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A relativização da soberania em face à nova ordem internacional na pós-modernidade

Resumo: Nesta pesquisa, realizou-se um estudo da soberania, relativizada sob a nova ordem internacional. Seu objetivo foi demonstrar a crise da soberania na pós-modernidade, e como esta vem sendo entendida nos dias atuais sob o enfoque jurídico político.


Palavras-chave: Soberania. Pós-modernidade. Ordem internacional.


Abstract: In this research, we carried out a study of sovereignty, in context under the new international order. His goal was to demonstrate the sovereignty crisis in postmodernity, and how this has been understood in the present day under the legal approach politics.
Keywords: Sovereignty. Postmodernity. International order.


Summary: 1 – Introduction 2 – Concept of sovereignty; 2.1-like feature of the State Sovereignty, 3 – Sovereignty and democracy; 4 – The crisis of sovereignty in post-modernity; 4.1-sovereignty under the new international order; 5 – Final Thoughts , References.


Sumário: 1- Introdução; 2- Conceito de soberania; 2.1- Soberania como característica do Estado; 3- Soberania e democracia; 4- Crise da soberania na pós-modernidade; 4.1- A soberania sob a nova ordem internacional; 5- Considerações finais; Referências bibliográficas.


1. Introdução


Justificou-se a criação do Estado para manter a ordem e a paz dentro de um determinado território, a fim de que os indivíduos que se encontram dentro daquele território pudessem viver em harmonia, por meio de um poder que regulasse as suas relações.


José Geraldo Brito Filomeno explica que:


“[…] a origem do Estado encontra-se provavelmente numa variedade de fatores: há fundamento, por certo, na suposição de que o desenvolvimento da agricultura tenha sido um dos mais importantes… os antigos costumes não seriam suficientes para definir os direitos e deveres numa sociedade como essa, com o seu elevado padrão de vida, a sua distribuição desigual da riqueza e o vasto campo que oferecia ao embate dos interesses pessoais; novas medidas de controle social se tornariam necessárias, medidas que dificilmente poderiam ser postas em prática por outro meio que não a instituição de um governo; em outras palavras, pela criação de um Estado” (FILOMENO, 2009, p.59).


Assim, o Estado se explica pela necessidade do homem encontrar satisfação para as suas necessidades fundamentais, já que ele não se basta por si.


É, contudo, mutável, na medida em que deve se adequar as realidades sociais não só de seu povo, mas também do mundo.


Segundo Darcy Azambuja,


“O Estado, porém, não é imutável, é uma das formas da dinâmica social, é a forma política da socialidade, como diz Luigi Sturzo, e por isso varia através do tempo e do espaço. O Estado antigo, o Estado medieval, o Estado que se organizou sob a influência das idéias da Revolução Francesa, eram diferentes do Estado contemporâneo. Além disso, em todas as épocas o homem desejou modificar e quase sempre modificou o Estado em que vive” (AZAMBUJA, 2008, p.22).


O termo Estado é de certa forma recente, visto que foi empregado pela primeira vez a partir do século XVI, com a formação dos Estados nacionais.


Discorre Darcy Azambuja que:


“A palavra Estado, no sentido que hoje a empregamos, é relativamente nova. Os gregos, cujos Estados não ultrapassavam os limites da cidade, usavam o termo pólis, cidade, e daí veio política, a arte ou a ciência de governar a cidade. Os romanos, com o mesmo sentido, tinham civitas e respublica. Em latim, status não possuía a significação que hoje lhe damos, e sim a de “situação”, “condição”. Empregavam os romanos frequentemente a expressão status reipublicae para designar a situação, a ordem permanente da coisa pública, dos negócios do Estado. Talvez daí, pelo desuso do segundo termo, tenham os escritores medievais empregado status com a significação moderna. Mas, ainda muito posteriormente, na linguagem política e em documentos públicos, o termo Estado se referia de preferência às três grandes classes que formavam a população dos países europeus, a nobreza, o clero e o povo, os Estados, como eram abreviamente designados” […] (AZAMBUJA, 2008, p.23).


Para que exista o Estado, são necessários três elementos: população, território e governo.


A população é a substância humana, o primeiro elemento formador do Estado, a reunião de vários indivíduos, que se estabelecem em um determinado território, com ânimo definitivo, e se organizam politicamente. Já o território seria a base física, o âmbito geográfico, onde ocorre a validade da ordem jurídica do Estado. E o governo seria a delegação da soberania nacional, o conjunto das funções necessárias à manutenção da ordem jurídica e da administração pública.


Conforme Sahid Maluf,


“A condição de Estado perfeito pressupõe a presença concomitante e conjugada desses três elementos: revestidos de características essenciais: população homogênea, território certo e inalienável e governo independente.


A ausência ou desfiguração de qualquer desses elementos retira da organização sócio-política a plena qualidade de Estado” (MALUF, 2010, P.23).


Portanto, o Estado é uma organização destinada a manter, pela aplicação do Direito, as condições universais de ordem social, garantindo aos seus indivíduos direitos fundamentais.


Para Geraldo Brito Filomeno,


“Estado é a sociedade necessária em que se observa o exercício de um governo dotado de soberania a exercer o seu poder sobre uma população, num determinado território, onde cria, executa e aplica seu ordenamento jurídico, visando ao bem comum” (FILOMENO, 2009, p.66).


