Resumo: Este trabalho apresenta um panorama da responsabilidade civil, com enfoque no estudo da ampliação das hipóteses de dano ressarcível, bem como nos problemas advindo dessa abertura, como a judicialização de pequenos fatos do cotidiano, como objetivos mutas vezes apenas pecuniários, propondo soluções para o problema.
Palavras-chaves: Responsabilidade Civil. Dano ressarcível. Dano moral.
1. Introdução
O instituto da responsabilidade civil é norteado pela concepção de que sempre que alguém causa um dano a outrem, deve ser compelido a restituir o lesado ao status quo ante. Nas palavras de Heloísa Helena Gomes Barboza (2004), pode ser definido pelo interesse em restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico alterado pelo dano, a causa geradora da responsabilidade, desde que existente um dever jurídico.
Importante destacar, ainda, que a responsabilidade civil configura, para parte da doutrina, dever jurídico sucessivo, construção que não se amolda adequadamente à responsabilidade objetiva, existindo autores que preferem utilizar a expressão “Direito de Danos” para o que o Código Civil trata como responsabilidade civil (TEPEDINO, 2006).
O Código Civil em vigor adotou a concepção do ato ilícito como fonte de obrigações, como se vê da redação do art. 927, com remissão aos arts. 186 e 187:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
O art. 927 trata do dever de indenizar. Salienta Tepedino (2006) que a doutrina aponta uma falha redacional no dispositivo. Referida falha reside no fato de que ser o dano elemento essencial do ato ilícito. Com efeito, como já salientado, tamanha é a importância do dano na moldura do Direito Civil moderno que há autores que preferem usar a expressão “Direito de Danos”. Não haveria, portanto, necessidade de mencionar ato ilícito, posto que ato ilícito e dano estão interligados.
2. Responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva.
Informa Anderson Schreiber (2005) que os elementos tradicionais da responsabilidade subjetiva são culpa, dano e nexo causal. Tais elementos já existiam, segundo referido autor, no Art. 1382 do Código de Napoleão, que por sua vez influenciou a elaboração do Código Civil de 1916. Os diplomas legais mencionados, seguindo essa visão tradicional, dispunham a respeito da responsabilidade civil com ênfase nessa tríade fundamental da responsabilidade subjetiva, como se vê da redação do Art. 159 do Código Civil de 1916: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.” Percebe-se, pela simples leitura da norma, a proeminência que a demonstração da culpa ocupava no cenário da responsabilidade civil.
Mesmo durante a vigência do Código Civil de 1916, contudo, já se vislumbrava a possibilidade de existência de uma responsabilidade civil sem culpa. O art. 1529 trazia previsão expressa de responsabilização sem culpa na hipótese de queda ou lançamento de objetos de edifícios.
A doutrina observou a existência de duas sólidas barreiras à indenização, quais sejam: a necessidade de demonstração do caráter culposo lato sensu da conduta do ofensor e a dificuldade na demonstração do nexo de causalidade entre a conduta do ofensor e o dano. A essas barreiras Anderson Schreiber (2005) denomina filtros da responsabilidade civil.
Ocorre, contudo, que em sede de responsabilidade civil, a tendência é a erosão dos filtros tradicionais da responsabilidade civil, consubstanciada na perda relativa da importância da prova da culpa e do nexo causal na dinâmica contemporânea. A ênfase moderna é a reparação do dano. Trata-se de foco mais consentâneo com os ideais do Direito Civil-Constitucional, por demonstrar mais aptidão à efetiva tutela da dignidade humana, bem como por atender, dentre outros princípios, o da solidariedade social.
Com relação à primeira barreira encontrada na noção tradicional de responsabilidade civil, vale ressaltar, a demonstração da culpa, informa Cavalieri :
“A idéia de culpa está visceralmente ligada à responsabilidade, por isso que, de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela em seu agir. Daí ser a culpa, de acordo com a teoria clássica, o principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva. (…) Por essa concepção clássica, todavia, a vítima só obterá a reparação do dano se provar a culpa do agente, o que nem sempre é possível na sociedade moderna. O desenvolvimento industrial, proporcionado pelo advento do maquinismo e outros inventos tecnológicos, bem como o crescimento populacional geraram novas situações que não podiam ser amparadas pelo conceito tradicional de culpa. Importantes trabalhos vieram, então, à luz na Itália, na Bélgica e, principalmente, na França sustentando uma responsabilidade objetiva, sem culpa, baseada na chamada teoria do risco, que acabou sendo também adotada pela lei brasileira em certos casos.” (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 39)
A doutrina foi pouco a pouco percebendo que a própria prova da culpa tem por fundamento a concepção católica romana de pecado, no sentido de falta moral. A propósito, Philippe le Tourneau, citado por Schreiber (2007), questiona a base religiosa da idéia de culpa, fazendo alusão a textos bíblicos (Salmo 7,9-13 Salmo 16,7-9 Salmo 139 Jeremias 11,19-20 Jeremias 12,1-3 Jeremias 17,9-11): “Quel juge pourrait sonder les reins et les coeurs? Serait-ce vraimente justice?” Com efeito, não há justiça quando se espera que o Magistrado sonde o coração, a motivação íntima, para verificar se se a vítima terá direito à reparação do dano.
Em determinadas situações, referida imposição constituía a chamada prova diabólica, impossível de ser levada a cabo pela vítima. Era o que ocorria, por exemplo, na hipótese de acidentes de trabalho. Em muitos casos, a reparação do dano deixava de ser implementada pelas dificuldades inerentes à produção de tal acervo probatório.
O mesmo se diga com relação à prova do nexo causal. Cabe não esquecer que no século XIX a sociedade aprendia a lidar com todo o aparato do maquinismo industrial. Acidentes eram inevitáveis. A visão tradicional da doutrina civilista com relação à culpa e ao nexo causal trazia dificuldade em situações análogas. Análises psicológicas objetivando aferição de culpa demonstraram-se difíceis, importando em algumas injustiças e impossibilitando a necessária tutela da dignidade humana.
