Palavras chaves: IPVA. Arrendamento mercantil. Constituição Federal. Direito do Consumidor. Estados. Legislação.
Sumário: 1. Introdução 2. O imposto sobre veículos automotores. 2.1 histórico do imposto. 2.1.1 conceito. 2.1.2 da hipótese de incidência às hipóteses de abrangência do ipva. 3. O contrato de leasing à luz do código de defesa do consumidor. 3.1 conceito de arrendamento mercantil e modalidade (leasing). 3.2 os princípios dos contratos com base no código de defesa do consumidor. 3.2.1 análise dos contratos com base no direito do consumidor. 4. A casuística que envolve a sujeição passiva no ipva. 4.1 análise da legislação dos 27 estados da federação. 4.2 o foz-local do ipva: uma imersão no cdc, ctn e cc. 5. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O estudo proposto tem como objetivo tratar da responsabilidade pelo pagamento do IPVA (imposto sobre propriedade de veículos automotores) nos contratos de arrendamento mercantil (leasing), sendo de importante relevância aos operadores de Direito e para a sociedade em geral tendo em vista que abarca diretamente uma obrigação tributária que incide sobre veículos automotores no âmbito estadual.
Tem se discutido acerca da responsabilidade tributária do pagamento de Imposto sobre a propriedade de veículos automotores – IPVA no contrato de arrendamento mercantil (leasing), uma vez que a doutrina diverge sobre o tema e não é dado pelos nossos juízes e tribunais um entendimento uniforme à matéria, gerando uma insegurança jurídica.
A problemática está em ambos os pólos. Por um lado, tem-se o arrendatário, que é o particular que está em posse do veículo, o qual é lesado quando faz o pagamento do imposto por um bem que não é seu. Por outro, o contrato gerado pelo arrendador, no caso a instituição financeira, pessoa jurídica que possui a propriedade em face de um contrato de arrendamento mercantil firmado entre as partes, o qual prevê o pagamento do imposto pelo arrendatário.
Em face da possível lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro, acerca do atual conflito entre fisco e contribuinte, faz se necessário o presente estudo.
2. O imposto sobre veículos automotores
2.1. Histórico do imposto
Todos os Estados tem a necessidade de arrecadação para manutenção da máquina estatal, sendo que esta tem alteração dependendo da época histórica e ainda, variando conforme o sistema tributário. Nesse sentido há quatro fases distintas. O aparelho parasitário de recolhimento dos tributos era de forma que os povos belicosos cobravam dos vencidos materiais nobres como o ouro ou dinheiro, no sistema tributário dominial os príncipes e senhores feudais exigiam tributos sobre os frutos do seu patrimônio. Enquanto no sistema tributário regaliano ou regalista, os senhores feudais exigiam o realengo, como cobrar moeda, explorar minas, caçar entre outros. Por fim o sistema tributário moderno, em que o poder estatal com base na soberania impõe tributos.[1]
A criação de cobrança de taxa sobre veículos automotores foi feita em 30/12/1968, com a edição de Decreto-Lei n° 397, a taxa foi instituída com o nome de taxa rodoviária federal e o recolhimento era feito pela União. Era devida a todo veículo motorizado que transitar em território nacional e o recolhimento poderia ser feito até a data do licenciamento e a arrecadação era destinada à recuperação, obras e conservação de estradas federais.[2]
O IPVA surgiu através da Emenda Constitucional n° 27, de 28.11.1985, ainda na vigência da Constituição Federal de 1967. Posteriormente, com o advento da Constituição Federal de 1988, foi estipulado pelo artigo 155, inciso III, o qual estabelece a competência dos Estados e Distrito Federal de legislar sobre a propriedade de veículos automotores.
Anteriormente à publicação da Emenda citada, não existia o imposto sobre propriedade de veículos automotores, mas sim a taxa rodoviária única (TRU), que era cobrada para circulação do veículo automotor. O IPVA veio a substituir a taxa ora nominada com intuito de melhorar a arrecadação dos Estados e Municípios. Este imposto cobrado especialmente a veículos automotores não se estende às aeronaves e embarcações, já que possuem legislação específica.[3]
Contudo, a linha histórica do IPVA pode ser traçada a partir de 1812, com a criação da taxa suntuária. Com o advento do Decreto Lei 397 de 1968 passa a ser cobrada a taxa rodoviária federal, com a revogação deste Decreto que ocorreu em 1969, passa a ser cobrado a taxa rodoviária única através do Decreto Lei 999, este último que foi revogado posteriormente pela EC 27 em 1985 na vigência da Constituição Federal de 1967, esta última Emenda logo trouxe o nome de IPVA e nos dias atuais o mesmo imposto está contemplado na Constituição Federal de 1988 em seu art.155, III.
Não se tem no ordenamento jurídico lei federal que abarque o tema, cabendo aos Estados e Distrito Federal, com base no art. 24, § 3° da Constituição Federal de 1988, exercer a competência legislativa plena através de lei complementar, conforme estipulado no art. 146, III, alínea “a” da atual Constituição Federal, no caso do Estado do Rio Grande do Sul a Lei n° 8.115/85.
2.1.1. Conceito
As espécies tributárias são divididas em impostos, taxas e contribuições. Ao presente estudo interessa saber acerca dos impostos, que tratam de espécie de tributos.
