Resumo: A responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance é um tema que gera divergência na doutrina e nos tribunais pátrios. Atualmente, grande parte dos pretórios defende a tese na qual a falta de diligência e prudência do advogado como, por exemplo, a perda de prazos peremptórios, ocasiona prejuízos ao cliente e geram o dever de indenizar. O magistrado desempenha um papel de fundamental importância, vez que cabe a ele analisar o nexo de causalidade entre a conduta do advogado e o dano ocasionado ao cliente. Na perda de uma chance, a indenização devida deve corresponder apenas a perda da chance do cliente ver sua pretensão reexaminada e não o valor pretendido com a causa. O magistrado deve, na fixação do valor indenizatório, ater-se aos princípios constitucionais implícitos da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como se fundamentar na lei, doutrina e jurisprudência, para obter a melhor solução em cada caso concreto.
Palavras-chave: Advogado. Perda de uma chance. Profissional liberal. Responsabilidade civil.
Abstract: The lawyer’s liability for losing a chance is a theme which causes divergence, both in our country’s doctrine and courts of justice. Currently , a great part of the lawyers defend the thesis that the lack of diligence and prudence of the lawyer as, for instance, missing the peremptory deadlines, is one of the causes for the client’s losses and generates the duty to indemnify. The magistrate performs a role of fundamental importance, since it accrues to him or her the analysis of the nexus of the eventuality between the lawyer’s behavior and the damage caused to his or her client. On losing a chance, the due indemnity must correspond only to the client’s loss of chance of having his pretension reexamined and not the aspired value of the cause. The Magistrate must, at the time of determining the indemnity value, rely on the implicit constitutional principles of both proportion and reasonability, as well as to ground on the law, doctrine and jurisprudence, to obtain the best solution in each concrete case.
Keywords: Lawyer. Losing a chance. Liberal professional. Liability.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO 2. ANÁLISE DO CONCEITO DE “PERDA DE UMA CHANCE” 3. NOÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE 3.1 Considerações preliminares 3.2 O dever do advogado em recorrer e o resultado da decisão do órgão jurisdicional 3.3 A indenização devida na perda de uma chance 4. CONCLUSÃO 5. REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
Inicialmente, sabe-se que o advogado é indispensável à administração da justiça e, em razão da relevância da função social que exerce no desempenho de sua atividade profissional, a Constituição Federal, em seu artigo 133, lhe assegura a inviolabilidade pelos atos que praticar, desde que estejam em conformidade com a legislação e com os preceitos éticos e morais.
Outrossim, o advogado atua no processo por meio de mandato, de modo que lhe é assegurado as condições necessárias para que desempenhe, de modo independente, o pleno exercício de sua atividade profissional, a qual deve se revestir de boa técnica, sob pena de arcar com os prejuízos que der causa.
Contudo, vale destacar que, antigamente, os profissionais liberais como, por exemplo, os advogados, estiveram à margem das ações indenizatórias pelo desempenho insuficiente de suas atividades profissionais. Ocorre que, em razão da constante evolução da sociedade contemporânea, os tribunais pátrios têm verificado um aumento significativo do número de ações de responsabilidade civil em face dos advogados por danos causados no exercício de suas atividades laborais.
Em razão das falhas ou prestações defeituosas dos serviços advocatícios contratados, os clientes prejudicados têm exigido do Poder Judiciário a reparação civil dos danos experimentados. Vale ressaltar, ainda, que vários são os fatores que influenciaram para essa mudança, entre eles pode-se mencionar a mercantilização da atividade da advocacia e a queda da qualidade do ensino jurídico brasileiro, devido à abertura desenfreada de cursos universitários por todo o país.
Especificamente, em relação ao citado campo de estudo, está inserida a responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance, tese já consolidada na teoria francesa – la perte d’une chance – a qual verifica-se, via de regra, nos casos de omissão negligente, ou seja, desídia no exercício de sua atividade laboral, em que há falha na utilização dos meios, como, por exemplo, na perda de prazo para recorrer, em que o cliente “perde a chance” de ter a sua pretensão reexaminada pelos órgãos julgadores de instâncias superiores.