Todavia, o significado de soberania vem sendo relativizado no mundo pós-moderno, sob a conjectura de uma nova ordem internacional.


Revela-se a crise da soberania frente a vários eventos, como a globalização, os blocos econômicos e as organizações supranacionais como a ONU.


Neste sentido, buscará estes estudos aprofundar tais questões.


2. Conceito de soberania


Soberania e poder sob a concepção da Teoria do Estado são sinônimos.


Dalmo de Abreu Dallari expõe em sua obra “Elementos de teoria geral do Estado” o conceito de soberania para diversos autores:


“[…] Entre os autores a quem se refira a ela como um poder do Estado, enquanto outros preferem concebê-la como qualidade do poder do Estado, sendo diferente a posição de Kelsen, que, segundo sua concepção normativista, entende a soberania como expressão da unidade de uma ordem. Para Heller e Reale ela é uma qualidade essencial do Estado, enquanto Jellinek prefere qualificá-la como nota essencial do poder do Estado. Ranelletti faz uma distinação entre a soberania, com o significado do poder de império, hipótese em que é elemento essencial do Estado, e soberania com o sentido de qualidade essencial do Estado, admitindo que essa última possa faltar sem que se desnature o Estado, o que aliás, coincide com a observação de Jellinek de que o Estado Medieval não apresentava essa qualidade” (DALLARI, 2010, p.79).


A soberania, portanto, é baseada na supremacia do poder do mais forte, o que estimula uma verdadeira guerra entre os Estados, assumindo às vezes caráter totalitário ou mesmo de destruição para autoafirmação.


Sob o ponto de vista jurídico, Dallari (2010, p.80), explica o conceito de soberania “como o poder de decidir em última instância, sobre a atributividade das normas, vale dizer, sobre a eficácia do direito”. Em suma, a soberania somente existiria em determinado Estado se este pudesse ter poder para produzir, executar, e julgar as normas emanadas por ele mesmo, sobre quem esteja sob seu território.


A soberania possui como características em ser una, indivisível, inalienável e imprescritível.


Dallari explica estas características da soberania da seguinte forma:


“[…] Ela é una porque não se admite num mesmo Estado a convivência de duas soberanias. Seja ela poder incontrastável, ou poder de decisão em última instância sobre a atributividade das normas, é sempre poder superior a todos os demais que existam no Estado não sendo concebível a convivência de mais de um poder superior no mesmo âmbito. É indivisível porque, além das razões que impõem a sua unidade, ela se aplica à universalidade dos fatos ocorridos no Estado, sendo inadmissível, por isso mesmo, a existência de várias partes separadas da mesma soberania. […] A soberania é inalienável, pois aquele que a detém desaparece quando ficar sem ela, seja o povo, a nação, ou o estado. Finalmente, é imprescritível porque jamais seria verdadeiramente superior se tivesse prazo certo de duração. Todo poder soberano aspira a existir permanentemente e só desaparece quando forçado por uma vontade superior” (DALLARI, 2010, p.81).


Sem estas características não se pode considerar que um Estado seja soberano, visto que a soberania somente deve emanar dele, sendo este poder indivisível, não podendo ser separado, inalienável, na medida em que se imiscui com o seu próprio titular, e imprescritível, não possui prazo de duração, sendo indeterminável.


 A fonte do poder soberano se divide em várias teorias, algumas entendem o poder emanar de Deus, outras do povo, e ainda, do próprio Estado.


Segundo Sahid Maluf,


“[…] Paras as teorias carismáticas do direito divino (sobrenatural ou providencial) dos reis, o poder vem de Deus e se concentra na pessoa sagrada do soberano. Para as correntes de fundo democrático, a soberania provém da vontade do povo (teoria da soberania popular) ou da nação propriamente dita (teoria da soberania nacional). Para as escolas alemã e vienense, a soberania provém do Estado, como entidade jurídica dotada de vontade própria (teoria da soberania estatal) […]” (MALUF, 2010, p.31).


Entrementes, pode-se afirmar que sob o atual paradigma que vivemos, o Estado Democrático de Direito, o poder soberano advém do povo, através dos seus representantes eleitos que governam o País.


É adepto deste entendimento José Geraldo Brito Filomeno, para quem:


“Parece-nos, todavia, que a teoria mais correta, e que leva em consideração os princípios da democracia representativa, seria a que dá como fonte última da soberania o poder constituinte, já que instituidor do Estado, e da ordem jurídica como um todo.


É evidente, por outro lado, que tal somente é possível pela representatividade popular, mediante escolha dos representantes do povo” (FILOMENO, 2009, p.86).


Todavia, não se pode confundir soberania com governo.


De acordo com o mesmo autor,


“Governo nada mais é do que o conjunto dos órgãos do Estado que colocam em prática as deliberações dos órgãos legislativos.


Ou seja, é a face visível do Estado, e expressão da sua própria soberania, enquanto poder supremo existente nos limites de seu território.


Pode-se ainda conceituá-lo como a organização necessária para o exercício do poder político do Estado.


Já soberania é a forma suprema de poder: é o poder incontestável e incontrastável que o Estado tem de, dentro de seu território e sobre uma população, criar, executar e aplicar o seu ordenamento jurídico visando ao bem comum” (FILOMENO, 2009, p.86).