Conforme os ensinamentos de Aliomar Baleeiro:
“[..] o imposto é a prestação de dinheiro que, para fins de interesse coletivo, uma pessoa jurídica de Direito Público, por lei, exige coativamente de quantos lhe estão sujeitos e têm capacidade contributiva, sem que lhes assegure qualquer vantagem ou serviço especifico em retribuição desse pagamento”.[4]
O Código Tributário Nacional conceitua o imposto em seu art. 16, trata como um tributo sem qualquer atividade estatal em semelhança ao contribuinte considerando como fato gerador uma situação autônoma.[5]
Para Leandro Paulsen “impostos é dever fundamental de contribuir para as despesas públicas, sendo que o principal critério para distribuição do ônus tributário, inspirado na idéia de justiça distributiva, é a capacidade contributiva.”[6]
Portanto, a cobrança dos impostos, uma das espécies tributárias, é a forma que o Estado utiliza para manter a máquina estatal, onde o contribuinte não tem qualquer contrapartida, com base na capacidade contributiva o Estado tributa sobre bens, entre outros. Desta forma o IPVA (imposto sobre propriedade de veículos automotores), que é objeto deste estudo é um imposto cobrado para manutenção da máquina estatal.
2.1.2.Da Hipótese de Incidência às Hipóteses de Abrangência do IPVA
Para que ocorra uma cobrança de um imposto é necessário que ocorra um fato que o legislador prevê como sendo passível de tributação. Quando a conduta do contribuinte for neste sentido será tributado esta norma e o fato será gerador da obrigação tributária.[7]
Para que exista um fato gerador é indispensável que obedeça a requisitos sendo que o principal é a previsão em lei que surge com o princípio da legalidade a lei deve estabelecer ao menos, o fato que gera a obrigação, a sua alíquota, a base de cálculo, e quem serão os sujeitos ativos e passivos direta e indiretamente.[8] Este princípio que deve ser observado se refere ao poder público os entes federados somente majorarem ou instituírem tributos com a edição de lei, e também contendo o que será o fato gerador, base de cálculo e contribuintes. Para exemplificar podemos utilizar o art. 150, I da Constituição Federal de 1988, que cita o mesmo conteúdo.[9]
A Constituição Federal de 1988, não contempla o fato gerador, a base de cálculo e contribuintes do IPVA (imposto sobre veículos automotores). Cabe, portanto, à lei complementar definir as normas gerais, conforme preceitua o art. 146, III, alínea “a”, da Constituição Federal de 88, inexistindo a lei complementar os Estados e Distrito Federal exercem a competência plena acerca da matéria, conforme o disposto no art. 24, §3°, da CF/88.
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;”[10]
Quando não houver legislação que contemple, os itens acima, os Estados exercerão a competência plena prevista na Constituição Federal. Esta competência do art. 24 é de competência concorrente e, portanto a União deveria editar lei de normas gerais e os Estados legislar sobre o que for específico e atendendo as suas necessidades regionais, os Estados só poderão legislar enquanto não sobrevier legislação federal tratando sobre o tema e ainda esta competência será temporária podendo a qualquer tempo a União editar lei que trate sobre normas gerais e sendo assim a lei estadual ficará revogada no que lhe for contrário.[11] Neste sentido o art. 24, §3°.
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
[..]§ 3º – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades”.[12]
Leandro Paulsen esclarece que excepcionalmente e provisoriamente os Estados exercerão a competência plena, nas suas palavras acerca da ausência de norma:
“Lei Complementar. Ausência. Exercício da competência plena pelos Estados. Nos termos do art.146, inciso III, a, da Constituição Federal, o fato gerador, a base de cálculo e o contribuinte do IPVA deve ser estabelecido por lei complementar. Entretanto, não há diploma legal deste nível cuidando da matéria (o CTN é omisso, até porque precedeu á criação desse imposto). Assim os Estados, excepcional e provisoriamente têm exercido a competência legislativa plena, forte no art.24, §3°, da Constituição Federal”.[13]
A discussão que se apresenta na hipótese de incidência do IPVA à hipótese de abrangência está no que se refere a quem, de fato, é o contribuinte do referido imposto, quem, de fato, deve efetuar o pagamento, pois o fato gerador deste imposto é a propriedade de veículos automotores e a doutrina entende como contribuinte o proprietário do bem.
O sujeito passivo da obrigação tributária segundo Leandro Paulsen: “os sujeitos passivos são as pessoas obrigadas ao pagamento da obrigação tributária principal (tributo e / ou penalidade), ou seja, os devedores, passíveis de serem cobrados e executados em caso de inadimplemento”[14]
O contribuinte do imposto sobre propriedade de veículos é o proprietário do veículo, com base nesse conceito Hugo de Brito Machado assim expõe: “o contribuinte do IPVA é o proprietário do veículo, presumindo-se como tal a pessoa em cujo nome o veículo esteja licenciado pela repartição competente”[15]
Para haver a cobrança de um imposto é preciso que ocorra um fato que decorre da lei, desta forma Ives Gandra da Silva Martins:
“Assim, para que exista uma obrigação tributária é preciso que ocorra um fato do qual a lei faça decorrer, necessariamente, uma obrigação. Por exemplo, da propriedade de um veículo automotor decorre a obrigação, cujo objetivo é o pagamento do imposto sobre propriedade de veículos automotores- IPVA”.[16]
O fato gerador do IPVA, segundo Hugo de Brito Machado: “[…] é a propriedade do veículo automotor. Não é a sujeição ao poder de polícia, como acontecia com a taxa rodoviária única, por ele substituído. Também não é o uso. É pura simplesmente a propriedade.”[17]
Os ensinamentos de Leandro Paulsen, assim esclarecem sobre a imposição do referido imposto:
“A simples posse do veículo (a título precário ou mera detenção), por si só, não representa o fato imponível do imposto, não se vinculando a propriedade do bem, uma vez que deve ocorrer a capacidade econômica (elemento ínsito de proprietário)”[18]
O fato gerador do IPVA, segundo José Jayme de Macedo Oliveira, se dá em função da relação de propriedade que se tem com o bem, em suas palavras: “Assim, não é a utilização do veículo que faz surgir a obrigação de pagar o IPVA, mas sim a relação de propriedade que o dono mantém com o bem”.[19]
Com todo o exposto, os doutrinadores tem entendimento de que a incidência do imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA), é responsabilidade do proprietário do bem, ou seja, o fato gerador é ser proprietário de um veículo automotor. Com base nessa premissa o referido imposto não poderia incidir sobre a posse que é um exemplo do que acontece nos contratos de arrendamento mercantil (leasing), justificando-se assim, a necessidade de um estudo acerca do contrato de leasing sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor.
