Resumo: O objetivo do presente está assentado em desenvolver uma análise crítica e interpretação extensiva sobre a responsabilização dos genitores que, durante a medida socioeducativa de internação, deixam de prestar auxílio aos adolescentes infratores, incorrendo, hipoteticamente, no artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECRIAD). Cuida assinalar, de início, que o pátrio poder, poder familiar ou a autoridade parental, expressões estas alteradas no decorrer dos anos, passaram por inúmeras transformações, não só em sua nomenclatura, mas também na centralização da resolução dos problemas, atualmente sendo adotado modelo da igualdade entre os pais ou responsáveis, contudo, sua essência permanece intacta, quer seja, a preocupação no provento de todos os meios necessários para uma regular criação e educação das crianças e dos adolescentes, ora filhos. Neste sentido, o presente trabalho pautou-se em analisar, a responsabilidade familiar durante a aplicação da medida socioeducativa de internação, isto é, o poder familiar permanente ainda quando da privação de liberdade.
Palavras-chaves: Autoridade Parental. Medida Socioeducativa de Internação. Responsabilização Familiar.
1 INTRODUÇÃO
O presente visa abordar a responsabilidade familiar durante a aplicação da medida socioeducativa de internação ao adolescente infrator, sob a ótica do Estatuto da Criança e do Adolescente. Atualmente, o cenário formado pela família brasileira, em grande maioria, é cercado pela destituição do seio familiar, ausência de um representante nas figuras importantes de pai e mãe, cotidianos ameaçados pela violência, entre demais casos que abalam a base familiar. Neste cenário, crescente se faz o número de atos infracionais praticados por crianças e adolescente, sendo este último sujeito à medida socioeducativa de internação, quer seja, a internação em unidade especial. Ante tais fatores, busca-se analisar a responsabilidade que os pais ou responsáveis possuem para com seus filhos, ainda quando estes se encontram afastados em decorrência de determinação judicial de cumprimento de medida de internação.
Tem-se como objetivo abordar a responsabilidade inerente às figurais responsáveis pelo adolescente internado, seja pai e mãe ou o responsável legal. Pretende-se, ainda, analisar a evolução histórica vivenciada pelo poder exercido no seio familiar, além das legislações próprias que tratam a respeito do tema abordado.
2 A CONSTRUÇÃO DA AUTORIDADE PARENTAL: BREVE ESCORÇO DO PÁTRIO PODER À AUTORIDADE PARENTAL
A partir da celebração do casamento civil, alguns direitos e deveres surgem para os cônjuges. Entre eles, está o de prover com o sustento, educação e guarda dos filhos. Tal relação é chamada, atualmente de autoridade parental. Contudo, inicialmente, era designada como pátrio poder e depois se transformou em poder familiar, sendo a primeira advinda do direito romano antigo, "o filho encontrava-se desde o nascimento com vida sob pátrio poder do chefe da família", naquele período representado tão somente pela figura masculina do pai, explica Roberto Senise Lisboa (2013, p. 239).
No Direito Brasileiro, a Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, que institui o Código Civil dos Estados Unidos do Brasil trazia em seu texto a expressão pátrio poder e, conforme ensina Maria Berenice Dias (2013, p. 434), o Código "assegurava o pátrio poder exclusivamente ao marido como cabeça do casal, chefe da sociedade conjugal. Na falta ou impedimento do pai é que a chefia da sociedade conjugal passava à mulher e, com isso, assumia ela o exercício do poder familiar com relação aos filhos", desta forma, nota-se que não havia que se falar em igualdade de decisões, mas sim da prevalência da decisão do pai, tendo a mulher poder de decisão somente quando do impedimento ou da impossibilidade do pai fazê-lo.
A primeira mudança com relação à nomenclatura até então adotada se deu com o advento da Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962, que dispõe sobre a situação jurídica da mulher casada. A lei propôs um novo olhar a respeito do poder familiar. Ainda que em caso de divergência, a decisão a prevalecer seja a do pai, a mãe passou a ter o direito de recorrer ao judiciário para que houvesse a solução da mesma. Esta lei alterou, ainda, o texto do artigo 233 do Código Civil de 1916, supracitado, o qual passou a vigorar com a seguinte redação: "o marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interêsse comum do casal e dos filhos (arts. 240, 247 e 251)".
A mudança posterior que veio de fato a causar impacto nesse cenário e a tornar eficiente e válido a decisão tomada pela mãe, adveio com a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, conforme adiante será demonstrado. Com ela, tanto o homem quanto a mulher passaram a ter igualdade de decisões, não havendo que se falar em predominância de interesses como até então ocorria. No liame da Constituição, tanto a figura do pai quanto a mãe possuíam poder para decidir e zelar o pátrio poder.
O poder familiar é uma designação adotada pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil, para promover a substituição da expressão pátrio poder, isto, pois, visa o acompanhamento das mudanças ocorridas nas relações familiares, que muito se distanciam daquelas originárias, conforme adiante explanado. Assim, como o poder de decisão tomou novas proporções no decorrer dos anos, também a nomenclatura utilizada necessitou de mudanças, aprimorando-se assim no decorrer dos anos.
Atualmente, parte da doutrina tem optado pela utilização do termo autoridade parental, pois, segundo alguns doutrinadores, a exemplo de Debora Consoni Gouveia (2010, p. 126), essa seria a definição mais adequada, haja vista que é “capaz de exprimir o exercício da função dos pais em relação aos filhos, mais como dever do que de direitos, traduzido em uma relação complexa decorrente do parentesco”. Essa nova alteração, de acordo com parte da doutrina, também se mostrou necessária, acompanhando as demais mudanças que já haviam ocorrido.
A alteração da nomenclatura "pátrio poder" para "poder familiar" se deu pela necessidade de demonstrar ainda mais a efetiva igualdade existente entre homens e mulheres no que compete à direção familiar, conforme plenamente decidiu a Constituição Federal que, conforme adiante será demonstrado, homens e mulheres são iguais em direitos, e para tanto, são iguais para a tomada de decisões e à ambos competem a direção da família, exercendo, assim, a autoridade parental ou poder familiar, nomenclaturas ainda utilizadas.
2.1 O Pátrio Poder
Tem-se como origem de tal instituto, o cenário da Roma antiga, época em que os patria potestas visavam tão somente ao exclusivo chefe de família (MENDES, s.d.). Nesta época, no direito romano, o filho encontrava-se desde o momento de seu nascimento com vida sob o pátrio poder do chefe da família. Este último tinha até mesmo o poder para dispor da vida da criança e podia, também, utilizá-lo para o pagamento de dívidas ou, se fosse de sua vontade, poderia "simplesmente transmiti-lo a terceiro por mancipium" (LISBOA, 2013, p. 239).
Nayane Valente Souza (2011, p. 11) explica que a antiga denominação “era utilizada para indicar a autoridade que detinha o poder dentro do ambiente familiar”. Nesse cenário, o pai era visto como o chefe da casa, cabendo a ele todas as decisões do seio familiar.
