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A proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais associados no ordenamento brasileiro

Resumo: A proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais associados levou muito tempo ao longo da história para ser levada a efeito. Foram muitos séculos de escravidão da mão-de-obra, de exploração econômica e, sobretudo, cultural dos povos tradicionais. A temática atualmente ganha enfoque mundial em face da caminhada das organizações não-governamentais que buscam o reconhecimento dos direitos protecionistas destas comunidades, para o efeito de evitarem que haja uma expropriação ainda maior do que até então experimentada. Assim desencadeia-se a relevância da proteção dos conhecimentos tradicionais com relação à proteção sobre a biopirataria que hoje vem ceifando a cultura de muitos povos e enriquecendo as grandes corporações, ocasionando o total desrespeito aos direitos de propriedade intelectual. No Brasil, essa proteção começa a ser efetivamente moldada, quer no campo constitucional, quanto infraconstitucional. O presente artigo visa demonstrar o nível da proteção jurídica desses conhecimentos tradicionais associados, sobretudo, o dos povos indígenas.

Palavras-chave:
conhecimentos tradicionais associados – povos indígenas – proteção constitucional e infraconstitucional – biopirataria – direitos de propriedade intelectual

Sumário: 1 – Introdução; 2 O Texto Constitucional e a proteção aos conhecimentos tradicionais; 3 – A Medida Provisória n. 2.186-16 e a proteção contra a biopirataria; 4 – Conclusões.

1 INTRODUÇÃO


A temática acerca dos conhecimentos tradicionais vem despertando na sociedade em nível mundial o interesse em face da riqueza de detalhes que cercam tais comunidades. Tais detalhes dizem respeito as mais variadas áreas de abrangência, dentre elas, a cultural, a farmacêutica e a biomédica.


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Esse despertar do interesse internacional pela riqueza e diversidade dos conhecimentos tradicionais associados, requer em contrapartida uma seara de proteção legal para que se evite tanto a biopirataria como a tomada de posse das terras indígenas.

Nesse sentido, inúmeros são os fatos que marcaram a apropriação de tais conhecimentos em nível mundial, pois os precedentes ao longo da história demonstram que os conhecimentos tradicionais associados sempre fora alvo fácil de interesses corporativos, os quais visam à obtenção de riqueza em benefício da atividade expropriante.

No Brasil, dada à riqueza da biodiversidade e dos grandes grupos detentores de tais conhecimentos tradicionais, o legislador pátrio tornou constitucional a proteção destas comunidades, emoldurando na CRFB de 1988 a proteção ao patrimônio histórico, cultural, genético e ambiental nos artigos 215 e 216, além do inciso II, do art. 225.


Nesse viés é que se pretende no presente artigo desenvolver em linhas gerais um apanhado acerca do tema conhecimentos tradicionais associados, sobretudo, o dos povos indígenas, e a correspondente proteção jurídica dada pelo ordenamento brasileiro a estas comunidades.


Em um primeiro momento, será detalhada a proteção constitucional dada aos conhecimentos tradicionais associados, seguindo-se a análise da Medida Provisória nº 2.186-16 de 23 de agosto de 2001, bem como seus principais conceitos e conjuntamente será abordada a referida legislação e a proteção contra a biopirataria. 

Dessa maneira, procurar-se-á expor alguns dos principais detalhes que cercam essa área do conhecimento jurídico que ainda não possui um entendimento pleno e que abre espaço a inúmeras discussões, requerendo uma efetiva proteção do ordenamento nacional.

2 O TEXTO CONSTITUCIONAL E A PROTEÇÃO AOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS ASSOCIADOS


O legislador constitucional ao elaborar a Constituição Federal de 1988, desvelou a proteção dos conhecimentos tradicionais e junto tornou efetiva, nos artigos 215, 216 e o inciso II, do art. 225 daquele texto, a curatela destes interesses.


A Constituição Federal de 1988 abarcou a proteção dos conhecimentos tradicionais, trazendo á lume questões voltadas ao resguardo das comunidades detentoras de conhecimentos seculares e até mesmo milenares, como são aquelas que formam a diversidade cultural do país[1].


A história constitucional contemporânea no que diz respeito à proteção do patrimônio cultural, que adenda igualmente os povos tradicionais, fez com que o constituinte pátrio trouxesse ao texto constitucional de 1988, a conceituação e a proteção das terras indígenas, definindo-as no § 1°, do art. 231, da seguinte maneira:


 “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas por suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e às necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.