Abordar-se-á, por meio deste, a responsabilidade civil do advogado na qualidade de profissional liberal que assume obrigação de meio. Não estender-se-á, portanto, o presente estudo aos casos de responsabilidade da sociedade de advogados, pelos danos causados pelo advogado empregado, bem como ao advogado servidor público, em face das peculiaridades das suas relações.
Demonstrar-se-á que a responsabilização do advogado pela perda de uma chance é um tema que ainda não encontra consenso na doutrina e na jurisprudência de nossos pretórios.
Inicialmente, analisar-se-á detalhadamente o conceito de perda de uma chance, bem como verificar-se-á que a adoção da teoria da irresponsabilidade do advogado não mais atende os anseios do direito contemporâneo, vez que ocasionaria resultados injustos e inaceitáveis.
Vislumbrar-se-á que a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance propõe a reparação dos danos que são, efetivamente, potenciais e prováveis, ou seja, aqueles que derivam direta e imediatamente da conduta omissiva do agente, os quais não ocorreriam com a atuação diligente do profissional da área.
Buscar-se-á, ainda, analisar a possibilidade do advogado vislumbrar a conveniência ou não de recorrer de decisão desfavorável ao seu cliente, bem como sustentar-se-á que o julgador deverá analisar detalhadamente cada caso concreto para evidenciar as situações que acarretam a responsabilidade do advogado pela perda de uma chance, de modo que defender-se-á a aplicação dos princípios constitucionais implícitos da razoabilidade e da proporcionalidade para que, com base na lei, doutrina e jurisprudência, o magistrado faça um juízo de probabilidade do resultado dos julgamentos.
2. ANÁLISE DO CONCEITO DE “PERDA DE UMA CHANCE”
Atualmente, cada vez mais freqüentes são as ocorrências de situações que ocasionam danos ao patrimônio jurídico do cliente por conduta omissiva do profissional da advocacia. A atividade do advogado é, regra geral, de meios de modo que somente poderá ser responsabilizado desde que tenha agido com dolo ou culpa no desempenho de suas atividades laborais.
No que tange ao tema proposto no presente artigo, a responsabilidade do advogado pela perda de uma chance, tese já consolidada na teoria alienígena – la perte d’une chance – via de regra, ocorre nos casos de omissão negligente, ou seja, desídia no exercício de sua atividade laboral, em que há falha na utilização dos meios, e não no resultado desfavorável ao cliente, como, por exemplo, na perda de prazo para recorrer, em que o cliente “perde a chance” de ter a sua pretensão reexaminada pelos órgãos julgadores de instâncias superiores.
Com maestria, o doutrinador SÉRGIO NOVAIS DIAS em sua obra clássica[1] relaciona outros inúmeros casos de perda de uma chance, que evidenciam a culpa do profissional da advocacia, como, por exemplo, a falta de propositura de ação judicial, pedido não formulado, não interposição de recurso, omissão na produção de prova necessária, extravio de autos, não interposição de recursos de natureza extraordinária, ausência de contra-razões ao recurso, ausência de sustentação oral do recurso, ação rescisória não proposta, entre outros[2].
Dessa forma, embora raras as manifestações doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema proposto no presente trabalho, o referido doutrinador[3] conceitua a perda de uma chance como sendo:
“A perda da oportunidade que o cliente sofre, causada por falha daquele profissional, de ver examinada em juízo uma pretensão ou de ver reformada em seu favor uma decisão judicial que lhe foi desfavorável e contra a qual cabia recurso.”
Para o doutrinador MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES[4] a perda de uma chance ocorre quando: “o causador de um dano por ato ilícito, com o seu ato, interrompeu um processo que podia trazer em favor de outra pessoa a obtenção de um lucro ou o afastamento de um prejuízo.”
Por fim, o doutrinador ÊNIO SANTARELLI ZULIANI[5] afirma, com propriedade que:
“Perda de uma chance é uma expressão feliz que simboliza o critério de liquidação do dano provocado pela conduta culposa do advogado. Quando o advogado perde prazo, não promove a ação, celebra acordos pífios, o cliente, na verdade, perdeu a oportunidade de obter, no Judiciário, o reconhecimento e satisfação integral ou completa de seus direitos (Art. 5°, XXXV, da CF).”
3. NOÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE
A responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance é um tema que ainda não encontra consenso na doutrina e na jurisprudência de nossos pretórios, vez que possui características peculiares que a diferencia de outras situações que envolvem perdas e danos.
Passar-se-á adiante à análise da responsabilidade do advogado pela perda de uma chance, na qualidade de profissional liberal que assume obrigação de meio. Não estender-se-á, portanto, o presente estudo aos casos de responsabilidade da sociedade de advogados, pelos danos causados pelo advogado empregado, bem como ao advogado servidor público, em face das peculiaridades das suas relações.
3.1 Considerações preliminares
Sabe-se que o advogado deve, obviamente, responder pelos erros cometidos no desempenho do mandato outorgado. Contudo, ao profissional da advocacia não se pode atribuir a responsabilidade por toda causa perdida, vez que restaria impossível e impraticável o próprio exercício da advocacia. Outrossim, o que não se tolera é o exercício da advocacia com precariedade, ou seja, com a prática de erros irrecusáveis[6], como, por exemplo, a perda de prazos judiciais.
A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance vem sendo acolhida por boa parte da doutrina pátria, apesar das várias críticas apresentadas. O doutrinador RUI STOCO[7], por exemplo, é contrário à aplicação da referida teoria, ao afirmar que:
“Ora, admitir a possibilidade de o cliente obter reparação por perda de uma chance é o mesmo que aceitar ou presumir que essa chance de ver a ação julgada conduzirá, obrigatoriamente, a uma decisão a ele favorável. Será também admitir a existência de um dano não comprovado e que não se sabe se ocorreria. Ademais de se caracterizar em verdadeira futurologia empírica, mais grave ainda é admitir que alguém possa ser responsabilizado por um resultado que não ocorreu e, portanto, por um dano hipotético e, em última ratio, não verificado ou demonstrado e sem concreção.”
Da mesma forma, o doutrinador FÁBIO SIEBENEICHLER DE ANDRADE[8] faz restrições à aplicação da teoria da perda de uma chance, vez que admite: “a dificuldade em avaliar o dano pela perda de uma chance.”
Outrossim, o ilustre mestre CARVALHO SANTOS[9] sustenta que o advogado é isento de responsabilidade, defendendo que nunca se saberá ao certo se o cliente teria acolhida sua pretensão pelo Judiciário, salvo em situações especialíssimas, como se depreende da seguinte lição:
“Somente quando haja possibilidade de reforma da sentença é que o advogado ficará obrigado a recorrer, a não ser que o seu constituinte se oponha. Mas, ainda aí, parece duvidoso o direito do constituinte, poder exigir qualquer indenização, precisamente porque não lhe será possível provar que a sentença seria efetivamente reformada. Somente em casos excepcionais poder-se-á admitir a possibilidade dessa prova e quando espécie idêntica, na mesma ocasião, isto é, julgada pelos mesmos juízes que deveriam julgar a sua causa, tiver sido decidida no sentido que o recurso, que não foi interposto, visaria conseguir.”
Com a devida vênia, discorda-se do entendimento adotado pelos referidos autores. Ora, a adoção da teoria da irresponsabilidade do advogado ocasionaria resultados injustos e inaceitáveis no direito contemporâneo, vez que, evidentemente, geraria danos aos seus clientes sem qualquer medida punitiva. Da mesma forma, não se pode tolerar a responsabilização do advogado em todos os casos.
O que efetivamente propõe a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance é a reparação dos danos que são, efetivamente, potenciais e prováveis, ou seja, que derivam direta e imediatamente da conduta omissiva do agente, a qual não ocorreria com a atuação diligente do profissional da área.
O advogado deve ser responsabilizado pelos danos sofridos pelo cliente na medida em que esteja evidenciada a relação de causalidade entre a omissão do advogado e o dano, ou seja, este último (dano) deve, necessariamente, decorrer da falha cometida pelo profissional da advocacia. Dessa forma, exclui-se da reparação os danos meramente hipotéticos ou inexistentes, sendo imprescindível a atuação do magistrado em cada caso concreto.