Ao tratar sobre o pátrio poder, recebe especial atenção o papel desempenhado pelo pai na célula familiar. Já em relação à mulher, a mãe, essa agia apenas como colaboradora, como bem determinava o artigo 380 do Código Civil de 1916, em sua redação original, “durante o casamento, exerce o pátrio poder o marido, como chefe da família (art. 233), e, na falta ou impedimento seu, a mulher”, isto é, não havia igualdade de decisões quando da presença e possibilidade do pai em decidir sobre as questões inerentes à família. Tem-se, nesse contexto, uma sociedade descrita como machista, que atribuía ao homem o poder de decisão, quando, na realidade, deveria ser um poder compartilhado entre homem e mulher, ambos guardiões da família.
2.2 O Poder Familiar e a Constituição de 1988
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 surge trazendo um novo olhar sobre a relação familiar. Nela, o homem e a mulher passam a ter tratamento isonômico, ou seja, sendo iguais perante a lei. Neste sentido, há um rompimento com o pensamento anterior e a sobreposição de decisões, não havendo mais que se falar em predominância da figura masculina, mas sim da ausência de predominância, havendo pura e simplesmente a igualdade de voz e decisão.
Ao trazer tal isonomia, a Constituição traz, inicialmente, em seu artigo 5º, inciso I, que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição". Para reafirmar a igualdade de homens e mulheres, não só de forma geral na sociedade, a Constituição ainda exprime a igualdade no artigo 226, que trata sobre a família, que em seu parágrafo 5º determina que "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher", isto é, a mulher deixa de responder somente na ausência ou impedimento do homem, passando a possuir direitos iguais, bem como, poder de decisão em comum, não havendo mais que se falar em situação de inferioridade da mulher, enquanto figura materna, frente a figura paterna do homem.
Contudo, é importante frisar que a Constituição não adota de forma expressa a denominação "pátrio poder", tão menos "poder familiar". O que ela faz é alterar a figura da relação familiar, de forma a visar o interesse do menor e essa mudança subsiste na alteração da nomenclatura até então adotada.
Como já mencionado, a expressão poder familiar surge como uma denominação mais adequada para prover com a substituição da expressão pátrio poder, tendo sua inserção no meio jurídico através do Código Civil de 2002, já mencionado. Neste sentido, cumpre então refletir sobre o que seria o poder familiar. Nas palavras de Francisco Nildo Façanha de Abreu (2013, p. 31):
“Poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores. Não tem mais o caráter absoluto de que se revestia no direito romano. Por isso, já se cogitou chamá-lo de "pátrio dever”, por atribuir aos pais mais deveres do que direitos. A denominação “poder familiar" é melhor que 'pátrio poder", utilizada pelo Código de 1916, mas não é a mais adequada, pois ainda se reporta ao "poder'. Algumas legislações estrangeiras, como a francesa e a norte-americana, optaram por “autoridade parental", tendo em vista que o conceito de autoridade traduz melhor o exercício de função legítima fundada no interesse de outro indivíduo, e não em coação física ou psíquica, inerente ao poder. Constitui um múnus público. Ao Estado, que fixa normas para o seu exercício, interessa o seu bom desempenho. É irrenunciável, indelegável e imprescritível.”
Para Maria Denise Bento Nejar Leivas (2007, p. 01), a denominação poder familiar ainda não se mostra a mais adequada para uso, isto, pois, preserva a ênfase no poder e não na família, contudo, é melhor que a expressão anterior, qual seja, pátrio poder, sendo esta ainda mais centralizada . Assim também é o conceito trazido por Maria Helena Diniz (2002, p. 447) que estabelece o Poder Familiar como:
“Conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho.”
O poder familiar é inerente de algumas características, tais como: indisponibilidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade, temporariedade e seu caráter protetivo. No que tange à indisponibilidade, não podem os pais dispor ou renunciar sua titularidade, bem como é impossível modificá-la. Neste caso, nem os pais poderão dispor da relação que possuem com os filhos, tendo em vista o seu caráter de necessidade, nem os filhos poderão prescindir do poder familiar, explica Andresa Minatel (2007, p. 22).
Em linha tênue, caminha a irrenunciabilidade. De forma simples, tem-se como significado da palavra que "o seu titular não pode abrir mão dela", conforme definição extraída do sítio Dicionário Informal. Também é característica do poder familiar a imprescritibilidade, “não se extinguindo pelo simples desuso”. O simples fato de não exercitá-lo não implica em sua perda, somente nas hipóteses previstas em lei, explica Ramiro Machado Filho (2008, p. 34). Isso quer dizer, que esta característica não impede que os pais venham a perder o poder familiar, podendo ocorrer de forma temporária ou definitiva, de acordo com a análise do caso concreto.
Com relação à temporariedade, tem-se que o poder familiar não é perpétuo, somente será exercido até que o filho atinja a maioridade, seja emancipado, isto é, enquanto perdurar a incapacidade para exercer os atos da vida civil, conforme explica Andresa Minatel (2007, p. 22). De igual maneira, prevê o artigo 1.630 do Código Civil de 2002, que "os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores". Portanto, essa temporariedade possui prazo certo, tendo um termo inicial e final. Já seu caráter protetivo, característica também inerente ao poder familiar, diz respeito ao exercício em favor do filho, “com o objetivo de protegê-lo, em todos os sentidos, contribuindo para o seu pleno desenvolvimento” (MACHADO, 2008, p. 35).
A proteção dos filhos, com base do poder familiar, encontra respaldo no artigo 5º da Constituição Federal, que determina que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se […] a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” . Como forma de viabilizar proteção ainda mais eficaz aos filhos, quer sejam, crianças e adolescentes, a Constituição em seu Título VIII Da Ordem Social, Seção III, Capítulo VII Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso, estipula em seu artigo 227, o que se segue:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Portanto, é dever de todos, sem exceção, cabendo ao Estado, a sociedade e, principalmente, a família assegurar meio eficazes para assegurar os direitos inerentes às crianças e aos adolescentes. Como já mencionado, o poder familiar é um poder reconhecido por lei, portanto, não é uma mera prerrogativa disponível do pai ou da mãe. E, além, estão obrigados a exercê-los pessoalmente, posto que tal exercício é indelegável a terceiros. Entre tais deveres, encontram-se os elencados no artigo 1.634 do Código Civil de 2002, quais sejam:
“Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I – dirigir-lhes a criação e educação;
II – tê-los em sua companhia e guarda;
III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.”
É dever de ambos os pais cumprir com as tais imposições legais, contudo, não é esse um rol taxativo, mas sim exemplificativo, devendo os pais atender a todos esses deveres e ainda suprir o que possivelmente vier a exceder e se fizer necessário para a proteção, saúde e segurança dos filhos.
Tem-se desta forma, que poder familiar é todo poder inerente às decisões familiares que devem ser tomadas pelos seus dirigentes, seja o pai ou a mãe, ou os dois em comum acordo, para tanto, devem ser observadas as legislações regentes no direito brasileiro, de forma a exercê-lo visando o melhor bem estar da criança e do adolescente. Além disso, em decorrência das características inerentes à tal poder/dever, devem os pais estarem atentos para exercê-lo da melhor forma possível, respeitando, para tanto, sua temporariedade, sua imprescritibilidade e as demais características inerentes.
