Resumo: O ato de consumo é inseparável da vida humana. Todavia, o consumo ostentatório aumenta, causando reflexos no meio ambiente. Assim, faz-se necessário a implementação de uma Política de Responsabilidade ambiental pós consumo, com finalidade de preservar o Estado Democrático de Direito e o Meio Ambiente para as presentes e futuras gerações.
Palavras chave Responsabilidade. Meio Ambiente. Consumo. Equidade.
Abstract: The act of consumption is inseparable from human life. However, conspicuous consumption increases, causing reflections in the environment. Thus, it is necessary to implement an environmental policy Liability post consumption with the purpose of preserving the democratic rule of law and the environment for presents and future generations.
Keywords: Responsibility. Environment. Consumption. Equity
Sumário: 1 Consumo Ostentatório e Meio Ambiente. 2 Resíduos sólidos e suas classificações. 3 Responsabilidade ambiental pós-consumo.
1. CONSUMO OSTENTATÓRIO E MEIO AMBIENTE
O consumismo ostentatório, termo usado para descrever gastos esbanjadores em bens e serviços adquiridos, principalmente, para o propósito de mostrar renda ou riqueza, é antagonista à sustentabilidade, porque aumenta muito o uso de recursos e o impacto ambiental.
Para Fagundes[1] o consumismo desenfreado caracteriza a sociedade de consumo, no qual tudo (ou quase tudo) o que se consome é descartável, caracterizando o consumo de massa, ou seja, a produção padronizada e em grande escala de bens para serem consumidos por pessoas que tiveram suas prioridades conduzidas por um processo de marketing voltado ao aumento da demanda, ainda que não tivessem necessidade real de adquirir tais produtos.
É necessário tomar cuidado para não atribuir toda a culpa pela degradação ambiental ao mercado produtivo, uma vez que este mercado é pautado pela lei da oferta e da procura, sendo certo que somente produz o que o consumidor quer.
Assim, a responsabilidade que antes era atribuída somente às empresas, agora deve ser também dividida com o consumidor, que com sua atitude mais ou menos conscientizada poderá contribuir mais ou menos para a degradação do ambiente em que vive.
A doutrina comumente emprega a terminologia “meio ambiente” de forma adjetivada, com o objetivo de especificar quatro espécies distintas, quais sejam, o meio ambiente natural ou físico, o meio ambiente artificial ou urbano, o meio ambiente cultural e o meio ambiente do trabalho.
Édis Milaré[2] com a corriqueira presteza sintetiza em sua bela obra a “taxionomia e natureza jurídica” do Direito do Ambiente, de forma a considerar que:
“[…] tendo o direito do Ambiente por missão a tutela de bens e valores assim qualificados, não pode ser concedido dentro da dicotomia (público ou provado) do Direito tradicional, mas como um direito difuso ou como queiram, um direito de terceira geração.”
O Supemo Tribunal Federal, através do voto do Min. Celso de Mello, conceituou o direito ao meio ambiente
“[…]como um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações”.[3]
Nesse entendimento, Tupiassu[4] salienta que “[…] o meio ambiente é, tanto para os particulares quanto para os poderes públicos, um bem indisponível, sendo, como um direito de terceira geração, de fruição comum e solidária em relação à toda sociedade”.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, ocorrida em Estocolmo no ano de 1972 consagra uma série de princípios importantes[5], sendo considerado o divisor de águas para o estudo do Direito Ambiental. Dessa forma, é importante enfocar os princípios aplicáveis à tutela dos resíduos sólidos, quais sejam: Desenvolvimento Sustentável, Informação e Participação, Poluidor-Pagador, Prevenção, Precaução, Função Socioambiental da Propriedade, Equidade Intergeracional e Planificação.
De todos esses princípios, ora citados, que tutelam os resíduos sólidos, o que mais nos interessa nessa linha de pesquisa é fazer uma abordagem mais abrangente do Princípio da Equidade Intergeracional.
O conceito de equidade intergeracional surgiu nos anos de 1980 e está intrinsecamente relacionado com a ansiedade desencadeada pelas mudanças globais que caracterizaram a segunda metade do século XX, visto que o poder da humanidade de mudar e transformar as características físicas da Terra alcançou um nível que dificilmente poderia ser imaginado há um século, sendo que ao mesmo tempo a população mundial aumentou numa velocidade sem precedentes, dobrando em algumas décadas.
