Resumo: Este artigo visa elucidar as principais questões sobre a responsabilidade ambiental em caso de vazamento de petróleo no mar, com as legislações nacionais e internacionais que regulam o direito ambiental.
Palavras-chave: Direito. Ambiental. Responsabilidade. Vazamento. Petróleo.
Abstract: This article has an objective of clarify the main issues of environmental responsibility in the event of oil spillsat sea, with national and international laws governing the environment.
Keywords: Law. Environment. Responsibility. Spill. Oil.
Sumário:Introdução. Desenvolvimento. Conclusão. Referências.
Introdução
Ao longo da história humana, a exploração ambiental sempre foi vista como uma consequência do sustento do ser humano, um caminho para a dominação de uns povos sobre outros, uma forma de adquirir riquezas para a manutenção das nações e até um meio de possibilitar o desenvolvimento dos países.
Não havia preocupação com o meio ambiente e os Estados podiam fazer o que quisessem dentro de seus limites territoriais, conquistando à força o direito de explorar os recursos disponíveis em outros lugares; ocasionando, assim, grandes impactos ambientais sem qualquer indagação das consequências.
Essa situação foi se modificando a partir da Revolução Industrial, mais precisamente no pós-Guerra, com a independência das colônias europeias (e o fim da exploração gratuita de seus recursos), o aumento do descarte de poluentes pelas fábricas nos países industriais e a conscientização de que os recursos ambientais são finitos e de que a sua escassez poderia trazer irremediáveis prejuízos à manutenção da vida no planeta.
A imputação de responsabilidade pela poluição, contudo, só passou a tomar forma no final do Século XX, principalmente depois dos grandes desastres ambientais de Chernobyl e de navios petroleiros (TorreyCanyon, Amoco Cadiz, Exxon Valdez), que trouxeram enormes danos a milhares de pessoas, de animais e da flora, em diversos países, demonstrando que os prejuízos ao meio ambiente não conhecem as fronteiras nacionais impostas pelos homens.
Os movimentos políticos, econômicos e sociais internacionais passaram então a clamar por uma efetiva atuação dos países a fim de prevenir acidentes ambientais, exigindo das empresas as cautelas no desenvolvimento de sua atividade industrial e elaborando leis nacionais que responsabilizem os poluidores pelos danos que causassem à biota.
A Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente de 1972 foi o grande marco jurídico desse debate global, resultando na modificação das legislações internas dos países. Quanto ao tema “responsabilidade”, estatui a Declaração de Estocolmo Sobre o Ambiente Humano que:
“Princípios 4 – O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar judiciosamente o patrimônio da flora e da fauna silvestres e seu habitat, que se encontram atualmente, em grave perigo, devido a uma combinação de fatores adversos. Consequentemente, ao planificar o desenvolvimento econômico deve-se atribuir importância à conservação da natureza, incluídas a flora e a fauna silvestres.(…)
Princípio 19 – É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda sua dimensão humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de massas evitem contribuir para a deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difundam informação de caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o homem possa desenvolver-se em todos os aspectos.(…)
Princípio 22 – Os Estados devem cooperar para continuar desenvolvendo o direito internacional no que se refere à responsabilidade e à indenização às vítimas da poluição e de outros danos ambientais que as atividades realizadas dentro da jurisdição ou sob o controle de tais Estados causem a zonas fora de sua jurisdição”.
Em 1982, em MontegoBay, na Jamaica, a ONU elaborou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS – The United NationsConventiononthe Law oftheSea), que codificou conceitos do direito internacional costumeiro referentes a assuntos marítimos, entre eles, a responsabilidade do Estado pela conservação do ecossistema marinho, o dever dos países de preservar a costa marítima e o dever de elaborar legislações nacionais que assegurem o controle da poluição no mar e a indenização pelos danos por esta causada:
“ARTIGO 194 – Medidas para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho.
1. Os Estados devem tomar, individual ou conjuntamente, como apropriado, todas as medidas compatíveis com a presente Convenção que sejam necessárias para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho, qualquer que seja a sua fonte, utilizando para este fim os meios mais viáveis de que disponham e de conformidade com as suas possibilidades, e devem esforçar-se por harmonizar as suas políticas a esse respeito.
2. Os Estados devem tomar todas as medidas necessárias para garantir que as atividades sob sua jurisdição ou controle se efetuem de modo a não causar prejuízos por poluição a outros Estados e ao seu meio ambiente, e que a poluição causada por incidentes ou atividades sob sua jurisdição ou controle não se estenda além das áreas onde exerçam direitos de soberania, de conformidade com a presente Convenção.