2.3 A Autoridade Parental
Apesar das transformações já realizadas, parte da atual doutrina entende ainda como expressão inadequada a utilização do termo poder familiar, optando, desta forma, pela expressão autoridade parental. A doutrina afirma que tal expressão possui uma capacidade maior de acompanhar as atuais mudanças vivenciadas pelas relações familiares, principalmente por expressar melhor uma delimitação na relação familiar onde deve ser exercida a autoridade, não bruscamente o poder, a exemplo Débora Consoni Gouveia (2010, p. 130).
A autora explica que essa autoridade parental encontra fundamento no direito subjetivo, o qual é inerente à condição vivenciada pelos pais, estando eles no exercício de deveres jurídicos em prol de seus filhos. Dessa forma, se caracteriza por ser um "conjunto de obrigações dos pais, para com os filhos menores, que abrange, entre outros os deveres de educação, guarda e sustento, material e moral", isto é, atende as principais necessidade encontradas e vivenciadas por todos os indivíduos, principalmente as crianças e adolescentes, os quais necessitam de um outro indivíduo capaz para que possa fazer por eles.
“O poder familiar está muito mais para função dos pais, enquanto responsáveis pela formação dos filhos enquanto pessoa, que propriamente poder. Na autoridade parental tanto o poder quanto o dever são dirigidos às mesmas pessoas: os pais, que devem usá-los para a concreção do princípio do melhor interesse do menor”. (GOUVEIA, 2010, p. 130)
Gustavo Tepedino (2004, p. 36) afirma que este termo também guarda melhor relação com as relações familiares, por se mostrar mais abrangente, se levado em consideração o fato de vincular os genitores a diversos deveres para com os seus filhos, sendo que estes não encontram fim com o cenário da separação. Nas palavras de Maria Berenice Dias (2013, p. 435), esta é a expressão que melhor define a atual realidade vivenciada nas relações familiares, para ela:
“Melhor reflete a profunda mudança que resultou da consagração constitucional do princípio da proteção integral de crianças, adolescentes e jovens (CF 227). Tal expressão destaca que o interesse dos pais está condicionado ao interesse do filo, de quem deve ser haurida a legitimidade que fundamenta a autoridade. Mas já surge movimento indicando como mais apropriado o termo responsabilidade parental.”
Cumpre ressaltar que tal expressão somente possui uma aceitação maior por parte da doutrina brasileira e em alguns outros países, contudo, não há diferença em sua concepção. Ou seja, poder familiar e autoridade parental possuem o mesmo significado, apenas um se mostra mais adequado para utilização que outro. Conforme mencionado, a expressão autoridade parental soa de forma mais suave e leve para as características que possui, não possuindo um ar de firmeza e ímpeto que traduz a expressão poder familiar, pois não trata-se de um poder sobre os filhos, mas principalmente, traduz cuidado, zelo e preservação.
3 A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL DO ADOLESCENTE INFRATOR: DO CÓDIGO DE MENORES DE 1927 AO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DE 1990
Ao contrário do que se imagina, as crianças e os adolescentes nem sempre gozaram de direitos como atualmente. Exemplo disto é o que previa o Código de Hamurabi, onde ao mesmo tempo em que eram concedidas determinadas proteções aos menores, também lhe eram dirigidas normas de punição, sendo estas de extremo rigor, como exemplo, o que previa o artigo 14º do referido Código, o qual determinava que “se alguém rouba o filho impúbere de outro, ele é morto”, bem como, previa em seu artigo 185º que “se alguém dá seu nome a uma criança e a cria como filho, este adotado não poderá mais ser reclamado”. Se mostrando assim, normas protetivas. Em contrapartida, o Código de Hamurabi previa a possibilidade de que o filho fosse renegado pelo pai, quando este último assim desejasse, conforme previa seu artigo 168º, a seguir transcrito:
“168º – Se alguém quer renegar seu filho e declara ao juiz: "eu quero renegar meu filho", o juiz deverá examinar as suas razões e se o filho não tem uma culpa grave pela qual se justifique que lhe seja renegado o estado de filho, o pai não deverá renegá-lo.”
De igual forma, se o filho viesse a espancar seu pai, deveriam lhe ser decepadas as mãos, conforme disposição do artigo 195º do Código de Hamurabi. Nota-se, portanto, que no Século 18 a.C., quando da criação do Código de Hamurabi, apesar dos menores gozarem de determinados direitos, haviam punições mais severas a serem aplicadas às crianças e aos adolescentes, diferentemente do que atualmente é pregado e determinado pela legislação atual, conforme será demonstrado adiante.
Maria Mônica Sampaio Teixeira Pinto Marques (2006, p. 01), ao tratar sobre a evolução histórica dos direitos da criança e do adolescente divide tal disposição em três fases. A primeira, segundo ela, considera-se a fase da indiferença, compreendendo o início do século XIX até a primeira década do século XX. Neste diapasão, as crianças eram consideradas propriedade de seus pais e não havia diferença ao tratamento entre adultos e crianças na esfera penal.
A segunda fase, conforme explica a autora, tratou-se da fase tutelar. Essa, que teve início no século XX “caracterizou-se pelo caráter tutelar da norma”, sendo caracterizado pelo que ficou conhecido como “doutrina da situação irregular”, adotando-se o Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, que consolida as leis de assistência e proteção a menores, conhecido como Código de Mello Matos de 1927 e a Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979, que Institui o Código de Menores, chamado simplesmente de Código de Menores de 1979.
Já a terceira e última fase, explica a autora, foi intitulada de fase cidadã. Foi considerada em total consonância com a ótica dos Direitos Humanos, tendo início a partir da Convenção das Nações Unidas do Direito da Criança e do Adolescente em 1989. Fica esta fase caracterizada pela doutrina da proteção integral, que vem a ser regulamentada, principalmente, pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
3.1 O Código de Menores de 1927 e a Doutrina do Direito do Menor
A respeito da proteção dirigida à criança e ao adolescente no ordenamento brasileiro, esta teve início com maior eficácia, a partir do Decreto nº 17.493-A, de 12 de outubro de 1927, que consolida as leis de assistência e proteção a menores, conhecido como o Código de Menores de 1927 ou Código Mello Matos, "em homenagem ao magistrado José Cândido Albuquerque Mello Matos, pelo seu envolvimento em criar junto ao juizado um estabelecimento de assistência e proteção às crianças e adolescentes delinquentes e abandonadas", além da sua contribuição na organização do referido Código (HINTZE, 2007, p. 04).
O Código era composto de 231 artigos, visando a assistência e proteção a menores, conforme o próprio aduzia. Para tanto, a lei tinha como objeto, conforme previa seu artigo 1º "o menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente ás medidas de assistencia e protecção contidas neste Codigo". Neste sentido, enquadrava-se no termo "menor" todo indivíduo com menos de 18 anos de idade. Desde este período, o menor que fosse considerado autor ou cúmplice da prática de algum ato definido como crime ou contravenção penal não era submetido ao crivo do processo penal, havendo, para tanto, a realização de um processo especial, conforme previsão expressa dos artigos 68, caput e 69, caput do Código de Menores de 1927.
