A proteção dos direitos sociais no Brasil pelo Ministério Público do Trabalho


Muito se discute doutrinariamente acerca das diferenças e semelhanças entre direitos humanos e direitos fundamentais, bem como a sua classificação. Essas discussões têm origem principalmente na Alemanha.


O eminente jurista José Joaquim Gomes Canotilho entende, em rápidas palavras, que os direitos humanos possuem uma dimensão jusnaturalista-universalista, conquanto os direitos fundamentais são dotados de dimensão jurídico-institucionalista.


Para o prof. Xisto Tiago, não há utilidade na diferenciação, embora ele mesmo reconheça que a mais avançada doutrina a respeito tenda a se consolidar no sentido de que seria importante esse diferenciação, até mesmo para delimitar as características e consequências, respeitantes a um e outro conceito.


São basicamente três classificações que buscam diferenciar, de forma objetiva, os direitos humanos dos direitos fundamentais. Senão vejamos.


Ingo Wolfgang Sarlet adota uma classificação quanto ao sistema (ordem jurídica), também conhecida por sistema de concreção positiva. Diz-se que são direitos humanos todos aqueles que estão previstos em normas internacionais. Enquanto que os direitos fundamentais são aqueles direitos humanos positivados (tipificados) nos ordenamentos jurídicos internos de cada país, em especial, na Constituição.


Há uma segunda classificação, baseada na essência. Por ela, entende-se que direitos humanos são todos aqueles inerentes à própria condição humana e que independem de positivação. De modo que os direitos fundamentais dependem de positivação, conforme a sociedade no tempo e no espaço; portanto, variam muito de acordo com o ordenamento jurídico de cada nação.


Por fim, existe uma terceira classificação, mais moderna e que vem ganhando espaço junto à doutrina. É uma classificação quanto à expressão, onde os direitos humanos são tão somente aqueles direitos fundamentais inerentes apenas ao ser humano. Já os direitos fundamentais são aqueles que estão previstos expressa e/ou tacitamente na Constituição Federal, inerentes tanto às pessoas físicas quanto às pessoas jurídicas.


De acordo com essa última classificação, são direitos humanos, portanto, somente aqueles direitos fundamentais extensíveis apenas aos seres humanos.


Os direitos fundamentais possui uma série de características. Dentre elas, citamos: a fundamentalidade, a universalidade (ou internacionalização), a inalienabilidade, a imprescritibilidade, a indivisibilidade, a historicidade, a sistematicidade, a abertura (ou inexauribilidade ou não-tipicidade), a projeção positiva, a perspectiva objetiva, a dimensão transindividual, a aplicabilidade imediata, a concordância prática (ou harmonização), a restringibilidade excepcional, a eficácia horizontal (ou privada), a proibição do retrocesso (ou da retrogradação) e a maximização (ou efetividade).


Dois são os aspectos dos direitos fundamentais, um formal e outro material. No aspecto formal, é direito fundamental todo aquele positivado na Constituição Federal, independente de seu conteúdo ser, de fato, fundamental. E no aspecto material, é direito fundamental todo aquele que contém dentro de si valores básicos, elementares ou fundamentais. Esse é o aspecto que sempre deve prevalecer.


A história dos direitos fundamentais surgem juntamente com o início do Estado Moderno Constitucional. Foram alavancados com o fim da Segunda Guerra Mundial.


A primeira constituição no mundo a inserir os direitos sociais em texto foi a do México, em 1917. Sendo logo seguida pela da Alemanha (“Weimar”), em 1919. Ambas estavam inseridas no contexto dos direitos de 2ª dimensão (positivos ou reais), marcados pela busca da igualdade, dos direitos sociais, econômicos e culturais, em que o sujeito passivo é o Estado.


Todo direito fundamental tem sua vertente no Princípio da Dignidade da Pessoa Humano. Eles são indissociáveis. E no Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi a primeira a consagrar o Princípio da Dignidade da Pessoal Humana como sendo um dos “fundamentos” da República Federativa do Brasil (art. 1º, III).


Os direitos fundamentais são considerados uma densificação (materialização) do Princípio da Justiça Social. Entende-se que os direitos sociais, elencados no art. 6º da CF/88 são cláusulas pétreas, e o Supremo Tribunal Federal possui vasta e recente jurisprudência nesse sentido. Assim sendo, não podem ser abolidos, sendo possível tão somente a sua alteração em favor da sociedade (trabalhadores).


Segundo Canotilho, os princípios da Máxima Efetividade das Normas Constitucionais, da Força Normativa da Constituição, da Unidade da Constituição e das Interpretação das Leis Conforme a CF nos impedem de considerar que os direitos sociais não sejam cláusulas pétreas.