Como exemplo da preocupação dos estudiosos em relação ao tema, cite-se a criação da teoria da perda de uma chance. A doutrina francesa percebeu que, especialmente em sede de responsabilidade civil médica, era muito difícil, quando não impossível a atividade probatória da vítima, como bem salienta Heloísa Helena Barboza:
“As dificuldades de obtenção da prova, em determinados casos de danos corporais, e a necessidade de se proteger a vítima nessas circunstâncias, ensejaram a construção pela doutrina francesa da teoria da perte d’une chance. Quando não é possível assegurar que um determinado dano se deve a um ato ou omissão do médico, o prejuízo a ser indenizado consiste na perda de uma possibilidade (ou probabilidade) de cura, presumindo-se que a atuação do médico diminui essa possibilidade. A falta de prova do nexo de causalidade é uma das características da ‘perda de uma oportunidade’, mesmo sendo a oportunidade aleatória.” (BARBOZA, 2004, p. 49).
Foi essa a teoria utilizada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no julgado a seguir:
Outro julgado na mesma linha de entendimento, que flexibilizou a prova do nexo causal aplicando a teoria da perda de uma chance, apenas reduzindo em trinta por cento (30%) a condenação, de 408 salários mínimos, a título de dano moral, devido à contribuição da vítima:
“Responsabilidade civil. Médico. Comporta-se contra a prudência médico que dá alta a paciente, a instâncias deste, apesar de seu estado febril não recomendar a liberação e comunicado, posteriormente, do agravamento do quadro, prescreve sem vê-lo pessoalmente. O retardamento dos cuidados, se não provocou a doença fatal, tirou do paciente razoável chance de sobreviver. Também contribuiu a vítima à extensão do dano insistindo na alta. Limites indenizativos remetidos à liquidação. Verba honorária alterada. Apelação provida em parte” (RJTJRGS 158/214).”
Outra teoria citada por Heloísa Helena Barboza (2004) é a da res ipsa loquitur. Com efeito, em determinadas situações, como aquelas em que se observa objetos esquecidos dentro do paciente em procedimento cirúrgico, a coisa fala por si mesma, não se exigindo a prova dos filtros tradicionais da responsabilidade civil.
Verifica-se, portanto, que a teoria da responsabilidade civil percorreu longo caminho até atingir o patamar atual, mais consentâneo com a proteção da dignidade humana.
Um dos passos dessa trajetória foi a multiplicação da presunção de culpa. Pouco a pouco, a doutrina e a Jurisprudência foram ampliando as possibilidades de responsabilização mediante o afastamento da rigidez probatória da culpa. Não se está a falar aqui em responsabilidade objetiva, mas em um aumento nas situações consideradas de culpa presumida.
O Decreto-lei 2681/1912, por exemplo, instituiu a culpa presumida na hipótese de dano ocorrido durante transporte ferroviário.
A presunção relativa de culpa constituiu passo inicial. Tal presunção tornou-se cada vez mais absoluta. Cite-se, por exemplo, a responsabilidade do preponente pelos atos do preposto, presunção defendida pela doutrina e acolhida pela Jurisprudência, como se pode observar da Súmula 341 do STF:
“É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.”
Trata-se de responsabilidade civil tratada na sistemática do Código Civil em vigor como responsabilidade objetiva. À época, porém, sob a égide do Código Civil de 1916, o tema era encarado como responsabilidade subjetiva, cuja prova da culpa foi cada vez mais afastada, resultando na Súmula 341 do STF, que acolheu a “presunção de culpa”.
Importa mencionar também o avanço da responsabilidade fundada no risco.
Além da multiplicação da presunção de culpa, importa mencionar o avanço da responsabilidade fundada no risco e alteração da própria noção de culpa e do modo de sua aferição como fatores que conduziram a responsabilidade civil a sua concepção atual.
Ainda dentro desse contexto de evolução da responsabilidade civil, interessante destacar a menção de Caio Mário da Silva Pereira (1999) a esse processo, ao registrar a adoção da chamada “teoria da guarda”:
“Trata-se de uma espécie de solução transacional ou escala intermediária, em que se considera não perder a culpa a condição de suporte da responsabilidade civil, embora aí já se deparem indícios de sua degradação como elemento etiológico fundamental da reparação, e aflorem fatores de consideração da vítima como centro da estrutura ressarcitória, para atentar diretamente para as condições do lesado e a necessidade de ser indenizado.” (PEREIRA, 1999, p. 263)
Além das hipóteses cada vez mais ampliadas de presunção de culpa, o surgimento da teoria do risco colocou em xeque a própria culpa como fundamento da responsabilização.
“Com o intuito de não deixar desamparada a vítima, desenvolveram paulatinamente o novo sistema de responsabilização com base na teoria do risco, segundo a qual quem exerce determinadas atividades deve ser responsável também pelos seus riscos, independente de quais considerações em torno do seu comportamento pessoal. A esta nova espécie de responsabilidade fundada no risco, convencionou-se chamar responsabilidade objetiva, porque desvinculada da valoração da conduta do sujeito. São requisitos da responsabilidade objetiva: 1) o exercício de certa atividade; ii) o dano; iii) o nexo de causalidade entre o dano e a atividade.” (TEPEDINO, 2006, p. 805).
Nesse sentido, os estudos de Saleilles e Josserand no final do século XIX foram importantes para a futura construção da teoria do risco e da noção de responsabilidade civil objetiva. Os estudiosos observaram que o panorama da sociedade sofreu mutações tão profundas após a Segunda revolução industrial que o Direito Civil não podia permanecer restrito aos limites da responsabilidade civil tradicional.
“Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade, cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco, ora encarada como risco-proveito, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi ônus); ora, mais genericamente como risco criado, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo.” (GONÇALVES, 1995, p. 18).
A responsabilidade civil objetiva, frise-se, não substitui a responsabilidade subjetiva, mas adequou a teoria civilista a hipóteses em que a aplicação da responsabilidade subjetiva produziria verdadeiras injustiças.
“A ampliação das hipóteses de responsabilidade objetiva, de uma forma geral, contribui para a formação de um sistema de responsabilização mais solidário, porque adequado às relações de massa e comprometido com a eqüitativa distribuição dos riscos da vida contemporânea. Mais do que isto: releva a incorporação pelo direito brasileiro da tendência universal de abandono da técnica de valoração da conduta do ofensor.” (SCHREIBER, 2002, p. 5).
Pode-se afirmar que a responsabilidade civil objetiva é consentânea com os princípios constitucionais que devem nortear o Direito Civil, tendo em vista possibilitar a solidariedade social e a justiça distributiva, além de garantir a tutela da dignidade humana.