Sobre o tema, MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES[10] apresenta lição esclarecedora na qual lembra que no caso de não interposição de recurso pelo advogado a jurisprudência tem considerado necessário avaliar concretamente se as circunstâncias podiam ensejar a reforma na instância superior, senão vejamos:
“Tem-se entendido pela admissibilidade do ressarcimento em tais casos, quando a possibilidade de obter lucro ou evitar prejuízo era muito fundada, isto é, quando mais do que possibilidade havia numa probabilidade suficiente, é de se admitir que o responsável indenize essa frustração”.
É certo que o advogado que age com culpa deve ser responsabilizado. Todavia, deve o magistrado sempre analisar o nexo de causalidade entre a conduta do advogado e o dano causado ao seu cliente. Essa posição vem sendo aceita por boa parte da doutrina, como, por exemplo, é defendida pelo doutrinador CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA[11], ao se manifestar a respeito da teoria da perda de uma chance, senão vejamos:
“A doutrina moderna assenta bem os extremos: o que é significativo é que a chance perdida tenha algum valor, do qual a vítima se privou (…). É claro, então, que se ação se fundar em mero dano hipotético, não cabe reparação. Mas esta será considerada se se considerar, dentro da idéia de perda de uma oportunidade (perte d’ une chance) e puder situar-se a certeza do dano. Daí dizer Yves Chartier que a reparação da perda de uma chance repousa em uma probabilidade e certeza; que a chance seria realizada, e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo.”
Portanto, o advogado deve responder pelos erros cometidos no desempenho do mandato outorgado, de sorte que erros como, por exemplo, as perdas de prazos para recorrer, são evidenciáveis objetivamente. A falta de diligência e prudência do advogado ocasiona prejuízos ao cliente gerando, dessa maneira, o dever de indenizar. Sobre o tema, o ilustre mestre PONTES DE MIRANDA[12] aduz que:
“O advogado responde pelo dano que às partes cause por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, ou ignorância, que negligência é, pois o profissional deve cuidar dos seus estudos, a fim de não lesar o constituinte por saber mal, ou não saber o que se supõe incluso no seu ofício.”
3.2 O dever do advogado em recorrer e o resultado da decisão do órgão jurisdicional
No que diz respeito à conveniência ou não do advogado recorrer de decisão desfavorável ao seu cliente, adota-se a tese defendida pelo ilustre SÉRGIO CAVALIERI FILHO[13], na qual aduz que:
“No que respeita à conveniência ou não de recorrer, entendemos que, sendo o advogado o primeiro juiz da conveniência de se ajuizar ou não a ação, deve sê-lo, também, da conveniência de recorrer, mormente tratando-se de recurso especial ou extraordinário, sujeitos a requisitos rigorosos e específicos. O advogado, principalmente quando zeloso do seu bom nome, não pode ser obrigado a interpor um recurso manifestamente incabível. Não deve, entretanto, deixar de recorrer no caso de indiscutível necessidade, ou contrariando a vontade de seu cliente. Neste último caso, se tem convicção jurídica contrária, o caminho será a renúncia.”
Desse modo, ao mesmo tempo em que o advogado, no contrato de prestação de serviços de advocacia, não pode contrariar ou afastar-se da orientação do seu cliente, deve manter sua independência na direção da causa[14]. Assim, deve o advogado renunciar ao mandato a ele outorgado, caso sua decisão na condução técnica da causa entre em conflito com os interesses de seu cliente[15]. Essa também é a posição adotada por PAULO LUIZ NETO LOBO[16] ao afirmar que:
“Na defesa dos interesses sob seu patrocínio, o advogado nunca deve fazer concessões a sua independência, inclusive em face do próprio cliente. Na escolha dos meios jurídicos e na condução de seu trabalho profissional, o advogado nunca deve permitir que haja tutela direta ou indireta do cliente, de terceiro ou do magistrado. É sua, inteira e indelével, a responsabilidade pela direção técnica da causa e da questão.”
Ocorre que, na perda de uma chance, como bem lembra SÉRGIO NOVAIS DIAS, em sua brilhante obra[17], nunca se saberá qual seria evidentemente o resultado da decisão do órgão jurisdicional que, por desídia do advogado, deixou de examinar a pretensão do cliente lesado, senão vejamos: “Na hipótese de perda do prazo do recurso cabível, este não será apreciado pela instância ad quem, de maneira que nunca se saberá o resultado do julgamento (…)”
Logo, em razão da livre apreciação por parte do juiz, é impossível prever o resultado de todos os julgamentos. Contudo, nos casos de perda de uma chance, a doutrina e jurisprudência constituem um norte imprescindível para o exame da provável solução da demanda.