3. As medidas tomadas, de acordo com a presente Parte, devem referir-se a todas as fontes de poluição do meio marinho. Estas medidas devem incluir, inter alia, as destinadas a reduzir tanto quanto possível:
a) a emissão de substancias tóxicas, prejudiciais ou nocivas, especialmente as não degradáveis, provenientes de fontes terrestres, provenientes da atmosfera ou através dela, ou por alijamento;
b) a poluição proveniente de embarcações, em particular medidas para prevenir acidentes e enfrentar situações de emergência, garantir a segurança das operações no mar, prevenir descargas internacionais ou não e regulamentar o projeto, construção, equipamento, funcionamento e tripulação das embarcações;
c) a poluição proveniente de instalações e dispositivos utilizados na exploração ou aproveitamento dos recursos naturais do leito do mar e do seu subsolo, em particular medidas para prevenir acidentes e enfrentar situações de emergência, garantir a segurança das operações no mar e regulamentar o projeto, construção, equipamento, funcionamento e tripulação de tais instalações ou dispositivos;
d) a poluição proveniente de outras instalações e dispositivos que funcionem no meio marinho, em particular medidas para prevenir acidentes e enfrentar situações de emergência, garantir a segurança das operações no mar e regulamentar o projeto, construção, equipamento, funcionamento e tripulação de tais instalações ou dispositivos.
4. Ao tomar medidas para prevenir, reduzir ou controlar a poluição do meio marinho, os Estados devem abster-se de qualquer ingerência injustificável nas atividades realizadas por outros Estados no exercício de direitos e no cumprimento de deveres de conformidade com a presente Convenção.
5. As medidas tomadas de conformidade com a presente Parte devem incluir as necessárias para proteger e preservar os ecossistemas raros ou frágeis, bem como a habitat de espécies e outras formas de vida marinha em vias de extinção, ameaçadas ou em perigo.
ARTIGO 195 – Dever de não transferir danos ou riscos ou de não transformar um tipo de poluição em outro.
Ao tomar medidas para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho, os Estados devem agir de modo a não transferir direta ou indiretamente os danos ou riscos de uma zona para outra ou a não transformar um tipo de poluição em outro.
ARTIGO 196 – Utilização de tecnologias ou introdução de espécies estranhas ou novas.
1. Os Estados devem tomar todas as medidas necessárias para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho resultante da utilização de tecnologias sob sua jurisdição ou controle, ou a introdução intencional ou acidental num setor determinado do meio marinho de espécies estranhas ou novas que nele possam provocar mudanças importantes ou prejudiciais.
2. O disposto no presente artigo não afeta a aplicação da presente Convenção no que se refere à prevenção, redução e controle da poluição do meio marinho”.
Assim, o ordenamento jurídico brasileiro também atendeu a essa demanda ambientalista de normatizar como se daria a responsabilidade jurídica a quem causasse danos ao meio ambiente, e o fez construindo a problematização na Constituição Federal de 1988, norma superior de observância obrigatória das demais normas, que assim estatui:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:(…)
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;(…)
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.(…)”
A Lei da Política Nacional sobre o Meio Ambiente, Lei nº 6.938/81, recepcionada pela Constituição Federal de 1988, também trouxe importantíssimas regras de responsabilidade ambiental, sendo esta um dos objetivos do SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente:
“Art. 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:(…)
VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”.
Veremos aqui, detalhadamente, como se caracteriza a responsabilidade ambiental no Brasil e como ela é aplicada no caso de vazamento de petróleo por empresa pública ou privada contratada para realizar a pesquisa, a lavra, a refinação, a importação, a exportação ou o transporte desse bem público nacional.
Desenvolvimento
Necessário lembrar, primeiramente, que o petróleo, nos termos do art. 177 da Constituição Federal e da Lei nº 9.478/97 é bem da União Federal, constituindo a extração o seu monopólio, e que compete à Agência Nacional do Petróleo – ANP regular e fiscalizar essa atividade, podendo, para tanto, contratar empresas particulares.
Diz a Lei que instituiu a Política Energética Nacional e As Atividades Relativas ao Monopólio do Petróleo – Lei nº 9.478/97:
“Art. 3º Pertencem à União os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos existentes no território nacional, nele compreendidos a parte terrestre, o mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica exclusiva.
Art. 4º Constituem monopólio da União, nos termos do art. 177 da Constituição Federal, as seguintes atividades:
I – a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
II – a refinação de petróleo nacional ou estrangeiro;
III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem como o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e de gás natural.
Art. 5º As atividades econômicas de que trata o art. 4º desta Lei serão reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante concessão, autorização ou contratação sob o regime de partilha de produção, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País”.
Sendo um bem essencial para a manutenção da qualidade de vida atual, para a economia nacional e para a soberania do país, mas que, ao mesmo tempo, produz grande impacto ambiental na região onde se situa, pois é fonte esgotável de suprimento, as leis nacionais construíram um sistema de equilíbrio entre a extração de petróleo e a preservação do meio ambiente, e fixaram a responsabilidade ambiental do empreendedor como uma questão prioritária no desenvolvimento da atividade.
