A reformatio in pejus nos recursos administrativos

O Direito Administrativo, tal como os demais ramos, está limitado aos preceitos e princípios constitucionais, pautando-se, prioritariamente, pela aplicação do Princípio da Legalidade.


A aplicação de sanções no âmbito administrativo visa atender ao interesse público sem, contudo, atingir, direta ou indiretamente, os direitos e garantias individuais.


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Embora distintos, os procedimentos administrativos recebem na prática, a denominação de processo administrativo, no entanto, apenas neste último são asseguradas as garantias fundamentais e os princípios constitucionais.


Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles[1], ensina que:


processo é o conjunto de atos coordenados para a obtenção de decisão sobre uma controvérsia no âmbito judicial ou administrativo”(…) não há processo sem procedimento, mas há procedimentos administrativos que não constituem processo (…) O que caracteriza o processo é o ordenamento de atos para a solução de uma controvérsia (…)”


Dessa forma, processo administrativo propriamente dito é aquele que se constitui em razão de litígio, controvérsia, entre a Administração e o administrado ou o servidor, ao passo que o impropriamente dito (procedimento administrativo) corresponde a mero expediente administrativo.


A distinção ganha relevância, pois a interposição de recursos somente se verifica nos processos administrativos litigiosos.


Ao tratarmos de recursos, convém mencionar que a Administração Pública, em razão do poder-dever de autotutela, tem sobre seus atos e agentes meios de controle, podendo anular, revogar ou alterar seus atos e punir seus agentes por meio da revisão de atos ilegais, inconvenientes ou inoportunos.


Com a competência da Administração para a aplicação de penalidades, surge o instituto que se poderia denominar de Direito Penal Administrativo, reputado por Andres Serra Rojas como o que tende ao estabelecimento das infrações administrativas, necessárias para o funcionamento da Administração Pública, e o seu adequado regime de sanções[2].


No entendimento de Edílson Pereira Nobre Júnior[3], o instituto do Direito Penal Administrativo não se confunde com o Direito Penal em razão do ilícito a que visa punir, vejamos:


“Extrema-se do Direito Penal comum em função do ilícito a que visa punir. Enquanto este almeja a prevenção e a repressão da delinqüência, considerada como conduta violadora dos bens jurídicos em geral (vida, integridade física, patrimônio etc.), a Administração pune, basicamente, comportamentos que infringem deveres de obediência ou de colaboração dos indivíduos para com a atividade dos entes públicos na busca do interesse geral.”


Esse poder da Administração, inclusive, foi reconhecido pelas Súmulas n° 346 e 473 do STF, in verbis :


“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.


Nesse diapasão, caracterizado pela aplicação de sanções e a determinação da exata medida entre a liberdade concedida aos administrados e a autoridade decorrente do poderes conferidos à Administração, é que se insere a polêmica da reformatio in pejus.


Oswaldo Aranha Bandeira de Mello[4] em seu livro “Princípios Gerais de Direito Administrativo”, comentando sobre o “poder disciplinar” da Administração, diz:


Igualmente, a reformatio in pejus não é interdita ao Direito Administrativo, sob pena de frustrar ação fiscalizadora ou diretora dos órgãos de controle e hierarquia, a fim de não agravar a situação do administrado, com prejuízos à Administração Pública. Esse princípio tem a sua aplicação restrita ao Direito Judiciário e se estende ao terreno do Direito Administrativo tão-somente quando se trata de recurso do próprio interessado em processos quase contenciosos


Adiante, quando aborda a aplicação de pena ao servidor público, esclarece:


Depois de aplicada a pena administrativa, há possibilidade de seu cancelamento. Ao contrário, não se pode alterá-la para agravar, salvo novo processo. A lei aplicável é a da infração. Se esta inexistir, a apuração disciplinar se efetiva, com base no direito costumeiro, um dos casos em que o costume tem aplicação no Direito Administrativo, e na situação jurídica de empregado público.”


Embora não haja um posicionamento uniforme acerca do assunto, a possibilidade do agravamento da pena em grau recursal nos processos administrativos decorre da interpretação do § único do artigo 64 da Lei n° 9.784/99, o qual estipula que:


Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão”.