Todavia, conforme preconizava o artigo 71, em sendo configurado a prática de crime considerado grave pelas circunstâncias do fato e analisadas as condições do agente, se o menor fosse maior de 16 anos e menor de 18 anos de idade e, ainda, se fosse provado que aquele indivíduo era considerado perigoso, o juiz poderia aplicar o previsto no artigo 65 do Código Penal (Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890, que promulga o Código Penal), quer seja, as chamadas penas de cumplicidade, e o remetia a um estabelecimento próprio para os condenados menores de idade e, na falta deste, o menor era enviado para uma prisão comum, contudo, lhe sendo assegurada a separação dos condenados adultos.
Neste caso, o menor deveria permanecer até que fosse constatada sua regeneração, observando, entretanto, a duração máxima do crime cometido, posto que o prazo da pena não poderia ultrapassá-lo. Caso o menor incorresse na prática de uma contravenção, e não sendo caracterizado vício ou má índole, o juiz poderia adverti-lo e entregá-lo aos pais, tutores ou aquele que estivesse encarregado de sua guarda ou, na ausência destes, poderia dar-lhe outro destino, sem, contudo, incorrer em sua condenação, conforme previsão expressa do artigo 72 do Código de Menores de 1927.
É necessário observar que o Código de Menores de 1927 trazia alguns preceitos fundamentais para a criação destes indivíduos. Um destes preceitos eram suas determinações no que concernia ao trabalho. Para tanto, em seu artigo 101 previa que "é proibido em todo o território da República o trabalho nos menores de 12 anos".
Com relação aqueles que contavam com mais de 12 anos e menos de 14 anos de idade, estes não poderiam trabalhar caso não possuíssem instrução primária completa, salvo quando demonstrasse tratar-se de necessidade, sendo o exercício da atividade indispensável para a subsistência do próprio, bem como, de seus pais ou irmãos, neste caso sendo imprescindível a autorização da autoridade competente e, ainda, era obrigatório que o menor continuasse recebendo a instrução escolar, conforme previa o artigo 102 do Código.
Aos menores de 18 anos, era proibido o exercício em trabalhos perigosos à saúde, à vida, à moralidade e aqueles excessivamente fatigantes ou que excedam suas forças. O Código de Menores foi caracterizado pela doutrina do direito do menor, que, conforme explica Janine Borges Soares (s. d.), é fundada no binômio carência e delinquência, contudo, tratou-se de um instrumento jurídico que foi capaz de consolidar as leis de assistência e proteção dos menores.
“O sistema de proteção e assistência do Código de Menores submetia qualquer criança, por sua simples condição de pobreza, à ação da Justiça e da Assistência. A esfera jurídica era a protagonista na questão dos menores, por meio da ação jurídico-social dos Juízes de Menores”. (SOARES, s. d.)
Esta nomenclatura de doutrina do menor era caracterizada pela doutrina da seguinte forma: "somente a partir do momento em que o menor pratique ato de delinquência interessa ao direito", a exemplo do que explica Andre Viana Custódio (2008, p. 24). Portanto, não bastava a simples caracterização e definição de menor para que possuísse a proteção do Código vigente, necessitava, além disso, de que incorresse na prática de algum ato que fosse desabonado pela lei, para que assim pudesse atrair os olhares e a proteção do que dispunha o Código de Menores de 1927.
Alguns doutrinadores entendem que o Código de Menores de 1927 serviu para iniciar um processo que veio a estigmatizar a figura do menor como algo que remete a uma "infância pobre e potencialmente perigosa, diferente do resto da infância", como explica Janine Borges Soares (s. d.). No mesmo sentido, Maurício Neves Jesus (2006, p. 19) explica que adveio com o Código de Menores estava estigmatização do termo menor:
“[..] como a legislação pretensamente corretiva alcançava apenas os adolescentes das famílias de baixa renda, estivessem eles abandonados, em conflito com a lei ou em situação de risco social, logo os menores deixaram de ser uma categoria de cidadão. Passaram, então por umprocesso que os reduziu à condição de objetos manipuláveis por seres superiores, ou maiores, de modo que a palavra menor incorporou definitivamente um juízo de valor negativo, atrelado à imagem das crianças e dos adolescentes sujos, maltrapilhos, supostamente malandros e perigosos, uma redução da condição humana.”
Portanto, cria-se, neste sentido, uma visão deteriorada do que seria o menor, não sendo reconhecido nele, de forma completa, as suas necessidades de proteção, mas, tão somente, a figura de um delinquente juvenil, no qual não era possível vislumbrar imagem diferente desta, apenas um sujeito que padecia de direitos e que precisava de urgente intermediação legal, posto que era considerado apenas um infrator às leis.
3.2 O Código de Menores de 1979 e a Doutrina do Menor em Situação Irregular
Posteriormente, adveio a Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979, que institui o Código de Menores. Esta se pautava no chamado princípio da situação irregular, isto é, os menores somente são considerados "sujeitos de direito ou merecem consideração judicial quando se encontrarem em uma determinada situação, caracterizada como ‘irregular’, e assim definida em lei", explica Luis Antonio Miguel Ferreira e Cristina Teranise Doi (s. d., p. 02).
Conforme previa o artigo 1º do referido Código, este dispunha sobre a assistência, proteção e vigilância a menores, sendo eles aqueles até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação irregular. Contudo, o Código também tratava acerca daqueles indivíduos maiores de dezoito anos e menores de vinte e um anos, nos casos expressos no próprio. Para tanto, em seu artigo 2º, conceituava o que seria então a condição de situação irregular, senão veja-se:
“Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:
I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
Il – vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;
III – em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;
V – Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;
VI – autor de infração penal.
Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial.”
Diferente do Código anterior de 1927, o Código de Menores de 1979 estabelecia um rol definido de medidas que podem ser aplicadas ao menor pela autoridade judiciária, sendo elas: advertência, entrega aos pais ou responsável, ou a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade; colocação em lar substituto; imposição do regime de liberdade assistida; colocação em casa de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico, hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado, conforme previa o artigo 14.
Janine Borges Soares (s. d.) explica que a criação deste novo Código de Menores, em 1979, recebeu duras críticas, isto, porque, primeiramente, contrariou dispositivos da Lei de Segurança Nacional e do Código Penal Militar, sendo que ambos previam punição de menores de dezoito anos de idade, depois, previa a prisão provisória para o menor, colocando-o em situação pior do que o maior, posto que poderia ocorrer inclusive sem audiência do Curador de Menores. Além disso, explica que "os menores em situação irregular, delinquentes ou abandonados, poderiam ser encaminhados ao Juiz de Menores […], e então o magistrado tomaria as medidas que entendesse pertinentes". Sobre o tema, Carla Carvalho Leite (2005, p. 13) explica que:
“A partir de uma análise sistemática do Código de Menores de 1979 e das circunstâncias expostas, podem-se extrair as seguintes conclusões quanto à atuação do Poder Estatal sobre a infância e a juventude sob a incidência da Doutrina da Situação Irregular: (i) uma vez constatada a “situação irregular”, o “menor” passava a ser objeto de tutela do Estado; e (ii) basicamente, toda e qualquer criança ou adolescente pobre era considerado “menor em situação irregular”, legitimando-se a intervenção do Estado, através da ação direta do Juiz de Menores e da inclusão do “menor” no sistema de assistência adotado pela Política Nacional do Bem-Estar do Menor”.
