Resumo: Este artigo tem por objeto o estudo histórico-jurídico da regulamentação do matrimônio no Brasil Colonial e Imperial. Para tanto, analisam-se as disposições pertinentes no sistema jurídico-canônico e nas fontes legislativas estatais e, por fim, analisa-se como a civilística brasileira do século XIX se comporta diante da questão.
Palavras-chave: Matrimônio de escravos. Brasil. Direito Canônico. Direito de Família.
Abstract: This article aims to analyze the legal regulation of the slave marriage in Colonial Brazil and Imperial Brazil. We analyze the subject in the canon law system, in the state law and in the 18h-century Brazilian jurists.
Keywords: Slave mariage. Brazil. Canon Law. Family Law.
Sumário: Introdução. 1 A noção jurídico-canônica de matrimônio nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. 2 O matrimônio dos escravos nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de 1707. 3 Intervenções do Estado. 4 A civilística e o matrimônio de escravos no Brasil do século XIX. Conclusões; Referências
Introdução
A historiografia jurídica bem pouco se tem ocupado do regime jurídico da escravidão no Brasil. Não faltam, porém, recentes e variados estudos históricos acerca da escravidão na América Portuguesa e no Brasil Imperial que, de maneira geral, apontam para a complexidade das relações entre senhores e escravos ou entre escravos e o poder civil ou religioso, bem como indicam que o estatuto jurídico dos escravos não se reduzia ao âmbito do direito das coisas. Tais estudos enfatizam, por exemplo, a capacidade processual do escravo, o direito do cativo de reclamar em juízo a própria liberdade, o direito de reclamar contra a violência cometida pelos senhores, o direito ao matrimônio, etc. Na trilha destes estudos, este trabalho tem por objeto a análise da regulamentação jurídica do matrimônio dos escravos na América Portuguesa e no Brasil Imperial.
É certo que, no direito romano, os escravos não podiam casar. A união entre escravos era chamada de contubernium, que não era um casamento legítimo, mas uma união simples, não reconhecida pelo direito. O cristianismo, entretanto, modificou esta normativa, e o direito canônico assegurou o ius connubii (direito ao matrimônio) também aos cativos. No Brasil Colonial e Imperial, a regulamentação do matrimônio cabia à Igreja e o Estado recepcionava a legislação canônica, conferindo-lhe os efeitos civis.
Por essa razão, há necessidade de alguns esclarecimentos prévios acerca das fontes normativas que regulamentavam o instituto matrimonial nesse período. Nos séculos XVIII e XIX, as principais fontes do direito canônico universal encontravam-se no Corpus Iuris Canonici (composto pelo Decreto de Graciano, pelas Decretais de Gregório VII, pelo Livro Sexto de Bonifácio VIII, pelas Clementinas, pelas Extravagantes de João XXII e pelas Extravagantes Comuns) e nos Decretos do Concílio de Trento (1545-1563). Este Concílio alterou substancialmente o direito antigo, principalmente, ao instituir uma forma jurídica ad valitatem para o matrimônio, qual seja, a celebração do matrimônio “in faciae ecclesiae”, perante o pároco e duas ou três testemunhas.
Além dessas fontes de direito universal, havia normas de direito canônico particular, destinadas a adaptar o direito universal às condições locais. Dentre estas normas, destacavam-se as constituições promulgadas em Concílios Provinciais ou Sínodos Diocesanos. No mundo português, várias dioceses realizaram sínodos diocesanos e promulgaram suas constituições, em atenção a uma determinação do Concílio de Trento, que mandou restaurar as assembleias sinodais onde quer que tivessem sido extintas. Com isso, os Padres Conciliares desejavam que as constituições sinodais se tornassem os instrumentos privilegiados de implementação das reformas tridentinas.
No Brasil, até 1707, aplicavam-se as Constituições Sinodais do Arcebispado de Lisboa. Em 1707 tentou-se a realização de um Concílio Provincial na Arquidiocese da Bahia, convocado pelo então Arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide. Entretanto, ante a ausência dos Bispos sufragâneos, acabou-se por realizar um sínodo diocesano, do qual resultaram as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, norma que, adotada por todas as dioceses locais, regeu a atividade da Igreja em toda a América Portuguesa.