Nesse sentido, corrobora José dos Santos Carvalho Filho[5] de que não há entendimento pacífico sobre a reformatio in pejus, ressaltando que:


“Se no âmbito do processo penal, a matéria é pacífica, o mesmo não se passa no seio do Direito Administrativo. Há aqueles que entendem que a norma deve ser aplicada, por interpretação extensiva, no processo administrativo, e outros que advogam entendimento contrário, ou seja, no sentido de que não há por que estender o postulado no processo administrativo, por serem diversos os elementos inspiradores desse modelo.”


Aduz ainda que, em razão do disposto no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal[6] a aplicação da reformatio in pejus somente seria possível em processos administrativos litigiosos, visto que da decisão de primeira instância caberia recurso com o intuito de reformar a decisão.


Em relação ao tema, cumpre salientar que subsiste três correntes da reformatio in pejus, quais sejam:


– A minoritária entende que é possível a aplicação da reformatio in pejus pela Administração desde que paute-se nos princípios da legalidade, indisponibilidade do interesse público, inquisitivo, oficialidade e verdade material,


– A majoritária entende que não há possibilidade da reformatio in pejus mesmo que a Administração abra prazo para manifestação do recorrente, na medida em que tal ato administrativo não afastaria a afronta aos princípios constitucionais do devido processo legal;


– A corrente mista, entende que o agravamento da sanção (reformatio in pejus) é passível de aplicação desde que observadas certas condições, sem que, no entanto, haja um consenso acerca dos critérios a serem verificados.


Como se verifica, os autores da corrente enquanto alguns autores admitem a reforma em prejuízo quando há possibilidade de manifestação prévia sobre o gravame a ser efetuado, outros afirmam ser impossível a reformatio in pejus por ocasião da aplicação de sanções.


Há ainda, autores que entendem que a possibilidade da reforma da decisão agravando a sanção imposta somente seria admitida nos casos em que o recurso apresentado pudesse acarretar a incidência do controle de legalidade, tratando-se, dessa forma, de uma reforma em prejuízo apenas aparente.


A despeito das correntes supracitadas, tem-se os seguintes posicionamentos:


No entendimento de Ana Teresa Ribeiro da Silveira “a possibilidade de se impor uma sanção mais grave inibe a utilização do recurso pelos administrados, desestimulando a viabilização da ampla defesa”. [7]


Salienta ainda, a autora[8], que nos casos de revisão de processos disciplinares e sancionatórios não é passível a adoção da reformatio in pejus por ser:


“(…) incompatível com a moderna concepção de processo administrativo trazida pela lei federal, que defende um processo modelado constitucionalmente, inspirado pelo ideal democrático, respeitador dos direitos e garantias dos administrados.”


Em relação ao § único do artigo 64 da Lei 9.784/99, afirma que embora a Administração conceda novo prazo para que o administrado se manifeste acerca da possibilidade do agravamento as sanção, ainda assim, este prazo não remedeia a violação da ampla defesa e não deixa de inibir o uso do direito ao recurso, pois não impede que a iniciativa do administrado leve ao agravamento de sua própria situação[9].


Contrariamente, Hely Lopes Meirelles, entende que, desde que a Administração conceda ao administrado a oportunidade de externar novos fatos e esclarecimentos diante da possibilidade de agravamento da sanção a ele imposta não há que se falar em confronto com as normas e garantias constitucionais, haja vista a possibilidade de aplicação da reformatio in pejus conforme preceitua o artigo 64 da Lei nº. 9.784/99, dispondo que:


“Art. 64 – o órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência


Em comentários à Lei 9.784/99, Carvalho Filho[10] esclarece que o próprio legislador não deixou dúvidas acerca da possibilidade de aplicação da reformatio in pejus nas decisões em grau recursal, mitigando-o, porém, na medida em que obriga o administrador a permitir que o recorrente possa aduzir novas alegações, vejamos:


A interpretação do texto não leva mesmo a conclusão diversa. Ao estabelecer que é possível que a decisão sobre o recurso possa causar gravame ao recorrente, está, implicitamente, admitindo que, mesmo tendo recorrido apenas o interessado (o que aqui vai ser a regra, já que quase não haverá o contraditório de partes, como sucede no processo judicial), pode ocorrer que a decisão no recurso desfavoreça mais ainda o recorrente do que a decisão recorrida o fizera.


