A responsabilidade civil do advogado na ótica da teoria da perda de uma chance

Resumo: O objetivo central do artigo em tela é demonstrar a aplicabilidade da teoria da perda de uma chance no cenário jurídico brasileiro em relação aos erros profissionais cometidos pelos advogados, tendo como metodologia a pesquisa bibliográfica, através de livros, artigos, revistas e jurisprudência. Evidenciando que a teoria supracitada não tem como função proporcionar uma indenização no valor do resultado final que poderia ocorrer, mas o objetivo do presente instituto em relação à responsabilidade civil do advogado se restringe a reparar o dano em virtude da chance real e concreta de auferir um resultado ou evitar um prejuízo que não se concretizou pela má prestação de um serviço advocatício, sendo que o “quantum debeatur” do dano deve ser fixado levando em consideração no caso concreto os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Advocacia. Erro profissional. Perda de uma chance. “Quantum debeatur”.

Abstract: The main objective of the article is to demonstrate the applicability screen of the theory of loss of a chance in the Brazilian legal scenario in relation to professional mistakes made by lawyers, with the methodology the literature, through books, articles and magazines and jurisprudence. Showing that the above theory does not have the function of providing compensation in the amount of the final result that could occur, but the goal of this institute regarding the lawyer's liability is limited to repair the damage due to actual and concrete chance to earn an result or avoid harm which did not materialize by poor provision of a advocatício service, and the "debeatur quantum" of the damage should be fixed taking into account in this case and the principles of reasonableness and proportionality.

Keywords: Civil liability. Advocacy. Malpractice. Loss of a chance. "Quantum debeatur".

Sumário: Introdução. 1. Noções gerais da responsabilidade Civil. 1.1 Configuração da responsabilidade Civil do advogado perante o Código de Defesa do Consumidor e demais legislações extravagantes aplicadas. 2. Origem e evolução da teoria da perda de uma chance. 2.2.1. O instituto da teoria da perda de uma chance. 2.2.2. A responsabilidade do advogado pela perda de uma chance. 2.2.3. O “quantum debeatur” na indenização por perda de uma chance. 2.3. Aplicabilidade da teoria da perda de uma chance no cenário da jurisprudência nacional. Conclusão. Referências.

Introdução

O presente estudo aborda o tema da responsabilidade civil do advogado na ótica da teoria da perda de uma chance. A teoria supracitada surgiu através da evolução do conceito e abrangência da responsabilidade civil, buscando com isso uma contextualização com a realidade social e jurídica com o intuito de reparar um dano causado por um agente em decorrência de uma chance real e concreta de obter um resultado, mas que foi perdida em virtude de erros profissionais.

Nesse contexto, a importância do tema é identificada através do elevado número de profissionais do direito que todos os anos são inseridos no mercado de trabalho, sendo que alguns sem o preparo necessário para o exercício da profissão, tendo como consequência inúmeros casos de erros profissionais que impedem o cliente de obter uma chance de êxito em sua demanda jurídica.

A teoria da perda de uma chance surgiu no ordenamento pátrio com o objetivo de proporcionar a reparabilidade financeira pelos prejuízos ocasionados pelos profissionais liberais, em especial aos advogados, tendo em vista a peculiaridade da atividade desenvolvida e o “munus publico” e função social da profissão.

O objetivo geral da pesquisa é analisar no contexto jurídico, doutrinário e jurisprudencial a aplicabilidade da teoria da perda de uma chance em decorrência do erro profissional do advogado e a sua responsabilidade civil pelo dano.

Ademais, vem sendo construída uma consolidação sobre o assunto através da doutrina e jurisprudência com o propósito de acompanhar uma evolução social e jurídica para reparar os danos ocasionados pelo erro profissional dos operadores do direito.

1. Noções gerais da responsabilidade civil

No decorrer da vida em sociedade, em todo momento e em todas as classes sociais se faz presente a problemática da responsabilidade, tanto por um dano material ou extrapatrimonial.

