige a tipicidade da confiança; (ii) a boa-fé daquele que confia; (iii) a confiança protegida não pode ser interior, fruto da consciência subjetiva da pessoa que confia, devendo ela ser objetiva; (iv) a imputabilidade, ou seja, a responsabilidade pela confiança der ser imputável ao responsável, entre o fato e as disposições ou investimentos por aquele que confiou.

Esses pressupostos podem ser ou caracterizar uma proteção positiva ou um ressarcimento dos danos, quando na proteção da confiança negativa.

A responsabilidade pela aparência do Direito, muito visível no Direito Empresarial, que se configura na proteção do trafego jurídico e ao livre transito de papeis, tais como, documentos, títulos de crédito, caracteriza-se pela rigidez legal para o responsável, podendo desdobrar-se em: (i) um conjunto de fatos aparente; (ii) o conhecimento do fato aparente por parte daquele que confiou e a sua boa fé; (iii)  as ações e omissões assumidas por parte daquele que confiou em relação causal com a sua confiança; (iv) a imputabilidade necessária ao responsável.

A responsabilidade pela confiança gerada, por força de necessidade ético-jurídica, que cumpre função diferente da responsabilidade pela aparência, interliga-se ao pensamente da bona fides. Tem como base o § 242 do Código Civil alemão e se constrói sob os fundamentos da fidelidade, da crença, dos dolus e da proibição do venire contra factun propriun. Afirma Canaris que há necessidade de valiação do caso isolado, pois, os fatos são abertos e o sistema é móvel. Na responsabilidade ético-jurídica, há necessidade de se investigar o tipo e a medida das disposições tomadas por aquele que confia.

A responsabilidade por declaração ocorre quando a pessoa se torna responsável pela declaração errônea que ela mesma forneceu, resultando das normas dos §§ 122-129 e 179, II, do Código Civil, bem como da culpa in contraendo e da responsabilidade por informações falsas. A responsabilidade por declaração funda-se na boa-fé, na fidelidade e na crença, e também na proteção ao tráfego jurídico.

Canaris quando examina a tipicidade da confiança, a define como qualquer situação de fato que for apropriada para despertar a confiança, destacando dois grupos: (i) em realidades constitutivas externas artificiais, que incluem aquelas criadas pelas leis, como os registros públicos, patrimoniais, comerciais e de pessoas, e o título de herdeiro. Essas espécies de fatos, característicos da responsabilidade pela aparência, são estritamente disciplinadas pelo ordenamento positivo, e para eles somente valem asa disposições legais; (ii) em realidades constitutivas externas naturais, como as declarações orais, os documentos e o comportamento do concludente. A interpretação da confiança, em tais casos, é mais ampla podendo ser tomada com base nos princípios gerais e naturais.

Canaris aponta cinco condições essenciais à caracterização por parte daquele que confia: (i) a boa-fé; (ii) o conhecimento da tipicidade da confiança; (iii) o investimento da confiança; (iv) a relação causal entre esse investimento e a confiança; (v) a ocorrência de uma praxe comercial.

Afirma Canaris citado por Mizabel Derzi que, confiar não é nada mais do que a ausência de desconfiança. Ninguém confia com mais força do que aquele que não tem consciência de sua confiança. E continua a autora, mas são especialmente fortes as exigências de boa-fé (guter Glaube), em relação àquele que confia, exigências postas pelo jurista, sem estabelecimento claro de limites e diferenciações entre boa-fé subjetiva (guter Glauber) e boa fé objetiva (Treue um Glaube). A simples menção da palavra boa-fé arrasta consigo uma gigantesca biblioteca germânica e suíça, de absorção hodierna quase impossível, alem daquela de outros países, e brasileira. (DERZI, 2009, p. 352-353).

4. Pontes de Miranda versus Canaris.

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (Maeió, 23/04/41892- Rio de Janeiro, 22-12-1979) foi um jurista, filósosfo, matemático e escritor brasileiro.  Autor de livros nos campos da Matemática e das Ciência Sociais, como a Sociologia, Psicologia, Política, Poesias, Filosofia, e sobretudo Direito. Aos dezenove anos formou-se bacharel em Direito e Ciências Sociais (1911) pela Faculdade de Direito do Recife, hoje integrante da Universidade Federal do Pernambuco,  mesmo ano em que escreveu seu Ensaio de Psicologia Jurídica, o qual foi alvo de elogios de Ruy Barbosa.

Foi professor honoris causa (em português “por causa de honra” usada em títulos honoríficos concedidos por Universidades a pessoas eminentes, que não necessariamente sejam portadoras de um diploma universitário mas que se tenham destacado em determinada área, tais como  artes, ciências, filosofia, letras, promoção da paz, de causas humanitárias, etc) da Universidade de São Paulo, Univseridade do Brasil, Universidade do Recife, Universidade Federal de Alagoas, Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e, Universidade Federal de Santa Maria (RS). Foi desembargador do antigo Tribunal de Apelação do Distrito Federal e embaixador do Brasil na Colômbia.

Em sua produção bibliográfica, 144 volumes dos quais 128 estudos jurídicos, destaca-se seu Tratado do Direito Privado, obra com 60 volumes e mais de 30 mil páginas, concluído em 1970. Suas primeiras obras,  À margem do direito (1912) e A moral do futuro (1913),  foram à época elogiadas pelos juristas Clóvis Beviláqua, Ruy Babosa  e pelo crítico literário José Veríssimo.

Por duas vezes foi premiado na década de 1920 pela Academia Brasileira de Letras, da qual tornou-se imortal em 1979. Seus prêmios: Prêmio da Academia Brasileira de Letras (1921) por A Sabedoria dos Instintos e Láurea de Erudição (1925) por Introdução à Sociologia Geral.

É considerado o parecerista mais citado na jurisprudencia brasileira. Sua biblioteca pessoal (16.000 volumes e fichário) hoje integra o acervo do Supremo Tribunal Federal. Paulatinamente, desde a década de 1990, suas obras estão sendo atualizadas e retornando ao mercado editorial brasileiro, através de várias editoras.

Autor de influência alemã, introduziu novos métodos e concepções no Direito brasileiro, nos ramos da Teoria Geral do Direito, Filosofia do Direito, Direito Constitucional, Direito Internacional Privado, Direito Civil, Direito Comercial e Direito Processual Civil.

A teoria da aparência é criticada por Pontes de Miranda, In Direito Cambiário, v. I, publicado em 1937 quando associa os poderes de representação aparentes à confiança, ao analisar o art. 46, da Lei nº 2044, que foi sucedida pela Uniforme, em seu at. 8º, cujo texto é “o que se disse com poderes, quer convencionais, quer legais, sem os ter, ou só os tendo insuficientemente, fica pessoalmente obrigado”, quando leciona: (MIRANDA, 1937, p. 96).