Governo então seria o poder objetivo do Estado, visível pela sua organização, e pelo exercício do poder com a emanação de ordens. Já a soberania seria o poder subjetivo do Estado, que não é visível, mas que existe quando é possível o Estado criar, executar e aplicar as suas normas, respeitadas e acatadas pela população sobre determinado espaço físico.


2.1 Soberania como característica do Estado


Como característica do Estado, a soberania se revela como essencial para que o Estado possa se autodeterminar e exercer o seu próprio controle sobre a sua população, dentro do seu território.


Cláudio de Cicco e Alvaro de Azevedo Gonzaga explicam que:


“[…] podemos assim definir a soberania do Estado como sendo a autodeterminação de seu governo, sem depender de potências estrangeiras, quer no campo político, econômico ou cultural. Soberano é o Estado cujo governo faz suas próprias leis, administra segundo as necessidades da população, julga de acordo com a justiça que resolve concretamente os problemas jurídicos e sociais em seu território […]” (CICCO; GONZAGA, 2009, p.50).


Para os autores (2009, p.50), “a soberania consiste em uma característica que se depreende da conjugação dos três elementos do Estado e, portanto, seria redundante considerar que o Governo deva ser soberano”.


Foi a partir do século XIX que a soberania surgiu como titular do Estado, aparecendo como qualidade do poder estatal, sendo absoluta.


Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais (2010, p.168) ao citarem Miguel Reale definem que soberania é “o poder que tem uma nação de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de conivência”.


Isto é, a capacidade que o Estado tem de impor suas ordens, por meio de suas normas, com a observância e o respaldo de todos que estão sob o seu território, através de sua concordância.


Viu-se no capítulo anterior as características da soberania e suas definições. Entretanto, em que pese o surgimento da globalização e da criação de várias entidades supranacionais, no contexto de comunidade internacional, estas características vêm sendo relativizadas, dando-se novos contornos à soberania.


Coadunam Lenio Luiz Streck e José Luiz Bolzan de Morais, para quem:


“Pela teoria da autolimitação, diz-se que o Estado pode assumir, espontaneamente, limitações externas, a partir de compromissos assumidos perante outros poderes congêneres. Modernamente, esta questão ganha novos contornos diante do processo de reforço de poderes diversos, muitas vezes com capacidade decisória igual ou superior à dos Estados, como ocorre, e. g., com a construção das nominadas comunidades supranacionais” (STRECK; MORAIS, 2010, p.168).


Sob uma perspectiva teórica, os Estados possuem igualdade jurídica entre si no plano externo, devendo-se ter respeito recíproco e convivência pacífica entre si, tendo-se em conta também as relações de interdependência que mantêm, principalmente as de ordem econômica, caracterizando-se, portanto, uma dupla soberania, uma interna e outra externa.


Conforme Lenio Luiz Streck e José Luiz Bolzan de Morais (2010, p. 168), com este referencial, pode-se dizer que a soberania possui duplo significado, um interno, de insubordinação a um poder superior, e outro externo, de independência e impermeabilidade, muito embora modernamente lhe atribua um caráter de coordenação.


Tem-se ainda que o conceito de soberania sofre atualmente enormes modificações, ou relativizações, em conseqüência da transacionalização que perpassa o mundo.


Streck e Morais ao citarem Antonio Tarantino, discorrem que o conceito de soberania não pode ser reduzido ao conceito de soberania estatal. Para ele, em razão disso:


“O discurso, no plano da teoria geral do direito, e não no plano da teoria geral do Estado, é o que especifica os elementos do conceito geral de soberania, sem resolver-se nos critérios da competência territorial e da competência pessoal, e  o que reconhece que os cidadãos de cada Estado podem ser destinatários de normas de muitos ordenamentos soberanos não estatais, e admite, por isso, o reconhecimento de um pluralismo de ordenamentos soberanos, entre os quais se inclui o ordenamento estatal. É um problema apresentado pela crise atual do conceito de soberania do Estado, em virtude da proliferação de ordenamentos soberanos transnacionais, paralelamente ao do Estado” (STRECK; MORAIS, 2010, p.169).


Hodiernamente verifica-se esta mudança de paradigmas, com o surgimento do Plurinacionalismo, em que as normas de vários estados se comportam em um mesmo espaço, o mundo, sendo esta mudança, uma da causas da crise da soberania, conforme será estudado mais adiante.


3. Soberania e democracia


Visto que o atual paradigma é o Estado Democrático de Direito, o qual preconiza a Constituição brasileira de 1988, bem como este o modelo adotado na maioria dos países, será objeto de discussão e comparação a democracia e a soberania neste capítulo, sem se ater aos outros paradigmas de estado.


Nas palavras de Darcy Azambuja,


“Democracia é o sistema político em que, para promover o bem público, uma Constituição assegura os direitos individuais fundamentais, a eleição periódica dos governantes por sufrágio universal, e a divisão e a limitação dos poderes e a pluralidade dos partidos” (AZAMBUJA, 2008, p.360).


Como fora exposto anteriormente, uma das fontes da soberania seria o povo, atrelado ao ideal democrático. Para que o povo possa exercer seu poder, é necessário que haja a democracia, a grosso modo, exercida por meio do voto ou sufrágio.