Infere-se daí que os direitos sociais (juntamente com os direitos e deveres individuais e coletivos, direitos da nacionalidade, direitos políticos e direitos dos partidos políticos) são espécies do gênero direitos fundamentais.


Na brilhante lição de Ingo W. Sarlet e Daniel Sarmento, os direitos fundamentais possuem eficácia vertical e horizontal. Aquela é voltada para as políticas públicas, estabelecidas entre o Estado e o cidadão. A outra, cuida de dar efetividade aos direitos fundamentais nas relações entre particulares.


Além do que, esses direitos fundamentais tão dotados de funções (ou dimensões). Uma objetiva, que trata do dever de respeito e compromisso dos poderes constituídos para com os direitos fundamentais, de forma a se instalar uma verdadeira vinculação; devendo o poder público (nele incluído o Judiciário) conferir a maior eficácia possível aos mesmos. E outra subjetiva, que é a constituição de posições jusfundamentais, quase sempre caracterizadas na condição de direitos subjetivos, que autorizam o titular a reclamar em juízo aquela ação (omissiva ou comissiva); liga-se, por assim dizer, ao exercício daquele direito fundamental.


Frisa-se novamente que os direitos sociais são direitos fundamentais de 2ª dimensão. Eles devem ser interpretados e aplicados de maneira a preservar a integridade sistêmica da Constituição, a estabilizar as relações sociais e, acima de tudo, a oferecer a devida tutela ao titular do direito fundamental.


A Constituição Federal de 1988, a partir do reconhecimento da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho como princípios fundamentais que irradiam valores para todo o ordenamento pátrio, tutelou de forma inovadora a coletivização de interesses na busca da efetivação do direito ao trabalho digno.


Conforme observa Flávia Piovesan, o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional.


Para Ingo W. Sarlet, a dignidade é “uma qualidade intrínseca da pessoa humana, é algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado”. Possui caráter universal, pois se trata de atributo inerente ao indivíduo. Nesse sentido, não é o direito que confere a dignidade ao homem, tampouco pode suprimi-la, cabendo a ele reconhecê-la e protegê-la.


Para Luís Roberto Barroso, “Dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade. O conteúdo jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidade básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade”.


A Constituição de 1988 confere uma preeminência aos direitos e garantias fundamentais, prescrevendo-lhes, de forma exemplificativa, logo no seu Título II, antecipando-os, portanto, à própria estruturação do Estado. Estabelece, no seu art. 1º, que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito.


Nesse contexto, ganhou relevo o papel das ações coletivas para a proteção dos interesses meta-individuais. A Carta Magna alargou a abrangência do art. 1º da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública – LACP), que se restringia à defesa de danos materiais e morais causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, passando a albergar a tutela de qualquer interesse coletivo “lato sensu”.


Diante do permissivo constitucional, a Lei Complementar n. 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União – LOMPU), que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, previu expressamente a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho.


A Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), além de conferir contornos mais precisos à ação civil pública, redefiniu diversos institutos processuais estatuídos pelo prisma da solução de embates individuais, buscando adaptá-los às peculiaridades dos conflitos de massa.


Os direitos sociais estão elencados no art. 6º da CF/88, quais sejam: a previdência social, a assistência aos desamparados, a saúde, o trabalho, a educação, o lazer, a segurança, a moradia e a proteção à maternidade e à infância.


A fim de protegê-los, o Ministério Público do Trabalho atua de maneira firme e eficaz das mais diversas maneiras. Para tanto, conta com o dispositivo constitucional insculpido no art. 127 da Constituição Federal, que lhe atribui a missão de defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, dentre outros.


A Constituição Federal, no seu art. 129, inciso III, prevê a promoção de ação civil pública para qualquer interesse difuso e coletivo.


O MPT tem forte atuação extrajudicial na defesa dos direitos sociais, instaurando procedimentos investigatórios, como os inquéritos civis, e propondo a celebração de termos de ajustamento de condutas. Entretanto, diante de certas ocasiões, não vê outra solução a não ser a via judicial. Para tanto, utiliza-se dos vários instrumentos que a lei permite, em especial as ações coletivas (ações civis públicas e as ações civis coletivas).


Nesse aspecto, as ações judiciais têm importância fundamental como forma de tutela aos direitos transindividuais e as macro-lesões próprias de um tempo em que as relações se massificam, sobretudo nos grandes centros urbanos. O MPT detém função inata e primordial no manejo dessas ações.