Em suma, o sujeito que venha a praticar ação delituosa ou que transgrediu algum direito alheio, arcará com todas as consequências advindas daquele ato, e possivelmente será obrigado a proceder com algum tipo de reparação, com o objetivo de proporcionar uma paz social entre as partes e um equilíbrio jurídico econômico.

 Os principais pressupostos para a ocorrência da responsabilidade civil são a conduta voluntária do agente praticando ação ou omissão, a culpa e a relação de causalidade ou nexo causal, bem como o dano experimentado pela vítima, ressaltasse que a responsabilidade civil é decorrente de uma obrigação principal, um dever ou direito que não foi cumprido ou respeitado.

A culpa é a base para a caracterização da responsabilidade civil subjetiva, pois é necessário que o agente cause dano ou tenha agido de forma ilícita, podendo ser de forma culposa, quando não deseja a ocorrência do resultado. Neste desígnio se demonstra que para que seja caracterizada a culpa é necessário que o agente tenha a sua ação ou omissão de forma voluntária ou pelo menos seja imprudente ou negligente ou imperito em alguma atividade.

A modalidade culposa “stricto sensu”, também conhecida como aquiliana, possui três pressupostos para a sua formação, sendo eles a imprudência que é a ausência de cautela esperado por um homem médio, a negligência que se trata da não observância das normas reguladoras para determinadas situações, ou seja, não agiu com atenção e cuidado para que o fato não viesse a ocorrer, e a imperícia que é a falta de aptidão para a prática do ato que deu causa ao dano.

É preciso ressaltar que caso a pessoa que deu causa ao dano tenha o sentimento de auferir aquele resultado, este agirá com dolo ou sendo omisso na modalidade dolosa.

Também se faz presente no ordenamento pátrio, no artigo 945 do Código Civil a culpa concorrente que ocorre quando o agente e a vítima praticam atos que cumulados contribuem para a ocorrência do fato danoso.

Em relação ao nexo de causalidade, a doutrina majoritária adotou a da causalidade adequada, a mesma prevê que só seriam consideradas as causas que por si só corroborariam para a ocorrência do resultado, ou seja, só as causas mais adequadas para a produção do resultado.

O dano é a consequência do ato ou da omissão praticado por um agente em relação à outra pessoa, podendo ser classificado em patrimonial e extrapatrimonial. Doutrinariamente o dano foi classificado em patrimonial na modalidade emergente, que é o a diminuição do patrimônio no ato do dano, ou seja, é o déficit real e concreto, abarcando também os lucros cessantes (o que o agente razoavelmente deixou de lucrar em razão do evento danoso). O dano extrapatrimonial é aquele que causa lesão a um bem que não tem caráter econômico, não é mensurável, e não pode retornar ao estado anterior por não ter caráter simplesmente pecuniário.

Ressaltasse que, na maioria dos casos o dano extrapatrimonial será restabelecido na forma de indenização com o objetivo de amenizar as consequências dos danos, tendo em vista a peculiaridade e subjetividade do dano.

A reparação do dano extrapatrimonial tem como objetivo indenizar um dano causado ao direito da personalidade e dignidade humana de outrem, também se faz presente o dano estético que decorrer de uma lesão sobre a integridade física de uma pessoa. Ademais, surgiu com uma inovação doutrinária a reparabilidade pela perda de uma chance, que será matéria de um capítulo específico.

A responsabilidade subjetiva é a regra do atual Código Civil, pois para se fazer presente é necessário provar a culpa ou dolo do agente para surgir a responsabilidade de indenizar o dano, uma vez que sem esses elementos não é possível configurar o instituto da reparabilidade.

A responsabilidade objetiva tem como um dos pressupostos a teoria do risco da atividade, onde se observa a potencialidade de ocasionar danos, não sendo preciso comprovar a culpa, sendo necessário demonstrar o nexo casual e o dano.