Conforme explanado anteriormente, para que haja a obrigação de indenizar pelos danos causados pelo advogado aos seus clientes, faz-se necessária a verificação do nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o dano. Deve, portanto, o julgador analisar detalhadamente cada caso concreto para evidenciar as situações que ensejam a responsabilidade do advogado pela perda de uma chance, devendo sempre aplicar os princípios constitucionais implícitos da razoabilidade e da proporcionalidade para, com base na lei, doutrina e jurisprudência, fazer um juízo de probabilidade do resultado dos julgamentos. Sobre o tema, corrobora-se os esclarecedores ensinamento do mestre SÉRGIO NOVAIS DIAS ao afirmar que:
“Constatada a existência do dano, bem como a falta cometida pelo advogado que causou a perda de uma chance, o estudo que se segue, importante e complexo, é o exame do nexo de causalidade. Caberá ao juiz decidir se o dano ocorrido decorreu realmente – num juízo de probabilidade – do ato ou omissão do advogado. Será preciso, pois, reexaminar, detida e minuciosamente, a questão que seria posta a julgamento para verificar, à luz da lei, da doutrina e da jurisprudência, se era provável o êxito da pretensão do cliente.”
E conclui o referido autor[18]:
“(…) nos casos de perda de uma chance o advogado é responsável pelos danos sofridos pelo cliente desde que exista uma relação de causalidade adequada entre o ato ou a omissão do advogado e o dano, ou seja, que, em termos de probabilidade, num prognóstico feito a posteriori, os danos tenham decorrido, necessariamente, direta e imediatamente da falha cometida pelo advogado.”
3.3 A indenização devida na perda de uma chance
Outro ponto fundamental acerca do tema proposto no presente trabalho, diz respeito ao valor da indenização devida em caso de responsabilização do profissional da advocacia pela perda de uma chance. Parte da doutrina entende que a desídia do profissional da advocacia enseja o dever de reparar o prejuízo experimentado pelo seu cliente, ao defender que o valor da indenização deve corresponder ao valor dado à causa. Este é o entendimento defendido pelo doutrinador ARNALDO RIZZARDO[19] ao afirmar que:
“Se ficar evidente o desenlance desfavorável em razão da falta de diligência, da omissão de providências, (…), cabe a indenização pelo dano que lhe adveio, como o pagamento do valor do objeto pretendido. (…) Reconhecida a culpa, a grandeza reparatória tomará a dimensão do montante que razoavelmente se obteria na demanda, ou dos prejuízos que o perdedor vier a suportar pela má atuação do advogado. ”
Com a devida vênia, discorda-se do entendimento adotado pelo referido autor. Ora, sabe-se que o advogado é obrigado a defender o seu cliente com o máximo de atenção, técnica, prudência e zelo, devendo utilizar-se de toda a sua capacidade profissional na defesa da causa, mas não se obriga pelo resultado da ação proposta, vez que assume uma obrigação de meio. Logo, não se lhe pode imputar obrigação de reparar valor que decorreria ou estaria ligado ao resultado da causa.
Sob esse prima, deve haver cautela ao se propiciar a indenização ao cliente lesado, vez que na perda de uma chance, como, por exemplo, na perda de prazo para recorrer de uma decisão desfavorável, o que se deve indenizar é a negativa de possibilidade do outorgante/cliente ter sua pretensão analisada pelo órgão jurisdicional, e não o que se pretendia com o processo[20].