Para ficar clara a ideia de equidade intergeracional, Nickel[6] entende que esta é parte de um sistema de éticas e serve para balizar um principio de direito ambiental. E assim, alerta:
Equidade intergeracional requer a nós atitudes de não destruição dos recursos naturais e culturais. Ao invés de assumir que a natureza é toda para o nosso uso e consumo, nossa transformação e destruição, nós necessitamos limitar nosso impacto na natureza, para que as gerações futuras possam ter justo acesso aos recursos e às oportunidade.
Nessa perspectiva, Weiss[7] advoga que a equidade intergeracional, alem de incluir um sentido solidarista nacional, deve sobretudo envolver todos os residentes da Terra numa espécie de corrente planetária de fidúcia em favor da manutenção e da qualidade de vida para todas as gerações.
Desse modo, Sampaio & Wold[8] salientam que não há nenhum fundamento para dar preferência à atual geração em detrimento das que seguirão no gozo e uso do planeta.
Destarte, nota-se que é de total sintonia o Princípio da Equidade Intergeracional com o do Desenvolvimento Sustentável. As presentes gerações não podem deixar para as futuras gerações uma herança de déficits ambientais ou do entoque de recursos e benefícios inferiores aos que receberam das gerações passadas.
A Teoria da Equidade Intergeracional possui bases profundas nos textos dos instrumentos internacionais, como por exemplo: Na Carta das Nações Unidas; Declaração Universal Dos Direitos Humanos; Convenção Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos; Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; entre outros.
Faz-se necessário não olvidar que tal solidariedade guarda estreita ligação com o supra princípio da dignidade da pessoa humana, na medida que, o ser humano possui como um dos seus maiores direitos como sendo a vida e está sofre influencia qualitativa e quantitativa determinantes pelo meio ambiente.
Este é o entendimento de Edis Milaré[9]:
“O reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer sob o enfoque da dignidade desta existência – a qualidade de vida -, que faz com que valha a pena viver.”
Desta forma, a mais importante contribuição da teoria da equidade intergeracional é o reconhecimento de que os direitos intergeracionais devem ser compreendidos sempre como direitos coletivos, distintos de direitos individuais, pertencente às futuras coletividades.
1.2 RESÍDUOS SÓLIDOS E SUAS CLASSIFICAÇÕES
É de suma importância se iniciar esse capítulo tecendo alguns comentários acerca da concepção de resíduos sólidos.
O termo “resíduo sólido”, como o entendemos no Brasil, significa lixo, refugo e outras descargas de materiais sólidos, incluindo resíduos sólidos de materiais provenientes de operações industriais, comerciais e agrícolas, e de atividade da comunidade, mas não inclui materiais sólidos ou dissolvidos nos esgotos domésticos ou outros significativos poluentes existentes nos recursos hídricos, tais como a lama, resíduos sólidos dissolvidos ou suspensos na água, encontrados nos efluentes industriais, e materiais dissolvidos nas correntes de irrigação.[10]
Indubitavelmente que a temática a respeito dos resíduos sólidos ganhou maior efetividade após ter sido contemplada pela Lei 12.305/2010. Contudo, não se pode olvidar que antes disso o assunto já se apresentava com estimável relevo na NBR (Norma Brasileira) 10.004, de 31 de maio de 2004, expedida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), regulamento este que, embora de origem puramente técnica, serviu como mecanismo de balizamento das atividades e das decisões jurídicas ate então.