A responsabilidade contratual se faz presente quando entre as partes é celebrado um negocio jurídico na forma de um contrato verbal, escrito ou decorrente de obrigações preexistentes, bem como pode ser ocasionada pelo ato unilateral de vontade geral a exemplo da promessa de recompensa, o desrespeito a esse pacto vai ensejar a reparação civil em decorrência dos danos gerados.

Mesmo se não ocorrer um contrato ou obrigação já estabelecida entre as partes, o agente pode ser responsabilizado por dano causado a outrem quando infligir um dever legal de não lesar outra pessoa, nesse caso se caracteriza a responsabilidade civil extracontratual quando ocorrer uma afronta a um mandamento legal que ocasione prejuízo para a outra parte.

 Temos no ordenamento jurídico a obrigação de resultado, que é caracterizada pelo negócio jurídico entre as partes quando um dos agentes envolvidos garante assumir a inteira responsabilidade pelo resultado pretendido pela outra parte, ou seja, caso o resultado seja diverso do contrato, a outra parte responderá pelos danos causados.

 A obrigação de meio se faz presente quando não precisa necessariamente acontecer o resultado para ser estabelecido o adimplemento da obrigação, ou seja, não existe a obrigatoriedade de obtenção do resultado, entretanto se faz necessária a utilização de todos os meios possíveis, disponíveis e lícitos para galgar o objetivo afirmado.

A principal diferença entre as obrigações, é que na obrigação de resultado o objetivo central do contrato deve se concretizado, já a obrigação de meio não garante o resultado, ou seja, o devedor não tem responsabilidade pelo resultado final, porém o agente assume a obrigação de dispor todos os meios possíveis para realizar o feito.

1.1 Configuração da responsabilidade civil do advogado perante o Código de Defesa do Consumidor e demais legislações extravagantes aplicadas.

É pressuposto balizar para a configuração da responsabilidade civil do advogado, que entre as partes exista um negócio jurídico, que pode ser firmado de forma onerosa, quando ocorre um pagamento pecuniário pelo serviço ou a título gratuito quando ocorre a prestação de serviço voluntariamente sem o pagamento de valores.

Com exceção do advogado com vínculo laboral, onde o seu empregador irá responder pelos danos causados por eles perante terceiro, tendo em vista a culpa “in eligendo” (culpa em decorrência da má escolha do funcionário), com fulcro no artigo 932, III, do Código Civil de 2002.

O negócio jurídico realizado entre as partes poderá ser externalizado através de um contrato verbal ou escrito, sendo que o escrito se materializa através de um instrumento de mandato onde é outorgado poderes para que o advogado pugne por direito alheio. Nessa linha (VENOSA, 2008, p. 260), “Há também a possibilidade de que a relação advogado-cliente seja extranegocial ou até mesmo estatutária, como acontece, por exemplo, com defensores oficiais e defensores nomeados pelo juiz”.

No que tange a Fazenda Pública e suas autarquias, respondem de forma objetiva pelos danos causados pelos seus defensores públicos e procurados na atividade jurídica a serviço da população com força do artigo 37, § 6 da Constituição Federal.

Cumpre ressaltar, que a responsabilidade do patrono via de regra é de meio, ou seja, não assume o encargo de conseguir a procedência do processo, mas tem o dever legal de realizar todas as diligências e meios lícitos e possíveis para o bom andamento do processo, segundo (STOLZE E FILHO, 2012, p. 279), “A prestação de serviços advocatícios é, em regra, uma obrigação de meio, uma vez que o profissional não tem como assegurar o resultado da atividade ao seu cliente”.

Além dos deveres supracitados, ainda deve ser obervado o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, consoante artigos abaixo;

“Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.

Parágrafo único. São deveres do advogado;II – atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé; VI – estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios.

Art. 6º É defeso ao advogado expor os fatos em Juízo falseando deliberadamente a verdade ou estribando-se na má-fé. Art. 8º “O advogado deve informar o cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das consequências que poderão advir da demanda.”