“Com efeito, os princípios da solidariedade social e da justiça distributiva, capitulados no art. 3.º, Incisos I e III, da Constituição, segundo os quais se constituem em objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, não podem deixar de moldar os novos contornos da responsabilidade civil. Do ponto de vista legislativo e interpretativo, retiram da esfera meramente individual e subjetiva o dever de repartição dos riscos da atividade econômica e da autonomia privada, cada vez mais exacerbados na era da tecnologia. Impõem, como linha de tendência, o caminho da intensificação dos critérios objetivos de reparação do dano e do desenvolvimento de novos mecanismos de seguro social”. (Tepedino, 2004, p. 191-216.)
Tal tendência veio desembocar no art. 927 do CC, que acolheu a responsabilidade objetiva pelo risco, delimitada pela atuação jurisdicional, retirando o caráter excepcional e ex lege da responsabilidade objetiva.
Assim, hipóteses anteriormente tratadas como de responsabilidade subjetiva com culpa presumida foram convertidas após o Código Civil em vigor em responsabilidade objetiva. Consulte-se, por oportuno, o art. 933 (fato de terceiro) e art. 936 (fato de animais) do Código de 2002. Saliente-se, por oportuno, que não é mais possível o dono eximir-se de reparar o dano alegando “cuidado preciso” na guarda e vigilância do animal, conforme disposição expressa do art. 1527 do Código Civil de 1916. Com efeito, tendo-se em conta a teoria do risco, a defesa deve basear-se tão-somente na ausência do nexo causal.
Sergio Cavalieri bem observou essa mudança ao escrever a respeito da culpa in vigilando e da culpa in eligendo:
“essas espécies de culpa, todavia, estão em extinção, porque o novo código civil, em seu art. 933, estabeleceu responsabilidade objetiva para os pais, patrão, comitente, detentor de animal, etc., e não mais responsabilidade com culpa presumida, como era no Código anterior.” (CAVALIERI, 2006, p. 58)
Importante frisar, mais uma vez, que a responsabilidade subjetiva não foi evidentemente abandonada. Nesse sentido, Sérgio Cavalieri Filho:
“É importante que se tenha em mente, todavia, que a responsabilidade objetiva não afastou a subjetiva. Esta subsiste como regra, sem prejuízo da adoção da responsabilidade objetiva, nos casos e limites previstos em leis especiais.” (CAVALIERI, 2006, p. 33)
Em lugar da extinção da responsabilidade subjetiva, portanto, defende-se que dita forma de responsabilidade mudou. Com efeito, afastou-se uma abordagem psicológica e religiosa, que tornava difícil a proteção aos direitos da vítima. Da esfera da moral passou-se à desconformidade em relação a um modelo abstrato de conduta:
“Importante conseqüência disto é o abandono da culpa, em sua concepção clássica. Isto não significa a extinção da responsabilidade subjetiva, que, não obstante o avanço da responsabilidade objetiva, se mantém como fonte paralela de responsabilização, aplicável sobretudo às relações interindividuais, em que ambas as partes, a princípio, contribuem igualmente (ou igualmente deixam de contribuir) para a criação dos riscos de dano. Mas mesmo nestas relações a culpa perde seu caráter tradicional de negligência, imprudência ou imperícia, de falta pessoal e subjetiva que autoriza e exige um castigo representado pela responsabilização, passando a ter uma feição mais normativa, menos relacionada ao elemento anímico do ofensor e mais afeta à violação objetiva de padrões de comportamento (standards) atinentes a cada situação específica. Assim, também a responsabilidade subjetiva vai se afastando de seu intuito moralizador.” (SCHREIBER, 2002, p. 7)
3. Novas possibilidades de danos indenizáveis
Além da flexibilização da prova da culpa e do nexo causal tratada no item anterior, como corolário da evolução da responsabilidade civil, surgiu a possibilidade de reparação de danos antes inconcebíveis. É o caso da violação ao direito de imagem, de privacidade, dentre outros. Em 1980 era inconcebível que uma pessoa recorresse ao Judiciário reclamando danos decorrentes da violação a seu direito à privacidade.
A evolução doutrinária, entretanto, deu vida à tarefa de perceber que determinados fatos da vida moderna não podem ser tratados por uma lente descontextualizada. Nessa linha de idéias, com relação à proteção à privacidade, Danilo Doneda (2006) afirma que na contemporaneidade é impossível limitar a transmissão de dados pertinentes a informações pessoais, promovendo a não-circulação de informações, atitude que constituía anteriormente o foco da proteção da privacidade. Tal assertiva reforça a necessidade de sistemas protetivos com foco no controle de sua circulação, buscando limitá-la aos espaços inevitáveis. Referido autor associa essa mudança de foco da não-circulação de informações para o controle dessa circulação à consolidação da teoria dos direitos da personalidade, que proporciona meios necessários ao indivíduo para construção e consolidação de uma esfera privada própria. Existe, portanto, uma nova visão a respeito de direitos não percebidos anteriormente, que suscita a demanda por reparação de novas espécies de danos.
“Ação de indenização. Danos morais. Publicação de fotografia não autorizada em jornal. Direito de imagem. Inaplicabilidade da Lei de Imprensa. I. – A publicação de fotografia não autorizada em jornal constitui ofensa ao direito de imagem, ensejando indenização por danos morais, não se confundindo, com o delito de imprensa, previsto na Lei nº 5.250/67. Precedentes. II. – Recurso especial não conhecido.” (REsp 207.165/ SP, Rel. Documento: 821593 – Inteiro Teor do Acórdão – Site certificado – DJe: 06/10/2008 Superior Tribunal de Justiça Ministro PÁDUA RIBEIRO )
Atualmente não há problemas em se admitir, por exemplo, a responsabilidade civil nas hipóteses de revista ou vídeo-vigilância não autorizada. Essa abertura nas possibilidades de reparação de danos demonstra-se consentânea com a concepção civil-constitucional, assentada em três princípios básicos constitucionais:
1. Princípio de proteção da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil (art. 1. III, CF).
2. Princípio da solidariedade social, também um dos objetivos da República Federativa do Brasil (construção de uma “sociedade livre, justa e solidária”- artigo 3, I, da CF/88).
3. Princípio da igualdade lato sensu ou isonomia, eis que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”( artigo 5, caput, da CF/88).