Neste sentido, completa Luiz Antonio Miguel Ferreira e Cristina Teranise Doi (s. d., p. 02), afirmando que havia certa discriminação legal quanto à situação do menor, pois só recebiam a proteção jurídica aquele que se encontrava em situação irregular, já os demais, não estavam sujeito ao tratamento apreciado pelo Código de Menores de 1979.
3.3 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Concreção da Doutrina da Proteção Integral
Diante todo esse contexto e tornando nítida a necessidade de uma proteção mais rigorosa que recaísse sobre os menores, foi promulgada a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, sendo esta considerada aquela que promove a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, conforme a seguir explanado.
Válido ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente foi, na realidade, um instrumento que concretizou a proteção integral, sendo firmado através de um instrumento voltado exclusivamente para essa classe social, qual seja, formada por crianças e adolescente. Isto, pois, a proteção integral veio inserida no bojo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que, em seu artigo 227 previa claramente o asseguramento dos direitos fundamentais às crianças e adolescentes, conforme sua redação abaixo transcrita:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
A proteção integral da criança e do adolescente foi estabelecida devido a necessidade de compreensão do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil contemporâneo, isto, pois, havia a contraposição de duas doutrinas, quais sejam, a denominada de situação irregular e a da proteção integral, conforme ensina Andre Viana Custodio (2008, p. 24).
“A compreensão do novo Direito da Criança e do Adolescente exigiu uma teoria jurídica própria resultante do conflito de valores produzidos por doutrinas distintas, mas que acabaram por alcançar um status teórico substantivo orientador da compreensão de valores, princípios e regras próprias”. (CUSTODIO, 2008, p. 24)
Como já mencionado, a doutrina da situação irregular restringia a proteção trazida pelo Código de Menores de 1979, razão pela qual fez-se necessária a criação de um código que fosse capaz de prover com a proteção daquele grupo que estava excluído do código anterior.
Ante tal necessidade, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) nasce com o interesse de prover com a proteção de todas as crianças e os adolescentes, determinando já em seu artigo 1º, que "esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente".
Nota-se que há a criação de uma nova nomenclatura. Antes considerados menores, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, como o próprio nome remete, passam a ser chamados de criança e adolescente. Sendo que, considera-se criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade, conforme bem define o artigo 2º. Ainda em suas disposições preliminares, o artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente é firme ao prever que:
“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.
Ou seja, sem realizar qualquer distinção, menciona que a criança e o adolescente, neste caso todos eles, sem exceção como ocorria nos antigos Códigos de Menores, gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Entre tais direitos fundamentais, encontram-se previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme leitura dos capítulos constantes do Título II: direito à vida e à saúde; direito à liberdade, ao respeito e à dignidade; direito à convivência familiar e comunitária; direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; e, direito à profissionalização e à proteção no trabalho. Passa-se, neste momento, então, a deixar de realizar um tratamento diferenciado ou excludente com os menores e inicia-se um período de proteção integral, onde o principal objetivo é a proteção de toda criança e todo adolescente.
André Viana Custódio (2008, p. 26) afirma que "inaugura-se aí uma fase enriquecedora, na qual a vitória estava anunciada, pois o enfrentamento entre a doutrina jurídica da situação irregular perdia adeptos na mesma proporção em que a doutrina da proteção integral ganhava novos aliados". Para Luiz Antonio Miguel Ferreira e Cristina Teranise Doi (s. d., p. 03), a doutrina da proteção integral baseia-se em três princípios, sendo eles:
“·Criança e adolescente como sujeitos de direito – deixam de ser objetos passivos para se tornarem titulares de direitos.
· Destinatários de absoluta prioridade.
· Respeitando a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”.
Nesta relação, a criança e o adolescente, antes intitulados "menores" rompem com a visão de abandonados, irregulares ou delinquentes, como demonstrado anteriormente, e tornam-se detentores de direitos e garantias próprias. Sendo assim, para que possuíssem a proteção da legislação vigente, não mais precisavam incorrer na prática de algum ato deliquente, mas batava sua condição de menor.
3.4 Caracterização da Medida Socioeducativa de Internação
O Capítulo IV do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre as medidas socioeducativas, que são aquelas aplicadas somente aos adolescentes, quando verificada a prática de ato infracional, conforme aduz o artigo 112 do referido diploma: “Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas”, estando essas elencadas nos incisos I ao VII. Segundo o Ministro Celso de Mello, ao relatoriar o Habeas Corpus nº 124.682, explicita que:
“[…] as medidas socioeducativas orientam-se, nos casos de atos infracionais cometidos pelo adolescente, no sentido de neutralizar a situação de perigo (ou de risco) em que esse mesmo adolescente se encontre, quando, por ação ou omissão, se coloque em estado de conflito com o ordenamento positivo, buscando-se, sempre, não obstante o caráter excepcional daquelas medidas, a adoção de providências que, respeitando o estágio de desenvolvimento e a capacidade de compreensão do menor inimputável, viabilizem a sua reintegração ao convívio social e, notadamente, à vida familiar.”
Com relação à aplicação das medidas socioeducativas existentes, Murillo Digiácomo e Ildeara Digiácomo (2013, p. 163) explicam que a aplicação dessas medidas não está sujeita aos mesmos parâmetros utilizados pela doutrina penalista e presentes no Código Penal, portanto, totalmente inadmissível a utilização da análise das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal. Ensinam, ainda, que para a aplicação das medidas socioeducativas é necessário a observância de regras específicas previstas no próprio Estatuto, como as dispostas nos artigos 112, § 1º e 113 combinado com artigos 99 e 100, caput e parágrafo único.
Para a aplicação de tais medidas, deve-se levar em conta, primeiramente, a capacidade do adolescente em cumpri-la, bem como as circunstâncias e a gravidade do ato infracional praticado (artigo 112, § 1º). Deve-se, ainda, levar em conta as necessidades pedagógicas, dando ênfase aquelas que “visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários”, podendo ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente (artigo 113 c/c artigos 99 e 100, caput).
Ainda no tocante a aplicação das medidas socioeducativas, o parágrafo único do artigo 100 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina alguns princípios a serem observados, quais sejam: condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, proteção integral e prioritária, responsabilidade primária e solidária do poder público, interesse superior da criança e do adolescente, privacidade, intervenção precoce, intervenção mínima, proporcionalidade e atualidade, responsabilidade parental, prevalência da família, obrigatoriedade da informação, oitiva obrigatória e participação.
Conforme dispõe o caput do artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, as medidas socioeducativas serão aplicadas somente quando da prática de algum ato infracional, o que demonstra seu caráter sancionatório, porém não há presunção de caráter punitivo. Explica Murillo Digiácomo e Ildeara Digiácomo (2013, p. 164) que esse caráter sancionatório é decorrente da “não conformação da conduta do adolescente ao comando normativo da Lei Penal”.