Ademais, em alguns casos pode ser pactuado a responsabilidade de resultado, onde o advogado assume o ônus de conseguir o objetivo contratado, Como salienta (VENOSA, 2008, p. 260). “No entanto, existem áreas de atuação da advocacia que, em princípio são caracterizadas como obrigações de resultado, característica de sua atuação extrajudicial. Na elaboração de um contrato ou de uma escritura o advogado compromete-se, em tese, a ultimar o resultado”.

A relação entre advogado particular e cliente se caracteriza por uma prestação de serviço, sendo perfeitamente aplicado o Código de Defesa do Consumidor Lei nº 8.078/10, tendo em vista que preenche os requisitos da teoria finalista presente no artigo 2º da Lei mencionada, pois o cliente se enquadra como consumidor final e o advogado como fornecedor de serviço como preceitua o artigo 3º, § 2, da Lei citada, tendo como consequência a aplicabilidade dos direitos previstos no Código supramencionado em relação ao consumidor, entre eles o da informação, boa fé, transparência e prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais.

 O advogado é considerado um profissional liberal, ou seja, possui total autonomia para exercer sua profissão respeitando a legislação em vigor. Logo pela natureza liberal da sua atividade, a responsabilidade civil do patrono será considerada como subjetiva, conforme artigo 14 § 4° do Código de Defesa do Consumidor, devendo ser comprovado o dolo ou culpa (negligência, imprudência, ou imperícia), por comissão ou omissão do agente para a configuração do instituto da reparabilidade.

A negligência do advogado ocorre quando deixa de realizar um ato de suma importância para o prosseguimento do processo. A imperícia se configura pela falta de conhecimento jurídico para desenvolvimento das atividades do cotidiano jurídico, a imprudência decorre da tomada de decisão de forma precipitada sem a verificação das consequências dos seus atos.

Com a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, surge à possibilidade de aplicação da inversão do ônus da prova em favor do cliente, se for atendido o pressuposto da verossímil, a alegação ou hipossuficiente técnica, com fulcro no artigo 6º VIII da Lei narrada, ficando a critério do juiz no caso concreto verificar a aplicabilidade.

Nessa linha de pensamento (NADER, 2009, p. 420), “No início do processo, a pedido da parte ou de ofício, o juiz poderá inverter o ônus da prova, quando então caberá ao advogado demonstrar que atuou sem dolo, imprudência, negligência ou imperícia”.

Em suma, o advogado poderá ser punido em decorrência dos seus atos perante o cliente pela via judicial através da responsabilidade civil, na esfera penal se cometer algum ilícito penal ou pelo âmbito administrativo perante a Ordem dos Advogados do Brasil, não se aplicando às multas impostas pelos órgãos administrativos de defesa do consumidor como a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON) e Coordenadoria de Proteção e Defesa do Consumidor (CODECON), tendo em vista que as medidas administrativas são de exclusividade da Ordem dos Advogados Brasil, de acordo com o artigo 44º, II, do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil Lei 8.906/94.

Ademais, pelo princípio da especialidade da norma devem ser aplicadas as sanções administrativamente previstas no Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, podendo as mesmas ser cumuladas com a reparação judicial, civil e penal.

2. Origem e evolução da teoria da perda de uma chance

A teoria da “La perte d´une chance” (perda de uma chance) com outras inúmeras teses surgiu no direito francês na década de 60 através de uma decisão da Corte de Cassação Francesa, que julgou a responsabilidade civil do médico em decorrência da perda de uma chance do paciente em relação à cura da sua patologia, sendo anteriormente conceituada como perda de uma cura, pois somente se aplicava a médicos, com os avanços jurisprudenciais e doutrinários ocorreu uma ampliação da sua abrangência, inclusive para a relação entre cliente e advogado.

No Brasil, o primeiro relato da aplicação da teoria em comento, em relação ao advogado, ocorreu na década de 90, através do desembargador Ruy Rosado de Aguiar do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Cumpre mencionar que não existe uma legislação nacional específica sobre o tema, ocorrendo com isso uma interpretação sistemática e teleológica dos artigos 186, 187 e 927 e 948 e 949 do Código Civil, além da interpretação constitucional do artigo 5º, V, Constituição Federal de 1988.