“O mandato, propriamente dito, também esse pode resultar da aparência ligada á confiança do público, que a lei tem por intuito político jurídico proteger (…).

Não é só. O conferimento de mandato pode resultar da aparência, se o mandante não deu poderes para os atos cambiários, ou para determinados atos cambiários, mas ciente ou devendo estar ciente da prática de atos cambiários em seu nome pelo representante, não toma atitude que resguarde os interesses da generalidade. As circunstâncias podem mesmo criar a obrigação cambiária de quem conhece a atividade cambiária de outrem, em seu nome, ou deve conhecê-la, posto que não haja qualquer mandato.

Somente quando não se pode considerar obrigado cambiário qualquer dos mandantes aparentes acima menciona dos é que se aplica o art. 46 da Lei nº 2044 ou o art. 8º da Lei Uniforme.”

As críticas de Pontes de Miranda concentram-se na teoria propriamente da criação ou da existência do título, que não é corretamente diferenciada de sua eficiência, campo dentro do qual afastará a teoria da aparência, por considerá-la inútil.

Na explicitação a exigência da boa-fé, acolhida na teoria da criação ou na teoria construtiva, oponível aos portadores de títulos, afirma Pontes de Miranda que

“Segundo E. Jacobi e Herbert Meyer, devem ser consideradas distintamente as relações jurídicas do subscritor com o primeiro tomador e as do subscritor com os terceiros de boa fé. Esses firmam o seu direito na aparência de haver o subscritor emitido o título em virtude de contrato, aparência que persiste em seus efeitos protetores do terceiro, ainda que o título houvesse entrado em circulação se, ou, mesmos contra a vontade do subscritor.

Desvia-se a discussão para o terreno do principio de publicidade. Mas esquecem-se os estudiosos da aparência de direito, desde Otto Ficher até H. Mayer, de que um principio pelo simples fato de se referir a um instituto, não basta para explicá-lo, menos ainda para a sua construção dogmática. Em torno e através de cada instituto, muitos princípios passam. Estudado o princípio, estudado está o aspecto do instituto que ao princípio interessa não o instituto mesmo”. (MIRANDA, 1961, p. 176).

Ao reduzir a teoria da aparência à teoria da publicidade, em relação aos títulos de crédito, Pontes de Miranda realça algo relevante que será retomado pela doutrina germânica contemporânea, em sítio diferente daquele que se escreveu, vale dizer, no campo das decisões judiciais, que desencadearam a sua eficácia em relação a terceiros, gerando expectativas normativas genéricas.

No Brasil, a boa-fé, se faz sentir mais no Direito Civil e no Direito do Consumidor. Canaris constrói a proteção e a responsabilidade pela confiança constante do Código Civil alemão, e Pontes de Miranda, relativamente à teoria da aparência, associa os poderes de representação aparentes à confiança, quando analisada a Lei cambiária (L. 2004).

5. A boa-fé objetiva no Direito Privado.

No pensamento de Pontes de Miranda, à época, ele afirmava que, o Código Civil Brasileiro de 1916, apenas adotava a boa-fé subjetiva e não a objetiva, como cláusula geral, como faz hoje o art. 422, do Código Civil de 2002, a exemplo do Código Civil alemão. O CC de 1916, não continha um artigo correspondente ao § 242 do Código Civil alemão. Ao insistir na visão de que teorias que se fundiam na equidade ou na boa-fé, são casuísticas, levava ao arbítrio do juiz, e refutava uma a uma, as possibilidades de extrair o princípio da boa-fé, das normas positivas, quer fosse do Código Civil ou do Código Comercial.

A Lei de introdução às Normas do Direito Brasileiro, aprovada pelo Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/1942, com a redação pela Lei nº 12.376, de 30/12/2010, no seu art. 4º, estabelece que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. No seu art. 5º, estabelece que na aplicação da Lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

No art. 126, do CPC, diz que o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da Lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito. No art. 127 CPC, O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.

No art. 422, do Código Civil Brasileiro de 2002, está estabelecido que os contratantes são obrigados a guardar, assim, na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

A boa-fé subjetiva. É a intenção, decore de um estado de consciência da parte, de estar agindo conforme os padrões de honestidade, de crença, de lealdade, honra e fidelidade, por isso não configura um a fonte genérica de obrigações, é casuística, e por seu caráter antes negativo do que positivo, não se pode dizer, a priori, da existência ou não de responsabilidade, e tudo dependerá do caso concreto (p.362).

A boa-fé objetiva. A boa fé objetiva, não diz respeito ao estado mental subjetivo do agente, mas sim, ao seu comportamento em determinada relação jurídica de cooperação. O seu conteúdo consiste em um padrão de conduta, variando as suas exigências de acordo com o tipo de relação existente entre as partes (p.362).

Nelson Nery Junior leciona que a boa-fé objetiva “é, pois, regra de conduta, de conteúdo e eficácia jurígena, vale dizer, é fonte criadora de direitos e de obrigações, tal como a lei sem sentido formal”. (NELSON NERY, 2008, p. 83).

As origens da boa-fé germânica provêm do Direito Romano e Canaris, se utiliza para reforçar as garantias deixadas frágeis pelo legislador.

A boa-fé objetiva também permeia o Direito Público.  Em decisão do STJ, citada por Miriam Campos, no qual o Banco de Brasil, em Memorando de Entendimento se dispôs a suspender a ação, em face do elevado numero de devedores, caso estes se dispusessem a negociar.  Entretanto assim, não o fez o Banco, daí os deveres recorrerem para obter a suspensão, fundado no princípio da boa-fé (CAMPOS, 2012, p.61).

O Voto do Ministro Relator, Ruy Rosado de Aguiar (…)

“O compromisso público assumido pelo Ministro da fazenda, através de memorando de Entendimento, para suspensão da execução judicial de dívida bancária de devedor que se apresentasse para acerto de contas, gera no mutuário a justa expectativa de que essa suspensão ocorrerá, preenchida a condição. Daí decorrer o direito particular de obter a suspensão fundado no principio da boa-fé objetiva., que privilegia o respeito à lealdade.

Inconcebível que um Estado democrático, que aspire a realizar a Justiça, esteja fundado no principio de que o compromisso público assumido pelos seus governantes não tem valor, não tem significado, não tem eficácia. Especialmente quando a Constituição da república consagra o princípio da moralidade administrativa (CF. RESp- MS n.6183-MG, 4ª Turma, unanime, 14/12/95.”

Nesta perspectiva, da boa-fé aplicada ao Direito Público, tem-se que as disposições contidas nos arts. 2º, § único, inciso IV, e 4º, inciso II, da Lei nº 9.784, de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, e, ainda, no art. 116, II, da Lei nº 8.112, de 1990, se constituem, e devem ser entendidas como autênticas e lídimas as cláusulas gerais de regência no Direito Administrativo brasileiro. Isso em face de seu caráter fluido e vago que remonta a valores do sistema jurídico, conforme se confere do teor dos dispositivos retrocitados, a saber:

“Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único: Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (…)

IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé.

