A responsabilidade civil pela perda de uma chance

Resumo: A responsabilidade civil pela perda de uma chance, modalidade indenizatória autônoma, vem ganhando especial espaço dentro das demandas do nosso judiciário, fato este igualmente refletido na quantidade de julgados que reconhecem sua existência. Saber utilizar desta importante ferramenta pode abrir novos horizontes para os operadores do Direito em busca da tutela de seus representados ou jurisdicionados.

Palavras-chave: Responsabilidade – Perda – Chance – Falcon – Memorial Hospital.

A Sociedade Civil, como é de conhecimento de todos, é regida por normas, sejam elas jurídicas ou regramentos de conduta advindos dos costumes e dos preceitos históricos inerentes àquele próprio grupo social, ditando assim os seus padrões éticos e moralmente aceitáveis.

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O Direito Civil, parte integrante desta universalidade de normas jurídicas, possui como função basilar regular a vida e as relações cotidianas dos cidadãos submetidos a esta Lei. A doutrinariamente denominada Parte Geral do Código Civil estabelece, justamente, os paradigmas essenciais para nortear estas relações humanas, razão pela qual todo o restante da Legislação Civil deve, antes de aplicar suas normas específicas, atentar-se a estas de cunho mais genérico.

Nestas disposições gerais, percebemos que o Legislador, com finalidade didática e preparatória, elencou os três elementos básicos a integrar esta infinidade de relações diárias às quais se submete o cidadão brasileiro: O Sujeito, o Objeto e a Relação Jurídica [1].

Neste sentido, quando um cidadão vai às compras e adquire algum produto, percebe-se que foram preenchidos todos os elementos básicos para a formação deste pilar tríplice fundamental do Direito Civil. Existem as pessoas (sujeitos), realizando um contrato de compra e venda (relação jurídica) sobre um determinado produto (objeto).

Como era de se esperar, nem sempre estas interações sociais são exercidas de forma condizente com os ditames estabelecidos no ordenamento jurídico, ocasionando eventualmente algum tipo de dano às pessoas ou coisas. É justamente nesta seara de entendimento que surge a Responsabilidade Civil.

Nas palavras de Silvio de Salvo Venosa, “toda atividade que acarreta um prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar. (…) O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as conseqüências de um fato, ou negócio danoso”[2].

Assim, a princípio, uma vez violada a norma, nasce o dever do transgressor de ressarcir a vitima do evento danoso, devendo esta indenização tentar restabelecer, ao máximo, o seu status quo ante, que foi alterado ilicitamente em decorrência desta lesão.

Com a evolução da sociedade, das tecnologias e consequentemente do aumento das situações potencialmente lesivas, deixaram a Doutrina e Jurisprudência de limitarem-se aos já conhecidos danos materiais e morais como forma de compensação do indivíduo, buscando influência no Ordenamento Francês, aplicando assim a chamada compensation pour la perte d'une chance ou seja, a indenização pela perda de uma chance.

Chance, por definição muito mais matemática do que Jurídica, é a probabilidade de ocorrência de um evento futuro, devendo-se levar em conta, por certo, a igual probabilidade deste não ocorrer.

Imaginemos a seguinte hipótese: Um cidadão muito enfermo busca um médico, visando logicamente o melhor tratamento para sanar o mal que lhe acomete. O médico prescreve então uma série de medicações e tratamentos para a doença que então diagnosticara. Entretanto, tempos mais tarde, após perceber apenas agravamento, sem nenhuma melhora em seu quadro clínico, já em atual estado irreversível, descobre o paciente que, não obstante ter sido seu diagnóstico e tratamento realizados de forma equivocada, caso a doença fosse detectada corretamente na primeira oportunidade, haveria uma chance séria e real de cura, ou ao menos um tratamento que amenizasse seus sintomas.

Caso análogo a este, inclusive na área médica, conhecido como Falcon v. Memorial Hospital, julgado pela Suprema Corte do Estado de Michigan, Estados Unidos, no ano de 1990, teve como resultado a condenação do médico pela perda da chance de sobrevida de seu paciente. [3]

A indenização decorrente pela perda de uma chance é uma modalidade de reparação civil independente, autônoma e não necessariamente ligada à perda patrimonial, cuja proposta é justamente dissociar-se dos danos morais e materiais, inclusive dos lucros cessantes.