A atenuação instituída pelo legislador corre por conta da obrigatória oportunidade de se abrir ao recorrente espaço para o oferecimento de novas alegações. Assim, confirmando-se decisão mais gravosa, não se poderá dizer que o interessado não teve a chance de deduzir razões para evitá-la, o que representa observância do princípio do contraditório e da ampla defesa.”


No entanto, em seu “Manual de Direito Administrativo”, Carvalho Filho[11], após exemplificar situações mediante diferentes critérios, posiciona-se favoravelmente à vedação da reformatio in pejus na hipótese de critérios subjetivos, tal como se verifica na transcrição abaixo:


“Quando consideramos inaplicável o referido princípio no direito administrativo, consideramos que a matéria é de legalidade estrita. É a hipotese em que o ato administrativo da autoridade inferior tenha sido praticado em desconformidade com a lei, conclusão extraída mediante critérios objetivos. (…).


No primeiro caso, o ato punitivo originário é realmente ilegal, porque contrário ao mandamento da lei. No segundo, todavia, o ato não é rigorosa e objetivamente ilegal; há apenas uma variação nos critérios subjetivos de apreciação dos elementos processuais. Por isso, ali pode dar-se a correção do ato, e aqui se daria apenas uma substituição, o que nos parece vedado.”


Lúcia Valle Figueiredo em artigo publicado em 2002[12], ao tratar do processo administrativo e o devido processo legal, posiciona-se contrariamente à aplicação da reformatio in pejus, lecionando que:


“(..) por evidente, e finalmente, há proibição da “reformatio in pejus”, não obstante o princípio da legalidade que preside toda atividade administrativa. E não poderia ser diferente. Se houvesse possibilidade de ser agravada a pena, por evidente que esse fato obstacularia a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição.”


 


Convém ressaltar que a doutrinadora, embora inicialmente favorável à aplicação da reformatio in pejus nos recursos administrativos (salvo nos casos de processos disciplinares e sancionatórios), alterou radicalmente seu posicionamento, entendo que não é possível o agravamento da penalidade imposta em razão do princípio constitucional do devido processo legal, conforme esclarece[13]:


Anteriormente, na 1ª edição, escrevemos ser possível a reformatio in pejus, excluindo-a dos processos sancionatórios e disciplinares.


Todavia, remeditando o tema, em edições posteriores, entendemos que esta apenas é possível como conatural à explicitação da função administrativa. Portanto, quando o processo revisivo for feito “de ofício” pela Administração ou, se provocadamente, encontrem-se outros envolvidos, como, por exemplo, nos procedimentos concorrenciais. Mas, na verdade, não será reformatio in pejus. (…)


Os princípios arrolados do contraditório e da ampla defesa são absolutamente essenciais aos processos administrativos, como denominados constitucionalmente. Todavia, ao que se nos afigura, a Lei federal 9.784/99 possibilitou a reformatio in pejus. Veja-se o teor do art. 64 da lei,16 em que, claramente, se fala na possibilidade de ocorrer gravame para o administrado, quando, então, dar-se-á ao mesmo o direito de fazer suas alegações finais.”


No entanto, faz uma ressalva à possibilidade de majorar a sanção aplicada na hipótese de controle de legalidade[14],, prelecionando que:


“(…) nesta hipótese, fala-se impropriamente em reformatio in pejus. Houve, na verdade, ato de controle da legalidade, por importar nulidade do procedimento; caso assim não se procedesse, estaria a Administração agindo contra legem.”


Oportuno, portanto, distinguir a reformatio in pejus do controle de legalidade, visto que esse corresponde a correção da inadequação de um ato à lei; ao passo que na reformatio in pejus não há juízo de legalidade, mas uma reapreciação de mérito da decisão recorrida.


Há, entretanto, autores que, embora tratem do assunto, não se posicionam claramente, tal como Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello, retratando apenas os dispositivos legais e seus efeitos.