3.o contrato de leasing à luz do código de defesa do consumidor
3.1. Conceito de arrendamento mercantil e modalidade (leasing)
O contrato de arrendamento mercantil (leasing), caracteriza-se como um contrato de aluguel mediante o pagamento de um preço. Segundo Arnaldo Rizzardo: “A idéia que se colhe no direito universal indica um contrato de natureza econômica e financeira, pela qual uma empresa cede em locação a outrem um bem móvel ou imóvel mediante o pagamento de um determinado preço.”[20]
Para Fran Martins, o bem objeto de contrato de arrendamento mercantil é comprado pela arrendadora segundo as especificações do arrendatário.[21]
O que ocorre de fato nos contratos de arrendamento mercantil, em um primeiro momento, é que a arrendatária indica ao arrendador o bem que deve ser adquirido para então ser arrendado para a própria arrendatária, que efetuou a indicação e, após o término do prazo contratual, o arrendatário tem a opção de comprar o bem e se tornar o proprietário.[22]
O arrendamento mercantil ou leasing é uma forma de possuir um bem sem comprá-lo, sendo que a arrendadora obtém o retorno (lucro) vindo do aluguel que é pago pelo arrendatário. Exige-se um contrato onde o arrendatário passa a ter o direito de utilizar o bem mediante o pagamento do aluguel por um tempo determinado.[23]
O leasing é caracterizado como um contrato misto, pelo qual um agente financeiro adquire e loca a uma pessoa jurídica ou física dos mais diversos bens (equipamentos, veículos, imóveis), a prazo determinado pela legislação a médio ou longo prazo, tendo a faculdade de adquirir os mesmos ao final do contrato pelo preço residual garantido.[24]
Na doutrina de Fábio Ulhoa Coelho o contrato de arrendamento mercantil é caracterizado como um aluguel onde o arrendatário tem a faculdade de ao seu fim optar pela compra do bem, neste caso terá o direito de abater do valor as contraprestações a título de aluguel, inexistindo tipificação legal do negócio jurídico, portanto, o que vale nesse contrato são as cláusulas estipuladas pelas partes.[25]
Segundo a Lei 6.099/1974 alterada pela Lei 7.132/83, esta que regula os contratos de leasing no Brasil, é considerado o arrendamento mercantil quando na qualidade de arrendadora se tem uma pessoa jurídica e como arrendatária a pessoa física ou jurídica, e que tenha por objeto locação de bens adquiridos pela arrendadora, com a indicação da arrendatária e para seu uso.[26]
Por todo exposto, entende-se o contrato de arrendamento mercantil como uma locação por prazo determinado, oferecendo a faculdade ao arrendatário de ficar com a propriedade do bem ao final do arrendamento e ainda podendo amortizar os valores pagos a título de contraprestação. A partir deste entendimento, faz-se necessário uma abordagem das modalidades de arrendamento mercantil.
Quanto à modalidade do arrendamento mercantil, interessa aqui, tratar sobre o leasing financeiro, pois, a maior incidência para leasing de veículos é o arrendamento financeiro. Segundo o direito comparado (norte-americano) passa a ser uma prática comercial de venda de veículos.[27]
Conforme o art. 5° da Resolução 2309/1996 do Conselho Monetário Nacional, que trata das modalidades de leasing, o arrendamento financeiro é a modalidade em que as prestações sejam suficientes para que a empresa arrendadora recupere o valor investido e ainda obtenha um retorno; o custo de conservação do bem fica sob responsabilidade do arrendatário e, caso opte ao final do contrato pela compra do bem este pode ser pactuado entre os contratantes e praticando a importância equivalente que o comércio do bem.[28]
Para Fran Martins, o leasing financeiro é um contrato que envolve o fornecedor, arrendatário e arrendador, e que deve ser estudado com profundas análises por parte do arrendatário, pois, ele fica vinculado até o final do contrato.[29]
O leasing financeiro envolve três agentes quais sejam: o fornecedor que produziu o bem, o arrendador que compra o bem para locá-lo posteriormente ao arrendatário que usa o bem por meio de contrato de locação, mediante o pagamento das contraprestações. O objeto do contrato pode ser bens móveis ou imóveis, porém deverão ser respeitados os prazos.[30]
Segundo o art. 8° da Resolução 2.309/1996 do Banco Central do Brasil, o prazo mínimo para o arrendamento deve ser levado em conta em face da vida útil do bem, quando a sua vida útil for de até cinco anos, o prazo do arrendamento não poderá ultrapassar dois anos.[31] Para exemplificar os veículos, equipamentos de informática, máquinas e equipamentos industriais em regra tem sua depreciação em até cinco anos, portanto o arrendamento não poderá ser superior a dois anos.[32]
Portanto quando do arrendamento mercantil financeiro modalidade de veículos deve ser respeitado o prazo estipulado na legislação para como ver-se-á mais adiante não se caracterize como um contrato de compra e venda, por não obedecer ao prazo.