Sobre o tema, leciona Gustavo Tepedino:
“A rigor, as previsões constitucionais e legislativas, dispersas e casuísticas, não logram assegurar à pessoa proteção exaustiva, capaz de tutelar as irradiações da personalidade em todas as suas possíveis manifestações. Com a evolução cada vez mais dinâmica dos fatos sociais, torna-se assaz difícil estabelecer disciplina legislativa para todas as possíveis situações jurídicas de que seja a pessoa humana titular”. (TEPEDINO, 2004, p. 37)
Com efeito, no panorama jurídico brasileiro atual acolhe-se sem dificuldades o direito à reparação do dano à privacidade, bem como o dano moral, o dano estético e o dano à integridade psíquica.
RECURSO ESPECIAL N.º 595.338/RJ Rel.: Min. Carlos Alberto Menezes Direito/3.ª Turma EMENTA – Indenização. Acidente no interior do veículo. Dano moral e dano estético. Juros de mora. Prequestionamento. Precedentes da Corte. 1. A jurisprudência da Corte assentou ser possível a cumulação do dano moral com o dano estético decorrentes do mesmo fato e, ainda, a revisão do valor do dano moral apenas quando absurdo, exagerado ou mesmo irrisório. 2. Na responsabilidade contratual os juros de mora contam-se da citação. 3. Recurso especial conhecido e provido, em parte. (STJ/DJU de 21/2/05, pág. 177)
“RESPONSABILIDADE CIVIL. ÔNIBUS. ATROPELAMENTO. VÍTIMA QUE RESTOU TOTAL E PERMANENTEMENTE INCAPACITADA PARA O TRABALHO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. SENTENÇA CONDICIONAL. INEXISTÊNCIA. CUMULAÇÃO DOS DANOS MORAIS COM OS ESTÉTICOS. ADMISSIBILIDADE. – Inexistência no caso de negativa de prestação jurisdicional. – A prova dos lucros cessantes deve ser realizada no processo de conhecimento. A apuração do montante correspondente à remuneração percebida pela vítima à época em que trabalhava pode ser relegada à fase de liquidação. Inexistência de sentença condicional, dadas às peculiaridades da espécie em exame. – São cumuláveis os danos morais e danos estéticos, quando atingidos valores pessoais distintos. Recurso especial não conhecido”. (STJ, 4ª Turma, Resp 327.210 – MG, Rel.: Min. Barros Monteiro, data do julgamento: 04/11/2004)
Os julgados analisados indicam a variedade de opções de responsabilidade civil no panorama jurídico atual, oriunda da multiplicidade de danos ressarcíveis. Deve-se atentar, contudo, que a concepção atual do dano ressarcível não identifica o dano com a antijuridicidade, como se o sistema da responsabilidade civil fosse típico, respondendo tão-somente à violação de um direito ou de uma norma. Adota-se majoritariamente a teoria do interesse, vinculando-se o dano à lesão de um interesse juridicamente protegido. Tal entendimento possibilita a proteção não só de direitos, mas também de interesses considerados dignos de tutela:
“Modernamente, pois, desvincula-se o conceito de dano da noção de antijuridicidade, adotando-se critérios mais amplos, que englobam não apenas direitos (absolutos ou relativos) mas também interesses que, porque considerados dignos de tutela jurídica, quando lesionados, obrigam à sua reparação.” (Moraes, 2006)
Saliente-se, por oportuno, que a responsabilidade civil, sob uma ótica moderna, tem seu foco exatamente no dano, não na culpa, objetivando a tutela da vítima. (SCHREIBER, 2007)
Observa-se que a cada dia surgem novas possibilidades de danos ressarcíveis. Questão interessante e polêmica, por exemplo, diz respeito à “ausência de amor e carinho” nas relações familiares. A respeito, após julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais favorável à tese do ressarcimento do dano afetivo, o STJ assentou o entendimento contrário no RESP 757.411 MG:
“RECURSO ESPECIAL Nº 757.411 – MG (2005⁄0085464-3). RELATOR : MINISTRO FERNANDO GONÇALVES. RECORRENTE : V DE P F DE O F. ADVOGADO : JOÃO BOSCO KUMAIRA E OUTROS. RECORRIDO : A B F (MENOR). ASSIST POR : V B F. ADVOGADO : RODRIGO DA CUNHA PEREIRA E OUTROS. EMENTA
RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido. 3. ACÓRDÃO. 4. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do recurso e lhe dar provimento. Votou vencido o Ministro Barros Monteiro, que dele não conhecia. Os Ministros Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini e Cesar Asfor Rocha votaram com o Ministro Relator. 5. Brasília, 29 de novembro de 2005 (data de julgamento). 6. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, Relator”
A posição adotada, in casu, pelo STJ, parece ser a mais correta, tendo em vista que o Direito de Família trata adequadamente do tema, não havendo motivo para se adentrar à seara da responsabilidade civil. Nesse sentido, importa destacar trecho do voto do Relator:
“A matéria é polêmica e alcançar-se uma solução não prescinde do enfrentamento de um dos problemas mais instigantes da responsabilidade civil, qual seja, determinar quais danos extrapatrimoniais, dentre aqueles que ocorrem ordinariamente, são passíveis de reparação pecuniária. Isso porque a noção do que seja dano se altera com a dinâmica social, sendo ampliado a cada dia o conjunto dos eventos cuja repercussão é tirada daquilo que se considera inerente à existência humana e transferida ao autor do fato. Assim situações anteriormente tidas como “fatos da vida”, hoje são tratadas como danos que merecem a atenção do Poder Judiciário, a exemplo do dano à imagem e à intimidade da pessoa.
Os que defendem a inclusão do abandono moral como dano indenizável reconhecem ser impossível compelir alguém a amar, mas afirmam que “a indenização conferida nesse contexto não tem a finalidade de compelir o pai ao cumprimento de seus deveres, mas atende duas relevantes funções, além da compensatória: a punitiva e a dissuasória. (Indenização por Abandono Afetivo, Luiz Felipe Brasil Santos, in ADV – Seleções Jurídicas, fevereiro de 2005).
Nesse sentido, também as palavras da advogada Cláudia Maria da Silva: “Não se trata, pois, de “dar preço ao amor” – como defendem os que resistem ao tema em foco – , tampouco de “compensar a dor” propriamente dita. Talvez o aspecto mais relevante seja alcançar a função punitiva e dissuasória da reparação dos danos, conscientizando o pai do gravame causado ao filho e sinalizando para ele, e outros que sua conduta deve ser cessada e evitada, por reprovável e grave.” ( Descumprimento do Dever de Convivência Familiar e Indenização por Danos á Personalidade do Filho, in Revista Brasileira de Direito de Família, Ano VI, n° 25 – Ago-Set 2004)
No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porém, a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral.