No que se refere a Lei nº 9.784/1999 que disciplina o processo administrativo no âmbito nacional, impende destacar que se no artigo 64 admite a aplicação da reformatio in pejus nos recursos administrativos, por outro lado veda expressamente na hipótese de revisão, conforme dispõe o artigo 65. De forma que na revisão, a decisão recorrida só poderá ser reduzida ou anulada.


Convém ainda, ressaltar que revisão não se confunde com as demais figuras recursais por presumir “coisa julgada administrativa”, consistindo apenas no reexame da decisão proferida, após o exame de admissibilidade.


O ilustre doutrinador José dos Santos Carvalho Filho enumera três condições para que o recurso de revisão possa ser proposto, quais sejam: surgimento de fatos novos, circunstâncias relevantes que seja possível extrair a impropriedade da decisão administrativa. De forma que ausentes esses pressupostos não há que se falar de reexame da matéria.


Aliás, não é demasiado ressaltar que a “coisa julgada administrativa”, embora inalterável na via administrativa, não foge da apreciação do Judiciário, haja vista os vícios de legalidade que podem ser suscitados pela parte, ensejando a sua revisão.


Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles[15] ao tratar da competência do Poder Judiciário para a revisão de atos administrativos ressalta que a mesma restringe-se ao controle da legalidade do ato, lecionando que:


“A competência do Judiciário para a revisão de atos administrativos restringe-se ao controle da legalidade do ato impugnado. Ao Poder Judiciário é permitido perquirir todos os aspectos de legitimidade, para descobrir e pronunciar a nulidade do ato administrativo onde ela se encontre, e seja qual for o artifício que a encubra. O que não se permite ao Judiciário é pronunciar-se sobre o mérito administrativo, ou seja, sobre a conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato, porque, se assim agisse, estaria emitindo pronunciamento de administração, e não de jurisdição judicial. O mérito administrativo, relacionando-se com conveniências do governo ou com elementos técnicos, refoge ao âmbito do Poder Judiciário, cuja missão é a de aferir a conformação do ato com a lei escrita, ou, na sua falta, com os princípios gerais do Direito.”


Dessa forma, para ilustrar o entendimento jurisprudencial pátrio acerca dos limites do Poder Judiciário para a revisão de atos administrativos, bem como acerca da reformatio in pejus , transcrevemos alguns julgados:


“ADMINISTRATIVO. SERVENTUARIO DE CARTORIO. PENA ADMINISTRATIVA. REFORMATIO IN PEJUS. MANDADO DE SEGURANÇA. PODER DISCIPLINAR DA ADMINISTRAÇÃO E PODER PUNITIVO DO ESTADO-SOCIEDADE. DIFERENÇAS E APROXIMAÇÕES. IMPOSSIBILIDADE, EM AMBAS AS HIPOTESES, DE SE APLICAR PENA NÃO MAIS CONTEMPLADA PELA LEI E AGRAVAR A SITUAÇÃO DO DISCIPLINADO. RECURSO ORDINARIO CONHECIDO E PROVIDO. I – O IMPETRANTE/RECORRENTE, QUE E ESCRIVÃO DA 3A. VARA DA COMARCA GAUCHA DE GRAVATAI, FOI PUNIDO COM A PENA DE 10 DIAS DE SUSPENSÃO PELO JUIZ DIRETOR DO FORO QUE, ‘UNO ACTO’, TRANSFORMOU A PENALIDADE EM PENA PECUNIARIA. FOI INTERPOSTO RECURSO, O QUAL NÃO FOI CONHECIDO. O ORGÃO RECURSAL (CORREGEDOR-GERAL), POREM, ATRAVES DE SUBTERFUGIO, VOLTOU, DE OFICIO, A PENALIDADE ANTIGA, JA NÃO MAIS CONTEMPLADA PELA LEGISLAÇÃO. II – O “PODER DISCIPLINAR”, PROPRIO DO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO, NÃO PODE SER EFETIVAMENTE CONFUNDIDO COM O “PODER PUNITIVO” PENAL, INERENTE AO ESTADO-SOCIEDADE. A PUNIÇÃO DO ULTIMO SE FAZ ATRAVES DO PODER JUDICIARIO; JA A DO PRIMEIRO, POR MEIO DE ORGÃOS DA PROPRIA ADMINISTRAÇÃO. AMBOS, POREM, NÃO ADMITEM A ‘REFORMATIO IN PEJUS’, E MUITO MENOS A APLICAÇÃO DE PENA NÃO MAIS CONTEMPLADA PELA LEI. III – RECURSO ORDINARIO CONHECIDO E PROVIDO”. (STJ – 6° Turma; RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA n° 3.252-3 – RS; Relator Ministro PEDRO ACIOLI; julgado em 30.11.1994; DJ , 06.02.1995, p. 1372). (grifo nosso)