Ainda, em relação ao arrendamento mercantil financeiro, em regra a entidade arrendadora é uma instituição financeira[33] que compra os bens de um fornecedor que os produziu, com a indicação do arrendatário segundo suas especificações, e em seguida aluga-os para o mesmo que utilizará por prazo determinado mediante o pagamento de prestações com o direito de findo o contrato: comprar o bem devolvê-lo, adquiri-lo ou ainda renovar o arrendamento.[34]
3.2 os princípios dos contratos com base no código de defesa do consumidor
Para que os contratos tenham validade e eficácia no mundo jurídico é imprescindível que obedeçam aos princípios contratuais e do diploma consumerista.
Dentro dos princípios clássicos há o princípio da autonomia da vontade, o princípio da força obrigatória e os vícios de consentimento.
Quanto ao princípio da autonomia da vontade, se refere à liberdade de contratação, a liberdade da escolha com quem contratar, a forma da contratação e o bem a ser objeto do contrato, sem que o mundo externo influencie nas contratações, sendo livre ao indivíduo a escolha dentro dos limites estabelecidos pelo direito.[35]
A partir daí, verifica-se que as cláusulas contratuais passam a fazer lei entre as partes contratantes, e a discussão com base neste princípio é restrita porque prevalece o entendimento de que a contratação foi feita da forma como o individuo quis e não poderia num momento posterior vir a discutir alguma cláusula do contrato.
No princípio da força obrigatória dos contratos, pacta sun servanda, as cláusulas devem ser cumpridas. Neste princípio as partes ficam vinculadas ao contrato não podendo o direito ou o juiz modificar a vontade das partes que está manifestado no contrato, da mesma forma que o principio anterior as cláusulas fazem lei entre as partes.[36]
Os vícios de consentimento também estão previstos como princípio dos contratos, embora o indivíduo tenha a liberdade de contratar o Código Civil de 2002 em seus artigos 138 a 165, prevê a anulação quando houver defeitos nos negócios jurídicos, caso existam vícios na vontade das partes.[37]
Os novos princípios contratuais são os da boa fé objetiva, a função social e o equilíbrio econômico.
A boa fé é considerada a ética, a lealdade do contrato, é o princípio pelo qual existe uma nova visão sobre a estática relação contratual. É a forma que se espera que o indivíduo se comporte mediante tal situação.
Para Cláudia de Lima Marques: “A relação contratual não libera os contraentes de seus deveres de agir conforme a boa fé e os bons costumes; ao contrário, a vinculação contratual os impõe, os reforça!”.[38]
Para Teresa Negreiros a boa fé deve ser vista como um fim fundamental da República, a idéia de solidariedade deve nortear o contrato e deve ser o elemento mister das relações contratuais, respeitando o próximo.[39]
O princípio da função social é mais abrangente de todos os princípios, pois, ao contrário dos princípios clássicos onde o contrato é inter partes, este princípio se preocupa com todos os indivíduos de uma sociedade, o contrato vai além das partes tem efeitos sociais, pode haver terceiros atingidos pela relação contratual. É através do contrato que as riquezas circulam no mercado e desta forma pode se entender que o contrato tem função social.[40]
O art. 421 do Código Civil Brasileiro de 2002 consagra este princípio: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.[41]
O princípio do equilíbrio econômico se refere a contratos paritários, onde não pode haver desproporção. Visa à busca da igualdade substancial.[42]
Este princípio está voltado para o diploma consumerista, para a lógica do Código de Defesa do Consumidor, muito embora adiante será demonstrado que a paridade nos contratos de adesão, por exemplo, fica difícil seu amparo.
O Código de Defesa do Consumidor traz consigo outros princípios voltados para relação de consumo e para defesa do consumidor, conquanto não dispensa os princípios dos contratos vistos anteriormente, sendo eles assim denominados: a vulnerabilidade, o princípio da informação e transparência, princípio da equidade e confiança, princípio da segurança do consumidor.
O princípio da vulnerabilidade está previsto de forma expressa no art. 4°, I da Lei 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor, que reconhece o consumidor como vulnerável no mercado de consumo.[43]
Também no art. 6°, VIII da referida lei, onde contempla a inversão do ônus da prova no caso de verossimilhança.[44]
Nas palavras de Cláudia de Lima Marques: “[…] Uma das partes é vulnerável (art.4°, I) é o pólo mais fraco da relação contratual, pois não pode discutir o conteúdo do contrato: mesmo que saiba que determinada cláusula é abusiva […]”.[45]
Paulo Valério Dal Pai Moraes entende que a vulnerabilidade significa ofender, ferir e desta forma existem várias maneiras de o consumidor ser ofendido[46]. Essas formas de ofensa dizem respeito às vulnerabilidades do consumidor, quais sejam: técnica, jurídica, política ou legislativa, psíquica ou biológica, ambiental e econômica ou fática.