É nessas fontes jurídico-canônicas que encontramos o principal instrumento de regulamentação jurídica do matrimônio no mundo português. Em Portugal, pelo Alvará de 12 de setembro de 1564[1], El-Rey D. Sebastião “publica e recomenda a observância do Sagrado Concílio Tridentino em todos os Dominios da Monarchia Portugueza”. A situação não muda com o Império. Com o Decreto de 3 de novembro de 1827, o Imperador D. Pedro I “declara em effectiva observancia as disposições do Concilio Tridentino e da Constituição do Arcebispado da Bahia sobre matrimonio”. Com isso, a legislação do Estado remete ao direito canônico a disciplina da matéria matrimonial. Um jurista do imperio, Lafayette Rodrigues Pereira, afirmou: “Prevalece, pois, entre nós, a doctrina que attribue á religião exclusiva competência para regular as condições e a fôrma do casamento e para julgar da validade do acto”.[2]
Por essa razão, nosso trabalho parte da análise das regras referentes ao matrimônio dos escravos presentes nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de 1707. Analisaremos como as Constituições, neste particular, dialogam com as fontes clássicas do Direito Canônico, isto é, com as normas do Corpus Iuris Canonoci, bem como com outras fontes escriturísticas, doutrinárias ou legais com o intuito de adaptar ao território local as normas canônicas universais. Isto somente é possível porque o texto oficial das Constituições Primeiras da Bahia é acompanhado por uma grande variedade de notas, apostas pelo próprio legislador eclesiástico, que permitem revelar as fontes das referidas normas.
Em seguida, analisaremos como o direito estatal se manifesta diante do casamento dos escravos e, por fim, como os civilistas se comportam diante da questão. Nosso corpus documental compreende uma seleção de normas de diferentes espécies e, inclusive, de expedientes administrativos sobre o tema. Na análise da doutrina civilista, consultamos as obras de alguns juristas do século XIX, com destaque para a obra A escravidão no Brasil, de Perdigão Malheiro.
1 A noção jurídico-canônica de matrimônio nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia e suas consequências jurídicas em relação ao matrimônio dos escravos.
Inicialmente, o direito canônico serviu-se das definições de matrimônio elaboradas pelo direito romano, como aquelas atribuídas a Ulpiano e Modestino nas Institutas e no Digesto, respectivamente. O Digesto define o matrimônio como: “Nuptiae sunt coniunctio maris et feminae, et consortium omnis vitae, divini et humani iuris communicatio” (As núpcias são a união do homem e da mulher e o consórcio de toda a vida, com a comunhão do direito divino e humano). E as Institutas definem como “Nuptiae autem sive matrimonium, est viriet mulieris conjunctio, individuam consuetudinemvitae continens” (Núpcias ou matrimônio consistem na conjunção entre o homem e a mulher, que contém uma indivisível comunhão de vida). O Corpus Iuris Canonici utiliza ambas as definições, com algumas adaptações.
Por outro lado, as Constituições Primeiras da Bahia não recorrem explicitamente a nenhuma das definições romanas. Iniciam os títulos que tratam do matrimonio, definindo-o, no § 259, da seguinte forma:
“E sendo ao principio um contracto com vínculo perpétuo, e indissoluvel, pelo qual o homem, e a mulher se entregam um ao outro, o mesmo Christo Senhor nosso o levantou com a excellencia do Sacramento, significando a união, que ha entre o mesmo Senhor e a sua Igreja, por cuja razão confere graça aos que dignamente o recebem.”
As Constituições trazem uma definição própria, que se separa notavelmente da estrutura fundamental das definições romanas, ainda que haja alguns elementos ou palavras que derivam delas. As Constituições Primeiras não somente definem o matrimônio in fieri ( matrimônio enquanto contrato), mas também se referem ao matrimônio in facto esse (matrimônio enquanto vínculo ou sociedade conjugal derivada do contrato), bem como à sacramentalidade da união matrimonial.
Ao definir o matrimônio como um “contrato […] pelo qual o homem e a mulher se entregam um ao outro”, as Constituições sublinham a natureza pactícia do consentimento sob a categoria jurídico-contratual e, simultaneamente, o objeto do consenso matrimonial. A natureza pactícia do consentimento matrimonial, no direito canônico, é uma doutrina tradicional e pacífica, expressa na fórmula “consensus facit nuptias” (o consenso faz o casamento) adotada do direito romano. Desde o inicio da escolástica, os autores aplicaram ao consensus o conceito de causa eficiente do matrimônio, como interpretação óbvia do verbo facit da fórmula romana, o que implicava atribuir ao consentimento o influxo gerador da relação jurídica entre marido e mulher e dos direitos e deveres essenciais desta relação. A natureza pactícia tornou-se tão evidente para os glosadores, sumistas e comentaristas, que estes não duvidaram em classificar o matrimônio na categoria jurídica dos contratos, distiguindo-o cuidadosamente dos “contractus rerum”.[3] O objeto do contrato matrimonial é a entrega da pessoa do próprio contraente (mutua corpora traditio) cujo efeito é o estabelecimento do vínculo matrimonial perpétuo e indissolúvel, com a obrigação de render o débito conjugal.[4]
Em terceiro lugar, as Constituições ressaltam a doutrina da Igreja Católica, segundo a qual, o matrimônio é um sacramento.[5] Dentre as diversas fontes eclesiásticas citadas pelas Constituições para afirmar a natureza sacramental do matrimônio estão dois cânones do Concílio de Trento: o oitavo cânon da VII Sessão e o primeiro cânon da Sessão XXIV desse Concílio. O primeiro afirma: “Se alguém disser que pelos Sacramentos da nova lei não se confere a graça 'ex opere operato', porém que o bastante para consegui-la é apenas a fé nas divinas promessas, seja excomungado”[6]. O segundo declara que “Se alguém disser que o Matrimônio não é verdadeiro e propriamente um dos sete Sacramentos da lei Evangélica, instituído por Cristo nosso Senhor, porém, inventado pelos homens na Igreja, e que não confere a graça, seja excomungado.”[7]
Em Trento havia a preocupação de rechaçar a doutrina dos reformadores, segundo a qual o matrimônio era uma realidade, sobretudo terrena, da ordem da criação, e, portanto, não sacramental. Para Lutero, por exemplo, o matrimônio, por ser da ordem da criação, seria anterior ao Evangelho e, consequentemente, não depende do Evangelho. Assim, o matrimônio não estaria sob a jurisdição da Igreja, mas do Estado.[8] De outra parte, havia a preocupação de reafirmar a doutrina da jurisdisção da Igreja sobre o matrimônio, doutrina que prevaleceu em países católicos, ainda que se reconhecesse ao Estado o poder de regular os efeitos civis da união matrimonial.