ROMEU THOMɹ assim descreve quanto à mineração:
“Desde a Revolução Industrial, a descoberta dos inúmeros impactos negativos das atividades humanas sobre o meio ambiente tem exigido a adoção de medidas para minimizar os impactos ambientais dos agentes econômicos durante seu processo produtivo e, ainda, para a efetivação do dever de reparação dos danos causados ao meio ambiente.(…)
A mineração, atividade de exploração de bens naturais não renováveis, tem por atributo a temporariedade. As reservas minerais se exaurem. Dessa forma, a elaboração do PRAD (Plano de Recuperação de Área Degradada) pelo empreendedor desde o início da atividade mineral está calcada nas ideias de esgotabilidade dos recursos minerais, de rigidez locacional da jazida e do impacto socioambiental inerente à atividade minerária.” (p. 541-3).
Desta feita, a Constituição Federal de 1988 consagrou, no artigo 225, três importantes princípios atinentes à matéria de responsabilidade ambiental: o princípio da obrigatoriedade da atuação estatal (ou princípio do controle do poluidor pelo poder público), o princípio do poluidor-pagador e o princípio da responsabilização ambiental.
O princípio da obrigatoriedade da atuação estatal ou do controle do poluidor pelo poder público, consubstanciado no §1º do diploma referido, diz ser dever do Estado exercer a fiscalização das atividades industriais de forma efetiva, uma vez que cabem a ele a defesa e preservação do meio ambiente.
Neste mister, o administrador deve atuar ativamente através de políticas públicas de prevenção ambiental, através de leis de controle de atividades potencialmente poluentes de observância obrigatória, por meio de seu poder de polícia fiscalizatório e através de aplicação de punição eficaz nos casos de degradação ambiental.
ROMEU THOMɹ chama a atenção para o fato de que o poder público é o gestor dos bens ambientais, que são indisponíveis:
“A atuação obrigatória do Estado decorre da natureza indisponível do meio ambiente, cuja proteção é reconhecida hoje como indispensável à dignidade e à vida de toda pessoa – núcleo essencial dos direitos fundamentais (art. 225, caput e §1º, da CF, e art. 2º, I, da Lei nº 6.938/81).
Cabe ao Estado, através do exercício do poder de polícia, fiscalizar e orientar os particulares quanto aos limites em usufruir o meio ambiente, conscientizando-os sobre a importância de observar sempre o bem estar da coletividade, como também promover termos de ajustamento de conduta visando colocar termo às atividades nocivas.” (p. 78 e 149).
Na exploração de petróleo, por exemplo, uma vez que a União pode delegar a atividade para empresas públicas ou privadas, ela edita normas que viabilizam a extração da maneira que melhor atende ao interesse público, exercendo o controle constante da lavra, exigindo a adequação das atividades às normas, sancionando quando necessário e fazendo o policiamento da corporação.
Diz a Lei nº 9.478/97:
“Art. 8º A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, cabendo-lhe:(…)
VII – fiscalizar diretamente e de forma concorrente nos termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, ou mediante convênios com órgãos dos Estados e do Distrito Federal as atividades integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, bem como aplicar as sanções administrativas e pecuniárias previstas em lei, regulamento ou contrato;(…)
IX – fazer cumprir as boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis e de preservação do meio ambiente;(…)”.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982, que está em vigor no Brasil através do Decreto nº 1.530/95, como dito anteriormente, também estabelece obrigações aos países signatários de adotar medidas para fiscalizar as atividades realizadas em ambiente marítimo de forma a preservar a vida marinha:
“ARTIGO 145 – Proteção do meio marinho.
No que se refere às atividades na Área, devem ser tomadas as medidas necessárias, de conformidade com a presente Convenção, para assegurar a proteção eficaz do meio marinho contra os efeitos nocivos que possam resultar de tais atividades. Para tal fim, a Autoridade adotará normas, regulamentos e procedimentos apropriados para, interalia,:
a) prevenir, reduzir e controlar a poluição e outros perigos para o meio marinho, incluindo o litoral, bem como a perturbação do equilíbrio ecológico do meio marinho, prestando especial atenção à necessidade de proteção contra os efeitos nocivos de atividades, tais como a perfuração, dragagem, escavações, lançamento de detritos, construção e funcionamento ou manutenção de instalações, dutos e outros dispositivos relacionados com tais atividades;
b) proteger e conservar os recursos naturais da Área e prevenir danos à flora e à fauna do meio marinho.
ARTIGO 146 – Proteção da vida humana.
No que se refere às atividades na Área, devem ser tomadas as medidas necessárias para assegurar a proteção eficaz da vida humana. Para tal fim, a Autoridade adotará normas, regulamentos e procedimentos apropriados que complementem o direito internacional existente tal como consagrado nos tratados sobre a matéria”.
Assim, sendo dever do Estado a fiscalização da atividade de extração de petróleo, também responderá no caso de omissão dessa obrigação, se comprovado dolo ou culpa.
Nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição Federal, a responsabilidade do poder público é objetiva (teoria do risco administrativo); contudo, ele também responde quando omisso em seu dever de atuar, de forma solidária ou subsidiária com o causador do dano, se comprovado o caráter subjetivo da conduta omissa (dolo ou culpa do Poder Público na situação em que se omitiu quando deveria ter agido).
É o que diz CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO² quando discorre sobre a responsabilidade civil do Estado por sua omissão:
“Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E se não foi o autor do dano só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.(…)
Em síntese: se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu ou o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado quando, de direito, devia sê-lo. Também não o socorre eventual incúria em ajustar-se aos padrões devidos.” (p. 818/820).
O Superior Tribunal de Justiça também declarou o seu entendimento assim:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL. EMPRESAS MINERADORAS. CARVÃO MINERAL. ESTADO DE SANTA CATARINA. REPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.
1. A responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o Estado ter agido conforme estabelece a lei.
2. A União tem o dever de fiscalizar as atividades concernentes à extração mineral, de forma que elas sejam equalizadas à conservação ambiental. Esta obrigatoriedade foi alçada à categoria constitucional, encontrando-se inscrita no artigo 225, §§ 1º, 2º e 3º da Carta Magna.
(…)”. (REsp 647493, rel. Min. João Otávio De Noronha, j. 22/05/2007).
Assim, no caso de acidente em campo de petróleo, deve responder a União Federal se se omitiu em seu encargo de fiscalizar as operações da empresa. É o que pressupõe também a parte final do inciso V do art. 44 da Lei da Política Energética Nacional e das Atividades Relativas ao Monopólio do Petróleo (nº 9.478/97):
“Art. 44. O contrato estabelecerá que o concessionário estará obrigado a:(…)
V – responsabilizar-se civilmente pelos atos de seus prepostos e indenizar todos e quaisquer danos decorrentes das atividades de exploração, desenvolvimento e produção contratadas, devendo ressarcir à ANP ou à União os ônus que venham a suportar em consequência de eventuais demandas motivadas por atos de responsabilidade do concessionário;(…)”.
O princípio do poluidor-pagador, por sua vez, diz que do poluidor é exigido suportar as despesas de prevenção e reparação de danos ambientais ocasionados por sua atividade corporativa. Expresso no §2º do art. 225 da Constituição Federal e no art. 4º, VII, da Lei nº 6.938/81, chamamos esse fenômeno de “internalização das externalidades negativas”, pois ele deve internalizar em sua produção o custo social externo, arcando com as despesas necessárias para atender aos reclamos estatais de prevenção de danos e à indenização caso estes ocorram.
Não é a sociedade quem deve suportar os danos advindos com a atividade econômica, mas sim quem aufere renda com esta. Desta feita, quem quer desempenhar uma atividade econômica deve planificar e quantificar toda a sua influência no meio ambiente para arcar com esse resultado, ainda que isso signifique carear o preço final de seu produto.
Durante a atividade petroleira, a corporação se arma de mecanismos que previnem danos maiores do que o necessário para desenvolver a atividade (como realizando o licenciamento e demais estudos ambientais, fazendo uma política interna de dejetos, por exemplo) e tem a obrigação de separar um valor advindo da produção comercial para compensar os impactos ambientais de sua atividade (chamado de royalties, devidos aos estados e aos municípios localizados no território da jazida e aos órgãos da administração direta da União ligados à atividade industrial).
Preleciona a Lei nº 9.478/97:
“Art. 44. O contrato estabelecerá que o concessionário estará obrigado a:
I – adotar, em todas as suas operações, as medidas necessárias para a conservação dos reservatórios e de outros recursos naturais, para a segurança das pessoas e dos equipamentos e para a proteção do meio ambiente;(…)
Art. 50-F. O fundo especial de que tratam as alíneas “d” e “e” do inciso II dos arts. 48 e 49 desta Lei, os incisos IV e V do §2º do art. 50 desta Lei e as alíneas “d” e “e” dos incisos I e II do art. 42-B da Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, serão destinados para as áreas de educação, infraestrutura social e econômica, saúde, segurança, programas de erradicação da miséria e da pobreza, cultura, esporte, pesquisa, ciência e tecnologia, defesa civil, meio ambiente, em programas voltados para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, e para o tratamento e reinserção social dos dependentes químicos”.
Com a conscientização de que determinados biomas não podem voltar ao seu estado anterior depois de destruídos pela ação do homem, o objetivo do constituinte com o princípio do poluidor-pagador é, sem dúvida, prevenir a ocorrência de danos ambientais. O desejado é que eles não ocorram, mas se ocorrerem, um plano de ação corporativa, elaborado às expensas da empresa e chancelado pelo poder público, deve estar de antemão coordenado para ser imediatamente posto em prática.