Art. 4º. São deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo: (…)

II – proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;

Art. 116. São deveres do servidor: (…)

II – ser leal às instituições a que servir;”

É preciso destacar que as cláusulas gerais, assim no Direito Público como no Direito Privado, detêm caráter de norma legal cogente, de eficácia vinculativa, cuja invocação para soluções concretas pode – e deve – ser feita ex-officio pelo juiz ou pela própria Administração, nas respectivas esferas de atribuições. A lição de NÉLSON NERY JÚNIOR, como a de tantos outros, deixa clara a força imperativa da boa-fé objetiva:

“Sendo normas de ordem pública, o juiz pode aplicar as cláusulas gerais em qualquer ação, independentemente de pedido da parte ou do interessado, pois deve agir ex officio. Com isso, ainda que, por exemplo, o autor da ação de revisão do contrato não haja pedido na petição inicial algo relativo a determinada cláusula geral, o juiz pode, de ofício, modificar cláusula de percentual de juros, caso entenda que assim deva agir para adequar o contrato. Assim agindo, o juiz poderá ajustar o contrato e dar-lhe a sua própria noção de equilíbrio, sem ser tachado de arbitrário” (NELSON NERY, 2008, p.63).

Nesses moldes, integrando a cláusula geral da boa-fé o conceito de legalidade, sob o aspecto da legitimidade e da juridicidade, deve a Administração dar-lhe aplicabilidade quando a realidade fática assim o requerer, sob pena de correção judicial ou do uso de seu poder de autotutela no que toca aos atos que pratica, anulando-os quando implicarem violação à boa-fé objetiva, conforme autorizam as Súmulas nºs 346 e 473 da STF, respectivamente:

“A Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos. A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

Assim, pode-se concluir que a boa-fé objetiva é instituto jurídico que tem cabal aplicação no terreno dos contratos administrativos, seja como princípio de Direito Público, seja como elemento da nova Teoria dos Contratos, nos termos do art. 54 da Lei 8.666, de 21 de junho 1993.

6. Em resumo, a proteção da confiança e a boa fé objetiva no Direito Privado.

Em razão da profunda indeterminação do conceito de boa-fé objetiva, Manuel A. de Castro P. Carneiro da Frada, refuta-lhe o caráter subsidiário, como única função, a que se recorreria pelas circunstâncias difíceis e por razões de equidade, definindo a boa-fé objetiva como uma ideia regulativa (genérica), dotada de expressão legal, algo mais do que princípios e valores. (FRADA, 2001, p. 868). Por sua vez, Menezes Cordeiro vê a boa-fé como a tradução de valores fundamentais do sistema jurídico (CORDEIRO, 2003, P. 604).

Para Canaris, o principio da boa-fé também se mantém, em muitos aspectos, de forma subsidiária, manifestando-se quando a equidade se faz necessária. Ambos os princípios éticos, o principio da confiança e da boa fé, são forma de compensação corretiva da justiça, guardando fluidez e indeterminação em sua materialidade.

A boa-fé subjetiva daquele que confia está entre os pressupostos da proteção da confiança, pois o Direito não pode abrigar o desonesto, o desleal. Constitui verdade também que a responsabilidade pela confiança é como já apontava Canaris, um princípio ético-jurídico que permanece como pano de fundo, sempre aflorando naqueles casos em que a segurança garantia, disponibilizada e regulada pela lei, fracassa.

Para Mizabel Derzi, nesse ponto se tocam a responsabilidade pela confiança alimentando-se da boa-fé na solução dos conflitos, atualizados pelos casos concretos. Mas mesmo quando se superpõem, não coincidem, ambos transbordam em funções, extensão e situações, a saber: (a) a proteção da confiança somente se aplica às partes dependentes que não tenha domínio dos eventos/acontecimentos, mas desfrutem de situação mais frágil em face do outro; (b) o principio da boa-fé objetiva, é fonte de deveres e de obrigações, o que não ocorre com a proteção da confiança. Mas esse ponto, da boa-fé objetiva, no Direito Público, ficará reduzido na legalidade, pois os deveres acessórios e laterais dos contribuintes deverão estar previstos em lei, como manda a Constituição.  (DERZI, 2009, p. 373-374).

Carneiro da Frada submete-se a fundamentação do principio da proteção da confiança ao principio da boa-fé objetiva, reduzindo o primeiro em sua extensão em aspectos importantes, a saber: (i) Cortou-lhe a dimensão temporal que encontra na própria confiança; (ii) omitiu a proteção da confiança como uma relação no tempo; (iii) na responsabilidade pela confiança, assevera que imputação não advém do dolo; (iv) o caráter compensatório da proteção de confiança, que3 corrige a justiça comutativa;

A responsabilidade pela confiança somente se apresenta para Carneiro da Frada, nas hipóteses de justiça comutativa corretiva, lugar onde a proteção da confiança e a boa-fé se encontram, ou seja, em casos concretos em que é necessário ao julgador fazer atuar o princípio da boa fé na função já apontada, de autorização para a decisão por equidade, hipótese em que entram em consideração à casuística e a adaptação do contrato á realidade fática do caso concreto.

A posição de Carneiro da Frada, não leva em consideração o tempo, como dimensão relevante, sobretudo a justiça prospectiva, que além do passado, considera também o futuro. Esse conceito de justiça prospectiva depende de tempo, a formação dos fatos jurídicos e a proteção da confiança.

Na verdade, os deveres primários, de prestação, podem se desdobrar ainda em principais e acessórios. Os deveres acessórios destinam-se a preparar o cumprimento ou assegurar a sua perfeita realização (conservar a coisa até a tradição ou transportá-la, na compra e venda) ou deveres secundários com prestação autônoma, podendo ser coexistentes com a prestação principal (indenizar pela mora ou substitutivos dessa prestação, tal como ocorre no Direto Tributário, com a obrigação principal e acessória).

7. A proteção da confiança e a boa-fé objetiva no Direito Público.

Afirma Mizabel Derzi que o conceito de justiça prospectiva depende da associação entre os seguintes fatores: o tempo, a formação dos fatos jurídicos e a proteção da confiança. Por usa vez a proteção da confiança, sendo materialização direta da justiça prospectiva, está envolvida com a formação dos fatos jurídicos e o tempo.  Do ponto de vista do Direito Tributário, é de alta relevância realçar as relações de proteção da confiança com a segurança jurídica, cerne do Estado de Direito. (DERZI, 2009, p. 377).

O Estado de Direito não é apenas Estado das Leis, pois administrar conforme a lei é antes administrar o Direito, razão pela qual a proteção da confiança e a boa-fé são componentes indivisíveis da legalidade, do Estado de Direito e da Justiça.