Esta definição do matrimônio auxilia na compreensão da argumentação desenvolvida pela Igreja Católica acerca do matrimônio dos escravos. As questões que se impunham e que teólogos, moralistas e juristas tentarão responder dizem respeito à compatibilidade ou não da condição servil com uma perspectiva segundo a qual o matrimônio é feito pelo consenso das partes, que implica numa mútua tradição dos corpos dos cônjuges e que, entre batizados, é um sacramento.
2 O matrimônio dos escravos nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de 1707
As Constituições Primeiras dedicam o Título LXXI do Livro I ao matrimônio dos escravos. O título tem dois parágrafos. O § 303 trata basicamente de resumir a doutrina jurídico-canônica da Igreja acerca do matrimônio dos escravos; o § 304 cuida de normas práticas para a administração do sacramento. Comecemos pelo § 303:
“Conforme a direito Divino, e humano os escravos, e escravas podem casar com outras pessoas captivas, ou livres, e seus senhores lhe não podem impedir o Matrimonio, nem o uso delle em tempo, e lugar conveniente, nem por esse respeito os podem tratar peior, nem vender para outros lugares remotos, para onde o outro por ser captivo, ou por ter outro justo impedimento o não possa seguir, e fazendo o contrario peccão mortalmente, e tomão sobre suas consciencias as culpas de seus escravos, que por este temor se deixão muitas vezes estar, e permanecer em estado de condemnação. Pelo que lhe mandamos, e encarregamos muito, que não ponhão impedimentos a seus escravos para se casarem, nem com ameaços, e máo tratamento lhes encontrem o uso do Matrimonio em tempo, e lugar conveniente, nem depois de casados os vendão para partes remotas de fóra, para onde suas mulheres por serem escravas, ou terem outro impedimento legitimo, os não possão seguir. E declaramos, que posto que casem, ficão escravos como de antes erão, e obrigados a todo o serviço de seu senhor.”
A primeira preocupação das Constituições, neste tema, é declarar que os escravos podem, por direito divino e humano, casar-se com outros cativos ou pessoas livres. As fontes invocadas para fundamentar essa proposição, segundo as notas apostas ao texto das Constituições pelo legislador diocesano, são o Decreto de Graciano, as Decretais de Gregório Magno, além de autores como São Tomás de Aquino, Tomás de Sánchez, Agostinho Barbosa, dentre outros. Essas citações sintetizam a doutrina da Igreja que, desde os primórdios, baseada no texto de S. Paulo aos Gálatas (Gl 3,28), reconheceu o ius connubii aos escravos, em contraposição ao direito romano, que não concedia tal direito aos cativos.
Testemunha a antiguidade dessa doutrina os textos do Decreto de Graciano citados nas notas das Constituições Primeiras. Todos os cânones foram retirados da Causa 29 da 2ª parte do Decreto. O primeiro desses textos é uma Decretal do Papa Júlio I (337-352), que defende o matrimônio contraído entre a escrava e o seu senhor. Julga que as núpcias assim contraídas são legítimas e dessa Decretal se extrai a norma geral de que “licet servus matrimonio contrahere” (é lícito ao servo contrair matrimônio).[9] Outro texto do Decreto citado pelas notas é uma Decretal do Papa Zacarias (751-752), segundo a qual não é lícito despedir a escrava recebida por esposa: “ancillam in matrimonio susceptam uiro dimittere non licet.”[10]. Menciona-se ainda a norma de que “non licet mulieri dimittere quem sciens seruum accepit in uirum”[11] (não é lícito à mulher despedir o varão que recebeu por marido, conhecendo que o mesmo era escravo). O que interessava ao legislador diocesano era apontar, nas fontes do direito canônico, o fundamento jurídico do direito dos escravos ao casamento.