A concessionária exploradora do campo de petróleo e suas sócias devem, por exemplo, planejar como será feito o alijamento de resíduos do local, como deverá ser o combate a incêndios, qual o socorro de feridos, como evitar que o petróleo chegue à costa, como diminuir a quantidade de óleo do mar, como estancar um vazamento, etc.
Por fim, o princípio da responsabilização pelos danos ambientais (§3º do art. 225 da Constituição Federal) que impõe o dever de reparar as lesões ao meio ambiente por quem o poluir. Quem modifica o meio ambiente natural terá como consequência a imputação da responsabilização por esta prática; responsabilização que pode lhe ocasionar certos ônus impostos pela sociedade.
“A palavra ‘responsabilidade’ deriva etimologicamente de ‘responsável’, que se origina do latim ‘responsus’, do verbo ‘respondere’ (responder, pagar), que transmite a ideia de reparar, recuperar, compensar, ou pagar pelo que fez” (¹, p. 211).
A responsabilização do causador do dano decorre também de nossa legislação civil, conforme art. 927 do Código Civil:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Como dito acima, o pressuposto é que não é a sociedade quem deve arcar com as consequências da poluição, de forma gratuita: a responsabilização ambiental vem como uma resposta à coletividade de que quem polui pagará pelo que fizer.
A Constituição Federal, assim, impõe uma tríplice responsabilização para o poluidor, que pode responder civil, administrativa e penalmente, de maneira simultânea e independente nas três esferas jurídicas (direito civil, direito administrativo e direito penal).
Assim, conforme a Lei Maior quem explora recursos minerais e, de qualquer forma, ocasionar danos com essa atividade, é obrigado a recuperá-los. A concessionária (Petrobrás, por exemplo) e as suas sócias quando operam em campo de petróleo têm o dever de reparar os danos decorrentes de suas atividades lesivas, ainda que incertas as vítimas (ou difusas).
As vítimas de uma poluição ambiental, na maioria das vezes, são difusas, individualizáveis; mesmo assim permanece a responsabilização ambiental do causador do dano, já que se estará dando uma resposta não só à biodiversidade como também às gerações futuras.
A responsabilidade civil ambiental, contudo, é objetiva como esclarece o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81:
“Art. 14, § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”.
Se é objetiva, comprova-se apenas que houve: a) o fato (o dano) e b) o nexo causal (uma relação de causa e efeito entre a conduta e o dano), sendo irrelevante discussão pertinente à conduta, se culposa ou dolosa.
Com efeito, é uma responsabilidade advinda do “risco integral” da atividade econômica, ou seja, o poluidor deve assumir todas as consequências ambientais de sua atividade, não havendo causas excludentes ou atenuantes da responsabilidade:
“(…) nos casos de danos ao meio ambiente aplica-se a teoria objetiva calcada no risco integral. Trata-se de uma responsabilidade objetiva agravada, extremada, que não admite a existência de excludentes do nexo causal. De acordo com Cavalieri Filho, ‘o dever de indenizar se faz presente tão-só em face do dano, ainda nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior’.” (¹ – p. 576).
Assim, irrelevante a empresa que atua em campo de petróleo (a concessionária) alegar falha geológica, erro de funcionário, problemas internos, fatores climáticos, erro de terceiros contratados, etc.; em todos esses casos ela responderá pelos danos ambientais de forma integral.
Já a empresa que opera em sociedade com a extratora do mineral e terceiros contratados para desenvolver parte da atividade responderão, solidariamente, com a concessionária pelos danos causados ao meio ambiente. É que operando indiretamente, no mesmo campo, se participam dos resultados advindos da atividade primária ou propiciam o desenvolvimento desta, devem responder em conjunto com a empresa principal.
É o que chamamos de “poluidor indireto”, conforme art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/81, que diz ser “poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”.
ROMEU THOMɹ explica que poluidor é “quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa de fazer, quem faz mal feito, quem não se importa que façam, quem financia para que façam e quem se beneficiar quando outros fazem” (p. 577).
Assim, entre poluidor direto e indireto há uma solidariedade e ambos devem responder pelo dano ambiental, conforme estatuem os arts. 934 e 942, “caput”, ambos, do Código Civil, assegurado o direito de regresso aos corresponsáveis:
“Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz”.
“Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932”.
É importante salientar que se houver mais de um poluidor em caso de descarga de petróleo, a responsabilidade sempre será solidária, independente de quem tenha cometido a infração primeiro ou de quem tenha contribuído com a maior parcela do dano.
Quanto à forma de reparação, a recuperação é melhor que a indenização. Retornar ao “status quo ante” é o desejável para o meio ambiente, de forma a continuar proporcionando uma melhor qualidade de vida para a presente e para as futuras gerações.
Contudo, se o poluidor não puder recuperar o meio ambiente, estabelecendo-o ao seu estado anterior, deve indenizar pela lesão ocasionada, nos termos do art. 4º, VII, da Lei nº 6.938/81, seja ressarcindo ‘in natura’ seja em dinheiro:
“Art. 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:(…)
VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos;(…)”.