Tamanha é a importância da NBR 10.004/2004 para a temáticas dos resíduos sólidos que a Lei 12.305/2010, em seu art. 13, reproduziu ipsis literaris a classificação dos resíduos consubstanciada na referida norma técnica. Assim, classifica os resíduos sólidos
“[…] quanto ao processo: domiciliares; de limpeza urbana ou de varrição; c) urbanos; d) comerciais; e) dos serviços públicos de saneamento básico; f) industriais; g) hospitalares ou de serviços de saúde; h) agrícolas ou agrossilvopastoris; i) da construção civil; j) de serviços de transportes; k) de mineração. Quanto ao risco à saúde pública e ao meio ambiente ou quanto à periculosidade: a) perigosos: inflamáveis, corrosivos, reativos, patogênicos, tóxicos, teratogênicos, mutagênicos, ou carcionogênicos; b) não perigosos: inertes ou não inertes. Quanto á composição química: a) orgânicos ou inorgânicos.”[11]
Não se pode olvidar que o aumento, o acúmulo e a destinação final dos resíduos sólidos têm sido um problema de implicações potencialmente lesivas ao meio ambiente e, por consequência, para a saúde e vida humana.
1.3. RESPONSABILIDADE AMBIENTAL PÓS-CONSUMO
Atualmente, a partir da edição da Lei 12.305/2010, a destinação dos resíduos sólidos passou a ter dimensão relevante no tocante à distribuição das responsabilidades entre os diversos autores: cidadãos, setor empresarial e poder público.
Indubitavelmente que, ao tratar do assunto de maneira integrada e com a participação de todos os setores, os resultados acerca das implicações provenientes dos resíduos (produção, gestão e eliminação) serão muito melhores. Portanto, a Política Nacional de Resíduos Sólidos configura um instrumento essencial para definir os direitos e as obrigações dos setores público e privado, bem como dos consumidores finais sobre a gestão dos resíduos.
Acredita-se que o perfil inicial do Estado, com características relevantes no que concerne a equidade ambiental, desenha-se certamente com um sistema compatível de responsabilização. Não há Estado Democrático de Direito se não é oferecida a possibilidade de aplicar toda espécie de sanção aquele que ameace ou lese o meio ambiente.[12]
Quando ocorre a violação desse sistema criado pelo Estado, que pretende tutelar o meio ambiente, é que entra em ação o instituto da responsabilidade, no intuito de aplicar sanções devidas àqueles que se insurgem contra a ordem jurídica constituída.
Os conceitos de responsabilidade compartilhada, responsabilidade pós-consumo e logística reserva estão interligados.
A Logística Reversa, é o instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada, conforme dispõe o art. 3°, XII, da Lei 12.305/2010 .
Dessa forma, conforme salienta Guerra[13] a responsabilidade pós-consumo representa uma série de ações e atribuições voltadas a recaptura dos resíduos sobejados pelo consumidor final de modo a reencaminhá-lo ao setor empresarial competente para que proceda à destinação final ambientalmente adequada.
Para Teles da Silva[14], a responsabilidade do fabricante pela destinação final do produto não é exclusiva do Brasil e já vem sendo aplicada em outros países, como por exemplo, na França, desde 1975, em que é responsabilidade do empreendedor em eliminar os resíduos gerados, mesmo quando estes já não estejam mais em suas mãos.
A Responsabilidade Compartilhada, conforme disposição do art. 3°, XVII, da Lei 12.305/2010
“[…] é o conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos.”
A responsabilidade pelos danos causados ao ambiente, no Brasil, tem atualmente status privilegiado, devido ao fato que, a partir de 1988, a matéria foi elevada ao plano constitucional. Fato esse, que até então não acontecia, na medida em que a previsão existente estava declarada no plano infraconstitucional.
Assim dispõe o art. 225, §3°, da Constituição da República, que “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente de obrigação de reparar os danos”.[15]
Nessa acepção há de se enfatizar a responsabilização em seus vários tipos civil, administrativo, penal e até intercomunitário e ligá-lo aos efeitos transfronteiriços da poluição, visando a alcançar um Estado, interna e externamente, mais aparelhado e mais justo, do ponto de vista ambiental.
É de suma relevância, tratar na presente pesquisa dos fundamentos da responsabilidade ambiental pós-consumo: periculosidade intrínseca do produto e periculosidade decorrente do consumo em massa.
Estando presente um desses fundamentos, ou ambos, é possível obrigar juridicamente os fabricantes pela responsabilidade pós-consumo de seus produtos, embalagens ou resíduos, o que poderá ser feito por lei (federal, estadual ou municipal), resolução do Conama ou por ordem judicial.