Neste entendimento, Dalmo de Abreu Dallari afirma que:


“[…] Por mais imperfeito que seja o sistema eleitoral, a escolha por eleição é a que mais se aproxima da expressão direta da vontade popular, além do que é sempre mais justo que os próprios governados escolham livremente os que irão governá-los. Tendo em vista, por outro lado, que a designação dos governantes é indispensável para a própria sobrevivência do Estado, e que se confia ao povo essa atribuição, chega-se à conclusão de que o povo, quando atua como corpo eleitoral, é um verdadeiro órgão do Estado” (DALLARI, 2010, p.183).


Sob o ideal democrático, o povo seria ao mesmo tempo a fonte e o titular da soberania, visto que ele é o elemento humano do Estado, pois sem população, ou que esta não obedeça às ordens do Estado, este não se subsiste.


Segundo Darcy Azambuja,


“O titular da soberania, ou melhor, do poder, é a nação, porque é o elemento humano do Estado. Quer dizer, intrínseca, social, originariamente, o poder reside no povo ou na nação; dele é que emana o impulso vital que faz o Estado agir. Não poderia ser do território, evidentemente, e nem com exatidão se poderia dizer que é do governo, ou da organização, do terceiro elemento – enfim, do Estado. Porque, em última análise, governo e organização são denominações de fenômenos que se processam no seio da coletividade. Só o elemento humano é capaz de vontade e de ação. Substancialmente, pois, o poder reside no povo ou na nação. Juridicamente, porém, é o Estado que exerce o poder, ou a soberania, como se costuma impropriamente dizer. Porque o Estado é a expressão jurídica, a fisionomia legal da nação” (AZAMBUJA, 2008, p. 107-108).


Não obstante, não deve ser somente o fim do Estado atender ao povo, mas assegurar-lhes os seus direitos fundamentais, como a dignidade e a liberdade, para que possa ser sujeito na criação e recriação do Estado, inserido pela bases democráticas.


Sahid Maluf entende que:


“O fim do Estado não consiste simplesmente em realizar a democracia. O Estado tem um fim imediato, que é o de manter a ordem sócio-ético-jurídica: e também um fim mediato, que é o de estabelecer para todos, indistintamente, condições propícias tendentes à realização dos imperativos naturais da pessoa humana. A grande vocação do Estado, como afirmou Angelo Brcurelli, é servir à pessoa humana. O Estado não visa a realizar a democracia apenas para ser democrático, assim como o indivíduo não pode pretender a liberdade apenas para ser livre. A democracia para o Estado, assim como a liberdade para o indivíduo, é um meio e não um fim. Procuram, o Estado e o homem, atingir os seus fins pelo caminho do ideal democrático” (MALUF, 2010, p.300).


Eis que, tem-se o Estado Democrático de Direito o papel de promover, por meio de instrumentos populares, a inserção do indivíduo na participação do Estado, garantindo-lhe para tanto, condições de igualdade e iguais liberdades fundamentais, para que possa efetivar a democracia.


Neste sentido Lenio Luiz Streck e Jose Luis Bolzan de Morais afirmam que:


“Quando assume o feitio democrático, o Estado de Direito tem como objetivo a igualdade e, assim, não lhe basta limitação ou a promoção da atuação estatal, mas referenda a pretensa transformação do status quo. A lei aparece como instrumento de transformação da sociedade não estando mais atrelada inelutavelmente à sanção ou à promoção. O fim a que pretende é a constante reestruturação das próprias relações sociais” (STRECK; MORAIS, 2010, p.100).


Para que possa garantir que o indivíduo exerça a democracia, a Constituição, servir-lhe-á como instrumento para a efetivação dos seus direitos.


Seguem referidos autores:


“É com a noção de Estado de Direito, contudo, que liberalismo e democracia se interpenetram, permitindo a aparente redução das antíteses econômicas e sociais à unidade formal do sistema legal, principalmente através de uma Constituição, onde deve prevalecer o interesse da maioria. Assim, a Constituição é colocada no ápice de uma pirâmide escalonada, fundamentando a legislação que, enquanto tal, é aceita como poder legítimo” (STRECK; MORAIS, 2010, p.100).


Nas democracias modernas, existem três modelos: a direta, semidireta e a representativa. De acordo com Darcy Azambuja:


“Aí estão as três modalidades da democracia: “Parte do povo governar todo o tempo” é democracia representativa; “todo o povo governar algum tempo” é democracia semidireta (referendo, iniciativa popular etc.); “todo o povo não pode governar todo o tempo” é a impossibilidade da democracia direta” (AZAMBUJA, 2008, p.347).


Pode-se verificar que no Brasil são adotados os modelos da democracia representativa e semidireta. Enfim, para que estes modelos possam ter efetividade no contexto de soberania democrática, Sahid Maluf expõe que a democracia deve consistir em:


“1º) todo poder emana do povo, sendo exercido no seu nome e no seu interesse; 2º) as funções de mando são temporárias e eletivas; 3º) a ordem pública baseia-se em uma Constituição escrita, respeitado o princípio da tripartição do poder de Estado; 4º) é admitido o sistema de pluralidade de partidos políticos, com a garantia de livre crítica; 5º) os direitos fundamentais do homem são reconhecidos e declarados em ordem constitucional , proporcionado o Estado os meios e as garantias tendentes a torná-los efetivos; 6º) o princípio da igualdade se realiza no plano jurídico, tendo em mira conciliar as desigualdades humanas, especialmente as de ordem econômica; 7º) é assegurada a supremacia da lei como expressão da soberania popular; 8º) os atos dos governantes são submetidos permanentemente aos princípios da responsabilidade e do consenso geral como condição de validade” (MALUF, 2010, p.301).