Considerada a medida mais dura a ser aplicada ao adolescente, a medida socioeducativa de internação possui previsão no inciso VI do artigo 122 e nos artigos 121 a 125, todos da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. O artigo 121 do Estatuto determina que a medida socioeducativa de internação “constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. Ela não comporta prazo determinado, devendo haver manutenção no máximo a cada seis meses, de modo a reavaliar a manutenção dessa medida. Todavia, em nenhuma hipótese o período da medida de internação poderá exceder ao máximo de três anos.
Quando atingido o período máximo de três anos, o adolescente deverá ser liberado da unidade em que se encontra, podendo ser “colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida”, conforme dispõe o § 4º do artigo 121 do ECRIAD, ou, caso atinja vinte e um anos de idade. Para que seja aplicada a medida socioeducativa de internação, deverão ser observadas as hipóteses elencadas no artigo 122, quais sejam:
“I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.”
Com relação a sua aplicação, alguns doutrinadores questionam acerca da aplicação de tal medida quando do cometimento de ato infracional análogo ao tráfico de drogas por adolescente. Contudo, conforme já pacificou o Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 492 “o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação ao adolescente”.
É interessante ponderar que o Superior Tribunal de Justiça, ao enfrentar a matéria em testilha, já sufragou remansoso entendimento que as hipóteses insculpidas no artigo supramencionada materializam hipóteses taxativas, não comportando, portanto, interpretação extensiva. Trata-se, portanto, de artigo com rol considerado numerus clausus e não meramente exemplificativo. Em tal sentido, é possível mencionar o HC 313.648/SP, de relatoria da lavra do Ministro Félix Fischer, e o HC 250.518/PE, de relatoria da lavra do Ministro Nefi Cordeiro.
Ademais, tal entendimento é pacífico nos julgados, como explicita o paradigmático julgado colacionado:
“Habeas Corpus. Writ substitutivo. Estatuto da Criança e do Adolescente. Ato infracional análogo ao crime de tráfico de drogas. Internação. Art. 122 do eca. Rol taxativo. Delito sem violência ou grave ameaça. Histórico de envolvimento na seara infracional. Aplicação anterior de liberdade assistida e de semiliberdade. Constrangimento ilegal não evidenciado. Writ não conhecido. 1. A medida socioeducativa de internação somente pode ser aplicada quando caracterizada ao menos uma das hipóteses previstas no artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente e quando não haja outra medida mais adequada ou menos onerosa à liberdade do adolescente. 2. Apesar de o ato infracional praticado ser equivalente ao crime de tráfico de drogas, cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, as instâncias ordinárias entenderam devida a imposição da medida de internação com base na reiteração infracional, em consonância com o art. 122, II, do ECA e as demais peculiaridades concretas do caso. 3. Enfatizaram que esse é o terceiro ato infracional análogo ao crime de tráfico praticado pelo adolescente, que ele foi submetido às medidas socioeducativas anteriores de liberdade assistida e semiliberdade e que, desde os 13 anos, faz uso e comercializa entorpecentes. 4. O Supremo Tribunal Federal asseverou, em diversas oportunidades, que o "inciso II do artigo 122 do ECA não prevê número mínimo de delitos anteriormente cometidos para fins de caracterização da reiteração na prática criminosa" (HC 94.447/SP, Relator Ministro LUIZ FUX, 1ª T., DJe de 6/5/2011). 5. Diante das condições pessoais do adolescente, de seu envolvimento reiterado em atos infracionais análogos ao crime de tráfico e da ineficácia das medidas anteriores de liberdade assistida e de semiliberdade, deve ser mantida a internação imposta, medida mais adequada para afastá-lo do cenário infracional. 6. Habeas corpus não conhecido”.
Como é possível apreender, o rol previsto no artigo 122 do ECRIAD é taxativo, razão pela qual a simples prática de ato infracional análogo ao tráfico não enseja na aplicação de medida socioeducativa de internação, como bem salientado pela Súmula 492, alhures mencionada. A medida de internação é a última medida a ser adotada quando da prática de um ato infracional, como bem assevera o § 2º do artigo 122 do ECRIAD, que prevê que “em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada”.
Assim como as demais medidas socioeducativas quando aplicadas, durante a medida de internação também deverão ser resguardados os direitos do adolescente, assim impõe o artigo 124, que traz um rol de direitos inerentes ao adolescente privado de liberdade, entre eles: entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público; ser tratado com respeito e dignidade; permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; receber visitas, ao menos, semanalmente; ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; receber escolarização e profissionalização; realizar atividades culturais, esportivas e de lazer, entre outras.
Ademais, reza o artigo 125 que “é dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança”. Tais disposições têm o condão de proteger o adolescente independente da medida que lhe seja aplicada, sendo ela mais branda ou dura, como é o caso da medida socioeducativa de internação, que deverá ser aplicada em último caso, como já salientado.
4 A RESPONSABILIDADE FAMILIAR DURANTE A APLICAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO
É dever da família em conjunto com outras entidades, como a sociedade e o Estado, assegurar à criança e ao adolescente os meios necessários para proporcionar seu regular desenvolvimento, como bem determina o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que faz saber:
“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
Portanto, todos possuem deveres e obrigações a serem cumpridas no que tange à proteção da criança e do adolescente na sociedade brasileira. Não há previsão de cessação de tais deveres, isto é, não há determinação legal que prevê que a família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder público poderão deixar de cumprir com seus deveres para com as crianças e adolescentes, ou seja, tal dever de proteção se estende ao período em que o adolescente estiver cumprindo medida socioeducativa de internação, não podendo tais indivíduos eximirem-se de seus deveres.
Em especial, o presente atenta seu olhar sob a responsabilidade atribuída à família ao filho, no caso adolescente, que vier a cumprir medida de internação em unidade especial de internação. Neste cenário, a família possui deveres que deverão ser cumpridos, não havendo que se falar em simples faculdade, mas imposição, sob pena de serem responsabilizados pelo seu descumprimento. É dever da família se fazer presente durante o período em que o adolescente estiver em alguma unidade de internação. Tal quesito encontra amparo no artigo 124, incisos VI a VIII, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), o qual determina como direito do adolescente durante o período em que cumprir a medida socioeducativa de internação o que se segue:
“Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: […]
VI – permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;
VII – receber visitas, ao menos, semanalmente;
VIII – corresponder-se com seus familiares e amigos;”
A presença da família também possui amparo no artigo 94 do mesmo diploma legal (Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), que determina que as entidades que desenvolvem programas de internação possuem determinadas obrigações, entre elas, a de “diligenciar no sentido do restabelecimento e da preservação dos vínculos familiares”.
Assim também estabelece o artigo 100 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), que durante a “aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários”. Tais disposições visam facilitar o contato entre os pais ou responsável com o adolescente internado, com o fim de “preparar a todos, gradativamente, para o desligamento da unidade e o retorno ao convívio social”, conforme explica Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo (2013, p. 196). A respeito do tema, os autores afirmam que:
“[…] o contato do adolescente interno com seus pais ou responsável e demais familiares não apenas deve ser facultado, mas estimulado ao máximo, sendo imperioso que o programa socioeducativo respectivo contemple a previsão de recursos, inclusive, para permitir que os pais ou responsável de baixa renda, residentes em municípios diversos daqueles onde se situam as unidades de internação (ou em localidades distantes desta), se desloquem periodicamente até esta, inclusive para que sejam orientados sobre como agir em relação ao adolescente, especialmente após sua desinternação.”