Sendo aceitável a aplicação dessa teoria no direito pátrio, nesse condão (GONDIM, 2005, p. 24), “Destacando-se sempre que a jurisprudência e a doutrina que criaram a teoria da perda de uma chance consideram ressarcível o prejuízo resultante de uma conduta que apesar de não causar um dano propriamente dito, retirou uma oportunidade plausível do ofendido”.

 É notório que foi perfeitamente recepcionada pela doutrina a teoria supracitada, ocorrendo uma incorporação no direito pátrio em relação ao seu conceito e abrangência.

2.2.1 O instituto da teoria da perda de uma chance

A perda de uma chance é a frustração de uma possibilidade concreta que gera a pretensão de reparação pelo lucro ou oportunidade de evitar um prejuízo que deixou de se concretizar em virtude de um fato danoso, não se aplicando o instituto em causas incertas ou hipotéticas e meras pretensões.

Nesse liame aduz (GONDIM, 2005, p. 24), “A chance perdida a ser indenizada não pode, em hipótese alguma, ser meramente hipotética, devendo existir a atual certeza de que houve uma impossibilidade de realizar um ganho ou evitar uma perda. Esta certeza reside à comprovação de que a oportunidade que se perdeu em virtude da conduta do agente se concretizaria”.

É preciso observar que para existir a reparabilidade pelo instituto supramencionado, é necessário estar presente um ato culposo ou doloso por uma ação ou omissão, o dano, nexo de causalidade que deve ser analisado de acordo com a chance que possibilite uma visualização da probabilidade do resultado fático, ou seja, deve ser uma expectativa séria e real de impedir uma lesão ou de auferir um lucro pecuniário que poderia ocorrer se não fosse frustrado por um ato ou omissão do agente.

Ademais, a perda de uma chance não se confunde com o lucro cessante, pois conforme (ANDREASSA JUNIOR, 2009, p. 202), “A chance perdida, diga-se de passagem, jamais poderá ser confundida com os lucros cessantes, haja vista que estes somente se concretizam no momento dos fatos, enquanto a chance é preexiste”.

Em outras palavras a perda de uma chance não precisa configurar o que deixou de lucrar, mas sim a real e concreta possibilidade de ganhar ou evitar um dano, já o lucro cessante é preciso uma comprovação concreta da remuneração pecuniária que razoavelmente seria almejada.

2.2.2 A responsabilidade do advogado pela perda de uma chance

 A perda de uma chance vem se consolidando no Brasil através da aplicação em relação aos profissionais liberais, em especial aos advogados, tendo em vista a peculiaridade da atividade desenvolvida, pois possui “munus publico” (função social) em busca da conservação e aperfeiçoamento do estado democrático de direito.

O operador do direito quando aceita o contrato de mandato assume em regra a responsabilidade de meio, devendo agir de forma diligente, prudente, utilizando todos os meios legais em busca da solução da lide do seu cliente, no entanto as inobservâncias dessas práticas poderão ensejar a responsabilidade civil, quando ocorrer uma lesão sólida a um bem jurídico do cliente em razão de ato omissivo ou comissivo praticado pelo causídico.

Conforme conceitua e exemplifica (STOCO, 2011, p.576) “Mostra-se erro inescusável, que não admite relevarão, (…) deixar de ingressar com a ação tendo recebido honorários, (…) ou ingressar tardiamente quando já decorrido o prazo decadencial ou prescricional. a) não contestar ou reconvir; b) deixar de ingressar com ação rescisória ou revisão criminal quando presentes quaisquer dos pressupostos que se ensejam; j) perder prazo fatal e peremptório quando não houver dúvida quando ao seu início e término.”