Roland Kreibich menciona que juristas alemães utilizam a expressão boa-fé como sinônima de proteção de confiança. Outros como Krieger, Thiel, consideram a proteção da confiança um resultado ou consequência legal da boa-fé. Roland Kreibich, afirma que no plano abstrato e geral existem aplicações inerentes ao principio da proteção da confiança, que não tem relação com a boa-fé, a saber: (a) a irretroatividade das leis; (b) a obrigatoriedade do cumprimento de promessas e de prestação de informações; (c) a proteção contra a quebra ou modificação de regras administrativas; (d) a proteção contra a modificação retroativa da jurisprudência; (e) a garantia da execução de planos governamentais. Observa Kreibich, que na Alemanha, prevalece o principio da proteção à confiança, como um princípio-mãe, deduzido do Estado de Direito, através da segurança. (KREIBICH, 1992, p. 188).

Kreibich aponta como divergência, existente entre o principio da proteção da confiança e o da boa-fé, o fato do primeiro ser mais abrangente, e assim, aplicar-se-á, às situações gerais, abstratas e aquelas concretas; já o segundo, o principio da boa-fé, somente alcança uma situação jurídica individual e concreta, ou seja alcança não as leis e os regulamentos normativos, mas apenas os atos administrativos individuais e as decisões judiciais. Para tanto elaborou o seguinte Quadro:

Kreibich define o principio da boa-fé com um principio jurídico em geral (universal), válido para todas as áreas jurídicas, e sem restrições no Direito Tributário, sendo direito não escrito, que exige um comportamento leal, e confiável de todos os envolvidos em uma relação jurídica concreta, e que sendo ainda expressão da ideia da proteção da confiança no Direito Constitucional, através da segurança jurídica, decorre do Estado de Direito e da ideia de justiça (que lhe determina o sentido).

Os princípios da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, ao lado da proporcionalidade, que inspiravam a doutrina e a jurisprudências germânicas, passaram a influenciar as decisões das Cortes de Justiça Europeia, no Direito Tributário. Silva Calmes na sua obra de doutoramento, da notícia dessas transformações que na França, notabilizando três aspectos: (a) a necessidade de se estabelecer uma obrigação geral de respeito aos termos fixados aos prazos legais, tanto pelo legislador tanto pelo administrador (pacta sunt servanta); (b) necessidade de se criar obrigação geral de na retroatividade no Direito Tributário, relativamente aos três Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário. (CALMES, 2001, p. 118). Nas constituições europeias na consagram a irretroatividade para o Direito em geral, salvo o Direito Penal; (c) Mudanças do legislador, quando necessárias, aplicando-se o principio da proporcionalidade.

Afirma Mizabel Derzi que os posicionamentos acima, dão a ideia da complexidade do tema e antecipam a miscigenação entre os princípios da proteção da confiança, da boa-fé, e da irretroatividade. Tudo isso decorre da função de garantia subsidiária, atribuída ao principio de proteção de confiança, pois a ordem jurídica é frágil, em direitos fundamentais, quer ligados á segurança jurídica, à igualdade, à propriedade, à dignidade humana, ao pleno desenvolvimento da personalidade, em toda parte manifesta-se a proteção da confiança. Assim, as conclusões de Kreibich, com as quais concorda a Autora, não são simples. (DERZI, 2009, p. 377).

7.1. Uma síntese introdutória à complexidade do tema.

Afirma Mizabel Derzi que em suas considerações sobre a proibição de retrocesso no campo dos direitos fundamentais, Ingo Sarlet, elege como foco, os direitos sociais e suas garantias, inerentes ao Estado Social de Direito, para traçar uma síntese, de que nos utilizaremos como introdução à complexidade do tema. Raciocinando sobre o dilema contemporâneo, de um lado demandas cada vez maiores por prestações sociais, de outro um decréscimo da capacidade prestacional do Estado e da sociedade, o jurista considera a proibição de retrocesso, para ponderar sobre o seu conceito extensão e limite. (DERZI, 2009, p. 383).

O principio da proteção da confiança, no Direito Administrativo em geral e no Direito Tributário em particular, tem sido extraído, quer pela jurisprudência, quer pela doutrina alemã, daquelas cinco possibilidades enumeradas por Ingo Sarlet, a saber: I– da segurança jurídica e do Estado de Direito ou do conjunto dos direitos e garantias fundamentais, II– do direito de propriedade; III– do principio da dignidade da pessoa humana; IV– principio geral da igualdade; V– ou ainda, dos direitos sociais, principio do Estado Social (SARLET, 2007, p. 1-23).

Na síntese dos fundamentos do principio da proibição de retrocesso á luz do Direito alemão, que se aplica em todos os aspectos ao principio da proteção da confiança, como citado por Ingo Sarlet, que aponta diferenças relevantes entre as duas ordens jurídicas, a brasileira e a germânica, a saber: I– alerta para o fato de que a Constituição da Alemanha, embora consagre o Estado Social e Democrático de Direito, não enumera os direitos sociais fundamentais em seu próprio texto, que têm embasamento infraconstitucional; II– no Brasil, ao contrário, os direitos sociais são material e formalmente fundamentais, gozando, dessa maneira (ou devendo gozar), de um grau mais elevado de proteção; III– aponte-se o fato de que o art. 5º, inciso XXXVI, da nossa Constituição, estabelece a proibição de retroação, impondo o respeito ao direito adquirido, à coisa julgada, e ao ato jurídico perfeito.

Com exceção do Direito Penal, há uma carência de dispositivo expresso em relação á irretroatividade das Leis no Direito Constitucional, e assim, projeta o tratamento do tema para dentro do campo do principio da proteção da confiança que, em seu caráter de pano de fundo, aflora em toda sua plenitude, na jurisprudência e na Dogmática dos germanos. Não será o caso do Brasil, de se atribuir ao principio da proteção da confiança o papel de substituição dos direitos adquiridos, dos atos jurídicos perfeitos, da coisa julgada, e mais genericamente ainda, dos fatos jurídicos já ocorridos.

7.2. A proteção da confiança como princípio constitucional e suas relações com a irretroatividade e outros direitos fundamentais, na Dogmática alemã e suíça.

O principio da proteção da confiança, em textos isolados, já era invocada na Alemanha, na época da Constituição de Weimar, mas foi, após as Grandes Guerras, que demonstrou a sua força, desenvolvendo-se, a partir de então, trabalhos dogmáticos muitos profundos. As teorias germânicas tiveram reflexos em outros países, em especial, na Suíça, onde o principio da boa-fé obscurecia o entendimento relativo á proteção da confiança.

Segundo Weber-Dürler a proteção da confiança ganhará também na Suíça, depois de 1970, autonomia, pois passará a contribuir para a solução de casos, que haviam sido excluídos do âmbito de aplicação da boa-fé objetiva. Com o aparecimento do verbete proteção da confiança ocorreu não só uma superação terminológica, mas ficou patenteado o caminho para reconhecer e superar toda a problemática (DÜLLER, 1983, p.7).