Por outro lado, é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guarda isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contra o ex-companheiro, sem olvidar ainda a questão de que a indenização pode não atender exatamente o sofrimento do menor, mas também a ambição financeira daquele que foi preterido no relacionamento amoroso.
No caso em análise, o magistrado de primeira instância alerta, verbis:
“De sua vez, indica o estudo social o sentimento de indignação do autor ante o tentame paterno de redução do pensionamento alimentício, estando a refletir, tal quadro circunstancial, propósito pecuniário incompatível às motivações psíquicas noticiadas na Inicial (fls. 74) (…) Tais elementos fático-probatórios conduzem à ilação pela qual o tormento experimentado pelo autor tem por nascedouro e vertedouro o traumático processo de separação judicial vivenciado por seus pais, inscrevendo-se o sentimento de angústia dentre os consectários de tal embate emocional, donde inviável inculpar-se exclusivamente o réu por todas as idiossincrasias pessoais supervenientes ao crepúsculo da paixão.” (fls. 83)
Ainda outro questionamento deve ser enfrentado. O pai, após condenado a indenizar o filho por não lhe ter atendido às necessidades de afeto, encontrará ambiente para reconstruir o relacionamento ou, ao contrário, se verá definitivamente afastado daquele pela barreira erguida durante o processo litigioso?
Quem sabe admitindo a indenização por abandono moral não estaremos enterrando em definitivo a possibilidade de um pai, seja no presente, seja perto da velhice, buscar o amparo do amor dos filhos, valendo transcrever trecho do conto “Para o aniversário de um pai muito ausente”, a título de reflexão (Colocando o “I” no pingo… E Outras Idéias Jurídicas e Sociais, Jayme Vita Roso, RG Editores, 2005):
“O Corriere della Sera, famoso matutino italiano, na coluna de Paolo Mieli, que estampa cartas selecionadas dos leitores, de tempos em tempos alguma respondida por ele, no dia 15 de junho de 2002, publicou uma, escrita por uma senhora da cidade de Bari, com o título “Votos da filha, pelo aniversário do pai”.
Narra Glória Smaldini, como se apresentou a remetente, e escreve: “Caro Mieli, hoje meu pai faz 67 anos. Separou-nos a vida e, no meu coração, vivo uma relação conflitual, porque me considero sua filha ´não aproveitada´. Aos três anos fui levada a um colégio interno, onde permaneci até a maioridade. Meu pai deixara minha mãe para tornar a se casar com uma senhora. Não conheço seus dois outros filhos, porque, no dizer dele, a segunda mulher ´não quer misturar as famílias´.
Faz 30 anos que nos relacionamos à distância, vemo-nos esporadicamente e presumo que isso ocorra sem que saiba a segunda mulher. Esperava que a velhice lhe trouxesse sabedoria e bom senso, dissipando antigos rancores. Hoje, aos 39 anos, encontro-me ainda a esperar. Como meu pai é leitor do Corriere, peço-lhe abrigar em suas páginas meus cumprimentos para meu pai que não aproveitei.”
Por certo um litígio entre as partes reduziria drasticamente a esperança do filho de se ver acolhido, ainda que tardiamente, pelo amor paterno. O deferimento do pedido, não atenderia, ainda, o objetivo de reparação financeira, porquanto o amparo nesse sentido já é providenciado com a pensão alimentícia, nem mesmo alcançaria efeito punitivo e dissuasório, porquanto já obtidos com outros meios previstos na legislação civil, conforme acima esclarecido.
Desta feita, como escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar, ou a manter um relacionamento afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada.”
Ademais, por relevante, salienta-se o voto do Ministro Cesar Asfor Rocha:
“…Penso que o Direito de Família tem princípios próprios que não podem receber influências de outros princípios que são atinentes exclusivamente ou – no mínimo – mais fortemente – a outras ramificações do Direito. Esses princípios do Direito de Família não permitem que as relações familiares, sobretudo aquelas atinentes a pai e filho, mesmo aquelas referentes a patrimônio, a bens e responsabilidades materiais, a ressarcimento, a tudo quanto disser respeito a pecúnia, sejam disciplinadas pelos princípios próprios do Direito das Obrigações. Destarte, tudo quanto disser respeito às relações patrimoniais e aos efeitos patrimoniais das relações existentes entre parentes e entre os cônjuges só podem ser analisadas e apreciadas à luz do que está posto no próprio Direito de Família. Essa compreensão decorre da importância que tem a família, que é alçada à elevada proteção constitucional como nenhuma outra entidade vem a receber, dada a importância que tem a família na formação do próprio Estado. Os seus valores são e devem receber proteção muito além da que o Direito oferece a qualquer bem material. Por isso é que, por mais sofrida que tenha sido a dor suportada pelo filho, por mais reprovável que possa ser o abandono praticado pelo pai – o que, diga-se de passagem, o caso não configura – a repercussão que o pai possa vir a sofrer, na área do Direito Civil, no campo material, há de ser unicamente referente a alimentos; e, no campo extrapatrimonial, a destituição do pátrio poder, no máximo isso. Com a devida vênia, não posso, até repudio essa tentativa, querer quantificar o preço do amor. Ao ser permitido isso, com o devido respeito, iremos estabelecer gradações para cada gesto que pudesse importar em desamor: se abandono por uma semana, o valor da indenização seria “x”; se abandono por um mês, o valor da indenização seria “y”, e assim por diante. Com esses fundamentos, e acostando-me ao que foi posto pelo eminente Ministro Fernando Gonçalves, Relator deste feito, e pelos Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior e Jorge Scartezzinni, peço vênia ao eminente Sr. Ministro Barros Monteiro para conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento.”
Impende salientar, por oportuno, que foi interposto Recurso Extraordinário (RE 567164), arquivado no STF pela Ministra Ellen Gracie, que entendeu que a questão do “abandono afetivo” apenas indiretamente estaria relacionada à Constituição.
Ocorre, na verdade, que a explosão das novas possibilidade de danos, com sua tendência ampliativa, tem provocado preocupação, tendo em vista os exageros verificados. Schreiber (2005) menciona diversos danos no mínimo exóticos: dano da moto nova, oriundo de um processo italiano; o caso affaire perrouche, em que um adolescente pretendia ser indenizado por danos decorrentes de seu nascimento; o alegado dano à identidade acadêmica de professor de direito eclesiástico por suposta posição científica que lhe fora erroneamente imputada; o treinador de time de beisebol processado por pai por “danos emocionais decorrentes do fracasso esportivo”. Há relato de uma condenação por danos decorrentes de greve de sexo do esposo na Itália. No Brasil, já ocorreu pedido de reparação de danos decorrentes de rompimento de noivado, bem como em decorrência de vestido parecido com outro, sem contar o caso de uma adolescente que pretendia reparação de danos por não poder ingressar em baile sem vestido adequado à ocasião.
