1. INTRODUÇÃO
Neste trabalho tratar-se-á da chamada técnica da “lei ainda constitucional”, bem assim esclarecer-se-á se o Supremo Tribunal Federal já a utilizou e em quais casos jurisprudenciais.
2. DESENVOLVIMENTO
Também denominada pela doutrina e jurisprudência pátrias de “incostitucionalidade progressiva” ou de “declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade”, a “norma ainda constitucional” nada mais é que um modo, uma técnica aplicável ao sistema de controle de constitucionalidade brasileiro em situações onde circunstâncias fáticas vigentes sustentam a manutenção das normas questionadas dentro do ordenamento jurídico.
Tal método é utilizado quando há situações constitucionais imperfeitas. Tais situações medeiam a zona da constitucionalidade plena e a zona da inconstitucionalidade absoluta.
Assim, para que não haja a declaração de inconstitucionalidade da norma, prefere-se mantê-la no ordenamento jurídico com o status de constitucional, até que certas situações fáticas sejam implementadas, quando então aquela mesma norma passa a ter o caráter de inconstitucional.
Vê-se, pois, que tal técnica vislumbra uma constitucionalidade transitória da norma, por isso fala-se em “norma ainda constitucional” ou “inconstitucionalidade progressiva”.
Por meio desta técnica o Judiciário tem a possibilidade de rejeitar a declaração de inconstitucionalidade da norma, mantendo no ordenamento jurídico um ato normativo que, devido a circunstâncias fáticas que vigem naquele momento, pode ser considerado “ainda constitucional”. É, por isso mesmo, considerada uma técnica de flexibilização do controle de constitucionalidade. A esse respeito soam precisas as lições do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, o douto Gilmar Mendes:
“evidente, pois, que a nossa Corte Suprema deu um passo significativo rumo à flexibilização das técnicas de decisão no juízo de controle de constitucionalidade, introduzindo, ao lado da declaração de inconstitucionalidade, o reconhecimento de um estado imperfeito, insuficiente para justificar a declaração de ilegitimidade da lei” (MENDES, 1996, p. 35).
Pode-se citar como exemplo de aplicação da técnica da “lei ainda constitucional” o caso emblemático veiculado no Recurso Extraordinário 147.776. Neste recurso o Ministério Público, diante da conjugação dos arts. 129 e 134 da CF/88, os quais elencam, respectivamente, as competências/atribuições próprias do Parquet e da Defensoria Pública, entendeu que o art. 68 do CPP[1], o qual lhe confere legitimidade para propor a ação civil ex delicto para aqueles que forem considerados pobres, é inconstitucional.
No entanto, o STF decidiu que aquele dispositivo é uma norma ainda constitucional, mas que está em trânsito para a inconstitucionalidade, progressivamente, à medida que as defensorias forem instaladas e possam atuar de forma efetiva e eficaz (LENZA, 2009, p.210).
Outro exemplo de “inconstitucionalidade progressiva” é aquele disposto no art. 5º, parágrafo 5º, da Lei 1060/50[2], o qual confere prerrogativa de prazo em dobro aos Defensores Públicos.
Segundo a Corte Constitucional brasileira, até que a Defensoria Pública não esteja devidamente habilitada ou estruturada:
“Não é de ser reconhecida a inconstitucionalidade do § 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989, no ponto em que confere prazo em dobro, para recurso, às Defensorias Públicas, ao menos até que sua organização, nos Estados, alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público, que é a parte adversa, como órgão de acusação, no processo da ação penal pública.” (STF, HC 70.514, 23.03.1994).
3. CONCLUSÃO
A chamada “lei ainda constitucional ”é uma técnica aplicável ao sistema de controle de constitucionalidade brasileiro em situações onde circunstâncias fáticas vigentes sustentam a manutenção das normas questionadas dentro do ordenamento jurídico.
Tal método é utilizado quando há situações constitucionais imperfeitas. Tais situações medeiam a zona da constitucionalidade plena e a zona da inconstitucionalidade absoluta.
Opositores à técnica da “norma ainda constitucional” argumentam que esta fere os postulados da segurança jurídica e da supremacia da constituição, os quais não admitem que uma norma infraconstitucional seja aplicada em contraposição ao disposto na Constituição que é a lei maior.
Apesar das críticas ao sistema adotado pelo STF, tenho por acertada a técnica da “norma ainda constitucional” ou “inconstitucionalidade progressiva”, uma vez que, o Direito, como reflexo das relações sociais, deve acompanhar suas constantes e diuturnas evoluções, de sorte a se fazer diligente; não sendo mais bastante a clássica e ortodoxa doutrina Kelseniana, segundo a qual a função do julgador deve ser absolutamente isenta, pura, como um simples legislador negativo.
Assim, ainda que nos primeiros passos, vivenciamos o desabrochar de idéias menos ortodoxas em termos de controle de constitucionalidade.
Deste modo, como a atividade legiferante não acompanha a mesma evolução cronológica dos fatos jurídicos, deve a norma constitucional, pois, ser flexibilizada para melhor adequar-se aos fatos sociais, razão pela qual a técnica da “lei ainda constitucional” mostra-se uma técnica eficaz neste novo cenário de controle de constitucionalidade, menos ortodoxo, é verdade.
Procuradora da Fazenda Nacional Pós-graduada em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia e em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera
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