Em que pese todas estas premissas acima para a consecução da democracia, entende-se que o Estado deve promover iguais liberdades para que os indivíduos em condições plenas de discursarem possam exercer a sua autonomia por meio do diálogo, podendo-se então, falar-se em uma democracia plena.


De acordo com Dalmo de Abreu Dallari:


“[…] Dotando-se o Estado de uma organização flexível, que assegure a permanente supremacia da vontade popular, buscando-se a preservação da igualdade de possibilidades, com liberdade, a democracia deixa de ser um ideal utópico para se converter na expressão concreta de uma ordem social justa” (DALLARI, 2010, p.313-314).


Como fora explanado neste capítulo, a soberania, sob a teoria da soberania popular, tem como fonte o povo, uma das bases da democracia.


Todavia, vislumbra-se hoje a relativização da soberania do Estado, visto que as próprias características da democracia propiciaram no novo modelo de Estado a crise do poder estatal, a sua soberania absoluta, conforme será abordado no próximo capítulo.


4. Crise da soberania na pós-modernidade


Como fora visto no capítulo anterior, a democracia foi uma das causas relacionadas à relativização ou crise da soberania. Junto à democracia outros fatores, na pós-modernidade contribuíram para esta crise, tanto de ordem interna, quanto de ordem externa.


Sob uma análise interna do Estado, a soberania absoluta do Estado foi fragmentada, com a instituição do federalismo, da divisão dos poderes do Estado, o surgimento de instituições privadas que passaram a exercer funções estatais, e o respeito aos direitos individuais dos cidadãos, principalmente os direitos humanos, hoje assegurados em uma perspectiva não somente interna, mas também externa, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.


O Federalismo se caracteriza pela descentralização política e administrativa do Estado, é uma forma de Estado, formado por vários estados, com a coexistência de poderes de esferas diversas. Tem-se como exemplo de Estado federal o Brasil.


Conforme o artigo 1º da Constituição da República de 1988, “a República federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal”. José Geraldo Brito Filomeno (2009, p.93) explica que os estados e municípios são unidades autônomas componentes da União Federal, sendo capazes de gerirem seus próprios destinos político administrativos, de acordo com as limitações ditadas pela União.


Referido autor (2009, p.98) explicita que o federalismo é uma tendência no mundo pós-moderno ou contemporâneo, seja em decorrência de conflitos históricos, étnicos, religiosos, necessidades reais de administração regional, ou então simplesmente em decorrência de ambições políticas.


Sendo assim, o federalismo traduz-se em uma independência relativa dos estados e municípios, como é o caso do Brasil, não podendo a União-Estado intervir diretamente nestas unidades a qualquer pretexto, inclusive por determinação no texto constitucional.


A separação dos poderes do Estado, criada por Montesquieu no século XVIII, atinge seu ápice no mundo pós-moderno, principalmente, por estar associada ao viés democrático.


Nas palavras de Dalmo de Abreu Dallari:


“O sistema de separação dos poderes, consagrado nas Constituições de quase todo o mundo, foi associado à idéia de Estado Democrático e deu origem a uma engenhosa construção doutrinária, conhecida como sistema de freios e contrapesos” (DALLARI, 2010, p.220).


A separação dos poderes ou tripartição do Estado, consiste basicamente na criação dos direitos pelo Poder Legislativo, nas execuções genéricas pelo Poder Executivo e na aplicação dos direitos a questões concretas pelo Poder Judiciário.


Justificou-se a separação dos poderes principalmente para se evitar um estado ditatorial. Desta forma, a soberania do Estado ficou limitada não concentrando mais de modo único o poder de legislar, executar e julgar.


Segundo Dalmo de Abreu Dallari:


“[…] De fato, quando se pretende desconcentrar o poder, atribuindo o seu exercício a vários órgãos, a preocupação maior é a defesa da liberdade dos indivíduos, pois quanto maior for a concentração do poder, maior será o risco de um governo ditatorial. Diferentemente, quando se ignora o aspecto do poder para se cuidar das funções, o que se procura é aumentar a eficiência do Estado, organizando-o da maneira mais adequada para o desempenho de suas atribuições” (DALLARI, 2010, p.217).


Todavia, nos moldes atuais a tripartição dos poderes é muito questionada, já que um poder exerce as três funções, porém uma é mais preponderante, o que não é objeto de análise deste trabalho.


Devido à crise do Estado Social, por não conseguir realizar todas as atividades consideradas exclusivas do Estado, surgiu na pós-modernidade o aumento de instituições privadas que por delegação do Estado ou por iniciativa própria começaram a exercer atividades estatais. Hoje, as chamadas ONG’s (Organizações Não-Governamentais) e as PPPs (Parcerias Público-Privadas) exercem papel essencial na sociedade.