Também nessa mesma conjuntura (RIZZARDO 2007, p. 358), “Há situações que comportam como evidência a culpa, e que são de fácil percepção para quem milita na advocacia, podendo ser catalogadas as mais comuns; a) O aconselhamento errado, (…)transitem-se informações ou ideias totalmente antijurídicas e descabíveis, descambando em prejuízos para a pessoa que o procura. b) A falta de diligência e prudência, não se importando com o andamento do processo, deixando de cumprir as diligências ordenadas pelo juiz, como o não comparecimento nas audiências, a omissão em recorrer.c) A incapacidade profissional, como o equivocado rito processual imposto pela lei; a ignorância da lei sobre a matéria que defende; omissão no estudo e na indicação de precedentes, de jurisprudência de doutrina, de modo a esclarecer o juízo e dar embasamento jurídico a ação.”

 É cristalina que a doutrina exemplifica alguns erros suscetíveis a indenização por parte do patrono, mas esse rol é totalmente exemplificativo, pois é necessária uma análise criteriosa no caso concreto para verificar a consequência do erro profissional e a real chance perdida de obter uma situação futura favorável, ou seja, a indenização não vai ocorrer sobre o que o cliente deixou de ganhar, mas sobre a chance concreta que foi furtada por ato do advogado.

Nesse condão transcreve (VENOSA, 2008, p. 264), “Na perda da chance por culpa do advogado, o que é indenizado é a negativa de possibilidade de o constituinte ter seu processo apreciado pelo Judiciário, e não o valor que eventualmente esse processo poderia propiciar-lhe no final. O mesmo se figa quando a parte se vê obstada de seu processo ser revisto em segundo grau, porque o advogado deixa de interpor recurso”.

Em oposição a essa corrente, existe o doutrinador Ruy Stoco que defende a inaplicabilidade da perda de uma chance, pois acredita ser inviável a reparabilidade por um ato que ainda não ocorreu ou foi julgado, tendo como consequência a impossibilidade de sua mensuração e comprovação do dano.

A melhor doutrina seguida por Sergio Cavalieri, Sílvio Venosa, Sergio Dias, Carlos Roberto Gonçalves, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona, dentre outros mestres, corroboram para demonstrar a aplicabilidade da perda de uma chance nas relações jurídicas entre o patrono e cliente, mas a chance deve ser concreta e certa, não podendo ser uma hipótese ou baseada em um achismo, bem como deve ser comprovado todos os requisitos da responsabilidade civil para que haja a indenização, todo esse contexto é para evitar o enriquecimento sem causa e a banalização do instituto em tela.

2.2.3 O “quantum debeatur” na indenização por perda de uma chance

A parte mais peculiar da teoria da perda de uma chance é o “quantum debeatur” será indenizado em decorrência do dano sofrido, nesse momento é de suma importância ocorrer uma desvinculação do conceito errôneo de que com a perda de uma chance irá surgir à obrigação de indenizar o prejuízo integral, pois o instituto tem como foco central a reparação da chance real e séria que gerou um impedimento de conseguir um resultado favorável, e não o que o agente deixou de lucrar, ou seja, o “quantum” terá como base a chance, não sendo considerado o valor do resultado que poderia ocorrer.

Nesse liame ressalta (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 408), “A indenização por sua vez, deverá ser pela chance perdida, pela perda da possibilidade de auferir alguma vantagem, e não pela perda da própria vantagem; não será pelo fato de ter perdido a disputa, mas pelo fato de não ter podido disputar”.

 Na perda de uma chance não é possível afirmar com precisão qual seria o resultado concreto, ficando a cargo do magistrado, analisar o caso em concreto para vislumbrar qual a real chance de êxito que o agente possuía no momento da frustração da sua chance.

Um caso emblemático sobre quantificação da perda de uma chance foi o julgamento da ação proposta por uma participante do programa “show do milhão” exibido no SBT, onde a Autora teve sua chance furtada de atingir o prêmio máximo de um milhão de reias, tendo em vista que a última pergunta, que valia R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), foi formulada de maneira errônea, pois entre as quatro alternativas não existia nenhuma correta.