Além do amparo próprio no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), , o fortalecimento dos vínculos familiares também encontra esteio na Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que "institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional […]", que em seu artigo 35, inciso IX, prevê, que a execução das medidas socioeducativas serão regidas por alguns princípios, entre eles o “fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo”.
Também está previsto no artigo 45 da Lei n 12.954, de 18 de janeiro de 2012, que é direito do adolescente “ser acompanhado por seus pais ou responsável e por seu defensor, em qualquer fase do procedimento administrativo ou judicial”. Todas essas disposições legais têm o condão de tornar possível o relacionamento entre o adolescente internado e os pais ou responsáveis, já que este é um dever dos mesmos. De forma a demonstrar claramente o dever dos pais e a possível represália em caso do seu não cumprimento, foi instituído o artigo 52 da Lei nº 12.954, de 18 de janeiro de 2012, o qual prevê:
“Art. 52. O cumprimento das medidas socioeducativas, em regime de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade ou internação, dependerá de Plano Individual de Atendimento (PIA), instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente.
Parágrafo único. O PIA deverá contemplar a participação dos pais ou responsáveis, os quais têm o dever de contribuir com o processo ressocializador do adolescente, sendo esses passíveis de responsabilização administrativa, nos termos do art. 249 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), civil e criminal.”
Tem-se, desta forma, que o direito do adolescente em manter contato com seus pais ou responsável, sob o olhar dos pais constata-se uma obrigação destes, portanto, não poderá os pais ou responsável abrir mão de tais deveres, já que não lhe foi questionado, apenas imposto. Assim sendo, em havendo o descumprimento constatado, tomar-se-ão as medidas necessárias cabíveis.
4.1 A Responsabilidade Familiar: Anotações ao Artigo 227 da Constituição Federal de 1988
Visando a proteção integral da criança e do adolescente, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 227 preconiza, com clareza ofuscante, que é dever da família, da sociedade do Estado garantir à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Nota-se que a mens legis consagrada pelo artigo 227 é muito similar à redação inserida pelo artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), anteriormente transcrito, ou seja, o Estatuto visou reafirmar os direitos já contemplados pela Carta Magna.
Conforme já citado no texto, tem-se com a Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) a instituição da proteção integral da criança e do adolescente, contudo, conforme explica Isabella Henriques e Pedro Hartung (s. d), é na Constituição que ocorre a inauguração de tal doutrina da proteção integral, sendo esta redigida de forma clara no artigo 227, supracitado.
Segundo o Ministro Celso de Mello, ao relatoriar o Habeas Corpus nº 124.682, “a criança e o adolescente recebem especial amparo que lhes é dispensado pela própria Constituição da República, cujo texto consagra, como diretriz fundamental e vetor condicionante da atuação da família, da sociedade e do Estado (CF, art. 227), o princípio da proteção integral”. Retomando a leitura fria da lei, o artigo 227 coloca a expressão "absoluta prioridade" quando se refere à garantia da proteção das crianças e adolescentes. Para Wilson Donizete Liberati (2003, p. 47), essa prioridade absoluta é transferir a criança e o adolescente para o topo da lista de preocupações, isto é, colocarem-nas acima de todos os demais indivíduos. Explica, ainda:
“Por absoluta prioridade, entende-se que, na área administrativa, enquanto não existirem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deverão asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos etc, porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes que as obras de concreto, que ficam para demonstrar o poder do governante.” (LIBERATI, 2003, p. 47)
Destarte, como já anteriormente mencionado, há uma ruptura considerável com a proteção até então dirigida à essa classe social, quer seja, crianças e adolescentes, tornando-se uma doutrina de proteção integral e absoluta, a qual coloca a criança e adolescente sob uma ótica absolutamente protetiva, não exigindo qualquer situação para que possam ser protegidos pela lei, bastando tão somente estarem inseridos no conceito de criança e adolescente trazidos pela própria lei.
4.2 O Abandono institucionalizado da Família aos Adolescentes Infratores: Anotações à Infração Administrativa contida no artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente
De início, consoante pondera Beatriz Prudêncio Soares (2008, p. 21-22), é fato que os indivíduos em formação, quando não possuem suas necessidades satisfeitas e seus anseios atendidos, não possuem um referencial no qual se espelhar e, por consequência, apreender novas práticas. Ao lado disso, há que se destacar que tal cenário materializa a denominada vulnerabilidade social e a violência juvenil. A partir de tal situação, os adolescentes encontram formas avessas mais propícias para sobreviver, o que, comumente, advêm das drogas, violências e atos infracionais. Neste cenário, insta ponderar que, durante a medida de internação do adolescente infrator, é comum verificar a ocorrência do “abandono” familiar. Isto é, há uma clara diminuição das visitas e do contato entre família e adolescente infrator.
Há que se questionar, a partir do expendido, se seria possível estabelecer uma interpretação extensiva no tocante ao artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente, com vistas a responsabilizar, ainda que por via de infração administrativa, o afastamento dos genitores dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação. Assim, aduz o sobredito dispositivo legal:
“Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.”
Nestes termos, o dispositivo supramencionado dispõe sobre a infração praticada pelos pais ou responsáveis em descumprir os deveres inerentes ao poder familiar, omitindo-se em tal situação, conforme explica Luciano Alves Rossato, Paulo Eduardo Lépore e Rogério Sanches Cunha (2011, p. 578). Ademais, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), ainda, traz medidas que deverão ser aplicadas aos pais ou responsável, conforme alude o artigo 129, que faz saber:
“Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
III – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V – obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar;
VI – obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;
VII – advertência;
VIII – perda da guarda;
IX – destituição da tutela;
X – suspensão ou destituição do poder familiar.”
Portanto, assim como ao menor caberá aplicação de determinadas medidas, os pais ou responsável também serão responsabilizados, na medida do que lhes couber. A respeito do tema, Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo (2013, p. 204) explicam que a família é uma das primeiras instituições convocadas pelo Constituição Federal de 1988, que possui esteio em seu artigo 227, caput, sendo “considerada a “base da sociedade”, e como tal, destinatária de “especial proteção”, por parte do Estado”.
Os autores explicam, ainda, que neste sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) procura dar efetividade ao texto constitucional, prevendo, assim, medidas específicas “voltadas à orientação, apoio e, se necessário, tratamento aos pais ou responsável de crianças e adolescentes”. Todas as medidas passíveis de aplicação aos pais ou responsável tem o condão de fortalecer os vínculos familiares, como amplamente resguarda o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), bem como, “permitir que a criança ou adolescente seja “resgatado” no seio de sua família”, explica Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo (2013, p. 204).