Em segundo lugar, as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia afirmam que os escravos podem contrair matrimonio sem o consentimento do senhor. Acerca desta questão, as notas das Constituições citam um capítulo das Decretais como fonte jurídica, onde se diz que “Servus, contradicente domino, matrimonium contrahere potest; sed propter hoc non liberatur a servitiis domino debitis”: o escravo pode contrair matrimônio contradizendo a vontade do senhor, mas nem por isso está liberado de prestar serviços ao senhor. A Decretal dá o fundamento teológico: como em Cristo não há livres ou escravos, assim também a Igreja, ao dispensar os sacramentos, não faz tal distinção.[12]
As notas ainda remetem à autoridade de São Tomás de Aquino, que, em seu Comentário às Sentenças de Pedro Lombardo, faz uma demonstração teológica de que o matrimônio é compatível com a escravidão e que, ademais, é desnecessário o consenso do senhor para que o escravo contraia matrimônio. São Tomás pretende rebater os argumentos levantados em favor da permissão do senhor para o casamento do servo. As objeções examinadas pelo Doutor Angélico são as seguintes: 1ª) o escravo é coisa de seu senhor e, como ninguém pode dar a outro o que não lhe pertence, o escravo não pode dar o poder sobre seu corpo à esposa sem o consentimento de seu senhor, razão porque precisaria da autorização deste para casar-se; 2ª) o escravo deve obediência ao senhor, assim, se este lhe ordena que não se case, o escravo não poderá contrair matrimônio; 3º) contraído o matrimônio, o escravo por direito divino deve ao cônjuge o débito conjugal, mas se o senhor exige-lhe o trabalho à hora de prestar o débito, o senhor fica privado do serviço do escravo, razão porque o consentimento do senhor é necessário; 4º) o senhor poderia vender o escravo para uma região distante, aonde a mulher não poderia acompanhar e, por essa razão, o matrimonio poderia ser inconvenientemente dissolvido; 5º) se o servo não pode entrar em ordens religiosas ou receber ordens sacras sem o consenso do senhor, muito menos poderia casar-se sem esse consentimento.[13]
A todos esses argumentos São Tomás opõe o texto de São Paulo endereçado aos Gálatas (Gl 3,28): “em Cristo não há mais escravos ou livres”, donde o Aquinate extrai a tese de que, para contrair matrimônio, na fé de Cristo, há a mesma liberdade para homens livres e escravos. E, em seguida, responde às objeções da disputa. À primeira, diz que a escravidão é instituto de direito positivo e, sendo o matrimônio uma instituição de direito divino e natural, não pode ser prejudicado pelo direito positivo; logo, pode o cativo contrair matrimônio sem a autorização do senhor. Este é cerne de toda a argumentação, da qual dependem os demais argumentos. À segunda objeção, afirma que o escravo deve obediência ao senhor apenas naquilo que este pode licitamente ordenar. Assim como o senhor não pode mandar ao escravo que se abstenha do alimento ou do sono, não lhe pode ordenar que se abstenha de contrair matrimônio; logo não está o escravo obrigado a cumprir uma ordem do senhor que lhe impeça de contrair matrimônio. À terceira objeção, diz que, contraído o matrimônio com o consentimento do senhor, prevalece o dever de pagar o débito conjugal, mas se o matrimonio realizou-se sem a ciência ou consentimento do senhor e for exigido o trabalho simultaneamente ao cumprimento do débito conjugal, deve prevalecer a vontade do senhor, se não é possível cumprir ambas as obrigações, a não ser que de outras razões particulares (como o perigo de fornicação) possa resultar solução diversa. À quarta objeção, diz que não pode o senhor lucrar com a venda do escravo de modo a tornar mais grave os ônus do matrimônio; mas também não se pode deixar de reconhecer a faculdade do senhor de vendê-lo para outra parte por um preço justo. Finalmente, à quinta objeção, responde dizendo que aquele que se obriga pelo sacramento da ordem ou pelos votos de religião, obriga-se ao serviço divino por todo o tempo; já aquele que se obriga pelo matrimônio, fica obrigado a cumprir o débito conjugal apenas nos momentos adequados. Ademais, quem entra em religião ou recebe ordens sacras obriga-se a obras superaditadas à natureza, mas quem se obriga ao matrimônio obriga-se a atos próprios da natureza, para os quais não é necessário o consentimento do senhor.[14]
A argumentação de S. Tomás teve grande influência nos demais autores citados pelas notas das Constituições. Tanto que Sánchez retoma os argumentos do Doutor Angélico e os desenvolve. Sánchez acrescenta que o ius hominis ad matrimonium é um direito próprio à natureza humana, necessário à propagação e conservação da espécie, que não fora transferido ao dominus pelo ius privatum, do qual se origina a escravidão.[15]
A terceira preocupação das Constituições, neste tema, é afirmar que o matrimônio não põe fim à escravidão: “E declaramos, que posto que casem, ficão escravos como de antes erão, e obrigados a todo o serviço de seu senhor” (§ 303). As fontes comentadas acima, como vimos, notadamente o texto das Decretais[16] e o Comentário de S. Tomás, fundamentam essa declaração. Mas as Constituições, neste ponto específico, também citam Tomás Sánchez, para quem o matrimônio não libera o escravo da potestade que sobre ele tem o dono (“servum per contractu matrimoniii minime eximi ab obsequiis consuetis domino praestantis”).[17] A dificuldade disto estaria na conciliação do dever de render o debito conjugal quando, simultaneamente, fosse exigido o trabalho por parte do Senhor. São Tomás, conforme comentamos – e, na esteira dele, Sánchez – apontam a solução para este conflito, que dependerá ou não do conhecimento ou consentimento do dono em relação ao matrimônio do escravo, bem como dos valores que estivessem em jogo no caso concreto. [18] Acerca disso, as Constituições advertem que os senhores não podem impedir o uso do matrimônio de seus escravos, em tempo e lugar conveniente. Com isso, tentava-se impedir o conflito entre o trabalho devido ao senhor e o dever de prestar o débito conjugal.