A confiança aplica-se a todos os ramos do direito e tem se manifestado a sua eficiência no Direito Administrativo, no Direito Ambiental, e de Energia Nuclear, no Direito Social e no Direito Tributário, passando a confiança ser a palavra conceito-chave para a fundamentação de um pedido de compensação.

7.2.1. Delimitação do objeto da proteção da confiança no Direito Público.

O fato indutor da confiança é criado pelo Estado ou por órgãos públicos estatais. Essa a peculiaridade mais relevante, da qual resultarão outras, como a obrigatoriedade dos atos administrativos e da vinculatividade resultante dos atos estatais. Ato Administrativo, conforme as lições de Hely Lopes Meireles é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato, adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos ou impor obrigações aos administrados (MEYRELLES, 2001, p. 141).

Os Atos administrativos vinculados são aqueles identificados pela ausência de liberdade do administrador que no momento da realização do ato deverá pautar sua conduta em conformidade com a forma e conteúdo consignado na lei, abstendo-se de juízos de conveniência e oportunidade.

Diferentemente disso, nos Atos administrativos discricionários sobressai-se certa margem de discricionariedade do executor, franqueando-se a possibilidade de valorar subjetivamente a conveniência e oportunidade da realização do ato. Portanto, nessa espécie, é a própria lei que confere ao agente público uma margem para escolha da solução que melhor atenda os interesses públicos em jogo.

A vista da violação da confiança ou da ameaça de fazê-lo, o cidadão volta-se contra o próprio Estado, para exigir a proteção da confiança nele depositada.

Assim, no Direito Público, nada obstante, o principio da proteção da confiança configura um direito individual fundamental, extraído da Constituição, que somente defende a confiança das pessoas privadas, em face das ações ou omissões dos órgãos estatais.

7.2.2. Do plano: o principio da proteção da confiança somente protege o cidadão/contribuinte ou o privado, contra Estado.

A dogmática e a jurisprudência alemãs e suíças utilizam o principio da proteção da confiança como principio e como direito fundamental individual, que somente o privado reivindica em contraposição à Administração Pública, ao Poder Legislativo e Poder Judiciário quando os Poderes do Estado criam fato gerador da confiança. Afirma Weber-Düller que,

“A administração irá gerar confiança em virtude da multiplicidade da atividade administrativa de modos muito distintos, por exemplo, através de informações ou promessas, através de atos administrativos, através de contratos administrativos, através do ato de tolerar uma situação; além disso, regulamentações, a praxe administrativa até então, o trabalho de publicidade da Administração, bem como a existência de determinadas instituições públicas poderão ter como consequência confiança e disposições condicionadas á confiança do cidadão. Na Justiça, a proteção da confiança se torna atual, sobretudo, frente as alterações jurisprudenciais, apesar de também ocorrerem outros fatos constitutivos de uma realidade que fundamentam confiança, como despachos dos tribunais, informações sobre recursos jurídicos ou informações de pessoas no Tribunal. Por fim, inclusive o legislador vai ser fundamento para a confiança do cidadão, pois a tarefa da legislação é justamente garantir previsibilidade e possibilidade avaliação.” (DÜLLER, 1983, p. 10).

Fábio Martins de Andrade, professor da de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ, reforça este posicionamento quando assegura que nesse cenário exercem relevante papel os princípios da proteção da confiança legítima, da boa-fé e da segurança jurídica, que giram em torno do respeito aos direitos fundamentais dos contribuintes, e não em favor do Fisco, sobretudo de modo acrítico ou com base primordialmente nos tais argumentos pragmáticos ou consenquencialistas ( ANDRADE, 2011, p. 198-199).

A questão de saber se a proteção da confiança das pessoas de direito público, uma contra as outras, se desdobra nas mesmas soluções ou dilemas e com igual intensidade como se dá no Direito Privado, ainda está por se explicar. Segundo Weber-Dürler, isso ainda não ficou claro.

7.2.3. Fundamentação mais recente.

A fundamentação mais recente do principio da proteção da confiança não se satisfaz com a invocação difusa da segurança jurídica, da estabilidade das relações e da previsibilidade inerente ao Estado de Direito. São enriquecidas com os seguintes argumentos de O. Bachof: (a) a relação de dependência das pessoas privadas em relação ao Estado é cada vez mais invocada; (b) a liberdade, como possibilidade de a pessoa estruturar a própria vida privada; (c) a aplicação da regra quanto mais, tanto mais. Quanto maior pressão do Estado sobre o individuo, mais dependente ele ficará dependente de uma decisão do Poder Público, e assim o individuo confiará na decisão (BACHOF, 1989, p.291).

O principio da proteção da confiança, como principio ético-jurídico, quando em geral está casado com a boa-fé, aplica-se de forma homogenia nas relações de coordenação, nascidas da autonomia das partes, inerentes à justiça comutativa do direito dos contratos, das obrigações em geral e da responsabilidade civil, inclusive no que concerne ao Estado, se envolvido em tais relações.

7.2.4. Funções e limites.

A Dogmática alemã destaca que o principio da proteção da confiança tem a função de conciliar diversos princípios. A jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha pondera que a proteção da confiança resulta da dialética entre a continuidade das normas, liberdade e segurança de um lado e, por outro lado, do desenvolvimento social e dinâmico do Estado distribuidor. Este aspecto tem origem no Estado multifuncional, que de certa forma casou o Estado Protetor do Direito, com a ideia do Estado Social com o Estado distribuidor.

7.2.5. Localização do Principio da proteção da confiança na Constituição. 

O principio da proteção da confiança encontra-se em todos os lugares. As fontes de dedução alemã ou suíça tem sido: (a) a boa-fé, de acordo com a Corte Administrativa Federal alemã; (b) o principio do Estado de Direito tem sido a grande fundamentação e primeira do Tribunal Constitucional alemão.

As fontes de dedução do principio da proteção da confiança, pela dogmática alemã e suíça são: (a) o principio do Estado de Direito, na segurança jurídica defendida por Roland Kreibich; (b) principio da boa-fé objetiva, em conjunto com a segurança jurídicas, defendida por Weber Düller; (c) principio do Estado Social, como justificação da proteção da confiança, conforme defende J. Mainka; (d) direito fundamental da propriedade, que engloba todas as variações da proteção da confiança, defendida por Walter Schimidt; (e) proteção a liberdade, no sentido do livre desenvolvimento da personalidade, defendida por E. Grabitz; (f) como proteção do status e do livre exercício da profissão, ao principio da confiança, defendido por U.K.Preuss; (g), como regra para a igualdade de tratamento, a proteção de confiança se apresenta como um direito fundamental, defendida por N. Achterberg; e, (h) como demonstração da dignidade humana, defendida por M. Sachs e R. Zuck.