O eminente ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, quando Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento da Apelação Cível 591064837[21], ao tratar da responsabilidade civil do advogado na perda de uma chance, entendeu que:
“(…) causaram à autora a perda de uma chance, e nisso reside o seu prejuízo. Como ensinou o Professor Fançois Chabas: Portanto, o prejuízo não é a perda de aposta (de resultado esperado), mas da chance que teria de alcançá-la (…). ”
Dessa forma, os tribunais pátrios têm adotado a tese que quando há perda de uma chance, o que se deve indenizar é a perda da oportunidade, ou seja, indeniza-se, por exemplo, a perda da possibilidade de ter o recurso reexaminado por outro órgão jurisdicional capaz de reformar a decisão prejudicial ao cliente, e não a vantagem perdida. Sobre o tema, MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES[22] apresenta lição esclarecedora na qual lembra que:
“Tal indenização, porém, se refere à própria chance, que o juiz apreciará in concreto, e não ao lucro ou perda que dela era objeto, uma vez que o que falhou foi a chance, cuja natureza é sempre problemática na sua realização”
Assim, a indenização devida ao cliente lesado deve corresponder apenas a perda da chance de ver sua pretensão reexaminada e não o valor da perda da causa, de modo que, conforme nos ensina o saudoso mestre PONTES DE MIRANDA[23]: “na fixação do quantum, tem o juiz de se ater no que mais freqüentemente acontece, ao que seria verossimilhante de prever-se e se teria produzido, se o ato ilícito não houvesse ocorrido.”
Com propriedade, o doutrinador ÊNIO SANTARELLI ZULIANI[24] reforça o entendimento acima defendido ao aduzir que quando o advogado perde o prazo, perde o cliente a oportunidade de ter sua pretensão analisada pelo Judiciário, vez que:
“Não perdeu uma causa certa; perdeu um jogo sem que permitisse disputá-lo, e essa incerteza cria fato danoso. Portanto, na ação de responsabilidade ajuizada por esse prejuízo provocado pelo profissional do direito, o Juiz deverá, em caso de reconhecer que realmente ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance.”
Assim, para atribuir a condenação indenizatória, deve o julgador, no caso concreto, analisar as chances que efetivamente foram perdidas com a má atuação do advogado. Deve, ainda, formalizar um juízo sobre o grau de probabilidade de vitória, caso não ocorrida a perda da chance pelo outorgado. Não há, portanto, uma regra geral para apuração do valor indenizatório devido ao cliente lesado.
O excelentíssimo desembargador JOÃO REBOUÇAS, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, relator no julgamento da Apelação Cível 2005.003641-9[25], com propriedade, evidencia que o único parâmetro confiável para o arbitramento da indenização nos casos de perda de uma chance é a prudência do magistrado, senão vejamos:
“A tão só inércia do advogado não proporciona, automaticamente, o direito a eventual ressarcimento pelos danos sofridos, no montante que eventualmente ganharia se a ação fosse ajuizada, de forma que o único parâmetro confiável para o arbitramento da indenização, por perda de uma chance, continua sendo a prudência do Juiz.”
Apurando, portanto, o magistrado que houve o evento culposo e ilícito, bem como evidenciado que haveria uma chance ou probabilidade do cliente ter a pretensão modificada em seu favor, deve arbitrar uma indenização correspondente à chance perdida, analisando detalhadamente cada caso concreto, com base nos princípios constitucionais implícitos da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como fundamentar-se na lei, doutrina e jurisprudência, para obter a melhor solução em cada caso concreto.
Por fim, vale ressaltar a advertência feita pelo doutrinador JÚLIO CÉSAR ROSSI, em sua brilhante obra[26],no que tange à cautela na aplicação da teoria da perda de uma chance. Leciona o saudoso autor:
“Enfim, constata-se que embora a possibilidade de indenização em razão da perda de uma chance, nos casos de responsabilidade civil do advogado, mostre-se possível em nosso sistema, cuidados para seu efetivo reconhecimento devem ser tomados por meio de um juízo objetivo de aferição, quer na demonstração da existência do nexo causal e do dano experimentado pela vítima, quer na necessária fixação do quantum indenizatório para que não se multipliquem pedidos insólitos a brindar o enriquecimento sem causa e a má-fé em lides temerárias.”
4. CONCLUSÃO
Da análise do tema proposto no presente trabalho, verifica-se que a inviolabilidade constitucionalmente assegurada ao advogado pelos atos praticados no exercício da profissão, nos termos do artigo 133, da Constituição Federal, possui certos limites. Desse modo, o profissional da advocacia que atuar em desconformidade com a legislação e com os preceitos éticos e morais deverá arcar com os prejuízos causados.