“O alargamento da noção de dano ressarcível, todavia, veio ocorrendo de maneira avassaladora. Com efeito, fala-se hoje em dano ao projeto de vida, dano por nascimento indesejado, dano hedonístico, dano de mobbing, dano de mass media, dano de férias arruinadas, dano de morte em agonia, dano de brincadeiras cruéis, dano de descumprimento dos deveres conjugais, dano por abandono afetivo e assim por diante. O aumento desordenado de novas espécies de dano fez surgir o temor, antecipado por Rodotà, de que “a multiplicação de novas figuras de dano venha a ter como únicos limites a fantasia do intérprete e a flexibilidade da jurisprudência”. (MORAES, 2006)
Em resposta a tal exagero caracterizado pela tentativa de transformar simples fatos da vida em danos ressarcíveis, têm surgido estudos sobre o tema, importando em debates acerca da tarifação do dano moral, por um lado, e no surgimento de uma nova visão de pespecuniarização ou desmonetarização da reparação dos danos.
4. O problema da fixação do valor da indenização
No tocante à tarifação do dano moral, verifica-se que o grande problema é a fixação do quantum debeatur.
É cediço que não há critério legal específico para arbitramento do valor dos danos morais. Em atenção ao art. 944 do Código Civil, bem como seu parágrafo único, a reparação deve ser adequada à extensão do dano, salvo na hipótese de “excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano”. Evidentemente, não há critério prático para aplicação de tal regra aos danos imateriais, tendo em vista a dificuldade de encontrar o valor capaz de restituir a vítima ao status quo ante. Além disso, existe entendimento no sentido de que os danos morais pertencem à espécie de danos in re ipsa, o que se reforça diante da redação da nova Súmula 388 do STJ:
“A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral.” Rel. Min. Fernando Gonçalves, em 26/8/2009.
Todas essas dificuldades têm desembocado no problema prático de disparidade no montante das indenizações.
Com efeito, dependendo tão somente da distribuição dos autos, podem ocorrer indenizações diferentes para danos equivalentes ou, em alguns casos, valores iguais para situações totalmente desiguais, como a morte de um familiar e a inclusão do nome nos cadastros de consumidores inadimplentes.
A Lei 5250/67, antiga Lei de Imprensa, previa a tarifação das indenizações em seu art. 51:
“Art . 51. A responsabilidade civil do jornalista profissional que concorre para o dano por negligência, imperícia ou imprudência, é limitada, em cada escrito, transmissão ou notícia:
I – a 2 salários-mínimos da região, no caso de publicação ou transmissão de notícia falsa, ou divulgação de fato verdadeiro truncado ou deturpado (art. 16, ns. II e IV).
II – a cinco salários-mínimos da região, nos casos de publicação ou transmissão que ofenda a dignidade ou decôro de alguém;
III – a 10 salários-mínimos da região, nos casos de imputação de fato ofensivo à reputação de alguém;
IV – a 20 salários-mínimos da região, nos casos de falsa imputação de crime a alguém, ou de imputação de crime verdadeiro, nos casos em que a lei não admite a exceção da verdade (art. 49, § 1º).”
Ocorre, contudo, que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição Federal, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal na ADPF 130.
Antes disso, o Superior Tribunal de Justiça já tinha entendimento contrário à tarifação, como se vê do julgado a seguir:
“STJ – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO: AgRg no Ag 605917 RJ 2004/0060850-5. Relator(a): Ministro FERNANDO GONÇALVES. Julgamento: 13/12/2004. Órgão Julgador: T4 – QUARTA TURMA. Publicação: DJ 01.02.2005 p. 573. AGRAVO REGIMENTAL. DANO MORAL. PUBLICAÇÃO JORNALÍSTICA INDEVIDA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DECADÊNCIA. LIMITES DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. LEI DE IMPRENSA. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES. 1. Inúmeros precedentes das Turmas integrantes da Segunda Seção desta Corte apontam no sentido de que, com o advento da Constituição de 1988, não mais prevalece o prazo decadencial nem a tarifação da indenização devida por dano moral, decorrente da publicação considerada ofensiva à honra e à dignidade das pessoas. Precedentes. 2. Excepcionalmente, pela via do especial, o STJ pode modificar o quantum da indenização por danos morais, quando fixado o valor de forma abusiva ou irrisória, hipótese inocorrente, in casu. Precedentes.”
O STJ há havia, inclusive, sumulado a questão, nos seguintes termos:
“STJ Súmula nº 281 – 28/04/2004 – DJ 13.05.2004
Indenização por Dano Moral – Tarifação da Lei de Imprensa
A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.”
Além da Lei de Imprensa, a tarifação da indenização foi prevista na Lei 7.565/86, Código Brasileiro de Aeronáutica, norma que também não teve acolhida na doutrina e jurisprudência, que se inclinou para a indenização integral nos moldes do Código de Defesa do Consumidor.
No tocante à tarifação do dano moral, importa ressaltar o Projeto de Lei nº 150/1999, arquivado em 02/09/2007, que objetivava impor limites à indenização por dano moral.