7.2.6. O que é digno de proteção.

Em relação às especificidades que o Direito Público contém unilateralidade da aplicação do principio da proteção da confiança do cidadão, e não do Estado, e, o sopesamento do interesse público, questiona-se a aplicabilidade dos requisitos gerais do principio de confiança, prevalecendo os institutos jurídicos de Direito Privado, são adequados, no que couber.

Com isso devemos especificar o que é digno de proteção, a saber: (a) a continuidade da ordem jurídica; (b) a proteção da continuidade, do ponto de vista material; (c) a fidelidade ao sistema e à justiça; (d) a proteção da disposição concreta ou de investimento; (d1.) prática da confiança como indicador; (d.2) proteção da confiança sem prática da confiança;

7.2.7. Enfim, de como a proteção da confiança (e boa-fé) suprem lacunas de garantia, no Direito positivo alemão e suíço.

É impressionante constatar a constância com que o principio da proteção da confiança é invocado para suprir lacunas de garantias no Direito Constitucional, em especial naqueles Países, em que a vedação de retroação do Direito somente alcança a lei penal, de forma expressa.

No Brasil, apenas nos espaços restritos e controversos ou de fragilidade do principio da irretroatividade é que surgirá, como garantia ético-jurídica, o princípio da proteção da confiança.

Mas a Constituição da República não se refere á irretroatividade das modificações da jurisprudência, limitando-se, pois, às leis. Nesse sítio, exatamente nele cabe à indagação. Poder-se-ia falar de aplicação analógica do principio da irretroatividade às modificações da jurisprudência, como ocorre em relação aos atos normativos do Poder Executivo? Trata-se, efetivamente de irretroatividade em que, mais uma vez, havendo certa fragilidade de garantia, ressurge a questão da proteção da confiança e da boa-fé. O que é irretroatividade?

7.3. A irretroatividade das leis.

A Constituição Federal de 1988 ao proibir a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do inicio da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado, nos termos do art. 150, III, “a”, igualmente estabeleceu a promoção dos ideais de confiabilidade e previsibilidade do ordenamento jurídico, não podendo os efeitos das normas jurídicas, hoje válidas, serem objeto de modificação por normas futuras, pois, o contribuinte apresenta maiores condições de confiar tanto na permanência das normas e dos seus efeitos, quanto à vinculatividade do ordenamento jurídico como um todo.

Como leciona Umberto Ávila a Constituição, por meio de estabelecimento dos comportamentos a serem adotados, protege a segurança jurídica como segurança do Direito, do cidadão frente ao Estado, a ser realizada pelo Estado por meio da instituição da cobrança de tributos. A proibição de retroatividade não foge a essa regra. Tanto é assim que foi editada pelo Supremo Tribunal Federal a Súmula n. 654, segundo a qual “a garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha a editado”. (ÁVILA, 2012, p. 242).

O principio da irretroatividade é decorrência normal, da natureza das leis, advém da lógica das coisas, da razão e da moral e está na base do princípio da separação de Poderes. É antigo e já conhecido do Direito Romano. Como as decisões judiciais são operações internas ao sistema, elas se voltam precipuamente para ao passado, para o imput, como lecionou Niklas Nusmannn.

Pode-se dizer que o pensamento jurídico universal, há séculos sempre condenou o efeito retroativo das normas jurídicas. A política legislativa é divergente. Enumeram-se as principais divergências: (a) ordens jurídicas em que a Constituição silencia e o Código Civil não contém regras decisivas de direito intemporal; (b) outras ordens jurídicas, que representam a maioria, adotam o principio da não retroação como regra, consignada em lei ordinária, com sentido de política legislativa; (c) finalmente, há sistemas jurídicos, nos quais o princípio da irretroatividade tem natureza de norma constitucional expressa, válida para todos os ramos do Direito ou, pelo menos, para áreas extensas do Direito.

Registre-se a peculiaridade do principio da irretroatividade no Direito Tributário, de abrangência e aplicação restrita ao contribuinte. Ao contrário, a Constituição da República de 1988, autoriza expressamente que a lei tributária retroaja, para reduzir impostos ou extingui-los, por meio de remissões e de anistias, consoante o disposto contido no § 6º, do art. 150, da CF:

“Art. 150, § 6º. Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas, ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual, ou municipal, que regule expressamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, §2º, XII, “g”.”

A Súmula nº 654 do STF, consagra o entendimento acima tendo o seguinte verbete: A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado.

As teorias que se levantaram em torno da irretroatividade das leis, são muito numerosas, mas as mais importantes podem sem ser concentradas em dois grandes grupos, a saber: (a) as teorias subjetivistas, que preferencialmente focalizam o problema em face dos direito subjetivos individuais; (b) as teorias objetivistas, assentam a regra básica, capital, fundamental de que a lei sempre dispõe para o futuro, não retroage.

Portanto, pela Constituição da República, os fatos jurídicos pretéritos e respectivos efeitos estão por ela protegidos contra a retroação de uma lei nova, conforme disciplina o inciso XXXVI, do art. 5º, ao dispor que, a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

7.3.1. A irretroatividade das leis, em relação a fatos e efeitos. O Direito Tributário e os fatos geradores pendentes.

A Constituição Brasileira silenciou em relação aos fatos pendentes, ou seja, fatos que ainda não ocorreram, mas que sendo de formação lenta no tempo, apenas iniciaram. Segundo a regra da aplicação da lei nova, para Pontes de Miranda, a lei se aplica no presente.

De acordo com o Supremo Tribunal Federal, STF, a irretroatividade da lei nova, em relação aos fatos pretéritos à sua vigência, abrange os efeitos dos fatos já ocorridos, ainda que eles perdurem no presente.

7.3.1.1. O fato pretérito tributário e seus efeitos na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O principio da irretroatividade do Direito positivo brasileiro não é pleno de exceções, como em outros países, em que não obteve consagração constitucional.

Mesmo antes da Constituição de 1988, na qual, pela primeira vez, o principio da irretroatividade foi especificamente expresso para o Direito Tributário, o Supremo Tribunal Federal, acolheu o entendimento, repelindo empréstimos compulsórios retroativos, embora criados em situações excepcionais de calamidade pública ou urgente absorção temporária de poder aquisitivo (com base de na Constituição dede 1967/1969).

A Constituição Federal, por meio da irretroatividade, protege tanto os efeitos irradiados pelo fato como o próprio fato, que está de acordo não apenas com a lógica jurídica, mas, sobretudo, com valores que o principio abriga. O art. 5º, XXXVI, por tradição histórica, refere os efeitos, mas o art. 150, III “a”, destaca o fato jurídico, vedando a retroação da lei.