“AUTUACAO FISCAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. APLICACAO DE MULTAS. COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA Direito Administrativo. Autuação fiscal. Multa aplicada pelo PROCON, face a ineficiência no serviço prestado. Possibilidade. Aplicada a multa, não é dado ao poder judiciário adentrar ao mérito administrativo. Majoração da multa por autoridade de mesma hierarquia. Impossibilidade. Só é possível haver “reformatio in pejus” quando se tratar de autoridade de hierarquia inferior. Recursos conhecidos e desprovidos. Precedentes citados: STJ Resp 200827/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 26/08/2002 e Resp 81269/SP, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 05/05/2001.” (TJRJ – 8° Câmara Cível; APELACAO CIVEL n° 2004.001.12568; Rel. Dês. João Carlos Braga Guimarães; julgado em 23.11.2004) (grifo nosso)

“Ação Ordinária Anulatória de Débito Fiscal. Multa administrativa de 1.620 UFIR’s imposta pelo PROCON a empresa concessionária de serviços de telefonia com base nos artigos 42 e 56, I, da Lei no 8.078/90 e 13, IX, do Decreto no 2.181/97 por violação a direito de consumidor. Recurso administrativo interposto pela empresa, tendo a autoridade hierárquica superior majorado o valor da multa para R$ 2.509.324, 42 (dois milhões e quinhentos e nove mil trezentos e vinte quatro reais e quarenta e dois centavos). Descabimento da anulação total do processo administrativo por ter sido a decisão proferida por autoridade competente, com respaldo em norma legal, tendo sido a aplicação da multa devidamente motivada no fato da empresa não ter apresentado defesa ao ser notificada da reclamação apresentada por consumidora, não podendo o Judiciário examinar o mérito da reclamação por não lhe caber aferir matéria fato e documentos não trazidos ao processo administrativo. Ilegalidade da “reformatio in pejus” no recurso administrativo por não haver nenhuma previsão para sua aplicação no artigo 49 e seu parágrafo único do Decreto 2.181/97, que regulam os recursos administrativos contra as sanções impostas com base no mencionado diploma legal, sendo incabível a aplicação subsidiária da Lei 9.784/99, como fez o prolator da decisão recursal, visto que esta regula unicamente os processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal, não se podendo invocar a analogia como fonte de restrição de direitos, além do que o parágrafo único do art. 64 da mencionada lei dispõe que, se da decisão proferida em grau de recurso puder decorrer gravame á situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão, formalidade que não foi observada . Multa cujo valor ofendeu aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Restabelecimento da multa imposta no primeiro grau administrativo. Medida Cautelar de Caução. Oferecimento de imóvel. Visando à caução tão somente permitir a expedição da certidão positiva com efeito de negativa prevista no artigo 206 do Código Tributário Nacional, não se pode exigir que a mesma se deva restringir ao depósito dinheiro previsto no inciso I, do artigo 9º, a Lei 6.830/80, o qual, a teor do § 4º do referido artigo, destina-se tão somente a fazer cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora, sendo crível a alegação da Apelante, em suas razões, no sentido de que o oferecimento do imóvel se deveu à dificuldade de disponibilizar, no exíguo tempo de que dispunha, dada a urgência na obtenção da certidão, o valor total do débito fiscal, face ao vulto da referida importância, mesmo em se tratando de empresa de grande porte. Conhecimento de ambas as Apelações, provendo-se parcialmente a interposta na Ação Ordinária (AC 35315/04) e totalmente a interposta na Medida Cautelar” (AC 35318/04). (TJRJ – 16° Câmara Cível; Apelação Cível n° 2004.001.35315; Rel. Des. MARIO ROBERT MANNHEIMER; julgado em 14.02.2006).(grifos nossos)