Para Paulo Valério Dal Pai Moraes a vulnerabilidade técnica ocorre quando o consumidor não tem conhecimento técnico suficiente.[47]
A vulnerabilidade jurídica é a ausência de conhecimento jurídico, segundo Cláudia de Lima Marques.[48] Enquanto que, para Paulo Valério Dal Pai Moraes a vulnerabilidade jurídica é quando o consumidor se depara com uma situação oriunda de algum problema no produto ou serviço que tenha adquirido no mercado de consumo e desta forma para defesa de seus direitos necessita de operadores do direito, ou ainda órgãos administrativos como o Procon, porque o consumidor por vezes desconhece as vias de defesa.[49]
Vulnerabilidade política ou legislativa ocorre porque não existem ainda órgãos capazes de atuar para beneficiar o consumidor e desta forma acabam sendo criadas legislações distorcidas, nas palavras de Paulo Valério Dal Pai Moraes.[50]
A vulnerabilidade psíquica ou biológica ocorre pela forte sedução da publicidade, que de forma perspicaz, através de técnicas de persuasão, e pela própria postura de consumo voraz embutida no inconsciente coletivo, é a natureza do ser humano[51]
A vulnerabilidade ambiental é aquela que coloca o meio ambiente em risco[52]. E, por fim, a vulnerabilidade econômica ou fática está voltada ao fornecedor com quem está sendo contratado o poder econômico que ele tem no mercado, uma espécie de privilégio exclusivo. O consumidor aceita as cláusulas em face da exclusividade do fornecedor.[53]
Vale destacar que o consumidor está sujeito a todas as espécies de vulnerabilidade e ainda, aos demais princípios norteadores da relação de consumo.
O princípio da informação e transparência, este que está consagrado de forma expressa no art. 6°, III do Código de Defesa do Consumidor, como direito básico do consumidor: “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”[54]. Ainda no art. 4° do mesmo diploma consagra a transparência nas relações de consumo.
A informação e a transparência não se referem tão somente ao produto ou serviço a ser contratado, mas também a necessidade de informação sobre o contrato que está se inserindo[55]. Quando o fornecedor coloca no mercado de consumo um produto uma oferta deve trazer de forma clara as informações sobre data de validade, preço, garantia, riscos esperados em língua portuguesa.[56]
A equidade e confiança protegem o consumidor das cláusulas abusivas previstas no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, princípio voltado ao equilíbrio contratual e segundo Cláudia de Lima Marques, não é necessário que esteja de forma expressa no contrato basta que traga vantagem excessiva para uma das partes em regra o fornecedor.[57]
Por fim, tem-se o princípio da segurança do consumidor em que deve ser levado em conta quando o fornecedor coloca um produto ou serviço no mercado de consumo, está ligado a todas as situações que possam implicar em algum risco físico ou psíquico que afete sua integridade. O art. 8° do CDC traz de forma expressa que não poderão acarretar danos à saúde e segurança do consumidor os produtos que o fornecedor colocar no mercado de consumo.
Pode-se utilizar também como exemplo a Súmula 130 do Superior Tribunal de Justiça que trata sobre a responsabilidade de furto de veículo em estacionamento. Isso demonstra a responsabilidade do fornecedor com a segurança do consumidor.
Finalizando o estudo sobre os princípios que norteiam a relação contratual, as relações de consumo, e ainda o contrato de leasing, serão analisadas no tópico seguinte algumas cláusulas contratuais nos contratos de arrendamento mercantil que restringem os direitos do consumidor perante o que foi estudado até o momento.
3.2.1 Análise dos contratos com base no Direito do Consumidor
Superado o estudo das modalidades de arrendamento mercantil bem como os princípios que norteiam as relações de consumo cabe um estudo sobre as cláusulas abusivas contempladas nos contratos de arrendamento mercantil com base no direito do consumidor.
Num primeiro momento vale esclarecer acerca da incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos bancários incluindo o arrendamento mercantil. Segundo o entendimento de Luis Antonio Rizzatto Nunes não há dúvidas acerca da aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos serviços bancários por se tratarem de relação de consumo.[58]
A respeito da matéria o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento através da Súmula n° 297: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
Os contratos de leasing são considerados pela doutrina, como contratos de adesão porque não permitem ao consumidor alterar cláusulas que são redigidas pelo fornecedor, mesmo que o consumidor possa alterar uma cláusula ainda assim, não é o suficiente para não considerá-lo como de adesão. As cláusulas são redigidas de forma unilateral.[59]
No que tange às cláusulas abusivas, previstas no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, o rol é exemplificativo, sendo possível no caso concreto elencar outras. Uma das cláusulas abusivas no contrato de arrendamento mercantil (leasing) em se tratando de um contrato de adesão, é o que diz respeito ao tamanho da fonte nos contratos, que não pode ser inferior ao tamanho doze e todas as cláusulas restritivas devem estar redigidas em destaque.
Esta alteração foi introduzida a partir da Lei 11.785/2008, e segundo Bruno Boris, traz a restrição do juiz ao interpretar de uma única forma o caso concreto, ou seja, antes da edição desta lei poderia o juiz dependendo do caso concreto observar também a questão da fonte utilizada caso se utilize uma fonte de difícil compreensão que dificulte a leitura por parte do consumidor, mesmo com edição da nova lei poderia o juiz interpretar de forma mais benéfica ao consumidor utilizando o rol do Código de Defesa do Consumidor apenas como rol exemplificativo e desta forma o magistrado poderia continuar aplicando ao caso concreto para melhor atender as partes o consumidor e fornecedor, indiferente se tratar de tamanho da fonte ou mesmo se o contrato estiver ilegível.[60]
Outra cláusula abusiva no campo do Código de Defesa do Consumidor pode ser encontrada no contrato de arrendamento que trata sobre o seguro do bem. Normalmente as Instituições Financeiras exigem também que o seguro seja feito com ela mesma, não podendo o arrendatário escolher outro corretor. Segundo o Código de Defesa do Consumidor caracteriza-se como uma venda casada e, conforme o art. 39 é vedado o fornecedor condicionar a aquisição de outro produto ou serviço.