Não se trata de dano hipotético, denominado pela doutrina como dano eventual que, como elege o melhor entendimento, não é indenizável. No dano eventual temos apenas uma suposição, um evento futuro e absolutamente incerto, completamente aleatório e que depende de inúmeros fatores externos para que um dia venha a ocorrer. Diferentemente da chance, portanto, não existe o mínimo grau de certeza em sua ocorrência.

Colocando mais uma vez em exemplos, é o caso da criança de 5 anos de idade que ama e treina com afinco o futebol. Entretanto, por uma fatalidade, sofre um acidente, perdendo parte de sua mobilidade física e, juntamente com esta, as chances de tornar-se um jogador de futebol profissional.

Percebam que, neste caso, a possibilidade de indenização por ter “perdido a chance” de tornar-se um jogador de futebol profissional é totalmente inviável por não haver o menor indício de certeza que este sonho iria se concretizar, não obstante a prematura vocação para o ofício.

Com este exemplo temos o primeiro requisito básico[4] para configurar a possibilidade de pleitear ante o Judiciário a indenização aqui debatida, qual seja, a existência de uma chance séria e real, que efetivamente demonstre a possibilidade de concretização da expectativa futura que fora ilicitamente ceifada da vítima do evento danoso.

Aqui nos deparamos com uma questão interessante, qual seja: a diferenciação da perda de uma chance dos lucros cessantes.

Por definição simples, lucros cessantes são os prejuízos causados pela interrupção de qualquer das atividades empresárias, podendo este prejuízo inclusive remeter a tempo futuro.

A resolução desta questão reside justamente na quantificação da probabilidade. Podemos dizer que quando as chances do prejuízo futuro ocorrer forem próximas à absoluta certeza, é possível a aplicação dos lucros cessantes. Neste sentido, esta modalidade indenizatória vincula-se muito mais à certeza do que à chance, razão pela qual são modalidades distintas. Caso clássico da Doutrina é o taxista que tem seu carro abalroado, deixando de auferir ganhos futuros justamente pela indisponibilidade de seu objeto de trabalho.

Na verdade, seria impossível demonstrar ao Juiz qual seria seu lucro exato por dia não trabalhado, ainda que futuro. Entretanto, efetuado simples média aritmética, é possível convencer o Magistrado acerca de uma quantia razoável e estimada de seu prejuízo, atribuindo à situação um grau de elevada certeza.

O segundo requisito disposto reside na quantificação do dano. Esta questão é muito importante, principalmente quando o evento futuro tem cunho patrimonial, devendo sempre o montante indenizatório respectivo à perda da chance ser inferior à quantia efetivamente esperada caso o evento futuro ocorresse sem a intervenção ilícita de um terceiro. Esta dedução é lógica, pois contrario senso estar-se-ia equiparando a chance à certeza, fato este que foge à alçada do Instituto em exame.

Por fim, como terceiro e último requisito, é necessário haver a perda definitiva da vantagem esperada pela vítima. Caso exista alguma possibilidade, mesmo que ínfima, de obter êxito naquela empreitada, não se pode afirmar que o sujeito passivo do dano perdeu todas as chances de alcançar seu objetivo, seja qual for, descaracterizando a possibilidade da aplicação deste Instituto.

Embora tratar-se de tema novo, polêmico e ainda muito debatido, percebe-se uma crescente aplicação de seus preceitos nos Tribunais pátrios, razão pela qual os estudiosos e profissionais do Direito, bem como toda sociedade, devem estar atentos a este novo Instituto.

 

Bibliografia
VENOSA, Silvio de Salvo. Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil: Vol. IV, 6ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 2
PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance: Uma Análise do Direito Comparado e Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007. P. 10.
NICOLAU, Gustavo Rene. Direito Civil: Parte Geral. Vol. 3. 2ª Ed. São Paulo: Atlas. 2007.

Notas:
[1] NICOLAU, Gustavo Rene. Direito Civil: Parte Geral. Vol. 3. 2ª Ed. São Paulo: Atlas. 2007.
[2] VENOSA, Silvio de Salvo. Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil: Vol. IV, 6ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 2
[3] PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance: Uma Análise do Direito Comparado e Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007. P. 10.
[4] Curso apresentado pelo Dr. Rafael Peteffi da Silva no Curso de Responsabilidade Civil ministrado na Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, São Paulo, Maio de 2010


Informações Sobre o Autor

Daniel Longo Braga.

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com extensão em Contratos pela Fundação Getúlio Vargas.


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Equipe Âmbito Jurídico

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