Em linha com esse entendimento, a norma disposta pelo art. 931, do Código Civil Brasileiro, ao prever que “[…] os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação”, estabelece uma responsabilização de caráter genérico, diversa da que se encontra no Código de Defesa do Consumidor, pois não relaciona o dano às hipóteses de vício ou defeito do produto; determina apenas que, pelos danos causados pelos produtos, responderão aqueles que os puseram em circulação. Logo, a norma se harmoniza com o art. 170, VI, da Constituição da República, ao prever tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços, harmonizando-se com o que poderia ser definido por princípio da isonomia ambiental.
Sobre esse tema, Granziera[16] adverte que em matéria de resíduos sólidos, vigora o princípio
“[…] segundo o qual o gerador de resíduos é responsável por eles do berço ao túmulo, isto é, a responsabilidade do gerador de resíduos não se encerra nem com a disposição final nem com a entrega do resíduo a um transportador, mesmo que o contrato possua cláusula específica sobre a transferência de responsabilidade, para que este transporte os resíduos até o local de sua disposição final.”
No tocante aos empreendimentos empresariais, é possível extrair do texto da Lei 12.305/2010 alguns exemplos ilustrativos dessas responsabilidades.
O primeiro, para em relação a responsabilidade civil em decorrência da previsão expressa no art. 27, §1.°, da Lei 12.305/2010 que dispõe que
“[…] a contratação de serviços de coleta, armazenamento, transporte, transbordo, tratamento ou destinação final de resíduos sólidos, ou de disposição final de rejeitos, não isenta as pessoas físicas ou jurídicas referidas no art. 20 da responsabilidade por danos que vierem a ser provocados pelo gerenciamento inadequado dos respectivos resíduos ou rejeitos.”[17]
Partindo da leitura do art. 31 da Lei 12.305/2010, verifica-se que, com vistas a fortalecer a responsabilidade compartilhada e pós-consumo, o setor empresarial é obrigado a adotar as seguintes medidas: investir no desenvolvimento, na fabricação e na colocação no mercado de produtos que sejam aptos, após o uso pelo consumidor, à reutilização, à reciclagem ou a outra forma de destinação ambientalmente adequada; investir no desenvolvimento de produtos cuja fabricação e uso gerem a menor quantidade de resíduos sólidos possível; recolher os produtos e os resíduos remanescentes após o uso, assim como sua subsequente destinação final ambientalmente adequada.[18]
No que tange aos consumidores, para Cunha[19] é possível vislumbrar uma modalidade de responsabilidade em relação às proposições da Política Nacional de Resíduos Sólidos, quando se atribui a sanção administrativa de advertência para os consumidores que descumprirem as respectivas obrigações previstas nos sistemas de logística reserva e de coleta seletiva. Esse entendimento também está previsto no art. 6° do Decreto 7.404/2010.[20]
Ao final, evidencia-se que o poder público, quanto às responsabilidades, se apresenta apenas como coadjuvante, haja vista que sua atuação nessa seara somente se fará necessária de forma subsidiária com vistas a minimizar ou cessar o dano relacionado ao gerenciamento de resíduos pós-consumo, na forma do disposto no art. 29 da Lei 12.305/2010[21], que atuará como mero fiscal das responsabilidades dos geradores. Assim dispõe que
“Art. 29. Cabe ao poder público atuar, subsidiariamente, com vistas a minimizar ou cessar o dano, logo que tome conhecimento de evento lesivo ao meio ambiente ou à saúde pública relacionado ao gerenciamento de resíduos sólidos.
Parágrafo único. Os responsáveis pelo dano ressarcirão integralmente o poder público pelos gastos decorrentes das ações empreendidas na forma do caput.”
Todavia, a responsabilidade pós-consumo dos produtos é determinada por meio de atribuições definidas no acordo setorial, e por meio deste serão contempladas as obrigações de cada agente dentro do planejamento arquitetado no acordo para o adequado gerenciamento de resíduos sólidos.
Destarte, é de crucial importância tecer alguns comentários acerca do conceito de acordo setorial, que conforme disposição da Lei 12.305/2010 em seu art. 3°, I “é ato de natureza contratual firmado entre o poder público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto”.
Graduada em Direito. Pós Graduada em Direito Constitucional. Professora de Direito
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