Ainda, no mesmo campo existe a cláusula de Foro de eleição para discussão do contrato. Segundo a competência da Secretaria de Direito Econômico dentre as quais uma de suas atribuições conforme prevê a Lei 2.181/97, art. 56, é divulgar anualmente uma lista complementar de cláusulas abusivas á aquelas previstas no Código de Defesa do Consumidor embora estas cláusulas não tenham a mesma nulidade prevista no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor elas apenas têm o intuito de aplicar sanções administrativas aos fornecedores. Desta forma na Portaria 4/98, item 8, a Secretaria de Direito Econômico contemplou o foro de eleição, como sendo o domicílio do consumidor, embora tenha objetivo administrativo [61]a jurisprudência tem entendimento pacífico que o foro de eleição deve ser o domicílio do consumidor, o vulnerável do contrato.
Para esclarecer ainda quanto ao foro de eleição, em decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso especial n° 299738, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, torna clara a nulidade de cláusula que eleja outro foro de eleição que não seja o do arrendatário.
“Exceção de incompetência. Contrato de arrendamento mercantil. Cláusula de eleição de foro. Precedentes da Corte. 1. A Corte já decidiu que o Código de Defesa do Consumidor aplica-se aos contratos de arrendamento mercantil e que é “abusiva a cláusula de eleição de foro incluída em contrato de adesão sobre leasing, que dificulta a defesa da arrendatária aderente”. 2. Recurso especial conhecido e provido”.[62]
Para melhor elucidar, a autora analisou alguns contratos a fim de verificar as possíveis cláusulas abusivas existentes, de maior incidência, no contrato de arrendamento.
Uma das cláusulas de maior incidência trata sobre os impostos, taxas e contribuições que venham a ocorrer sobre o bem objeto do contrato, estes são de responsabilidade do arrendatário, onde quanto ao pagamento do IPVA, há a previsão da responsabilidade do arrendatário quanto ao encaminhamento dos comprovantes pagos dos últimos cinco anos, e, não o fazendo, dá o direito à arrendadora rescindir o contrato e tomar medidas judiciais cabíveis.
Foi verificado em alguns contratos que, apesar de obedecerem ao tamanho da fonte, não obedeceram a questão do foro de eleição onde, por vezes o contrato era celebrado numa comarca tendo elegido o foro de comarca diversa.
Em relação à contratação do seguro do bem, alguns contratos obedeceram aos requisitos quanto a não obrigar o arrendatário à contratação com a própria Instituição, porém, com uma cláusula beneficiária, ou seja, o valor da indenização no caso de sinistro seja revertido à Instituição Financeira.
Vale referir que o Código de Defesa do Consumidor prevê que todas as cláusulas do contrato de adesão que restrinjam direitos para o consumidor devem estar em destaque[63], em nenhum dos contratos pesquisados se observou este requisito.
Desta forma verifica-se que em todos os contratos das instituições financeiras analisadas violaram o Código de Defesa do Consumidor, restringindo os direitos básicos consagrados na legislação e jurisprudência, direitos básicos estes que servem para beneficiar o pólo mais fraco da relação contratual.
4. A casuística que envolve a sujeição passiva no IPVA
4.1 Análise da legislação dos 27 estados da federação
Com base na abordagem feita a respeito da incidência de IPVA nos contratos de arrendamento mercantil (leasing), é imprescindível verificar a legislação de cada Estado para compreender de que forma os Estados estão contemplando em sua legislação a matéria, o IPVA, este que é previsto em leis estaduais, ou ainda contempladas no Código Tributário Estadual de cada Estado.
Quadro adaptado com a inclusão do Código Tributário Estadual.[64]
Frente à pesquisa da legislação realizada na Federação pode-se concluir que existem diversos entendimentos acerca da responsabilidade pelo pagamento do IPVA quando o veículo for objeto de contrato de arrendamento mercantil (leasing).
Os Estados do Acre, Alagoas, Santa Catarina, Paraná e Piauí contemplam a empresa arrendadora como responsável pelo pagamento do IPVA expressamente nas suas legislações. Embora o Estado do Piauí e Alagoas contemplem como responsável solidário o arrendatário, ainda assim prevalece como contribuinte a empresa arrendadora (proprietária).
O Rio de Janeiro não faz menção na sua legislação sobre o pagamento do IPVA pelo arrendatário e ainda prevê no caso de táxi que for objeto de contrato de arrendamento mercantil tem isenção do pagamento do IPVA.
O Estado do Rio Grande do Sul não faz qualquer menção na sua legislação sobre o arrendatário ou empresa arrendadora pelo pagamento do IPVA, porém, a jurisprudência é majoritária no entendimento de que o responsável pelo pagamento é a empresa arrendadora.
Os Estados da Bahia, Sergipe, São Paulo, Pernambuco, Paraíba, Pará, Maranhão, Ceará e Amapá, tratam apenas sobre solidariedade no titular de domínio ou posse, ainda assim preferindo o proprietário. Essas legislações não mencionam o arrendamento mercantil de forma expressa.
Para os Estados de Minas Gerais, Rondônia, Mato Grosso e Espírito Santo, prevêem apenas a solidariedade do arrendatário ao pagamento do IPVA.
Os Estados de Tocantins, Goiás e Amazonas, prevêem a solidariedade pelo pagamento do IPVA para a empresa arrendadora (proprietária), embora o Amazonas tenha de forma expressa na sua legislação o arrendatário como responsável pelo pagamento e o Estado de Goiás contempla ainda como contribuinte o arrendatário no caso de arrendamento mercantil.
Já para os Estados de Roraima e Distrito Federal, faz menção a ser o contribuinte do imposto o titular de domínio no caso de arrendamento mercantil, embora a jurisprudência no Distrito Federal seja majoritária quanto ao entendimento da responsabilidade ser solidária.
E, para o Estado do Rio Grande do Norte, este considera o contribuinte do IPVA o possuidor de veículo de qualquer espécie contratual, incluindo também o arrendamento mercantil.