No sentido de dissecar o conceito de terras indígenas exposto pela Constituição Federal de 1988, DANTAS (2003, p. 96), assevera que:


“A Constituição Federal brasileira de 1988, nos § 1°, do Art. 231, define a categoria jurídica em que consistem as terras indígenas, como aquelas tradicionalmente ocupadas pelos índios, habitados em caráter permanente, utilizadas para suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar, necessárias à reprodução física e cultural, segundo seus costumes e tradições.”


Dessa maneira, a proteção destinada às terras indígenas no Brasil possui o fim de fazer com que os silvícolas não estejam sendo explorados em seu território e o habitem com segurança.


Os territórios indígenas são bens da união, possuindo os silvícolas o direito de usufruto exclusivo sob o território, a teor do art. 231, § 2° e 3°, da CRFB. Os povos indígenas são usufrutuários exclusivos do patrimônio genético existente em suas áreas, segundo se retira da interpretado do citado dispositivo.


Os quilombolas são titulares do direito de propriedade definitivo do território que habitam, sendo esses direitos assegurados da mesma forma como aos povos indígenas, independendo da demarcação, expedição de títulos ou de quaisquer atos administrativos neste sentido. Daí que o consentimento para exploração destas áreas (até certo ponto protegidas) deve ser prévio e informado, inclusive no que diz respeito à repartição de benefícios, toda vez que se tratar de conhecimentos de povos tradicionais que envolvam recursos genéticos oriundos de tais áreas (SANTILLI, 2005, p. 213).


Todavia, a matéria atinente à proteção indígena no Brasil não está somente adstrita na história legislativa nacional à Constituição Federal. O legislador há muito, já vinha delineando os direitos de proteção a esses povos tradicionais, porém em muitos casos, confundindo o direito público que lhes é conferido, como é o caso da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 19 de dezembro de 1973, conhecida como o Estatuto do Índio (SOUZA FILHO, 2004, p. 102).


Retomando a proteção constitucional aos povos indígenas, deve-se asseverar que a disposição constitucional atual vem delineando a consagração de direitos que até então estavam soterrados e foram mitigados das populações tradicionais ao longo da historia pátria.
Daí que na visão da doutrina, os direitos reconhecidos aos indígenas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sobretudo com relação ao território, divulgam uma esfera de proteção e de reconhecimento de um direito coletivo, ou seja, delineou-se uma nova classe de direitos (SOUZA FILHO, 2004, p. 179).


Os direitos das minorias étnicas são reconhecidos como sendo direitos únicos, portanto, diversos daqueles pertencentes às demais camadas da sociedade. São direitos sob o ponto de vista legal, integrantes do sistema jurídico nacional, mas afetos tão somente a esses povos[2].


Portanto, os direitos dos povos indígenas foram reconhecidos na seara constitucional, sendo resguardados os direitos desses e das demais comunidades detentoras de conhecimentos tradicionais associados.


O parâmetro de proteção constitucional dos conhecimentos associados tem delineado na seara doutrinária o reconhecimento deste direito em nível de América Latina, demonstrando a pressão européia que tentou incessantemente colonizar e “domesticar” os povos indígenas, não conseguiram tirar-lhes o conhecimento, a sua linguagem própria, bem como a visão abrangente que possuem acerca do seu entorno[3].


Esse sistema de proteção constitucional tanto do Brasil, quanto nos demais países da América Latina estão a demonstrar que a biodiversidade natural e cultural merece resguardo por parte dos sistemas legislativos nacionais e das organizações políticas mundiais como um todo.


3 A MEDIDA PROVISÓRIA N. 2186-16 E A PROTEÇÃO CONTRA A BIOPIRATARIA

Ao estudar detalhadamente a Medida Provisória n. 2186-16, de 23 de agosto de 2001, deve-se situar quanto o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (lei n. 9985/2000), que disciplinou os espaços que abrigam populações tradicionais e os territórios destinados aos povos indígenas e quilombolas, e os recursos naturais neles existentes.


As unidades de conservação possuem fundamental importância, eis que se constituem em um meio para assegurar a preservação da cultura indígena e de seus conhecimentos tradicionais (SANTILLI, 2005, p. 185).


A biodiversidade é abrangida por componentes tangíveis e intangíveis que estão intimamente ligados, não sendo possível dissociar o reconhecimento e a proteção aos conhecimentos tradicionais de um sistema jurídico que efetivamente proteja os direitos territoriais e culturais desses povos e populações tradicionais.


Nesse viés, o legislador editou a Medida Provisória nº 2.186-16, em 23 de agosto de 2001, com o intuito de destinar um regramento legal à proteção dos conhecimentos tradicionais em face dos perigos imanentes decorrentes da bioprospecção[4].