RECURSO ADMINISTRATIVO – Reformatio in pejus – Inadmissibilidade – Aplicação do princípio tantum devolutum quantum appellatumDuplo grau de jurisdição que decorre do inconformismo humano e assim não pode agravar a situação do perdedor – Decisão nula – Ordem concedida.” (TJSP – Mandado de Segurança n. 64.138-0 – São Paulo – Órgão Especial – Relator: Denser de Sá – 14.06.00 – V.U.) (grifo nosso)


“MANDADO DE SEGURANÇA – Reformatio in pejus no processo administrativo – Inadmissibilidade – Segurança concedida.” (Mandado de Segurança n. 27.858-0 – São Paulo – Órgão Especial – Relator: Dirceu de Mello – 27.12.95 – V.U.)


Assim, conclui-se que não há um entendimento pacífico sobre o instituto da reformatio in pejus no âmbito do processo administrativo quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, em que pese o artigo 64 da Lei n° 9.784/99 admita.


Entretanto, nos parece mais adequado adotar o entendimento de Carvalho Filho de que a reformatio in pejus só é possível quando presentes os elementos de legalidade previstos na própria lei. De forma que não seria propriamente um agravamento da pena, mas tão somente uma reforma aparente.


 


Referência Bibliográfica

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2001.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

______________________. Estado de Direito e Devido Processo Legal. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº. 11, fevereiro, 2002. Disponível na Internet: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 09 de Janeiro de 2007.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Editora Saraiva, 1995.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burlem Filho. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo, Malheiros Editores, 2001.

MUNDIM, Flávia. Princípio da Reformatio in Peius nos Recursos Administrativos [on line]. São Paulo, 2006. [citado em 27.11.06]. Monografia Disponível na internet: http://www.artigos.com/artigos/juridico/principio-da-reformatio-in-peius-nos-recursos-administrativos-1056/artigo/

PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005.

___________________________. Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006.

SILVEIRA, Ana Teresa Ribeiro da. A Reformatio In Pejus e o Processo Administrativo. Revista de Doutrina, Jurisprudência, Legislação e Crítica Judiciária. Interesse Público, Porto Alegre, Ano 6 nº. 30. Editora Notadez. Março/abril 2005.


Notas:

[1] in MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burlem Filho. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

[2] in ROJAS, Andrés Serra. Derecho Administrativo: doctrina, legislacion y jurisprudencia. 4.ed. Cidade do México : Libreria de Manuel Porrua S.A., 1949. t.2, p. 1.125.

[3] in NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Sanções administrativas e princípios de direito penal. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 219, p. 127-151, jan./mar., 2000

[4] in MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de Princípios Gerais de Direito Administrativo, 2° vol. Rio de Janeiro,Editora Forense, 1979

[5] in CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2001, p. 299

[6]Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes

[7] in SILVEIRA, Ana Teresa Ribeiro da. A Reformatio In Pejus e o Processo Administrativo. Revista de Doutrina, Jurisprudência, Legislação e Crítica Judiciária. Interesse Público, Porto Alegre, Ano 6 nº. 30. Editora Notadez. Março/abril 2005. p.69.

[8] Ob. cit., p. 71.

[9] Ob. cit., p.70.

[10] Ob. cit., p. 299/300.

[11] in CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 8ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2001, p. 727/728

[12] in FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Estado de Direito e Devido Processo Legal. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº. 11, fevereiro, 2002. Disponível na Internet: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 09 de Janeiro de 2007.

[13] in FIGUEIREDO, Lúcia Valle- Curso de Direito Administrativo, São Paulo, ed. Malheiros, 5º ed. 2001, p.428/429

[14] in FIGUEIREDO, Lúcia Valle- Curso de Direito Administrativo, São Paulo, ed. Malheiros, 5º ed. 2001, p.428/429

[15] in MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 991,p.602/603

Informações Sobre o Autor

Sandra Rose de Mendes Freire e Franco

Advogada em São Paulo. Pós graduanda na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP


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Equipe Âmbito Jurídico

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