O Tribunal de Justiça da Bahia teve o entendimento de que o Réu deveria pagar o montante que a Autora iria auferir se acertasse a pergunta, o Superior Tribunal de Justiça através do Ministro relator Fernando Gonçalves trouxe um entendimento matemático para a resolução do o “quantum debeatur”, pois existiam quatro alternativas, logo a pleiteante tinha reais possibilidades de 25% (vinte e cinto por cento) de ganhar os R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), chegando a conclusão de que o valor devido seria de R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais) equivalente a ¼ do valor da pergunta (Gonçalves, 2005).

A quantificação da chance deve ser transformada em probabilidade para posteriormente ser calculado o valor monetário da mesma, observando sempre o princípio da razoabilidade. Cumpre demonstrar que o valor da chance não será superior ao valor de uma possível vitória, pois como reiterado à indenização terá como base a chance e não o resultado final.

2.2.4 Aplicabilidade da teoria da perda de uma chance no cenário jurisprudencial nacional

O direito é uma ciência dinâmica, pois está em constante evolução, assim como os entendimentos jurisprudenciais, que são fontes de direito de suma importância no contexto jurídico nacional, principalmente a respeito da teoria da perda de uma chance que vem se concretizando e pacificando através das jurisprudências dos tribunais nacionais.

O Superior Tribunal de Justiça tem como uma das suas funções primordiais a pacificação do entendimento sobre as Leis Federais, e nesse contexto vem existindo posicionamento favorável em relação à responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance, quando a mesma é séria e real em relação ao cliente obter um êxito ou evitar um prejuízo, conforme demonstrado pelas decisões abaixo.

“RESPONSABILIDADE CIVIL AGRAVO REGIMENTAL INOVAÇÃO RECURSAL.IMPOSSIBILIDADE.CERCEAMENTODE.DEFESA.PERDA DE UMA CHANCE CONFIGURAÇÃO SÚMULA N. 7/STJ. 1. Não se admite inovação recursal em sede de agravo regimental, tendo em vista o instituto da preclusão consumativa.(…) Por fim, quanto à caracterização da responsabilidade civil, melhor sucesso não assiste à agravante. Isso porque o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com base no acervo fático-probatório dos autos, concluiu pela caracterização da perda de uma chance, porquanto a advogada não apresentou em juízo peça processual indispensável para ganhar a causa, acarretando prejuízo à parte.Confira-se trecho do acórdão recorrido: "Desse modo, forçoso concluir que a advoga da ré não cumpriu fielmente com seu dever contratual, deixado de apresentar peças imprescindíveis para o sucesso da causa patrocinada, bem como indo de encontro com aquilo que pretendia o cliente. Vale dizer, então, que houve para o demandante a perda de uma chance (chance de ver o cliente melhor defendido em juízo, seja apresentando réplica tempestiva, seja interpondo apelação contra sentença desfavorável) e nisso reside o seu prejuízo "(e-STJ, fls. 681-682). Conclusão em sentido diverso acerca do preenchimento dos requisitos necessários à configuração da perda de uma chance implica necessariamente o revolvimento fático-probatório dos autos (Súmula n. 7⁄STJ). A propósito, confiram-se os seguintes precedentes (STJ – AgRg no AREsp: 81821 RS 2011/0200523-8, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 11/02/2014, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/02/2014)”

“RESPONSABILIDADE CIVIL ADVOCACIA PERDA DO PRAZO PARACONTESTAR.INDENIZAÇÃO.POR.DANOSMATERIAIS.FORMULADA.PELO.CLIENTE.EM.FACE.DO.PATRONO.PREJUÍZO.MATERIAL.PLENAMENTE.INDIVIDUALIZADONA.INICIAL.APLICAÇÃO.DA.TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO.1. A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro. 2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da "perda de uma chance" devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. Vale dizer, não é só fato de o advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade que se supõe real, que a parte teria de se sagrar vitoriosa (…) e o acórdão com base na “teoria da perda de uma chance” ,condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais. 4. Recurso especial conhecido em parte provido. (REsp 11900180/RSRECURSOESPECIAL2010/0068537 Re-

lator:Ministro.LUIS.FELIPE.SALOMÃO(1140),QUARTA,TURMA,Data,deJulgamento:16/11/2010,T3TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/11/2010), (grifo nosso).”