O fim da Medida Provisória é justamente o de destinar a proteção com relação a utilização indevida do patrimônio genético dos quais as comunidades tradicionais são portadoras, possuindo o objetivo de resguardar e preservar o correto e consentido uso destes conhecimentos tradicionais.


SANTILLI (2005, p. 192), no que concerne aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, define-os pelo caráter de abrangência dos mesmos, asseverando que:


“…os conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade abrangem “desde técnicas de manejo de recursos naturais até métodos de caça e pesca, conhecimentos sobre os diversos ecossistemas e sobre propriedades farmacêuticas, alimentícias e agrícolas de espécies e as próprias categorizações e classificações de espécies de flora e fauna utilizadas pelas populações tradicionais”.


A Medida Provisória 2.186-16 em estudo é hoje uma espécie de estatuto da biodiversidade e do patrimônio genético das comunidades tradicionais, ou seja, é o modelo mais completo de legislação nacional para garantir esse tipo de proteção[5].


Os conceitos presentes na Medida Provisória em estudo, principalmente o referente aos conhecimentos tradicionais associados, denotam a importância do regime jurídico destes, sobretudo em face da reconhecida expressão que a temática ganhou pela exploração industrial decorrente do uso abusivo e furtivo dos saberes tradicionais, chamada de biopospecção.


Neste sentido, SANTILLI (2005, p. 197) destaca que “Os conhecimentos tradicionais adquiriram particular importância para a indústria da biotecnologia, especialmente de produtos farmacêuticos, químicos e agrícolas”.


O estudo da Medida Provisória nº 2.186-16, requer que se adentre igualmente nos conceitos da biopirataria nas formas como atualmente se apresentam no cenário mundial em estudos doutrinários a respeito do tema.


E nesse sentido, VANDANA SHIVA (2001, p. 32) alerta para a necessidade de proteção dos direitos de propriedade intelectual, que estão sendo utilizados como supedâneo para o furto dos conhecimentos tradicionais associados das comunidades detentoras, asseverando que: “Negando-se a criatividade da natureza e de outras culturas, mesmo quando essa criatividade é explorada para se obter um ganho comercial, os DPI passam a ser outro nome para o roubo intelectual e a biopirataria”.

Nessa esteira, advém a necessidade de ser resguardados os conhecimentos tradicionais associados, principalmente quando os processos de biopirataria estão sendo tão evidentes no mundo contemporâneo.


É necessário alertar que, na visão de VANDANA SHIVA (2001, p. 32), os Direitos de Propriedade Intelectual se constituem em uma designação sofisticada para a pirataria moderna, pois estão arraigados em uma monocultura do conhecimento que exclui outras tradições, de modo que e sua proteção sufoca as maneiras pluralistas de saber que têm enriquecido o mundo contemporâneo.


Por biopirataria, entende SANTILLI (2005, p. 198-199), como sendo: “a atividade que envolve o acesso aos recursos genéticos de um determinado país ou aos conhecimentos tradicionais associados a tais recursos genéticos (ou a ambos) em desacordo com os princípios estabelecidos na convenção sobre diversidade biológica”.


Seguindo a exposição respeitante a Medida Provisória nº 2.186-16, tem-se que esta legislação pátria de proteção da conservação da biodiversidade constitui-se em derradeiro avanço no campo de proteção aos conhecimentos tradicionais, notadamente quando aduz em seu texto que os benefícios decorrentes da exploração dos conhecimentos tradicionais devem ser acompanhados do prévio consentimento da comunidade envolvida, devendo existir a contraprestação financeira sobre os lucros decorrentes de tal exploração.


A Medida Provisória n. 2.186/01, dispõe sobre a utilização destes recursos genéticos derivados de áreas habitadas por populações tradicionais, regulando as disposições sobre tais bens, enfatizando primordialmente pela necessidade de consentimento prévio e informado, além da previsão legal de pagamento de royalties e repartição dos benefícios, inclusive com a obrigatoriedade de acesso a tecnologia e capacitação de recursos humanos locais.


Dispõe também o texto legal que dependerá tal exploração não somente do consentimento prévio e informado, mas também da ouvida da Fundação Nacional do Índio – FUNAI quando este acesso ocorrer em área estritamente indígena.

Portanto, mais que o consentimento prévio e informado, necessário também que tais comunidades tradicionais participem de todo o processo que envolva a exploração do material genético, ou seja, desde a celebração do contrato à execução do projeto e a participação nos lucros.


E o consentimento prévio e a decorrente repartição dos benefícios, estão mencionados na legislação em análise, nos artigos 8°, combinado com o art. 25 da Medida Provisória nº 2.186-16, devendo ser postos em prática, através dos procedimentos neles contidos.