Em que pese posição majoritária da doutrina e da Jurisprudência não admitindo a tarifação da reparação do dano imaterial, entende-se que tem ocorrido excessos com relação ao tema do dano moral. Basta uma análise das estatísticas dos Juizados Especiais Cíveis para se verificar que há demandas relacionadas a supostos danos que não poderiam jamais dar suporte a um provimento condenatório. Pequenos dissabores do cotidiano são erigidos em grandes dramas pessoais com o fito de se auferir lucro. Há pessoas que se tornaram litigantes contumazes, fomentando a judicialização de eventos corriqueiros. Tal fato merece uma reflexão. Nesse sentido:
“Quando a moralidade é posta debaixo do tapete, esse lixo pode ser trazido para fora no momento em que bem nos convier. E justamente porque a moralidade se fez algo descartável e de menor importância no mundo de hoje, em que o relativismo, o pluralismo, o cinismo, o ceticismo, a permissividade e o imediatismo têm papel decisivo, o ressarcimento por danos morais teria que também se objetivar para justificar-se numa sociedade tão eticamente frágil e indiferente, O ético deixa de ser algo intersubjetivamente estruturado e institucionalizado, descaracterizando-se como reparação de natureza moral para se traduzir em ressarcimento material, vale dizer,o dano moral é significativo não para reparar a ofensa à honra e a outros valores éticos, sim para acrescer alguns trocados ao patrimônio do felizardo que foi moralmente (?) enxovalhado.” (PASSOS, 2002)
Recente publicação do STJ (2009) destaca a importância do tema, apontando disparidades entre os tribunais na fixação do dano moral, que resulta na chamada “jurisprudência lotérica”: para um mesmo fato que afeta inúmeras vítimas, uma Câmara do Tribunal fixa um determinado valor de indenização e outra Turma julgadora arbitra, em situação envolvendo partes com situações bem assemelhadas, valor diferente, comprometendo a credibilidade da Justiça e promovendo insegurança jurídica, além de fazer da indenização equivocadamente um bilhete premiado.
O texto aludido elenca exemplos recentes de como os danos vêm sendo quantificados no STJ:
“Morte dentro de escola = 500 salários
Quando a ação por dano moral é movida contra um ente público (por exemplo, a União e os estados), cabe às turmas de Direito Público do STJ o julgamento do recurso. Seguindo o entendimento da Segunda Seção, a Segunda Turma vem fixando o valor de indenizações no limite de 300 salários mínimos. Foi o que ocorreu no julgamento do Resp 860705, relatado pela ministra Eliana Calmon. O recurso era dos pais que, entre outros pontos, tentavam aumentar o dano moral de R$ 15 mil para 500 salários mínimos em razão da morte do filho ocorrida dentro da escola, por um disparo de arma. A Segunda Turma fixou o dano, a ser ressarcido pelo Distrito Federal, seguindo o teto padronizado pelos ministros.
O patamar, no entanto, pode variar de acordo com o dano sofrido. Em 2007, o ministro Castro Meira levou para análise, também na Segunda Turma, um recurso do Estado do Amazonas, que havia sido condenado ao pagamento de R$ 350 mil à família de uma menina morta por um policial militar em serviço. Em primeira instância, a indenização havia sido fixada em cerca de 1.600 salários mínimos, mas o tribunal local reduziu o valor, destinando R$ 100 mil para cada um dos pais e R$ 50 mil para cada um dos três irmãos. O STJ manteve o valor, já que, devido às circunstâncias do caso e à ofensa sofrida pela família, não considerou o valor exorbitante nem desproporcional (REsp 932001).
Paraplegia = 600 salários
A subjetividade no momento da fixação do dano moral resulta em disparidades gritantes entre os diversos Tribunais do país. Num recurso analisado pela Segunda Turma do STJ em 2004, a Procuradoria do Estado do Rio Grande do Sul apresentou exemplos de julgados pelo país para corroborar sua tese de redução da indenização a que havia sido condenada.
Feito refém durante um motim, o diretor-geral do hospital penitenciário do Presídio Central de Porto Alegre acabou paraplégico em razão de ferimentos. Processou o estado e, em primeiro grau, o dano moral foi arbitrado em R$ 700 mil. O Tribunal estadual gaúcho considerou suficiente a indenização equivalente a 1.300 salários mínimos. Ocorre que, em caso semelhante (paraplegia), o Tribunal de Justiça de Minas Gerais fixou em 100 salários mínimos o dano moral. Daí o recurso ao STJ.
A Segunda Turma reduziu o dano moral devido à vítima do motim para 600 salários mínimos (Resp 604801), mas a relatora do recurso, ministra Eliana Calmon, destacou dificuldade em chegar a uma uniformização, já que há múltiplas especificidades a serem analisadas, de acordo com os fatos e as circunstâncias de cada caso.
Morte de filho no parto = 250 salários
Passado o choque pela tragédia, é natural que as vítimas pensem no ressarcimento pelos danos e busquem isso judicialmente. Em 2002, a Terceira Turma fixou em 250 salários mínimos a indenização devida aos pais de um bebê de São Paulo morto por negligência dos responsáveis do berçário (Ag 437968).
Caso semelhante foi analisado pela Segunda Turma neste ano. Por falta do correto atendimento durante e após o parto, a criança ficou com sequelas cerebrais permanentes. Nesta hipótese, a relatora, ministra Eliana Calmon, decidiu por uma indenização maior, tendo em vista o prolongamento do sofrimento.
“A morte do filho no parto, por negligência médica, embora ocasione dor indescritível aos genitores, é evidentemente menor do que o sofrimento diário dos pais que terão de cuidar, diuturnamente, do filho inválido, portador de deficiência mental irreversível, que jamais será independente ou terá a vida sonhada por aqueles que lhe deram a existência”, afirmou a ministra em seu voto. A indenização foi fixada em 500 salários mínimos (Resp 1024693)
Fofoca social = 30 mil reais
O STJ reconheceu a necessidade de reparação a uma mulher que teve sua foto ao lado de um noivo publicada em jornal do Rio Grande do Norte, noticiando que se casariam. Na verdade, não era ela a noiva, pelo contrário, ele se casaria com outra pessoa. Em primeiro grau, a indenização foi fixada em R$ 30 mil, mas o Tribunal de Justiça potiguar entendeu que não existiria dano a ser ressarcido, já que uma correção teria sido publicada posteriormente. No STJ, a condenação foi restabelecida (Resp 1053534).
Protesto indevido = 20 mil reais
Um cidadão alagoano viu uma indenização de R$ 133 mil minguar para R$ 20 mil quando o caso chegou ao STJ. Sem nunca ter sido correntista do banco que emitiu o cheque, houve protesto do título devolvido por parte da empresa que o recebeu. Banco e empresa foram condenados a pagar cem vezes o valor do cheque (R$ 1.333). Houve recurso e a Terceira Turma reduziu a indenização. O relator, ministro Sidnei Beneti, levou em consideração que a fraude foi praticada por terceiros e que não houve demonstração de abalo ao crédito do cidadão (Resp 792051).
Alarme antifurto = 7 mil reais
O que pode ser interpretado como um mero equívoco ou dissabor por alguns consumidores, para outros é razão de processo judicial. O STJ tem jurisprudência no sentido de que não gera dano moral a simples interrupção indevida da prestação do serviço telefônico (Resp 846273).