Pela jurisprudência em comento é possível analisar que para a configuração da reparação pela perda de uma chance, é preciso se fazer presente uma chance real e séria em obter um lucro futuro ou evitar um fato danoso, o simples fato de um erro profissional, não enseja automaticamente na reparação pelo dano.

Entre linhas não será analisado simplesmente o fato de o advogado ter agido de forma comissiva ou omissiva, devendo ser considerado todo o contexto, é necessário uma possibilidade real de vitória, exemplificando, mesmo o patrono tendo sido negligente em relação à perda de um prazo recursal, se o entendimento estiver consolidado na Corte através de súmula ou pacífico entre as turmas que aquela matéria é improcedente, o advogado não responde pela perda de uma chance, pois mesmo interpondo o recurso o agente não obteria êxito.

 Conclusão

 A responsabilidade civil do advogado no ordenamento jurídico pátrio em regra, é uma obrigação de meio, ou seja, não é necessária a obtenção do resultado final, mas é preciso o esgotamento de todos os meios lícitos e possíveis para a obtenção do resultado pleiteado pelo cliente, salvo nos casos de advocacia extrajudicial e quando o patrono assume a obrigação pelo resultado, nesses casos se configura a responsabilidade pelo resultado.

Ademais, a responsabilidade de causídico é subjetiva de acordo com o Código de Defesa do Consumidor em decorrência da natureza de profissional liberal, bem como previsão expressa no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. Logo para ocorrer à reparação pelo um ato comissivo ou omisso é preciso provar a existência da culpa nas modalidades imprudência, imperícia ou negligência, ou o dolo em praticar ou ser omisso, além de ser uma responsabilidade contratual através do mandato.

 A teoria da perda de uma chance surgiu na França com o papel de responsabilizar o erro médico, mas ocorreu uma abrangência da sua aplicabilidade para todos os profissionais, em especial ao advogado que responde por essa teoria porque quando causa um dano ao cliente, lhe tira uma oportunidade de uma chance de obter um sucesso ou evitar um dano concreto.

Cumpre demonstrar que essa chance necessita ser real, séria e concreta, podendo ocorrer à perda de uma chance por atos de negligência no prazo recursal, por imperícia ao ingressar com uma ação ou por imprudência ao realizar um ato, além de outros atos.

 É nítido e notório que a perda de uma chance não tem como função proporcionar uma indenização no valor do resultado final que poderia ocorrer, o objetivo da presente teoria se restringe a reparar o dano em virtude da chance de auferir um resultado ou evitar um evento danoso.

 Para obter o “quantum debeatur”, deve ocorrer uma avaliação no caso concreto, levando em consideração os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a melhor doutrinar, aduz ser necessário transformar a chance em probabilidade e posteriormente em um valor pecuniário, não existindo uma equação matemática para achar o valor devido, o juiz deve utilizar o livre convencimento motivado para valorar a real e séria chance.

Ressalta-se que mesmo ocorrendo à perda de uma chance, se o resultado pretendido não puder ser alcançado em decorrência de um entendimento concreto e pacífico no tribunal ou juízo da causa, não nasce à necessidade de indenizar, pois as chances não são reais.

 

Referências
ANDREASSA JUNIOR, Gilberto. A responsabilidade civil pela perda de uma chance no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
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Informações Sobre o Autor

Deyvison Emanuel Lima de Menezes

Pós Graduando em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes-CEJAS e Pós Graduando em Direito e Processo do Trabalho pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva


Equipe Âmbito Jurídico

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