Resumo O presente trabalho tem por objetivo discutir a responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito privado nos crimes ambientais, analisando o pensamento de doutrinadores, fundamentos jurídicos, a decisão do STF sobre o tema e os dizeres de nossa atual legislação, fazendo um contraponto a fim de se verificar suas posições em relação a responsabilidade penal da pessoa jurídica no direito ambiental bem como apresentar as correntes que norteiam este tema. A escolha do tema se justifica por ser uma discussão nova em termos jurídicos e bastante controversa que vem chamando a atenção da doutrina penal pelo mundo.
Palavras-chave: Pessoa Jurídica, Responsabilidade Penal, Crimes Ambientais, Direito Penal.
Introdução
Hoje estamos vivendo uma terceira fase histórica do direito ambiental que teve inicio no século XX, mais especificamente em Estocolmo em 1972. Falamos atualmente no meio ambiente como um todo dividido em meio ambiente natural, artificial, cultural e de trabalho. Com a consciência do desenvolvimento sustentável, nos preocupamos com o futuro do mundo em que vivemos, precisamos e devemos preservar a natureza para as futuras gerações.
A pessoa jurídica vem desempenhando um papel cada vez mais importante em nossa sociedade moderna o que acaba vinculando-a ao que o doutrinador Luís Regis Prado chama de fenômeno da criminalidade econômica latu-sensu.
Cabe ainda ressaltarmos a grande dificuldade de individualizar a responsabilidade penal da pessoa jurídica sem que a pessoa física também tenha que ser responsabilizada, pelas grandes controvérsias das objeções existentes entre o cunho dogmático e o cunho político-criminal. Sobre essa questão temos uma recente decisão do STF que será tratada ao longo do projeto.
Traçando um esboço do texto, será apresentada na primeira parte a responsabilidade penal da pessoa jurídica na Constituição Federal de 1988, na segunda parte falaremos da responsabilidade penal da pessoa jurídica diante da Lei 9.605/98 e em uma terceira parte abordaremos a visão do STF sobre o assunto em pauta e por último uma conclusão sobre o tema.
1. A responsabilidade penal da pessoa jurídica na Constituição Federal de 1988
Atualmente mais do que nunca estamos falando em preservação do meio ambiente, em desenvolvimento sustentável, em proteger as futuras gerações. Isto pelo fato de virmos de um passado sem qualquer consciência ambiental e onde o meio ambiente já foi muito degradado.
A ideia do desenvolvimento sustentável deu os seus primeiros passos em 1972 a partir do conceito de ecodesenvolvimento sugerido na Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento em Estocolmo, Suécia.[1]
Podemos traduzir o desenvolvimento sustentável como a capacidade de suprir as necessidades dos seres humanos de hoje sem comprometer as gerações futuras, não esgotando os recursos, deixando-os disponíveis de forma perene sempre que possível.[2]
Pensando no atual contexto de nossa sociedade e no conceito de desenvolvimento sustentável, levando em conta o crescimento exponencial das empresas, que são consideradas como as que mais degradam o meio ambiente, a Constituição Federal de 1988 prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica em dois artigos 255, § 3°e 173, § 5º:
“Art. 225, § 3°: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Art. 173 § 5°: “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.”