A Medida Provisória em análise é a principal legislação pátria no sentido de resguardar os conhecimentos tradicionais. Neste aspecto, SATILLI expõe os objetivos da referida Medida Provisória, ao aduzir que:


“O objetivo da legislação deve ser garantir que as patentes e os demais direitos de propriedade intelectual não se oponham aos objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica, e os direitos intelectuais coletivos dos detentores de conhecimentos tradicionais sejam respeitados e garantidos. O importante é que a lei garanta expressa e eficazmente tais direitos, independentemente da criação ou não de tais registros – estes, em qualquer hipótese, deverão ter sempre natureza declaratória, e o acesso e a utilização das informações neles disponíveis deverá sempre respeitar os direitos intelectuais coletivos dos povos tradicionais.” (SANTILLI, 2005, p. 242-243).


Assim, visualiza-se que Medida Provisória é um marco no direito protetivo das comunidades tradicionais, notadamente quando o viés de proteção é externado desde a proteção dos Direitos de Propriedade Intelectual até a repartição eqüitativa dos lucros, além do treinamento dos nativos envolvidos, para que possam ter o acesso e participem ativamente da difusão fiel e, portanto, comprometida de seus conhecimentos. 

4 CONCLUSÕES


Através do presente estudo foi possível demonstrar, mesmo que de modo não definitivo, o avanço do processo de proteção aos conhecimentos tradicionais no Brasil, passando pela via constitucional e infraconstitucional.


O direito brasileiro deve fazer ainda mais por esse processo de reconhecimento da personalidade civil dos povos indígenas, quilombolas e demais populações tradicionais, distinguindo seus membros e tornando-os independentes das associações civis criadas para salvaguardar seus interesses.


Neste novo conteúdo normativo devem ser resguardados os interesses morais e patrimoniais dessas populações. Os direitos morais devem se estender à personalidade jurídica e o patrimonial limitado á negativa de acesso aos bens genéticos toda vez que colocarem em risco a diversidade cultural destas comunidades tradicionais.


Isso deve ocorrer como forma de fazer com que terceiros mal intencionados adentrem nestas comunidades e não cometam atos de biopirataria, como já se deram em vários precedentes ao longo da história.


As produções e inovações oriundas da natureza assumem um valor não somente econômico, mas sim e também possuem uma dimensão mitológica, simbólica dento dos conhecimentos tradicionais associados.


O direito deve ingressar como meio a propalar o acesso à cidadania dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais, sobretudo para evitar a apropriação dos Direitos de Propriedade Intelectual por parte dos países do industrializados do norte, como a exemplo dos grandes laboratórios americanos que fabricam remédios variados as custas do conhecimento alheio.


Restou demonstrando também que o Brasil enquanto signatário da Convenção sobre Biodiversidade, em muito inovou ao editar a Medida Provisória nº 2.186-16, a qual além de marco referencial na proteção dos direitos de propriedade individual dos conhecimentos tradicionais associados traz inúmeras especificações de como devem ser resguardados e procedidos os meios necessários à efetiva participação dos detentores destes conhecimentos, na repartição dos benefícios econômicos proporcionados pela exploração de matérias-primas e segredos contidos na historia cotidiana destes povos.


 


Referencias

ADIERS, Cláudia Marins. A propriedade intelectual e a proteção da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 90, n. 793, p. 11-41, nov. 2001.

BASTOS JUNIOR, Luiz Magno Pinto. A Convenção sobre biodiversidade biológica e os instrumentos de controle das atividades ilegais de bioprospecção. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, v. 6, n. 23, p. 205-230, jul.-set. 2001.

CUNHA, Danilo Fontenele Sampaio. Patrimônio Cultural: proteção legal e constitucional. Rio de Janeiro: Letra Legal, 2004.

DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Os povos indígenas brasileiros e os direitos de propriedade intelectual. Hiléia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. Manaus, v. 1, p. 89-125, 2003.

DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; DIAFÉRIA, Adriana. Biodiversidade e patrimônio Genético. São Paulo: Max Limonad, 1999.

SANTILLI, Juliana. Biodiversidade e conhecimentos tradicionais associados: novos avanços e impasses na criação de regimes legais de proteção. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, v. 8, n. 29, p. 83-102, jan.-mar. 2003.

SHIVA, Vandana. Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento. Trad. Laura Cardellini Barbosa de Oliveira. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba: Juruá, 2004.