De outra parte, as Constituições exortam aos senhores que “nem depois de casados os vendão [os escravos] para partes remotas de fóra, para onde suas mulheres por serem escravas, ou terem outro impedimento legitimo, os não possão seguir” (§ 303). Estabelece-se aqui um limite ao direito que o senhor tem de dispor do escravo. Para Sánchez – citado, neste ponto, nas notas das Constituições –, antes de contraído o matrimônio, o senhor tem amplo poder para vender o servo para qualquer lugar. Mas uma vez contraído o matrimônio, cessa este poder, quando a venda implicar em impedimento ao uso do matrimônio.[19]
Nesse contexto, o matrimônio chegou a ser visto pelos senhores como uma ameaça ao poder que detinham sobre os escravos[20]. Ao menos é o que se deduz dos textos dos jesuítas Antonil e Benci que, no século XVIII, denunciaram a insensibilidade dos senhores nessa matéria.[21]
Por essa razão, a quarta observação que faz as Constituições é afirmar que pecam mortalmente os senhores que vendem o escravo para lugar remoto, de modo a separar os cônjuges, ou que impedem o uso do matrimônio e a própria celebração deste, bem como aqueles que maltratam o escravo em razão do casamento contraído.
Há quem entenda que, ao enunciar que tais atos configuram pecado mortal, mantendo a sanção apenas no foro da consciência, as Constituições fizeram menos do que deveriam. E parece que, em certas regiões, os escravos assim entenderam, é o que se extrai do Memorial dos Escravos da Bahia, cuja autoria se aponta a uma irmandade de negros de Salvador, enviado em 1708 a Roma, no qual se denunciam os abusos cometidos pelos senhores em relação à liberdade de casamento dos escravos e, ao final, suplica ao Pontífice que fulmine excomunhão reservada ao Papa ao senhor que “impedir um escravo de contrair legítimas núpcias”.[22]
Já o § 304 das Constituições Primeiras traz normas pastorais para a realização do matrimônio dos escravos. A primeira parte desse parágrafo trata das diligências pré-matrimoniais no que diz respeito ao casamento dos cativos. A segunda versa sobre o matrimônio dos escravos recém-convertidos e diz o seguinte:
“E conformando-nos com a Bulla do Papa Gregorio XIII, dada em 25 de Janeiro de 1585, mandamos, que todos os Parochos, quando receberem alguns escravos dos novamente convertidos, em que haja suspeita de que estão casados na sua terra, (posto que não sacramentalmente) com elles dispensem no dito antigo Matrimonio”.