Esta fragmentação do Estado, que deixou ser exclusivamente público, com o surgimento do Terceiro Setor, desestabilizou também o poder soberano absoluto.


Lenio Luiz Streck e José Luiz Bolzan de Morais entendem que:


“Voltando-se ao âmbito do próprio Estado, deve-se referir que a emergência e a consolidação de novas relações sociais, tendo como protagonistas sujeitos outros que não os indivíduos isolados, implicaram num açambarcamento por tais atores de funções tradicionalmente públicas. Assim, os sindicatos e as organizações empresariais, além de outros movimentos sociais, passaram a patrocinar determinadas atividades e produzir certas decisões que caracteristicamente se incluiriam no rol do poder soberano do Estado” (STRECK; MORAIS, 2010, p.141).


Sendo o fim do Estado o bem comum, ele não pode limitar os direitos individuais dos seus cidadãos, sob pena violar o seu próprio fim, a razão de sua existência, sendo esta também uma causa da crise da soberania, em que o próprio indivíduo, que se insere no Estado, deve ter garantido os seus direitos fundamentais.


Darcy Azambuja aduz que:


“Outras limitações necessárias decorrem de que o Estado, não sendo um fim em si mesmo, mas um meio de os indivíduos procurarem cumprir seu destino, desenvolvendo suas qualidades físicas, morais e intelectuais, tem o seu poder soberano limitado pelos direitos naturais da pessoa humana. […] mas desde já se pode afirmar que o Estado, em circunstância alguma, poderá legitimamente negar os direitos individuais, pois sendo eles inerentes à pessoa humana, se os negasse o Estado não realizaria o bem comum” (AZAMBUJA, 2008, p.103-104).


A esta limitação da soberania estatal, tem-se como exemplo o art. 5º da Constituição brasileira de 1988, a qual dispõe os direitos e garantias individuais, considerados cláusulas pétreas, referendada pelo texto constitucional.


Passada a análise das causas jurídicas, políticas e sociais da crise interna da soberania na pós-modernidade, passa-se à análise no próximo tópico das causas externas.


4.1 A soberania sob a nova ordem internacional


A soberania dos Estados vem passando por várias transformações nos últimos tempos devido a causas de ordem externa, como o surgimento das organizações internacionais, a globalização, a preocupação da comunidade internacional com questões relacionadas aos direitos humanos, ao meio ambiente e biotecnologia, e também pela formação de blocos econômicos ou organizações supranacionais.


A nova ordem internacional hoje exige o pensamento global, na atuação que um Estado se relaciona com o outro por uma necessidade de interdependência.


Conforme Lenio Luiz Streck e Jose Luis Bolzan que:


“No plano internacional, em especial, observa-se fenômeno semelhante relacionado ao caráter de independência dos Estados soberanos, como capacidade de autodeterminação. A interdependência que se estabelece contemporaneamente entre os Estados aponta para um cada vez maior atrelamento entre as idéias de soberania e de cooperação jurídica, econômica e social, o que afeta drasticamente a pretensão à autonomia […]” (STRECK; MORAIS, 2010, p.140).


O que se percebe é que os Estados hoje possuem muito mais uma questão de pactos e compromissos assumidos do que de própria soberania, isto é, o seu poder fica limitado na medida destes compromissos, de forma que um não prejudique o outro. Seria mais uma questão de relações internacionais, do que de soberania.


Referidos autores afirmam que:


“Efetivamente, o quadro esboçado impõe que repensemos o caráter soberano atribuído ao Estado contemporâneo. Percebe-se, já, que não se trata mais da constituição de uma ordem todo-poderosa, absoluta. Parece, indubitavelmente, que se caminha para o seu esmaecimento e/ou transformação como elemento caracterizador do poderio estatal. Em nível de relações externas, mais visivelmente, percebe-se a construção de uma ordem de compromisso(s), e não de soberania(s), muito embora, para alguns, a possibilidade de construir aqueles esteja assentada nesta” (STRECK; MORAIS, 2010, p.142).


Desde 1945, com o fim precípuo de manter a paz mundial, após a II Guerra Mundial, foi criada a ONU (Organização das Nações Unidas), primeira organização internacional. A ONU atua nos limites do seu objeto e dos poderes investidos a si pelos Estados que a compõem.


Dalmo de Abreu Dallari ao definir a ONU explica que:


“A ONU é uma pessoa jurídica de direito internacional público, tendo sua existência, organização, objeto e condições de funcionamento previstos no seu instrumento de constituição, que é a Carta das Nações Unidas. Embora tenha havido certa relutância dos juristas em qualificar a ONU entre as espécies de uniões de Estados já conhecidas, a maioria lhe reconhece a natureza jurídica de uma Confederação de Estados, sendo a Carta o tratado que lhe deu nascimento” […] (DALLARI, 2010, p.272).


Apesar de não ser um Estado, o poder exercido pela ONU sobre os Estados, inclusive àqueles que não a integram, é de ingerência e de império, na medida em que esta organização pode sancionar desde medidas restritivas de ordem econômica até o uso da força coercitiva, em nome da paz e da ordem mundial, por meio de medidas aprovadas pelo Conselho de Segurança, órgão que compõe a ONU.