Notas

[1] Destaque-se ainda que a proteção constitucional dos povos tradicionais não somente veio à lume para regulamentar e resguardar certos diretos inerentes a essas comunidades. O Legislador Constituinte também se preocupou em resguardar a dignidade da pessoa humana, no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, o qual igualmente abarca os detentores de conhecimentos tradicionais, aos quais devem ser assegurados além da dignidade da pessoa humana, igualmente toda a carta de direitos fundamentais inserta na Lei Maior em seu art. 5º. Nesse sentido, CUNHA (2004, p. 65) esclarece quanto a inserção e importância do princípio da dignidade da pessoa humana como sustentáculo para a proteção da diversidade cultural existente no Brasil, acrescendo que: “Assim, a dignidade da pessoa humana desempenha a função, no nosso ordenamento, de legitimar a ordem política, na medida em que esta respeita e tutela a dignidade da pessoa humana, seus direitos individuais e o livre desenvolvimento da personalidade; promover o desenvolvimento da personalidade de todos, afirmando o respeito à diversidade de culturas; e, principalmente, a função hermenêutica, uma vez que o ordenamento gravita no núcleo da dignidade”.

[2] SOUZA FILHO (2004, p. 184), bem explicita a questão, acrescentando que: “Há evidentemente um outro direito coletivo dos povos e das minorias, que não pertencem a todos, mas apenas àquele povo. Esses direitos, das minorias étnicas e dos povos, se comparam aos direitos nacionais quanto à titularidade, somente são titulares os membros da comunidade. Deste modo, é claro que aqui também há direitos coletivos, no exato conceito acima exposto. Não são a mera soma de direitos subjetivos individuais, pertencem a um grupo sem pertencer a ninguém em especial, cada um é obrigado a promover a sua defesa, que beneficia a todos. São indivisíveis entre seus titulares, uma eventual divisão do objeto fará com que todos os titulares das partes, não são passíveis de alienação, são imprescritíveis inembargáveis, impenhoráveis, intransferíveis, na exata definição exposta as páginas anteriores.”

[3] Complementa-se a assertiva, com a doutrina de SOUZA FILHO, (2004, p.194), ao descrever que: “As Constituições da América Latina e, em conseqüência os Estados que elas organizam, começam a reconhecer a existência da diversidade social. Parece que a consciência da sociodiversidade é um fenômeno mundial, basta olhar o leste europeu e dar-se conta de que as diferenças étnicas não são apagadas tão facilmente, resolver as questões materiais, de sobrevivência física dos povos não torna todas as gentes iguais. Uma visão dos índios da América e isto fica comprovado: quinhentos anos depois de toda classe de opressão, miséria e infelicidade não foram suficientes para retirar-lhes as crenças, a cosmovisão e nem mesmo a língua.”

[4] Para Juliana Santilli, “A Medida Provisória nº 2.186-16/2001 regula o acesso e a utilização dos recursos biológicos e genéticos e dos conhecimentos tradicionais associados separadamente, estabelecendo instrumentos e exigências legais distintas para ambos: autorização de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético e autorização de acesso a conhecimento tradicional associado.” (SANTILLI, 2005, p. 190)

[5] Neste sentido, deve-se trazer à lume os conceitos constantes da referida legislação aplicáveis ao presente estudo e que estão presentes no artigo art. 7° , incisos II, III, V, VII e XIII, traçando a linha mestra de abrangência da medida provisória.
Art. 7º. Além dos conceitos e das definições constantes da Convenção sobre Diversidade Biológica, considera-se para os fins desta Medida Provisória:

II – conhecimento tradicional associado: informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético;

III – comunidade local: grupo humano, incluindo remanescentes de comunidades de quilombos, distinto por suas condições culturais, que se organiza, tradicionalmente, por gerações sucessivas e costumes próprios, e que conserva suas instituições sociais e econômicas;
V – acesso ao conhecimento tradicional associado: obtenção de informação sobre conhecimento ou prática individual ou coletiva, associada ao patrimônio genético, de comunidade indígena ou de comunidade local, para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção, visando sua aplicação industrial ou de outra natureza;

VII – bioprospecção: atividade exploratória que visa identificar componente do patrimônio genético e informação sobre conhecimento tradicional associado, com potencial de uso comercial;

XIII – Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios: instrumento jurídico multilateral, que qualifica as partes, o objeto e as condições de acesso e de remessa de componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado, bem como as condições para repartição de benefícios;

Informações Sobre o Autor

Mathias Felipe Gewehr

Advogado. Mestre em Direito (UCS). Especialista em Direito Público Municipal (UNIJUI). Coordenador do Curso de Especialização em Direito de Família Contemporâneo e do MBA em Direito Médico e da Saúde da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG). Professor do Curso de Direito do Centro de Ensino Superior Cenecista de Farroupilha (CESF). Membro da Associação Brasileira de Advogados Ambientalistas – ABAA


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