A Bula em questão é a Constituição Populis ac nationibus, do Papa Gregório XIII, dada em 25 de janeiro de 1585, em favor do casamento dos escravos recentemente convertidos. Na referida Constituição, o Papa observa que:
“Com os povos e nações convertidos recentemente da infidelidade à fé católica convém ser indulgentes acerca da liberdade de contrair matrimônio, a fim de que os homens, nada acostumados a guardar a continência, não persistam na fé de má vontade e, com seu exemplo afastem outros da conversão. Porque ocorre com frequência que muitos infiéis de Angola, Etiópia, Brasil e outras regiões das Índias, de ambos os sexos, sobretudo varões, depois de haver contraído matrimônio segundo os ritos gentis, são capturados por seus inimigos e desterrados a regiões muito distantes da pátria e de seus cônjuges; de maneira tal que tanto os cativos quanto os cônjuges que ficaram em sua pátria, se se convertem posteriormente à fé, separados por tão grande distância, não têm como interpelar ao cônjuge infiel, como convém, sobre se querem coabitar com eles sem ofensa ao Criador, quer porque às vezes não existe acesso algum a estas províncias bárbaras e hostis, quer porque ignoram a que regiões foram trasladados, quer ainda porque a distância supõe uma grande dificuldade. Por esta razão, Nós, atentando que os matrimônios contraídos por infiéis são certamente verdadeiros, mas não firmes (rata) a tal ponto que, aconselhando a necessidade, possam ser dissolvidos e, compadecendo-nos com paternal piedade da debilidade desses povos, com a autoridade Apostólica e a teor da presente, concedemos a todos e a cada um dos Ordinários e párocos dos citados lugares e aos presbíteros da Companhia de Jesus aprovados por seus superiores para ouvir confissões e pelo tempo em que forem enviados e admitidos nas mencionadas regiões, a plena faculdade de dispensar a quaisquer fiéis, que habitando nas citadas regiões e convertidos depois à fé contraíram matrimônio antes de receber o batismo, para quaisquer dos sexos, vivendo o cônjuge infiel e sem requerer seu consentimento ou esperar resposta, possa contrair matrimonio com qualquer fiel, inclusive de outro rito, e solenizá-lo ante a Igreja e permanecer licitamente nesse matrimonio enquanto vivam, consumando-o depois por meio da cópula carnal, com tal que conste ainda que seja sumaria e extrajudicialmente que, como se disse, o cônjuge ausente não pode ser legitimamente interpelado, ou que, havendo sido interpelado, não manifestou sua vontade dentro do prazo fixado na interpelação. Decretamos que estes matrimônios nunca se devem rescindir, senão que são válidos e firmes, e por isto é legítima a prole que deles resulte, ainda que depois se averigue que os primeiros cônjuges infiéis não puderam declarar sua vontade por motivo justo ou que haviam se convertido à fé ao tempo em que se celebrou o matrimônio”.[23]
O comovido com a situação dos escravos, o Papa concede aos Ordinários, párocos e padres jesuítas, a faculdade de dispensar do matrimônio anterior, contraído na infidelidade, pelo escravo neófito.
3 As interveções do Estado
Em 1551, escreve o Pe. Manuel da Nóbrega, provincial dos jesuítas no Brasil, a D. João III , rei de Portugal, noticiando a recusa que tinham alguns senhores em fazer casar a seus escravos por terem receio de “ficarem seus escravos forros”. Em razão disso, pede ao monarca “uma provisão em que declare não ficarem forros casando”.[24] Ao invés de pedir ao rei uma provisão que declarasse que os escravos tinham direito ao casamento, independentemente da vontade dos senhores, como prescrevia o Corpus Iuris Canonici, o jesuíta solicita algo que poderia parecer mais aceitável aos senhores: a declaração de que o matrimônio não desfaz a escravidão. Em todo caso, o jesuíta manifesta a preocupação eclesiástica em promover o matrimônio dos cativos. No caso, de escravos indígenas.
Mas não se conhece resposta ao pedido de Nóbrega. Apenas a partir do início do século XIX é que se constatam tímidas incursões das autoridades seculares na questão do matrimônio dos escravos. Em 1803, por meio do Alvará com força de lei de 13 de maio de 1803, que trata da organização e administração das minas de ouro e diamantes no Brasil, D. João VI recomendou às Juntas Administrativas: “desde já que proteja quanto for possível o matrimônio dos escravos, dando aos escravos e escravas casados as preferências que lhe parecerem convenientes.”[25] O texto legal não esclarece quais são estas preferências.
Em 1817, o mesmo D. João VI expediu a provisão de 27 de outubro aos governadores das capitanias de Minas Gerais e São Paulo e aos ouvidores das comarcas de Ouro Preto, São Paulo, Itu, Paranaguá e Curitiba, Serro do Frio, Rio das Velhas e Rio das Mortes, pela qual “manda promover o casamento dos escravos nesta Comarca e em outras do Brazil” com o seguinte teor:
“Faço saber a vós, ouvidor desta comarca que, sendo-me presentes os males físicos e morais que aos povos resultam de se conservarem os escravos na vida libertina que quase todos têm, em conseqüência do estado celibatário em que vivem; conformando-me com o parecer da Mesa do meu Desembargo do Paço, em que foi ouvido o desembargador procurador da minha Real Coroa e Fazenda, por minha imediata resolução de 18 do mês próximo passa: sou servido ordenar-vos que promovais eficazmente o casamento dos escravos dessa comarca com o zelo e prudência que de vós confio”.[26]
Ademais disso, um ofício endereçado ao governador e capitão geral da capitania de São Paulo indica que o casamento dos escravos já era uma preocupação das autoridades coloniais e da Coroa bem antes da data desta provisão. No referido ofício, datado de 12 de dezembro de 1806, repreendia-se o bispo por obrigar “tanto os escravos como os naturais do país” a pagarem emolumentos para poderem se casar: “um abuzo que além de ser contrário aos antigos costumes já havia sido mandado estranhar por mim e se achava condenado por uma sentença do Juízo da Coroa dessa capitania.”[27] De fato, os emolumentos eram um óbice à formalização do casamento, quer para escravos, quer para livres pobres. A Coroa intervia para repelir abusos na cobrança dos referidos encargos.