Porém, alguns doutrinadores corroboram com a Teoria da Ficção Legal de Savigny juntamente com o pensamento do dogma romano-germânico de que a pessoa jurídica não possui personalidade e nem vontade próprias, e que, portanto seria incapaz de manifestar sua vontade, requisito este indispensável para a culpabilidade e, dessa forma, torna-se impossível sua responsabilização penal, pois não poderia ela, praticar conduta que gerasse efeitos nesta esfera. Vejamos a conclusão do advogado criminalista Fabrício da Mata Côrrea:
“(…) não é possível responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, tendo em vista que ela não é dotada de culpabilidade, onde ao mesmo tempo que não pode ela se determinar, também não possui condições de compreender o sentido de uma pena. Sem contar ainda, que toda a responsabilização penal da pessoa jurídica pauta-se na conduta determinada pelos administradores, o que representa outra clara violação constitucional do princípio da pessoalidade”[3]
Destacamos também o pensamento do Professor René Ariel Dotti que compartilha desta ideia, para ele,
“o ilícito penal (crime ou contravenção) é fruto exclusivo da conduta humana (…) somente a pessoa física pode ser sujeito ativo de infração penal. Apenas o ser humano nascido de mulher pode ser considerado como autor ou partícipe do crime ou contravenção (…) somente a ação humana, conceituada como atividade dirigida a um fim, pode ser considerada como suporte causal do delito.”[4]
Também para o doutrinador Luiz Regis Prado “falta ao ente coletivo o primeiro elemento do delito: a capacidade de ação ou omissão” [5]
Outro ponto de controvérsia é a forma como o legislador escreveu na Constituição as palavras “conduta” e “atividade” respectivamente. Alguns doutrinadores como Luiz Regis Prado acreditam que a disposição destas palavras foi proposital, pois ao falar de “conduta” o legislador se refere a conduta humana da pessoa física e ao falar de “atividade” está se referindo a pessoa jurídica. Os doutrinadores confirmam esta opinião por, logo na sequencia do dispositivo o legislador se referir sobre a pessoa física primeiramente, e logo após a pessoa jurídica e por último refere-se às sanções civis, administrativas e penais:
“Embora ambíguo o texto, não há falar aqui, porém, em previsão de responsabilidade criminal das pessoas coletivas. Aliás, o dispositivo em tela refere-se, claramente, a conduta/atividade e, em sequência, a pessoas físicas ou jurídicas. Dessa forma, vislumbra-se eu o próprio legislador procurou fazer a devida distinção, através da correlação significativa mencionada. Nada obstante, mesmo que – ad argumentandum – o dizer constitucional fosse em outro sentido – numa interpretação gramatical diversa -, não poderia ser aceito.” [6]
A partir da teoria mostrada acima chegamos a outra discussão: A pessoa jurídica é apenas a soma da vontade dos sócios ou a pessoa jurídica possui vida própria?
Este debate vem correndo desde o século XX e hoje predomina-se a teoria da realidade a qual acredita que a pessoa jurídica não só existe juridicamente como possui vontade jurídica própria e tal argumento corrobora-se pelos artigos 173 § 5° e 225 § 3° da Constituição Federal os mesmos que causaram e causam tanta discussão.
Dessa forma, entende-se que a Constituição Federal é clara quanto à responsabilidade da pessoa jurídica ou da pessoa física quando qualquer delas provoca danos ambientais sendo responsabilizada tanto civil, administrativa e penalmente.
2. A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica na Lei n° 9.605/1998
Ainda que clara a responsabilidade penal da pessoa jurídica em dispositivo constitucional, a Lei 9.605/98, denominada Lei dos Crimes Ambientais veio para intensificar ainda mais este argumento.
A Lei dos Crimes Ambientais estabelece dois requisitos para que a Pessoa Jurídica seja responsabilizada penalmente, o primeiro é que a decisão da conduta criminosa tenha que partir dos representantes legais, representantes contratuais ou do órgão colegiado da entidade jurídica e o segundo requisito é de que a decisão tomada por essas pessoas beneficie a pessoa jurídica, conforme disposto no artigo 3° da lei, vejamos:
Art. 3º: As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
O parágrafo único do mesmo artigo citado acima assevera que a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade da pessoa física autora, co-autora ou partícipe do delito.
Ao falarmos na responsabilidade penal da pessoa jurídica nos deparamos com o seguinte problema, como adequar a pena a entidade jurídica?
Estamos enraizados no pensamento de que pena tem o sentido de castigo, educação e socialização, porém a pena corporal de restrição da liberdade é apenas uma das penas, podemos ter, por exemplo, a aplicação de multa ou até mesmo a dissolução de uma pessoa jurídica forçadamente e ainda assim teremos o cumprimento da pena.
Explica o Professor Luiz Flávio Gomes que:
“As missões do Direito penal, isto é, suas finalidades, suas metas, são as consequências queridas ou procuradas oficialmente pelo sistema (proteção de bens jurídicos, diminuição da violência individual etc.). Funções são as consequências (efetivas) não desejadas (oficialmente, ostensivamente), mas reais do sistema.”[7]
Dessa forma, tal questionamento é prontamente respondido pelos artigos 21 a 24 da Lei de Crimes Ambientais os quais sustentma que as penas da entidade jurídica podem ser de prestação de serviços à comunidade; pena restritiva de direito; multas e pena de dissolução forçada, esta ultima especificamente para aquelas pessoas jurídicas criadas com o fim especifico de causar crimes ambientais, e neste caso a entidade tem todos os seus bens e patrimônios declarados perdidos em razão de serem instrumentos do crime. Vejamos:
“Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:
I – multa;
II – restritivas de direitos;
III – prestação de serviços à comunidade.
Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:
I – suspensão parcial ou total de atividades;
II – interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
III – proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. (…)
Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.”
Assim, a Lei de Crimes Ambientais corrobora com a ideia já surgida na Constituição Federal de 1988 de que a pessoa jurídica deve ser responsabilizada quando cometer crimes ambientais.
3. A responsabilidade da pessoa jurídica nos crimes ambientais: visão do STF
O Supremo Tribunal Federal atribuía a responsabilidade penal à pessoa jurídica nos crimes ambientais quando indiscutivelmente fosse possível apurar a participação direta de um ou mais agentes ligados à empresa na prática do crime ambiental, o que se denominava como teoria da dupla imputação. Caso não se constatasse o dito acima, a pessoa jurídica não poderia se quer ser responsabilizada.[8]
Em data de 6 de agosto de 2013, o Supremo Tribunal Federal surpreendeu ao atribuir responsabilidade penal à pessoa jurídica no caso envolvendo o derramamento de quase quatro milhões de litros de óleo cru em dois rios no Paraná, não foi possível neste caso afirmar com certeza quem ou quais pessoas seriam diretamente responsáveis pelo acidente ambiental. Diante desta decisão, o processo penal de responsabilização da pessoa jurídica não mais estava vinculado à apuração de agente (s) ligada à empresa como responsáveis pelo ato criminoso, abandonando-se assim, ao que tudo indica, a teoria da dupla imputação e passando a utilizar teorias como a do defeito de organização e da culpabilidade coorporativa que já é utilizada em outros países. (STF/PR, RE 548181, j. 06.08.2013, rel. Min. Rosa Weber.)[9]
Por ser muito difícil determinar com certeza quem foi o responsável pelo ato criminoso no ambiente de uma empresa, é que se tem mudado o entendimento do STF e consequentemente o entendimento dos artigos da Constituição Federal que tratam do assunto, dando uma interpretação literal ao narrado no artigo 225, § 3° da Constituição. [10]
A decisão do STF foi um marco para as controvérsias sobre a responsabilidade penal ou não da pessoa jurídica em crimes ambientais, mostrando-nos que a entidade coletiva pode sim e deve ser responsabilizada pelos crimes que cometer bem como seus sócios.
Considerações finais
A responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito privado nos crimes ambientais é considerado um assunto recente e que ainda gera algumas contradições entre os juristas mesmo após decisão do STF responsabilizando a pessoa jurídica por esses crimes.
Por ser considerado como patrimônio público, o meio ambiente é responsabilidade tanto dos Estados como da coletividade sendo classificado como direito difuso tendo ainda como direito fundamental o seu equilíbrio.
Tanto a Constituição Federal como a Lei de Crimes Ambientais responsabilizam a pessoa jurídica quando esta comete algum crime ambiental, não só a pessoa jurídica é responsável como também os sócios proprietários.
As penas previstas para as pessoas jurídicas que incorrem em crime ambiental variam de uma simples multa e serviços à comunidade podendo chegar até a uma pena restritiva de direito de suspensão total das atividades da empresa.
Não podemos nos esquecer de que o proprietário, diretores e/ou os responsáveis pela pessoa jurídica criminosa também respondem penalmente pelo delito da empresa por serem consideradas co-responsáveis pelos atos da mesma.
As empresas e seus responsáveis devem se conscientizar de que é responsabilidade delas também a manutenção do meio ambiente, pois hoje as empresas são as maiores responsáveis pela degradação dele.
Conclui-se, então, pela admissibilidade de se responsabilizar penalmente a pessoa jurídica por crime ambiental pautado na observância de cada caso concreto como uno a fim de se aplicar a melhor sanção a cada caso, mas sempre com a finalidade de resguardar o meio ambiente colocando-o em primeiro plano.
Bacharel em Direito pela Faculdade Pitágoras. Pós-graduada em Ciências Penais pela Uniderp – Anhaguera
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