Impende consignar que, especificamente no Processo do Trabalho, as ações coletivas são ainda mais profícuas e eficientes, pois, consoante observa Marcos Neves Fava, elas funcionam como uma espécie de “ação sem rosto”, disponibilizando proteção genérica e de caráter transindividual, sem comprometimento do emprego em curso em relação aos trabalhadores nelas albergados.


O art. 3º da Lei 7.347/85 estabelece que a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Por sua vez, o art. 83 do CDC, alargando esse dispositivo preceitua que são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, permitindo, desse modo, a possibilidade de provimento de natureza cautelar, condenatório, declaratório, mandamental e executivo lato sensu.


Como afirma Mazzilli:


“Em tese, são admissíveis quaisquer ações civis públicas ou coletivas, pois à LACP aplicam-se subsidiariamente o CDC ou o CPC. Cabem ações condenatórias, cautelares, de execução, meramente declaratórias ou constitutivas. Por ação civil pública da Lei n. 7.347/85, compreendem-se: a) as ações principais, de reparação do dano ou de indenização; b) as cautelares (preparatórias ou incidentes); c) as chamadas cautelares satisfativas, que não dependem de propositura de outra ação dita principal; d) as ações de liquidação de sentença e de execução; e) quaisquer outras ações tendentes à proteção dos interesses difusos e coletivos”.


Do objeto da ação civil pública decorrem, conforme o caso, os seguintes pedidos: a) obrigações de fazer ou não fazer; b) obrigação de suportar; c) cominação/multa/astreintes; d) condenação por danos genéricos; e) tutelas de urgência; f) de execução.


No âmbito de ação civil pública trabalhista, são comumente pleiteadas tutelas inibitórias, que visam prevenir a ocorrência de novas condutas lesivas ao direito dos trabalhadores e tem por objeto o cumprimento de obrigações de fazer, não fazer e de suportar. São garantidas mediante a cominação de multas (astreintes) a fim de coagir o réu a obedecer aos ditames da lei e da ordem judicial. A astreinte é estipulada, como regra, por dia de atraso e por trabalhador e deve ser suficientemente elevada a fim de desmotivar novas práticas ilegais.


Pode, ainda, ser requerida condenação em dinheiro nos casos de impossibilidade do cumprimento da obrigação, bem como para reparar os prejuízos genéricos já causados, como o dano moral coletivo.


Acompanhando a tendência de socialização do direito, a Constituição Federal de 1988 estipulou a regra da reparação integral (art. 5º, V e IX), acompanhada pelo Código Civil de 2002 (art. 944), bem como privilegiou os direitos coletivos “lato sensu” e os instrumentos aptos a protegê-los.


É incontroversa, hoje, a competência da Justiça do Trabalho para a tutela dos direitos de personalidade do trabalhador, bem como da indenização por danos morais individuais e coletivos (art. 114, I e VI da CF), deixando de ter um caráter eminentemente patrimonialista, compensatória, presente em décadas passadas.


Para Xisto Tiago de Medeiros Neto, o dano moral coletivo corresponde à lesão injusta e intolerável a interesses ou direitos titularizados pela coletividade. Trata-se de lesão da esfera moral ou extra-patrimonial a um círculo de valores da sociedade, ocasionando sentimentos negativos no seio social. A violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores provoca sentimentos de repulsa, desvalor, descrença, desesperança, descrédito.


O dano moral coletivo é um mecanismo importante para inibir lesões de ordem transindividual e vem se sedimentando na jurisprudência trabalhista, com condenações em vultosas quantias que tem por fulcro impedir a disseminação de condutas ilegais. No seu dimensionamento, são considerados, dentre outros, a gravidade, a extensão, a natureza do dano, o patrimônio do infrator e a repercussão na sociedade. A indenização tem caráter punitivo, reparatório e pedagógico, não se confundindo ou compensando com os danos individualmente sofridos.


A reparação genérica é ressaltada pelo caráter transindividual dos valores em jogo, fundamentais para a organização social e o bem comum. O dano moral coletivo independe da comprovação de culpa, pois se evidencia pelo próprio fato violador (“ipso facto”). Tais valores são revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, previsto na Lei n. 7.898/90 c/c art. 13 da Lei n. 7.347/85, como forma de compensar os danos sofridos.


Os danos morais coletivos, no âmbito do processo trabalhista, são, via de regra, revertidos ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), em razão da inexistência de fundo específico para recomposição dos danos sofridos.


Portanto, as ações coletivas interpostas perante a Justiça do Trabalho constituem remédio jurídico adequado para salvaguardar direitos sociais, sejam esses vistos em sua dimensão coletiva, difusa ou como direitos individuais homogêneos.



Informações Sobre o Autor

Vinicius de Freitas Escobar

Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP-Anhanguera


Equipe Âmbito Jurídico

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