Ao longo do século XIX, não se notaram, contudo, intervenções mais contundentes do Estado nesta questão. Apesar disso, após a independência, o estadista José Bonifácio de Andrada e Silva apresentou, em 1823, à Assembleia Constituinte um projeto legislativo sobre a escravidão no Brasil. Dentre outras matérias, o projeto propunha várias medidas que visavam a facilitar o matrimônio dos cativos. O art. 20 do projeto previa que “o senhor não poderá impedir o casamento de seus escravos com mulheres livres, ou com escravas suas, uma vez que aquelas se obriguem a morar com seus maridos, ou estas queiram casar com livre vontade dele”. Já o art. 21 previa que “O governo fica autorizado a tomar as medidas necessárias para que os senhores de engenhos e grandes plantações de cultura tenham pelo menos dois terços de seus escravos casados”. O projeto proibia, ainda, a venda de escravos que fossem casados a donos diferentes, bem como os filhos destes.[28] O projeto de José Bonifácio jamais foi votado. A Assembleia Constituinte foi dissolvida pelo imperador D. Pedro I em 18 de novembro de 1823.
A questão do matrimônio de escravos voltou à pauta por ocasião da regulamentação da Lei nº 2.040 de 28 de setembro de 1871, a lei do ventre livre, que criou o fundo de emancipação de escravos. Esta lei foi regulamentada pelo decreto nº 5.135 de 13 de novembro de 1872, que estabeleceu os critérios de classificação de escravos para fins de alforria com recursos do fundo de emancipação. Nem a lei nem o regulamento dispuseram acerca de qualquer providência acerca do matrimônio de escravos. Entretanto, o decreto reconheceu certos efeitos ao matrimônio de escravos, concedendo preferência, na alforria, aos escravos casados. [29]
De um modo geral, o que se verifica é que a atuação do Estado quanto ao matrimônio de escravos, ao longo da Colônia e do Império, foi pouco incisiva, quase que no plano das recomendações, apenas.
4 A civilística e o matrimônio de escravos no Brasil do século XIX
Para verificar como os civilistas se comportaram ante o tema do matrimônio de escravos no Brasil, consultamos as seguintes obras: Instituições de Direito Civil Brasileiro, de Lourenço Trigo de Loureiro, publicadas em 1851; Curso de direito civil brasileiro, de Antonio Joaquim Ribas, publicado em 1865; Consolidação das Leis Civis, de Teixeira de Freitas, publicada originariamente em 1858 (consultada, porém, a edição de 1876); Direitos de Família, de Lafayette Pereira, publicado em 1869; Código Filipino, com notas de Cândido Mendes de Almeida, publicado em 1870; e, finalmente, A Escravidão no Brasil, de Agostinho Marques Perdigão Malheiro, cujos volumes da primeira edição foram publicados entre 1866 e 1867.
O tratamento dado pelos civilistas dos oitocentos ao estatuto jurídico do escravo é bastante complexo.[30] Não reduzem o escravo à categoria jurídica de coisa. A maioria reconhece que o escravo seria pessoa natural, mas não teria capacidade civil. Perdigão Malheiros diz que a escravidão é uma ficção do legislador que equipara o escravo, pessoa natural, a coisas[31]. E de forma mais genérica, Trigo de Loureiro, embora reconheça que o escravo é pessoa e não coisa, caracteriza a escravidão pela ausência dos estados de liberdade, cidade e família.
Entretanto, os autores não problematizam a questão do matrimônio dos escravos ou uma eventual incompatibilidade entre o instituto matrimonial e a ausência do status libertartis ou uma incompatibilidade com os poderes inerentes ao domínio do senhor sobre o escravo. Aliás, nenhum desses autores, à exceção de Perdigão Malheiro, sequer menciona o matrimônio de escravos. Teixeira de Freitas até faz referência aos efeitos patrimoniais do matrimônio de escravo com pessoa livre, em nota ao art. 111 da Consolidação, afirmando que “não resulta porém comunhão no casamento do homem livre com a mulher escrava ou de homem escravo com a mulher livre (Repertório das Ordenações, tomo 3, p. 427)”.[32] Mas é só.
É possível que este silêncio se deva ao fato de matrimônio ser um instituto regulado quase que exclusivamente pelo direito canônico, preocupando-se os juristas em definir os efeitos civis do casamento. Considerando que o direito civil quase não reconhecia efeitos civis para o matrimônio dos escravos, não haveria, à primeira vista, razão para que o tema fosse abordado pela doutrina. Mas esta hipótese parece um tanto ingênua, tendo em vista que, não raramente, os civilistas se debruçavam sobre questões matrimoniais próprias da canonística. E há silêncio quanto ao tema mesmo no manual de Lafayette Pereira, que pretendia ser um manual de “Direitos de Família”. Dessa forma, não se pode descartar a hipótese de que havia um certo mal-estar em enfrentar o tema em razão de alguma dificuldade teórica de compatibilizar, no plano da civilística do século XIX, o matrimônio com o regime jurídico de escravo, embora não fosse pacífico, entre os civilistas, que a condição jurídica do escravo fosse a de coisa.