E essa indenização pode ser moral e/ou material, conforme já pacificou o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de recurso repetitivo, no caso de um acidente ambiental ocasionado por vazamento de petróleo no mar pela colisão de navio petroleiro no Porto de Paranaguá:
“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS E MORAIS A PESCADORES CAUSADOS POR POLUIÇÃO AMBIENTAL POR VAZAMENTO DE NAFTA, EM DECORRÊNCIA DE COLISÃO DO NAVIO N-T NORMA NO PORTO DE PARANAGUÁ. (…)
2.- Teses firmadas: a) Não cerceamento de defesa ao julgamento antecipado da lide. – Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 330, I e II) de processo de ação de indenização por danos materiais e morais, movida por pescador profissional artesanal contra a Petrobrás, decorrente de impossibilidade de exercício da profissão, em virtude de poluição ambiental causada por derramamento de nafta devido à avaria do Navio "N-T Norma", a 18.10.2001, no Porto de Paranaguá, pelo período em que suspensa a pesca pelo IBAMA (da data do fato até 14.11.2001); b) Legitimidade ativa ad causam. – É parte legítima para ação de indenização supra referida o pescador profissional artesanal, com início de atividade profissional registrada no Departamento de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, e do Abastecimento anteriormente ao fato, ainda que a emissão da carteira de pescador profissional tenha ocorrido posteriormente, não havendo a ré alegado e provado falsidade dos dados constantes do registro e provado haver recebido atenção do poder público devido a consequências profissionais do acidente; c) Inviabilidade de alegação de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva. – A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador. d) Configuração de dano moral. – Patente o sofrimento intenso de pescador profissional artesanal, causado pela privação das condições de trabalho, em consequência do dano ambiental, é também devida a indenização por dano moral, fixada, por equidade, em valor equivalente a um salário-mínimo. e) termo inicial de incidência dos juros moratórios na data do evento danoso. – Nos termos da Súmula 54/STJ, os juros moratórios incidem a partir da data do fato, no tocante aos valores devidos a título de dano material e moral; f) Ônus da sucumbência. – Prevalecendo os termos da Súmula 326/STJ, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não afasta a sucumbência mínima, de modo que não se redistribuem os ônus da sucumbência.
3.- Recurso Especial improvido, com observação de que julgamento das teses ora firmadas visa a equalizar especificamente o julgamento das ações de indenização efetivamente movidas diante do acidente ocorrido com o Navio N-T Norma, no Porto de Paranaguá, no dia 18.10.2001, mas, naquilo que encerram teses gerais, aplicáveis a consequências de danos ambientais causados em outros acidentes semelhantes, serão, como natural, evidentemente considerados nos julgamentos a se realizarem.”(REsp. 1.114.398-PR, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 8/2/2012).
Recuperando ou indenizando, diz a Constituição Federal que devem ser feitos de acordo “com a solução técnica” indicada pelo órgão público, surgindo também para este o dever indeclinável de fiscalizar permanentemente a recuperação das áreas exploradas e a indenização dos danos ambientais.
Também diz o texto constitucional que o poluidor responderá administrativamente pelo dano ambiental.
A responsabilidade administrativa está expressa na Lei nº 9.605/98 e no Decreto nº 6.514/2008, que conceituam a infração ambiental passível de punição na esfera administrativa deste modo:
“Art. 70 da Lei nº 9.605/98. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.
As regras são aquelas impostas pelo Poder Público, sendo decorrentes dos poderes normativos e de polícia da administração. Podem estar previstas expressamente em normas administrativas (como o Decreto nº 6.514/2008, a Lei nº 9.966/2000) ou apenas na lei penal, tipificada como crime ambiental. Neste sentido:
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA AMBIENTAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. RECEBIMENTO DE MADEIRA SERRADA, SEM LICENÇA DO IBAMA. ART. 70 DA LEI 9.605/98. PENA DE MULTA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. PLENA OBSERVÂNCIA.
(…) Conquanto se refira a um tipo penal, a norma em comento, combinada com o disposto no art. 70 da Lei 9.605/98, anteriormente mencionado, confere toda a sustentação legal necessária à imposição da pena administrativa, não se podendo falar em violação do princípio da legalidade estrita. (…)”.(STJ, Resp. 1.091.486, rel. Min. Denise Arruda, j. 2/4/2009).
Compete aos órgãos ambientais integrantes do SISNAMA fiscalizar a atividade, investigar o dano e aplicar as sanções administrativas previstas na lei aos poluidores, sujeitando-os às seguintes sanções:
“Art. 72 da Lei nº 9.605/98. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I – advertência;
II – multa simples;
III – multa diária;
IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V – destruição ou inutilização do produto;
VI – suspensão de venda e fabricação do produto;
VII – embargo de obra ou atividade;
VIII – demolição de obra;
IX – suspensão parcial ou total de atividades;
XI – restritiva de direitos.(…)
§ 8º As sanções restritivas de direito são:
I – suspensão de registro, licença ou autorização;
II – cancelamento de registro, licença ou autorização;
III – perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;
IV – perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;
V – proibição de contratar com a Administração Pública, pelo período de até três anos”.