Exemplifica Sahi Maluf:


“As mais importantes intervenções políticas ocorrem, em alguns casos, por solicitações dos próprios países abalados por comoções internas, na maioria das vezes por exércitos formados por determinação da ONU, chamados comumente de “força internacional de paz” ou Missão de Estabilização, como ocorreu no Haiti. Outras vezes ocorrem por legitimação outorgada a um ato de ocupação ou invasão, praticado por um ou vários países contra o outro, como ocorreu no Iraque, e outras, ainda, por imposição de sanções econômicas e comerciais com finalidades coercitivas” (MALUF, 2010, p.46).


Assim, verifica-se que a soberania dos Estados frente às organizações internacionais, como a ONU, são relativizadas, ou mesmo, abolidas, justificadas por questões globais, como a paz mundial.


Outro evento que impactou na soberania dos Estados foi a globalização.


Conforme Sahid Maluf:


“[…] Consideraremos que a globalização constitui um processo de internacionalização de regras de convivência ou interferência política entre países, impulsionado por fatores da produção e da circulação do capital em âmbito internacional, movidos pela força propulsora da revolução tecnológica” (MALUF, 2010, p.43).


Calcada na quebra de barreiras, sob a égide do fluxo de informações, capital, pessoas e tecnologia, a globalização aproximou os povos e quebrou a hegemonia dos Estados, refletindo na soberania.


Analisa referido autor que:


“A globalização, assim considerada, produz reflexos no conceito de soberania, na medida em que acaba por atingir cada país de forma desigual, na proporção da riqueza, poder, ou desenvolvimento social, econômico e tecnológico de cada um. Esses reflexos assumem maior gravidade entre os países chamados de “terceiro mundo” ou “em desenvolvimento”, os quais ficam mais vulneráveis, diante da incapacidade de enfrentamento das imposições originadas da ordem internacional” […] (MALUF, 2010, p.44).


Neste sentido, visando minimizar os efeitos da globalização foram criados os blocos econômicos ou organizações supranacionais.


De acordo com Lenio Luiz Streck e José Luiz Bolzan de Morais:


“As chamadas comunidades supranacionais – Comunidade Econômica Européia/CEE/União Européia, NAFTA, MERCOSUL etc.- particularmente a primeira, impuseram uma nova lógica às relações internacionais e, consequentemente, atingiram profundamente as pretensões de uma soberania descolada de qualquer vínculo ou limitação. O que se percebe, aqui, é uma radical transformação nos poderes dos Estados-Membros, especialmente no que se refere a tarifas alfandegárias, aplicação de normas jurídicas de direito internacional sujeitas à apreciação de Cortes de Justiça supranacionais, emissão de moeda, alianças militares, acordos comerciais etc.” (STRECK; MORAIS, 2010, p.140).


Sendo assim, nestas organizações supranacionais, cada Estado transfere ou cede parcela de sua soberania a um órgão comum, admitindo que as decisões tomadas por esse órgão se tornem obrigatórias dentro de cada Estado, independente de qualquer manifestação política ou legislativa interna. Passam estas decisões, ou melhor, ordens, a fazer parte do ordenamento jurídico interno de cada Estado. Por conseguinte, vislumbra-se a perda quase que total da soberania dos Estados que fazem parte de uma organização supranacional, como é o caso da União Européia.


Aduz Sahid Maluf que:


“A União Européia caracteriza uma forma de cessão, mesmo que parcial, da soberania. Na observação de Ives Gandra Martins, “o direito comunitário prevalece sobre o Direito local, e os poderes comunitários (Tribunal de Luxemburgo, Parlamento Europeu) têm mais força que os poderes locais. Embora no exercício da soberania, as nações aderiram a tal espaço plurinacional, mas, ao fazê-lo, abriram mão de sua soberania ampla para submeterem-se a regras e comandos normativos da comunidade. Perderam, de rigor, sua soberania para manter uma autonomia maior do que nas Federações clássicas, criando uma autêntica Federação de países” […] (MALUF, 2010, p.53).


Outra causa relacionada à relativização da soberania foi a universalização dos direitos humanos, principalmente com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948.


Cláudio de Cicco e Alvaro de Azevedo Gonzaga definem direitos humanos como:


“[…] os Direitos Humanos são os direitos derivados da natureza humana, independente de idade, sexo, religião, idéias políticas ou filosóficas, país, etnia ou condição social. Decorrem da dignidade da pessoa humana e tem abrangência universal e supranacional, de modo que todas as pessoas e Estados devem respeitá-lo […]” (CICCO; GONZAGA, 2009, p.156).


Ante o exposto, verifica-se que devido ao caráter de universalidade e a imposição dos direitos humanos inseridos nos Estados, a soberania destes fica condicionada a respeitar tais direitos, pois não devem ser limitados pelo Estado, pelo menos em um plano teórico.


Faz-se mister acrescentar que sob a nova ordem internacional os direitos humanos se desdobram em direitos de primeira a quarta gerações, ou melhor, dimensões, em que se insere o direito ao meio ambiente, à sustentabilidade, e o direito das gerações futuras. Neste sentido, várias são as manifestações internacionais, tanto com a criação de organismos internacionais como de organizações não-governamentais para a proteção destes direitos, interferindo diretamente nos Estados, comprometendo suas soberanias.