Já noutro caso, no ano passado, a Terceira Turma manteve uma condenação no valor de R$ 7 mil por danos morais devido a um consumidor do Rio de Janeiro que sofreu constrangimento e humilhação por ter de retornar à loja para ser revistado. O alarme antifurto disparou indevidamente.
Para a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, foi razoável o patamar estabelecido pelo Tribunal local (Resp 1042208). Ela destacou que o valor seria, inclusive, menor do que noutros casos semelhantes que chegaram ao STJ. Em 2002, houve um precedente da Quarta Turma que fixou em R$ 15 mil indenização para caso idêntico (Resp 327679).”
Como solução para o problema propõe-se a despatrimonialização da própria reparação do dano moral. Trata-se de instrumento inteligente para evitar ações que objetivem apenas aspectos pecuniários, sem que com isso, a pretexto de “coibir a indústria do dano moral”, se negue o direito de acesso à Justiça.
Por outro lado, evita que grandes grupos empresariais resolva incluir possíveis condenações a título de dano moral como custo operacional, pagando o preço para lesionar direitos.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem acolhido pedidos na linha de entendimento ora defendida, como se vê do julgado abaixo:
“DES. MALDONADO DE CARVALHO – Julgamento: 09/06/2009 – PRIMEIRA CAMARA CIVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. AMPLA. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO. AUSÊNCIA DE COMUNICADO DE PRÉVIA PERÍCIA. DANO MORAL. FALHA DO SERVIÇO. VEICULAÇÃO DE PEDIDO DE DESCULPAS. Como faz ver ANDERSON SCHREIBER, “bem vistas as coisas, a tão combatida inversão axiológica – por meio da qual a dignidade humana e os interesses existenciais passam a ser invocados visando à obtenção de ganhos pecuniários -, tem como causa imediata não o desenvolvimento social de ideologias reparatórias ou um processo coletivo de vitimização, mas a inércia da própria comunidade jurídica, que insiste em oferecer às vítimas destes danos, como só solução, o pagamento de uma soma em dinheiro, estimulando necessariamente sentimentos mercenários”. Daí, com o objetivo de enfrentar estas dificuldades é que diversas culturas jurídicas vêm experimentando, ainda que de forma tímida, um movimento de despatrimonialização, não já do dano, mas da sua reparação. Busca-se, assim, atribuir-se resposta não patrimonial à lesão a um interesse não patrimonial, aumentando-se, com isso, a efetividade da reparação e a redução das ações meramente mercenárias. A retratação pública, como desestímulo à conduta praticada, às expensas da parte vencida ou condenada, por certo, torna mais efetiva a reparação civil, despatrimonializando a condenação, que, no mais das vezes, quando aplicada isoladamente a resposta pecuniária, não satisfaz plenamente os anseios da vítima, não compensando, integralmente, o desvalor moral. Daí ser cabível, ainda que não se encontre expressamente previsto, a veiculação de pedido de desculpa pela falha do serviço prestado e pela consequente interrupção do fornecimento de energia elétrica é também meio válido para a composição judicial da lide. Conseqüentemente, a simples majoração do quantum a ser arbitrado para o dano moral, não inviabiliza, ou justifica, o descarte da retratação pública, nos exatos termos do que foi na inicial pleiteado. Plausível e justo, pois, que a retratação se dê de modo a trazer a parte ofendida a reparação integral do dano moral, através de declaração a ser emitida pelo ofensor onde conste, além do reconhecimento público e formal da falha do serviço, o pedido de desculpas pelo dano que a consumidora autora foi injustamente causado.PROVIMENTO PARCIAL DO SEGUNDO RECURSO. IMPROVIMENTO DO PRIMEIRO.”
Afinal, se o o bem jurídico violado, a moral, não é um bem pecuniário, resta indagar qual a dificuldade em proceder a sua reparação em uma abordagem diversa da patrimonial normalmente utilizada.
Nesse sentido já apontava Bittar:
“admitem-se, nesse campo, conforme a natureza da demanda e repercussão dos fatos, várias formas de reparação, algumas expressamente contempladas em lei, outras implícitas no ordenamento jurídico positivos, como; a realização de certo ato, como a de retratação que, acolhida, pode satisfazer o interesse lesado (lei 5250/67, arts. 29 e 30); o desmentido, ou retificação de notícia injuriosa, nos mesmos termos, a contrapropaganda, em casos de publicidade enganosa ou abusiva (lei 8.078/90, art.60); a publicação gratuita de sentença condenatória (lei 8.078/90, art.68).” (BITTAR, 1992, 218).
A efetividade de uma condenação desmonetarizada pode ser particularmente significativa com relação a sociedades empresárias que atuam na Internet. Uma condenação que exponha uma usual prática lesiva ao consumidor irá minar o maior bem que um fornecedor pode ter no cyberspace, vale dizer, a confiança do consumidor.
5. Conclusão
O tema da responsabilidade civil apresentou notável evolução no direito brasileiro. Em seus primeiros momentos, baseava-se nos chamados filtros tradicionais da responsabilidade civil: a demonstração da culpa e do nexo de causalidade. Tais requisitos demonstravam-se muitas vezes obstáculos intransponíveis à tutela do lesado, motivo pelo qual foram aos poucos flexibilizados, direcionando-se o foco para a efetiva reparação do dano causado à vítima.
Como resultado, novas possibilidades de danos ressarcíveis têm surgido. Tal fato possibilita de forma ampla a efetiva tutela da dignidade humana. Por outro lado, a abertura experimentada tem provocado preocupação por parte dos estudiosos do tema em face de demandas claramente temerárias, permeadas em alguns casos de clara futilidade.
Como solução para o problema, analisou-se no presente trabalho duas propostas para evitar a chamada “indústria dos danos morais”: a tarifação da reparação dos danos morais e a despatrimonialização da reparação do dano imaterial. Ambas partem do mesmo pressuposto: há um exagero na judicialização de fatos corriqueiros com finalidade meramente mercenária. Conclui-se, no entanto, pela maior efetividade da aplicação de uma condenação não-pecuniária, especialmente se esta atingir bens importantes ao causador do dano, como sua imagem corporativa. Trata-se, portanto, de mecanismo hábil a evitar ações propostas por pessoas com interesses meramente pecuniários, sem que com isso, a pretexto de “coibir a indústria do dano moral”, se negue o direito de acesso à Justiça, atendendo plenamente aos princípios adotados pelo Direito Civil-Constitucional.
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