Podem responder administrativamente a empresa concessionária, as pessoas físicas responsáveis pela operação, as empresas coligadas, etc., como diz o §1º do art. 25 da Lei nº 9.966/2000, que trata da prevenção, do controle e da fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional:
“§ 1º Respondem pelas infrações previstas neste artigo, na medida de sua ação ou omissão:
I – o proprietário do navio, pessoa física ou jurídica, ou quem legalmente o represente;
II – o armador ou operador do navio, caso este não esteja sendo armado ou operado pelo proprietário;
III – o concessionário ou a empresa autorizada a exercer atividades pertinentes à indústria do petróleo;
IV – o comandante ou tripulante do navio;
V – a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que legalmente represente o porto organizado, a instalação portuária, a plataforma e suas instalações de apoio, o estaleiro, a marina, o clube náutico ou instalação similar;
VI – o proprietário da carga”.
Sublinhe-se o fato de que a maioria dos autores diz ser a responsabilidade administrativa também objetiva, com exceção de alguns casos em que se deve demonstrar o elemento subjetivo do tipo.
Assim, em havendo descarga de petróleo, todas as empresas responderão pelos danos também na esfera administrativa, independentemente de perquirição de culpa “lato sensu”.
Da responsabilidade ambiental também cuida o direito penal ambiental na Lei nº 9.605/1998, fazendo uso de crimes de perigo, principalmente abstratos, onde não é necessária a comprovação concreta do dano. Isso decorre do princípio da prevenção, devendo o direito ambiental precipuamente agir para prevenir danos.
As pessoas físicas podem ser responsabilizadas por crimes ambientais nos termos do art. 2º da Lei, que diz:
“Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la”.
Detalhe que a parte final do dispositivo acima responsabiliza criminalmente também o diretor, administrador, gerente, mandatário da pessoa jurídica se este tem a ciência da conduta perpetrada por outrem e não age para impedir o dano ambiental.
Assim, os representantes da empresa extratora de petróleo e de demais corporações corresponsáveis podem ser responsabilizados criminalmente em havendo vazamento desse óleo em alto mar, na medida de suas culpabilidades.
E essas empresas (as pessoas jurídicas) também podem ser responsabilizadas criminalmente, nos termos do art. 3º da Lei em tela e com fulcro na “teoria da realidade da pessoa jurídica” de Otto Gierke, que dizem que sendo as pessoas jurídicas entes reais com capacidade e vontade próprias, distintas das pessoas físicas que as organizam, podem sofrer a culpabilidade social de acordo com infrações e sanções específicas (e compatíveis) previstas na legislação penal:
“Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato”.
Nesse sentido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“Não obstante alguns obstáculos a serem superados, a responsabilidade penal da pessoa jurídica é um preceito constitucional posteriormente estabelecido, de forma evidente, na Lei Ambiental, de modo que não pode ser ignorado. Dificuldades teóricas para sua implementação existem, mas não podem configurar obstáculos para sua aplicabilidade prática, na medida em que o Direito é um ciência dinâmica, cujas adaptações serão realizadas com o fim de dar sustentação à opção política do legislador. Dessa forma, a denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade, para figurar no polo passivo da relação processual-penal” (REsp 564.960/SC, rel. Min. Gilson Dipp, j. 2/6/2005).
Assim, as corporações podem sofrer as seguintes sanções previstas na Lei nº 9.605/98:
“Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:
I – multa;
II – restritivas de direitos;
III – prestação de serviços à comunidade.
Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:
I – suspensão parcial ou total de atividades;
II – interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
III – proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.
§ 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.
§ 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.
Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:
I – custeio de programas e de projetos ambientais;
II – execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
III – manutenção de espaços públicos;
IV – contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional”.
Anote-se que os tribunais superiores somente admitem que a pessoa jurídica seja responsabilizada criminalmente se houver imputação simultânea para a pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício (teoria da “dupla imputação”):
“(…) não se pode compreender a responsabilidade do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio”. (STJ, Resp. 889.528, rel. Min. Felix Fisher, j. 17/04/2007).
Em caso de descarga de petróleo em alto mar, assim, além de dirigentes, empregados faltosos, as empresas podem responder pelos crimes tipificados na Lei nº 9.605/1998 e também no Código Penal e em leis esparsas.
Deste modo, a tríplice responsabilização ambiental prevista constitucionalmente alberga as atividades de extração de petróleo em alto mar, visando minimizar e indenizar a sociedade pelos danos causados por vazamento de petróleo.