Lenio Luiz Streck e Jose Luiz Bolzan de Morais entendem que:


“Outro agente fundamental neste processo de transformação – de eclipse, para alguns- da noção de soberania são as Organizações Não Governamentais (ONGs). Estas entidades, que podem ser enquadradas em um espaço intermediário entre o público, representado pelos organismos internacionais, e o privado, representado pelas empresas transnacionais, atuam em setores variados, tais como: ecologia (Greenpeace), direitos humanos (Anistia Internacional), saúde (Médicos Sem Fronteiras) etc. O papel das mesmas vem se aprofundando, sendo, nos dias que correm, muitas vezes imprescindíveis para que certos Estados tenham acesso a programas internacionais de ajuda, possam ser admitidos em determinados acontecimentos da ordem internacional, etc. Tais vínculos, incongruentes com a idéia de poder soberano, são uma realidade da contemporaneidade onde os relatórios destas entidades podem significar reconhecimento ou repúdio em nível internacional, com reflexos inexoráveis na ordem interna de tais países, em especial naqueles que dependem da “ajuda” econômica internacional” (STRECK; MORAIS, 2010, p.141).


Após analisadas as causas tanto de ordem interna como externa, resta fazer um questionamento: afinal, é possível afirmar que existe soberania na pós-modernidade?


Neste sentido, a doutrina se divide em otimistas e pessimistas conforme Cláudio de Cicco e Alvaro de Azevedo Gonzaga (2009, p.308): os otimistas acreditam na força do Estado, inclusive na atualidade, uma vez que este sempre é suscitado para dirimir ou solucionar problemas. Já os pessimistas não acreditam mais no Estado, vislumbrando um mundo global e sem fronteiras, que o Estado já não tem mais função.


Todavia, entende-se que a soberania pode se subsistir na pós-modernidade, porém com novos contornos, desde que a democracia dos Estados se abram para o mundo, que seja participativa, sob uma visão cosmopolita e global, integrando a todos, visto que hoje se inserem no contexto de comunidade internacional, de plurinacionalidades.


De acordo com Jose Maria Gómez:


“É preciso construir um projeto de democracia cosmopolita, sustentado tanto nas garantias institucionais e normativas que assegurem representação e participação de caráter regional e global, quanto em ações deliberativas e em rede que expandam e adensem uma esfera pública sobre as mais variadas questões relevantes (direitos humanos, paz, justiça distributiva, gênero, biosfera, saúde, etc.)” (GÓMEZ, 2000, p.135).


A partir deste pressuposto pode-se afirmar em uma soberania popular, ou plurinacional, conformada na instituição e na construção do poder pelo povo e para o povo, em um contexto global e multicultural.


5. Considerações finais


O Estado foi criado para manter a ordem interna dentro do seu território e manter a paz, a ser assegurada à sua população.


Neste contexto, a soberania como expressão do poder do Estado, foi instrumento essencial para assegurar o bem comum, por meio das suas características de unicidade, inalienabilidade e imprescritibilidade.


Todavia, nos dias atuais, sob a égide da democracia, o conceito de soberania absoluta do Estado se relativizou, visto que o povo, por meio dos seus representantes eleitos, é quem governa o Estado, isto é, a fonte soberana popular do Estado.


Ainda, viu-se que diversos fatores contribuíram para a crise da soberania, tanto no plano interno quanto externo.


O federalismo, a tripartição dos poderes, o Terceiro Setor e o respeito aos direitos individuais, limitaram o poder do Estado, e por conseguinte, a soberania no plano interno.


O surgimento das organizações internacionais, a globalização, os direitos humanos, a criação dos blocos econômicos e dos organismos supranacionais obstaculizaram o exercício do poder soberano estatal no plano internacional.


Assim, o Estado atualmente mantêm relações de interdependência com ou outros Estados para que possa se manter e subsistir, principalmente na economia. As características antes da soberania foram relativizadas, pois principalmente hoje a soberania de um estado não é única, pois ela sofre constantes interferências interna e externamente.


Mesmo com a criação de megablocos, como a União Européia, a soberania se relativizou, do poder soberano de um Estado outorgado para um poder soberano federado.


Diante disso, verifica-se, portanto, que o papel da soberania na pós-modernidade é por meio de um viés democrático, comportar os diversos projetos individuais de vida, assegurando iguais liberdades fundamentais, na medida em que deve assegurar a participação do indivíduo na construção de um Estado multicultural e plurinacional, resultante de vários fenômenos, como a globalização.


Face o exposto, pode-se afirmar que a soberania foi relativizada para a construção de uma democracia participativa, na construção e reconstrução de um Estado pelo povo e para o povo, num contexto cosmopolita e multicultural, formado por múltiplas identidades.


 


Referências bibliográficas:

AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Globo, 2008. 45

DE CICCO, Claudio; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Teoria geral do estado e ciência política. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do estado e ciência política. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

GÓMEZ, Jose Maria. Política e Democracia em Tempos de Globalização. Petrópolis: Vozes; Buenos Aires: CLACSO; Rio de Janeiro: LLP. 2000.

MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 30. ed. / São Paulo: Saraiva, 2010.

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

Informações Sobre o Autor

Tiago Vieira Bomtempo

Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Especialista em Direito Público pelo IEC PUC Minas. Advogado e membro da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/MG. Biotécnico. Professor universitário.


Equipe Âmbito Jurídico

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