Assim como existem as medidas acima citadas que visam uma maior proteção a preservação da família, existem também as sanções, inclusas no próprio artigo 129 do ECRIAD, em seus incisos VII a X, quais sejam: advertência, perda da guarda, destituição da tutela e suspensão ou destituição do poder familiar. Contudo, estas deverão ser aplicadas somente quando se mostrarem efetivamente necessárias ao caso concreto, sendo sempre o segundo plano, posto que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) não possui o condão sancionatório, mas sim protetivo. Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo (2013, p. 204) explicam que:
“Todas as sanções somente devem ser aplicadas em situações extremas, quando mesmo após o indispensável trabalho de “resgate” sociofamiliar, realizado com seriedade e proficiência, ainda assim se mostrar incapaz de reverter a situação periclitante em que a criança/adolescente se encontra, por responsabilidade exclusiva de seus pais ou responsáveis.”
Tem-se em tais medidas a ultima ratio, posto que o caráter sancionatório deve ser invocado em última instância, quando as demais restarem insuficientes. Apesar do caráter de sanção, a advertência não é considerada uma medida grave, apenas de caráter diverso às demais. Entretanto, existem medidas de maior relevância e que, portanto, requerem maior cautela em sua possível aplicação, sendo elas: a perda da guarda, destituição da tutela e a suspensão ou destituição do poder familiar, posto que estas influem diretamente no convívio entre o menor e seus pais ou responsável.
O parágrafo único do artigo 129 Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) estabelece que “na aplicação das medidas previstas nos incisos IX e X deste artigo, observar-se-á o disposto nos arts. 23 e 24”, os quais preveem:
“Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar.
§ 1º Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio.
§ 2º A condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso, sujeito à pena de reclusão, contra o próprio filho ou filha.
Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22”.
Ou seja, para que sejam aplicadas tais medidas, deve haver a comprovação total de que se trata da última via e da única eficaz para refletir em resultados. Determina o artigo 35 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) que “a guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público”. A aplicação da medida de perda da guarda é de competência exclusiva do Poder Judiciário, não podendo ser decretada por outra via. Esta não diz respeito apenas aos pais, mas também ao guardião propriamente dito, como explicam Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo (2013, p. 206). Havendo a aplicação desta medida, o adolescente deverá ser colocado sob “guarda de um parente próximo ou pessoa que com eles mantenha relação de afinidade e afetividade”, explicam Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo (2013, p. 206).
Há também a aplicação da medida da destituição da tutela, tratando-se esta de medida também de competência exclusiva do poder judiciário, não podendo ser decretada por outra via. Havendo a imposição de tal medida, deverá o adolescente ser colocado sob a tutela de outrem, de modo a não deixá-lo sem um representante legal.
Com relação a medida de suspensão ou destituição do poder familiar, tem-se nela a medida mais gravosa entre as demais, somente podendo ser aplicada em última hipótese, quando houver clareza que a permanência do adolescente com a família não é a via mais adequada. Outra medida também de competência exclusiva do poder judiciário, não havendo a possibilidade de ser decretada por outra via que não esta. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) tem como pressuposto fundamental, além da proteção integral da criança e do adolescente, a sua permanência na família de origem, sendo a colocação em família substituta a excepcionalidade. Portanto, a suspensão ou destituição do poder familiar, deve ser tomada somente em situações extremas, quando restar demonstrado que não há outra solução”.
Para que haja a aplicação de tal medida, conforme dispõe a parte final do artigo 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), deverá ocorrer a hipótese “de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22”, sendo que este último aduz que: Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Assim sendo, é dever dos pais zelar pela guarda e proteção dos filhos, além de proverem com seu sustento e educação. Sendo assim, em havendo o descumprimento de tais obrigações, poderá haver a aplicação da medida de suspensão ou destituição do poder familiar. Ademais, como dispõe a parte final, também haverá a imposição de tal medida quando os pais não respeitarem as obrigações e determinações judiciais, quer seja, descumprindo ordem impostas pelo magistrado.
Entre tais ordens se encontram a de acompanhamento e comunicação com o adolescente internado, ou seja, é obrigação dos pais se fazerem presentes durante o período em que o adolescente estiver cumprindo medida socioeducativa de internação. Portanto, em sendo notificado o magistrado do descumprimento de tais medidas, e inexistindo justificativas aceitáveis para tal omissão, poderá o magistrado no seu convencimento de ser esta a hipótese final aplicável ao caso, determinar a medida sancionatória de suspensão ou destituição do poder familiar.
Conforme já amplamente mencionado, em capítulo próprio, o poder familiar é um poder-dever inerente à figura dos pais ou responsáveis, é, neste caso, uma via de mão dupla, afirma Antonio Cezar Lima da Fonseca (2012, p. 74), isto, pois, atua como poder, pois traz consigo um elo de autoridade, e é dever, pois obriga os pais ou responsáveis legais no atendimento integral das necessidades dos filhos. Neste sentido, sua imprescritibilidade, feita a ressalva de limitação no tempo, quando atingida a maioridade civil, determina que os pais ou responsáveis em nenhum momento poderão eximir-se de suas obrigações, assim sendo, o poder familiar permanece vigente ainda que no momento da internação do adolescente, ante o seu afastamento do seio familiar.
Ante tal situação, devem os pais ou responsáveis estarem atentos à participarem de tal momento e se fazerem presentes, atendendo a disposição legal do artigo 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), onde elenca os direitos do adolescente privado em liberdade, sob pena de, caso seja constatado o descumprimento, responderem pela infração prevista no artigo 249, também do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990).
5 CONCLUSÃO
É fato que a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) tem como objetivo principal prover com a proteção integral da criança e adolescente e, para tanto, traz determinações e imposições a serem cumpridas por algumas figuras sociais, sendo elas, os pais ou responsáveis legais, o Estado e a sociedade, de uma forma geral. Conforme restou demonstrado, no decorrer dos anos, não só a figura dos direitos e deveres, a serem desempenhados pelos responsáveis, sofreu alterações, como também a evolução vivenciada pela doutrina adotada para a proteção da figura do menor, a qual resultou na criação de instrumentos legais válidos e incisivos no intuito de proverem com a proteção de forma integral, determinando sanções e imposições legais a serem arbitradas quando do não respeito e asseguramento da proteção da criança e do adolescente.
O presente buscou realizar um estudo, com assento, sobretudo, em fontes bibliográficas, sobre essas responsabilidades e deveres, atentando-se mais precisamente à responsabilidade familiar durante a aplicação de medida socioeducativa de internação ao adolescente infrator. A autoridade parental, por tratar-se de um direito irrenunciável, não pode ser disposto ou respeitado somente em determinadas situações, mas no decorrer da vida da criança e do adolescente, até que o mesmo atinja a maioridade civil. Neste caso, não há rompimento de tais deveres quando do afastamento do adolescente do seio familiar, em decorrência de medida de internação imposta pela autoridade responsável.
Atentando-se a este fato, e atendendo a característica da irrenunciabilidade, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi incisivo ao prever como infração administrativa, o descumprimento, de forma dolosa ou culposa, dos deveres inerentes ao poder familiar. Portanto, não poderá a família ou a figura responsável ausentar-se ou eximir-se de suas obrigações enquanto figura protetora durante este período de internação, ao contrário, deverá a mesma se fazer presente e atender as necessidades apresentadas pelo adolescente, além de prover-lhes com carinho e atenção, requisitos estes indispensáveis para a criação de todo indivíduo, principalmente quando do momento de necessidade.
Advogada
Acadêmico de Direito
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