Necessário lembrar que é dever do Estado Brasileiro adotar medidas efetivas para minimizar os impactos no ambiente marinho que a descarga de óleo ocasiona, conforme determina a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982:
“ARTIGO 235 – Responsabilidade
1. Os Estados devem zelar pelo cumprimento das suas obrigações internacionais relativas à proteção e preservação do meio marinho. Serão responsáveis de conformidade com o direito internacional.
2. Os Estados devem assegurar através do seu direito interno meios de recurso que permitam obter uma indenização pronta e adequada ou outra reparação pelos danos resultantes da poluição do meio marinho por pessoas físicas ou jurídicas, sob sua jurisdição.
3. A fim de assegurar indenização pronta e adequada por todos os danos resultantes da poluição do meio marinho, os Estados devem cooperar na aplicação do direito internacional vigente e no ulterior desenvolvimento do direito internacional relativo às responsabilidades quanto à avaliação dos danos e à sua indenização e à solução das controvérsias conexas, bem como, se for o caso, na elaboração de critérios e procedimentos para o pagamento de indenização adequada, tais como o seguro obrigatório ou fundos de indenização”.
O §2º do art. 27 da Lei nº 9.966/2000 (que trata da prevenção, do controle e da fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas) adverte sobre a ocorrência de crime de responsabilidade para o administrador público que não tomar as medidas necessárias para apurar as responsabilidades civis, penais e administrativas em caso de descarga de óleo no mar:
“§2º A negligência ou omissão dos órgãos públicos na apuração de responsabilidades pelos incidentes e na aplicação das respectivas sanções legais implicará crime de responsabilidade de seus agentes”.
Conclusão
O ordenamento jurídico nacional, em atendimento aos reclamos das comunidades internacionais e aos tratados de direito ambiental, equipou-se de uma série de medidas de responsabilização por danos ambientais ao poluidor direto e indireto da biota.
A Constituição Federal, o Código Civil, a Lei da Política Nacional sobre o Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), a Lei da Política Energética Nacional e das Atividades Relativas ao Monopólio do Petróleo (Lei nº 9.478/97), a Lei de Crimes Ambientais e Infrações Administrativas Ambientais (Lei nº 9.605/98 e subsequente Decreto nº 6.514/2008), a Lei da Poluição por Lançamento de Substâncias Nocivas no Mar (Lei nº 9.966/2000), são todos instrumentos que visam controlar o meio ambiente e fiscalizar as pessoas em suas atividades para evitar, mitigar, responsabilizar, recuperar e indenizar os danos que elas causarem ao meio ambiente.
Uma vez que o petróleo é um bem essencial para a manutenção da qualidade de vida atual, para a economia nacional e para a soberania do país, mas que produz grande impacto ambiental e é um bem escasso, de rigor um equilíbrio eficaz entre a atividade extrativa e a preservação do meio ambiente até para que haja um desenvolvimento sustentável.
Os grandes desastres mundiais ambientais e as conferências da ONU deram conta de que um vazamento de petróleo em alto mar traz gravíssimas consequências à sociedade e à biodiversidade marinha, razão pela qual da corporação que atua em campo são exigidos estudos e mecanismos de prevenção de acidentes em atendimento aos princípios do poluidor-pagador e da responsabilização pelos danos ambientais que, se ocorrerem, sujeitam-na às sanções civis, penais e administrativas previstas em lei, ainda que indeterminadas as vítimas da poluição.
Para prevenir danos, a legislação brasileira impõe desde já a responsabilização civil objetiva e solidária, moral e/ou material, como decorrência da teoria do risco integral; a responsabilização administrativa – objetiva, na maioria das vezes -; e a responsabilização criminal das pessoas físicas, jurídicas e dos representantes da empresa, na medida de suas culpabilidades.
Responderão solidariamente a concessionária, suas sócias e terceiros que operem no campo de petróleo pelos danos ambientais, na esfera civil, administrativa e penal, podendo ser caracterizado crime de responsabilidade ao administrador público que não tomar as medidas necessárias para apurar essas responsabilidades e aplicar a sanções legais, nos termos do §2º do art. 27 da Lei nº 9.966/2000.
Do Poder Público também são exigidas medidas de acompanhamento, fiscalização e punição pelos danos ocasionados pelas empresas poluidoras, podendo responder em conjunto com as mesmas se se omitiu nesses deveres (princípio da obrigatoriedade da atuação estatal).
Assim, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, seja empresa privada, seja ente público, seja subcontratada; todos têm o dever de preservar o meio ambiente para a presente e para as futuras gerações, sendo um direito subjetivo do ser humano, oponível “erga omnes”.
Preservar a biodiversidade significa conceder ao homem uma sadia qualidade de vida e garantir o seu desenvolvimento num meio ambiente ecologicamente equilibrado. Esse compromisso com o futuro que todos almejamos é, sem dúvida, a própria concretização da dignidade da pessoa humana.
Advogada autônoma em São Paulo. Especialista em Direito Público pela Escola Paulista da Magistratura – EPM. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
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