Assim, efetivamente, o matrimônio dos escravos era um tema periférico. Não estava na pauta da doutrina civilística do século XIX, ainda que, ocasionalmente, aparecesse no cenário das discussões políticas da época.
Por outro lado, Perdigão Malheiro, como se disse, é uma exceção. Este autor aborda o tema do matrimônio de escravos em sua monografia “A escravidão no Brasil”, obra que pretende tratar da escravidão em seus aspectos jurídicos, históricos e sociológicos, e que continua sendo obra de referência para o estudo do regime jurídico da escravidão no Brasil. Inicialmente, Perdigão Malheiro lamenta o fato de que, em várias partes do país, os escravos vivam “em uniões ilícitas, por via de regra, tanto os do serviço urbano como os do rural”[33]. Afirma que, apesar disso, a Igreja “sanciona e legitima” o matrimônio dos escravos, mas o direito civil “quase nenhuns efeitos, em regra, lhes dá, conquanto reconheça o fato e o sancione implicitamente pela recepção das leis da Igreja. Continuam marido, mulher e filhos a ser propriedade do senhor”. [34]Acrescenta que “As modificações mais importantes, quanto a esses efeitos, só podem dar-se, quando sobrevém alforria voluntária ou legal […] O cônjuge liberto poderia resgatar a liberdade da família (mulher e filhos), e assim adquirir todos os direitos respectivos em sua plenitude”[35]. Em que pese isto, nas causas matrimoniais, reconhecia-se ao escravo a capacidade de estar em juízo .[36]
Adiante, Perdigão Malheiros, dentre suas propostas de “melhoramento da sorte dos escravos”, propõe medidas relacionadas ao reconhecimendo de alguns direitos à família escrava:
“1º) Proibir a separação dos cônjuges e dos filhos, ao menos infantes, quer dizer, menores de 7 anos; é reconhecer os direitos de família, criá-la, mantê-la, para que possam transferi-la, quando livres, para a sociedade. Demais, a separação dos cônjuges a arbítrio dos senhores a pretexto de que o escravo é propriedade em que tem livre disposição, não deve ser tolerada em caso algum, por motivo algum; ligados perpetuamente pelo sacramento do matrimônio, só a Igreja pode ou desligar por nulidade, ou separar por divórcio, e ainda assim mediante processo competente e provada a causa justa. Como, pois, dar senhor esta autoridade arbitrária de os separar a seu talante e capricho? […]
9º) Facilitar e promover os casamentos, começo da família, elemento fundamental da sociedade”. [37]
O pensamento de Perdigão Malheiro deve ser compreendido em um contexto histórico bastante específico, qual seja, o do crescimento do movimento abolicionista e do declínio do escravismo na segunda metade do século XIX. Como abolicionista, Perdigão Malheiro entendia que a escravidão era contrária ao direito natural e incompatível com o cristianismo. Entretanto, defendia que a abolição ocorrese de forma gradual. É neste contexto que se deve compreender sua proposta de “melhoramento da sorte dos escravos”.
Conclusões
A argumentação teológica compatibilizou a escravidão com o instituto matrimonial. Enquanto se considerava a escravidão como algo criado pelo direito positivo, via-se o matrimônio como algo pertencente à ordem da criação, instituído por Deus. Na ordem da graça, os homens são iguais. Nesse contexto, a literatura jurídico-canônica reconheceu o direito natural do escravo ao casamento, inclusive sem a necessidade de permissão do senhor.
Transportadas para o Novo Mundo, essas premissas, aplicadas em uma ordem social que tem por base o trabalho escravo, fundamentaram as disposições presentes nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, ainda que contrárias aos interesses senhoriais. O direito canônico regulou a questão do matrimônio dos escravos, mas o direito civil quase nenhum efeito lhe deu. Apenas ocasionalmente o Estado se preocupou com a questão e as intervenções estatais deram-se quase que, exclusivamente, no plano das recomendações.
Alguns consideraram a regulamentação estatal insuficiente, a exemplo de José Bonifácio e Perdigão Malheiro. O certo é que, no mundo dos fatos, o matrimônio de escravos não pareceu ter tanta efetividade, de outro modo, não se justificaria o lamento de Perdigão Malheiro ou a proposta legislativa de José Bonifácio.
Se a suposta contradição entre escravidão e matrimônio se resolve mais ou menos satisfatoriamente no âmbito do direito canônico, não se pode dizer o mesmo no campo do direito civil. Mesmo os juristas que abordam o tema do matrimônio escravo não enfrentam esta discussão. E, salvo as exceções apontadas, o tema do matrimônio dos escravos não estava na pauta da nascente civilística brasileira.
Bacharel em Direito pela UFPI com pós-graduação na Universidade Pontifícia de Salamanca. Defensor Público Federal
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