7.3.1.2. A irretroatividade dos impostos no período. A Dogmática e a Jurisprudência, após a Constituição de 1988.

A Súmula 584, do Supremo Tribunal Federal foi editada em dezembro de 1976, com o seguinte teor:

“Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração”.

A doutrina e a jurisprudência, que já não vinham aceitando a Súmula 584 do STF, tomaram novo alento com a Constituição de 1988. Ao mencionar o principio da irretroatividade, de forma específica para o Direito Tributário, se aperfeiçoou a redação tradicional, na linha apontada por Pontes de Miranda, referindo-se a fato jurídico pretérito no art. 150, III “a”, embora genericamente já o tivesse consagrado por meio de vedação histórica de ofensa ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e á coisa julgada, no art. 5 º, XXXVI, CF.

O que é decisivo, para a modificação de uma jurisprudência consolidada que somente se forma em Plenário, são novas decisões (e bastaria uma) do Plenário da Corte Suprema, que dessem resposta diferente à mesma questão geral: que lei se aplica à apuração periódica da renda, para fins de imposto? Vale registrar que somente outra decisão plenária seria apta à superação da revogação da citada Súmula.

7.3.1.3. A irretroatividade como tutela da confiança, no Direito Tributário alemão. Inaplicabilidade da distinção entre retroatividade autêntica e retro atividade imprópria no Direito brasileiro.

No sistema jurídico alemão, com ausência de norma constitucional sobre o principio da irretroatividade, ficou o legislador bem mais livre para alcançar certos fatos pretéritos ou para atingir-lhes os efeitos. Constituiu-se então, uma distinção entre retroatividade própria e imprópria.

A retroatividade própria ou autentica apresenta-se quando a lei alcança fatos e relações jurídicas e consequências, inteiramente ocorridos no passado, ou seja, anteriormente à sua vigência. Ela está vedada porque a segurança jurídica e a confiança na lei são limitações para o legislador alemão, decorrentes do Estado de Direito.

A retroatividade imprópria que se dá quando a lei atua sobre relações jurídicas e situações de fato ainda na concluídas, são admissíveis. Mesmo assim, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão admite-se a retroatividade autêntica nas circunstancias que: (a) o direito, vigente à época da ocorrência do fato, era lacunoso ou tão obscuro que nenhuma situação de confiança se criava com base nele; (b) a confiança não seria digna de proteção, pois de acordo com a situação jurídica existente à época da mudança da lei, o cidadão deveria esperar a nova regra;

(d) finalmente, razões de extrema gravidade, decorrentes de bem geral ou coletivo, podem se sobrepor ao mandamento da irretroatividade.

A diferenciação entre retroatividade própria e imprópria não tem aplicação no Direito Tributário brasileiro, conforme Mizabel Derzi pelas seguintes razões: (a) o que é relevante em nossa ordem jurídica é o momento da vigência da lei; (b) não admitimos a separação entre fatos jurídicos e seus efeitos, como já visto em jurisprudência do STF; (c) em relação aos impostos de período, como imposto de renda. (DERZI, 2009, p. 448).

Devem-se observar outros pontos relevantes, seja para os alemães, suíços, norte americanos, brasileiros, ou outros povos, o principio da proteção da confiança, por necessidade ético-jurídica, a saber: (i)  em relação aos impostos de período, quando o principio da irretroatividade das leis se apresentar isoladamente, sem a qualificação do principio da anterioridade; (ii) em relação aos direitos expectados que, não tendo ainda se tornado “adquiridos”, pela ausência de todos os requisitos exigíveis, são especialmente fortes, em razão do tempo de duração para a sua formação; (iii) em relação à irretroatividade dos atos emanados dos demais Poderes, Executivo e Judiciário, já que a Constituição da República somente se refere ao principio da irretroatividade das leis.

7.4.  O tempo e a irretroatividade dos atos do Poder Executivo e o Poder Judiciário, a proteção da confiança e a boa-fé objetiva.

Não se conhece uma Constituição que consagre o principio da irretroatividade em relação aos atos de todos os Poderes: às leis, aos decretos regulamentares e demais atos do Poder Executivo e à modificações de decisões judiciais. Isso tem um sentido e está na raiz do princípio da separação dos Poderes.

O tempo das leis, já se o disse, é diferente do tempo da sentença. O principio da irretroatividade das leis é considerado “natural”, ínsito, algo que lhes é próprio. Como destacado com Niklas Lumann, em especial na teoria da constituição, o legislador trabalha na periferia do sistema, onde está mais perto dos sistemas, mais voltado para o futuro.

Também os casos são reconstituídos e lei interpretada pela Administração Tributária. Mas tudo de forma provisória, pois somente o Poder Judiciário aplica e interpreta definitivamente a Lei. Art. 5º, XXXV, CF: A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça ao direito.

Sendo os atos administrativos do Poder Executivo anuláveis, surgem então, os princípios da proteção da confiança, da irretroatividade e da boa-fé, sempre invocados em favor do administrado, do cidadão-contribuinte, que confiara na aparência da legitimidade dos atos administrativos.

A invalidação é o ato administrativo praticado em desconformidade com o ordenamento jurídico, devendo ser extinto ou anulado pela Administração. Quanto aos efeitos da invalidação, destaca-se que Administração Pública poderá invalidar o ato de ofício ou pela provocação do interessado por afrontar o ordenamento jurídico, tendo efeitos “ex tunc”, com a pretensão de retirar os efeitos que foram produzidos pelo ato até o momento da invalidação e impedir que o mesmo continue a produzir os seus efeitos.

No Poder Judiciário, nada impede que pela inércia da Administração, o Poder Judiciário, quando provocado, anule os atos administrativos em desconformidade com o direito: Art. 5º, XXXV, CF, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça ao direito”.

Neste sentido, A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvadas, em todos os casos a apreciação judicial. (Súmula 473, STF).

7.4.1. A boa-fé objetiva e os deveres laterais da Administração tributária, na pratica dos atos administrativos de cobrança dos tributos. Os deveres laterais dos contribuintes.

Valores como democracia, ética, deveres de informação e de colaboração, que transformam as relações jurídicas, na contemporaneidade, não são um movimento isolado.

Do lado da Fazenda Pública, levantam-se deveres materiais, como os de colaborar com o contribuinte para o cumprimento fiel e simplificado das leis, procedimentalização dos atos de fiscalização, em que se deve primeiro ouvir o contribuinte, antes das autuações, enfim, dá-se, em toda parte, uma renovação do consentimento de tributo.

Além deles, mas também legalmente estabelecidos, outros deveres aproximam-se muito mais daqueles chamados “laterais”, porque não decorrem da prestação principal, mas sim do status genérico de contribuinte ou de na contribuinte (isenções e imunidades).