Por fim, o Estado do Mato Grosso do Sul é o único Estado da Federação que coloca na legislação de forma expressa o arrendatário como contribuinte do IPVA no caso de arrendamento mercantil.
4.2. O foz-local do IPVA: uma imersão no CDC, CTN E CC
Para a compreensão de qual instituto pode ser utilizado na defesa do arrendatário vale explanar acerca da solidariedade prevista no Código Tributário Nacional, da vontade das partes no Código Civil e ainda do Código de Defesa do Consumidor, quando, haver no contrato cláusulas abusivas e, no contrato de adesão cláusulas restritivas.
Se, no contrato de arrendamento mercantil a empresa arrendadora transfere ao arrendatário a responsabilidade pelo pagamento do tributo, não pode o Fisco ser prejudicado, neste caso, a Fazenda Pública utiliza-se da solidariedade. Nesse sentido, vale transcrever o artigo 123 do Código Tributário Nacional:
“Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes”.
Portanto, neste caso, não existe lei em contrário, apenas existe na previsão do contrato de arrendamento mercantil (leasing) a transferência desta responsabilidade para o arrendatário.
No caso do contrato de arrendamento mercantil, a responsabilidade prevista para o pagamento do IPVA é, em primeira instância, da empresa arrendadora, porém, nada obsta que também seja responsabilizado pelo pagamento o arrendatário para que o Fisco não deixe de receber o imposto.
A jurisprudência no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul no mesmo sentido se posiciona, em decisão proferida pelo Eminente Desembargador Francisco José Moesch:
“Se, por outro lado, o contrato escrito do arrendamento transfere ao arrendatário a responsabilidade pelo pagamento do IPVA, essa circunstância não pode, segundo expressa disposição do art. 123 do CTN, ser oposta pelo contribuinte ao Estado, para eximir-se da sua obrigação.”[65]
O Código Civil para ser aplicado aos contratos de arrendamento mercantil (leasing), somente pode prevalecer sua incidência quando houver vontade das partes para convencionar, muito embora de difícil configuração nesta seara porque se trata de um contrato de adesão e, neste caso, o Código Civil utiliza-se de generalidades. Conforme prevê o artigo 424 do Código Civil: “nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.
O Código Civil pode ser utilizado no caso de inadimplemento das contraprestações, do arrendamento mercantil (leasing) através da reintegração de posse do bem. Nesse sentido Silvia Vanti:
“Constata-se que a rescisão contratual por parte da arrendante, em face do inadimplemento da arrendatária, motiva a cobrança das prestações vencidas, a reintegração do bem e a multa contratual proveniente da ruptura do contrato. Continuando com o nosso raciocínio, podemos dizer que no arrendamento mercantil a propriedade permanece com a empresa arrendante. Dessa forma, a arrendatária dispõe apenas do uso e posse do bem, objeto do contrato. […]”[66]
O Superior Tribunal de Justiça em decisão proferida pelo Ministro Fernando Gonçalves no Recurso Especial n° 280.833, se posiciona no mesmo sentido que, se o arrendatário é possuidor do bem, a ação cabível é a reintegração da posse.
“A conseqüência lógica do descumprimento do contrato de arrendamento mercantil, de um modo geral, rende ensejo ao ajuizamento da possessória, notadamente porque a propriedade do bem é do arrendador, ficando o arrendatário na situação de simples possuidor”.[67]
A aplicação do Código de Defesa do Consumidor ficou evidente quando estiver tratando de contratos bancários, mais especificamente, em se tratando de contrato de arrendamento mercantil (leasing), pois, ao contrário da Resolução do Banco Central 980/94 (artigo 14), já revogada, onde necessariamente o bem objeto do contrato deveria ser para exploração da atividade econômica.[68]
Mesmo em se tratando do bem objeto do contrato ser utilizado para atividade econômica, existe decisão do STJ, em que é possível ainda aplicar o CDC por amplitude e, desde que, seja provada a vulnerabilidade da parte. Em decisão proferida em sede de recurso especial n° 1010834, pela Ministra Nancy Andrighi.[69]
Enquanto que, a nova Resolução 2309 que revogou a anterior, apenas menciona que deve ser para uso próprio da arrendatária. Conforme prevê o art. 11 da Resolução:
“Podem ser objeto de arrendamento bens móveis, de produção nacional ou estrangeira, e bens imóveis adquiridos pela entidade arrendadora para fins de uso próprio da arrendatária, segundo as especificações desta.”[70]
Mencionando para uso próprio, entende-se o arrendatário como destinatário final da relação de consumo, e desta forma, se enquadrando na aplicação no Código de Defesa do Consumidor.
Em decisão do Superior Tribunal de Justiça, torna-se claro a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de arrendamento mercantil (leasing). Conforme decisão proferida pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, em sede de recurso especial manejado pela Companhia Itauleasing de Arrendamento Mercantil S/A, onde defende, entre outras alegações, que não incide o Código de Defesa do Consumidor pois afronta outras legislações. O Ministro reitera sua aplicação uma vez que: “já que caracterizada a prestação de serviços pela arrendadora e estabelecida uma relação de consumo”.[71]
Ainda, no que se refere à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, a mesma Resolução de nº 2.309/1996, em seu artigo.10, abarca a questão da conversão do contrato de arrendamento mercantil em de compra e venda, caso não sejam obedecidos os prazos mínimos estabelecidos. Prazos estes explanados em tópico anterior, que no caso de bens com vida útil de até cinco anos, deve obedecer ao prazo mínimo de arrendamento de até dois anos[72]. Neste caso, percebe-se a descaracterização do contrato de arrendamento mercantil (leasing), que passa a ser de compra e venda.