Atualmente, com a constante evolução da sociedade contemporânea, verifica-se inconcebível a adoção da teoria da irresponsabilidade do advogado pelos erros cometidos no exercício de suas atividades profissionais, tendo em vista que ocasionaria danos aos seus clientes sem qualquer medida punitiva aos transgressores.
Dessa forma, é inaceitável o exercício da advocacia com precariedade, ou seja, com a prática de erros irrecusáveis, como, por exemplo, a perda de prazos judiciais. Logo, deve o advogado ser responsabilizado pelos danos sofridos pelo cliente na medida em que esteja evidenciada a relação de causalidade entre a omissão e o dano, ou seja, este último (dano) deve, necessariamente, decorrer da falha cometida pelo profissional da advocacia.
Conforme ressaltado no decorrer do presente estudo, a responsabilidade civil do advogado, profissional liberal, nos casos denominados de perda de uma chance, é um tema que ainda não encontra consenso na doutrina e na jurisprudência de nossos pretórios, vez que possui características peculiares.
Contudo, atualmente, verifica-se que boa parte da doutrina e dos tribunais pátrios tem aplicado a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance, por força dos princípios constitucionais e dos dispositivos legais ora analisados no presente trabalho.
Nesse diapasão, o advogado deverá esforçar-se para que a causa que possua sob sua responsabilidade caminhe nos ditames legais, atuando de forma eficiente e diligente na defesa de seu cliente, de modo que não poderá ser responsabilizado se vier a perder a demanda, salvo se o insucesso seja oriundo de culpa sua, vez que assume obrigação de meio.
Defende-se, dessa forma, a aplicação da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance na reparação dos danos que são, efetivamente, potenciais e prováveis, ou seja, que derivam direta e imediatamente da conduta omissiva do agente/advogado, a qual não ocorreria com a atuação diligente do profissional da área. A falta de diligência e prudência do advogado ocasiona diversos prejuízos ao cliente e geram, dessa maneira, o dever de indenizar.
Outrossim, sabe-se que o advogado é obrigado a defender o seu cliente com o máximo de atenção, técnica, prudência e zelo, devendo utilizar-se de toda a sua capacidade profissional na defesa da causa, mas não se obriga pelo resultado da ação proposta, vez que assume uma obrigação de meio. Logo, não se lhe pode imputar obrigação de reparar o valor que decorreria ou estaria ligado ao resultado da causa.
Assim, cabe ao magistrado analisar detalhadamente cada caso concreto para evidenciar as situações que ensejam a responsabilidade do advogado pela perda de uma chance, devendo sempre aplicar os princípios constitucionais implícitos da razoabilidade e da proporcionalidade para, com base na lei, doutrina e jurisprudência, fazer um juízo de probabilidade do resultado dos julgamentos.
Para a devida atribuição da condenação indenizatória, deve o julgador, no caso concreto, analisar as chances que efetivamente foram perdidas com a má atuação do advogado. Deve, ainda, formalizar um juízo sobre o grau de probabilidade de vitória, caso não ocorrida a perda da chance pelo outorgado. Não há, portanto, uma regra geral estabelecida para a apuração do valor indenizatório devido ao cliente lesado.
Ademais, a indenização devida ao cliente prejudicado deve corresponder apenas a perda da chance de ver sua pretensão reexaminada e não o valor da perda da causa. Quando há perda de uma chance, o que se deve indenizar é a perda da oportunidade, ou seja, indeniza-se, por exemplo, a perda da possibilidade de ter o recurso reexaminado por outro órgão jurisdicional capaz de reformar a decisão prejudicial ao cliente, e não a vantagem perdida.
Apurando, portanto, o magistrado que houve o evento culposo e ilícito, bem como evidenciado que haveria uma chance ou probabilidade do cliente ter a pretensão modificada em seu favor, deve arbitrar uma indenização correspondente à chance perdida, analisando detalhadamente cada caso concreto, com base nos princípios constitucionais implícitos da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como fundamentar-se na lei, doutrina e jurisprudência, para obter a melhor solução em cada caso concreto.
Advogado. Assistente da Primeira Vara de Execução Fiscal Estadual e Tributária da Comarca de Natal/RN. Especializando em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
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