A peculiaridade que aqui se deve lembrar, mais uma vez em relação ao Direito Privado, resulta do fato de que todos esses deveres, acessórios ou laterais, não podem ser presumidos, ou deduzidos implicitamente, são decorrentes de lei. Assim como as sanções, que são consequentes a seu descumprimento. A boa-fé objetiva é o fundamento da lei, mas ela não transparece. Erros e omissões do contribuinte, dolosos ou não, acarretam pesados encargos financeiros, punitivos. A fraude e a sonegação, ademais, configuram crimes.

O Professor Heleno Taveira Torres, da Universidade de São Paulo, leciona que o STJ tem admitido à aplicação da boa-fé na análise de conduta do contribuinte, para aferir a responsabilidade nas infrações fundadas no “dolo”, como se encontram nos arts. 136 e 137, II, do CTN. A prova dos elementos objetivos ou materiais que demonstrem o referido estado de inacessibilidade faz-se imprescindível. (TORRES, 2012, p. 257-258).

A alegação de ignorância da legislação tributária, como um direito assente na boa-fé objetiva, porém, não se pode converter em uma espécie de direito de resistência individual contra a lei à qual se obriga a observar, por mandamento constitucional.

O emprego do principio da boa-fé e não propriamente o de confiança legítima, como causa da justificação da exclusão de culpa em eventual descumprimento da legislação por evidente desconhecimento do seu conteúdo, uma vez comprovado, deve ser admitido para afastara sujeição a qualquer penalidade.  Trata-se de algo que só poderá ser tutelado dentro das condições objetivas de efetiva inacessibilidade.

7.4.2. A irretroatividade dos atos administrativos. A responsabilidade das Fazendas Públicas pela confiança gerada, nos procedimentos desenvolvidos, nos atos administrativos efetuados e nas informações, consultas e declarações.

Os atos normativos regulamentares do Poder Executivo jamais retroagem, já que as leis em que se baseiam, não podem retroagir, por expressa proibição da Constituição da República.

São situações de aplicação dos princípios da irretroatividade, da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, se presente os seguintes objetivos: (1) As mudanças de normas regulamentares e outras complementares, agravadoras dos deveres dos contribuintes e restritivas do exercício dos seu direitos, sem que tenha ocorrido, para isso, alteração prévia da lei em que se fundam; (2) as mudanças de atos administrativos individuais, de concreção e aplicação das leis, nos lançamentos, autuações e cobranças de tributos, que onerem de forma mais intensa os contribuintes; (3) as respostas á consultas, as informações e declarações da Administração tributária, capazes de guiar-lhes a conduta.

A Lei nº 9.784, de 29/01/1999, que disciplina o processo administrativo, além de estabelecer o prazo decadencial de cinco anos, contados da data em que forem praticados, para que a Administração anule os atos administrativos “de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários” (art.54) vedou ainda a aplicação de nova interpretação de norma jurídica a fatos pretéritos (art. 2º, inciso XIII, parágrafo único). A Lei citada, efetivamente, em todos os casos omissos do Código Tributário Nacional, CTN, terá aplicação integral.

7.4.3. Resumo.

E como as leis não retroagem, porque isso não é de sua natureza, não podem os Poderes, Executivo, inclusive o judiciário, retroagir. O raciocínio lógico derivado será o de que os atos de tais poderes jamais retroajam, pois jamais determinam validamente, a invasão do passado, já que a  lei, à qual se vinculam, não poderá fazê-lo.

Enfim, têm total e ampla aplicação, no Direito Administrativo e Tributário brasileiros, as conclusões a que chegam a Dogmática e a jurisprudência alemãs e suíças. O principio da proteção da confiança e da boa-fé objetiva são princípios e direitos fundamentais individuais, que somente o privado pode reivindicar. Em contraposição à Administração Pública, ao Poder Legislativo e Poder Judiciário, quando os Poderes do Estado criam fato gerador da confiança.

8. Conclusão.

Consoante todos os fatos, os posicionamentos doutrinários, os fundamentos constitucionais, legais e jurisprudenciais, pode ser observar que na Constituição Alemã e na maioria das Constituições europeias não está explicito a irretroatividade das leis, exceto no caso da Lei Penal. Assim, eles se utilizam do principio da proteção da confiança.

Por outro lado, no Brasil, apenas nos espaços restritos e controversos ou de fragilidade do principio da irretroatividade é que surgirá, como garantia ético-jurídica, o princípio da proteção da confiança, na medida em que o inciso XXXVI, do art. 5º, da Constituição Federal da República, já estabelece a irretroatividade da Lei, ao consagrar, por meio de vedação histórica, de ofensa ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, consoante regra estabelecida no art. 5 º, XXXVI, CF, ficando consubstanciado que o art. 150, III “a”, do CF, destaca o fato jurídico, vedando a retroação da lei.

A Constituição da República Federativa do Brasil não se refere à irretroatividade das modificações da jurisprudência, limitando-se às leis, razão pela qual, Mizabel Abreu Machado Derzi, escreveu a obra “Modificações na Jurisprudência no Direito Tributário Brasileiro”. Nesse sentido, exatamente nele cabe à indagação. Pode-se falar de aplicação analógica do principio da irretroatividade às modificações da jurisprudência, como já se falou em relação aos atos normativos do Poder Executivo, retro comentados no presente Artigo? Trata-se, efetivamente de irretroatividade em que, mais uma vez, havendo certa fragilidade de garantia da segurança jurídica, ressurge a questão da aplicação da proteção da confiança e da boa-fé, tal como ocorre na Constituição Alemã e na maioria das Constituições europeias.

Finalmente, os posicionamentos acima dão a ideia da complexidade do tema e antecipam a miscigenação entre os princípios da proteção da confiança, da boa-fé, e da irretroatividade. Tudo isso decorre da função de garantia subsidiária, atribuída ao principio de proteção de confiança, pois a ordem jurídica é frágil, em direitos fundamentais, quer ligados à segurança jurídica, à igualdade, à propriedade, à dignidade humana, ao pleno desenvolvimento da personalidade, em toda parte manifesta-se a proteção da confiança.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

 

René Dellagnezze

 

Advogado; Doutorando em Direito das Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Brasília UNICEUB; Mestre em Direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo UNISAL; Professor de Graduação e Pós Graduação em Direito Público e Direito Internacional Público no Curso de Direito da Faculda de de Ciências Sociais e Tecnológicas – FACITEC Brasília DF; Ex-professor de Direito Internacional Público da Universidade Metodista de São Paulo UMESP; Colaborador da Revista Âmbito Jurídico www.ambito-jurídico.com.br; Advogado Geral da Advocacia Geral da IMBEL AGI; Autor de Artigos e Livros entre eles 200 Anos da Indústria de Defesa no Brasil e Soberania – O Quarto Poder do Estado ambos pela Cabral Editora e Livraria Universitária. Contato: rene@imbel.gov.br; renedellagnezze@yahoo.com.br.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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