“A operação de arrendamento mercantil será considerada como de compra e venda a prestação se a opção de compra for exercida antes de decorrido o respectivo prazo mínimo estabelecido no art. 8º deste Regulamento.”[73]
Em se tratando do arrendamento mercantil de prática comercial, percebe-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois o consumo na sociedade a cada dia aumenta, e seres humanos praticamente se tornam mercadorias, todos devem ter. Para exemplificar podemos utilizar Zygmunt Bauman: “Numa sociedade de consumidores, todo mundo precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação (ou seja, ver e tratar o consumo como vocação).[74]
Para conclusão da incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de arrendamento mercantil (leasing), vale referir a Súmula 381 do STJ que trata sobre as cláusulas abusivas, onde deve ser alegado pela parte, não podendo o juiz de ofício as decretar.
Desta forma, verifica-se que a Fazenda Pública não pode ser prejudicada no recebimento dos tributos, e utilizar-se, no caso de arrendamento mercantil, podendo executar tanto a empresa arrendadora quanto ao arrendatário para o recebimento do IPVA (imposto de propriedade de veículos automotores).
E no campo da discussão do contrato pelo Código Civil de 2002, a modalidade de proteção para a empresa arrendadora, no caso de inadimplemento por parte do arrendatário, utiliza-se a reintegração de posse, ficando restrita a aplicação do Código Civil pelo arrendatário em face de ter no ordenamento jurídico diploma específico para sua defesa no que tange à relação de consumo, e neste sentido, a via de defesa do consumidor far-se-á pelo Código de Defesa do Consumidor, por tratar de relação de consumo segundo entendimento da doutrina majoritária e ainda do Superior Tribunal de Justiça. A sua defesa poderá ser exercida de forma individual, ingressar individualmente no Poder Judiciário ou de forma coletiva pelos legitimados no Código de Defesa do Consumidor.[75]
Por fim, importante elucidar que o presente trabalho não visa o esgotamento de todas as possibilidades admitidas para defesa das partes do contrato, sendo que as mesmas servem apenas como exemplos, e que, para a defesa dos direitos em juízo existem alternativas diversas.
Conclusão
O presente estudo sobre a “responsabilidade do pagamento pelo IPVA nos contratos de arrendamento mercantil (leasing)”, mostrou-se estimulante e não esgotou questionamentos. As constantes transformações da sociedade e do Direito trazem à tona uma série de dúvidas a serem sanadas e soluções por vezes não encontradas.
O IPVA tem natureza jurídica tributária, pois está classificado na Constituição Federal de 1988 dentro do Capítulo do Sistema Tributário Nacional, e, portanto, deve obedecer aos princípios constitucionais e do direito tributário.
Conforme previsão do art. 146, III, alínea “a” da Constituição Federal, cabe à lei complementar definir o fato gerador, a base de cálculo e o contribuinte em matéria tributária, no entanto, em não havendo a lei complementar conforme previsão legal do art. 24, § 3°, os Estados exercerão a competência plena. Desta forma pode-se estar diante de uma possível inconstitucionalidade.
Portanto, inexistindo lei complementar, cada Estado da Federação contempla em legislação estadual o fato gerador, a base de cálculo, e os contribuintes. Em última análise, nesta celeuma podemos constatar que os Estados divergem sobre o fato que gera a obrigação tributária, pois, existem Estados que tem previsão inclusive da cobrança sobre aeronaves e embarcações, sendo que o STF já declarou que não cabe a sua cobrança neste caso, e em especial, o contribuinte que, para alguns Estados é inclusive o possuidor direto, ou o domínio útil, como se trata de um imposto sobre o patrimônio entende-se ser inviável sua cobrança sobre a posse ou domínio.
Quanto ao contrato de arrendamento mercantil (leasing), é um contrato de natureza complexa, que além da locação, é um misto de compra e venda e financiamento. O que prevalece durante o prazo de arrendamento é a locação do bem, e somente ao final do contrato passa a ser de compra e venda ou ainda, quando não respeitados os prazos mínimos do contrato de arrendamento, ou mesmo quando antecipado o Valor Residual Garantido. O financiamento é no sentido em que o arrendatário tem a possibilidade de possuir um bem que não comprou e em face disso paga as contraprestações oriundas da locação e ainda os juros para Instituição Financeira.
Em se tratando de um produto bancário, verifica-se que incide o Código de Defesa do Consumidor conforme tema já sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, e ainda, conceituado pela doutrina e pela legislação como um contrato de adesão, portanto, repleto de cláusulas abusivas que lesam o consumidor restringindo direitos.
Diante do estudo realizado conclui-se, portanto, que pode haver inconstitucionalidade na cobrança do IPVA pelo fato que não há lei complementar sobre a matéria e os Estados na sua legislação estadual divergem em muitos pontos sobre o tema. Portanto não existe a possibilidade da alteração do pólo passivo da obrigação pelo pagamento do IPVA, sendo única e exclusivamente a responsabilidade do proprietário do bem indiferente de quem seja a posse ou domínio útil. Tal matéria se encontra de forma expressa na legislação de cinco Estados da Federação entendendo que quem deve pagar o IPVA no caso de arrendamento mercantil de veículo é a empresa arrendadora do veículo automotor.
Verifica-se que o tema ora tratado merece muita atenção em face da evolução do Direito Tributário com uma nova visão contemplando as Instituições Financeiras como contribuinte do imposto tratado, pois nesse viés o arrendatário, pólo mais fraco da relação contratual, tem a possibilidade de discussão sobre o pagamento do imposto com quem detém o maior poder econômico do país.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Centro Universitário IPA – Porto Alegre/RS.
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