A técnica do sistema recursal penal

Resumo: Trata-se de trabalho técnico sobre a Técnica do Sistema Recursal Penal. Objetiva-se a contribuição didática em assunto tão relevante, pois, os recursos penais representam o duplo grau de jurisdição, que por sua vez, representa maior certeza e segurança na aplicação do Direito, restauração do direito porventura violado e, acima de tudo, uma base jurídica que está no próprio texto constitucional. Salienta-se que o trabalho em questão, analisa o procedimento recursal como técnica profissional, que na atualidade, muitas vezes, diferencia-se da prática forense.


Palavras-chave: Sistema Recursal Penal. Recurso Penal. Teoria Geral do Direito. Pressupostos Recursais. Técnica dos Recursos.


Abstract: This is technical work on the Technical System Criminal Appeals. The objective is to contribute to teaching on the subject was important, therefore, represent the criminal resources of appeal, which in turn represents a grater certainty and security in the application of law, restore the right violated and perhaps above all, a legal is in the constitutional text itself. It should be noted that the work in question, examines the appellate procedure and technical professional, who today often differs from the legal practice.


Keywords: System Criminal Appeals. Criminal Appeal. General Theory of Law. Remedial assumptions. Technical Resources.


Sumário: 1. Introdução. 2. Teoria Geral dos Recursos. 3. Princípios Recursais. 4. Classificações dos recursos. 5. Juízo de admissibilidade. 6. Pressupostos recursais. 7. Efeitos dos recursos. 8. Extinção dos recursos. 9. Tabela de prazos recursais (ordinário/regras gerais). 10. Tabela de competências recursais. 11. Comentários finais. Referências bibliográficas.


1. Introdução


A técnica jurídica, conforme a define CLAUDE DU PASQUIER, citado pelo Professor Aroldo Plínio Gonçalves (1992, p. 32), é “o conjunto de procedimentos pelos quais o Direito transforma em regras claras e práticas as diretivas da política jurídica”.


O Ilustre Professor especifica que nos sistemas jurídicos que alcançaram certo grau de racionalidade, a aplicação do Direito é referida a critérios objetivamente definidos e delimitados pelas normas integrantes do próprio sistema (GONÇALVES, 1992, p. 45).


O Direito Processual, como uma ciência de conhecimento organizado, especifica os procedimentos em relação ao sistema recursal. Trata-se, portanto, da técnica recursal, ou seja, de procedimentos pré-determinados, analisados e criados pela ciência do conhecimento real. Assim, conclui-se que tais procedimentos representam um complexo de normas que serão aplicadas ao caso concreto.


Infelizmente, na atualidade, a prática não se identifica com a técnica. Entre tantas diferenças, salienta-se que a técnica depende do conhecimento prévio, mas, a prática, muitas vezes, é exercida sem o conhecimento. Este fato é percebido no dia-a-dia forense, o que leva a situações concretas de ineficiência processual e, por consequência, injustiça no órgão que tem como função primordial a aplicação da Justiça, ou seja, no Poder Judiciário.


Assim, objetiva-se, neste trabalho técnico, a valorização da técnica recursal. Não se trata de um trabalho que critica os atuais procedimentos, mas sim, de forma didática, relembra-os para suas aplicações corretas.


O Código de Processo Penal, instituído em 1941 e alterado diversas vezes no decorrer dos anos, possui muitas fragmentações em seu sistema estrutural. Salutar, neste aspecto, a aprovação do PLS 156 que possibilitará um sistema estrutural integral e pertinente a atualidade brasileira.


Mas, enquanto as novas normas não surgem, é fundamental o conhecimento, “o saber técnico” da estrutura processual recursal da atualidade. Assim, segue-se para as explanações didáticas sobre os recursos criminais.


2. Teoria geral dos recursos


2.1 Conceitos


A palavra recurso, do latim recursare que significa caminhar para trás, é o oposto da palavra processo, do latim procedere que significa caminhar para frente. Assim, recurso é o mecanismo processual destinado ao reexame processual.


Como o processo é um progredir ordenado, no sentido de obter-se com a sentença a prestação da tutela jurisdicional que se busca, o recurso corresponderá sempre a um retorno, no sentido de reflexo, sobre o próprio percurso do processo, a partir daquilo que se decidiu para trás, a fim de que se reexamine a legitimidade e os próprios fundamentos da decisão impugnada. Segundo Tourinho Filho, “é o direito público subjetivo de se pedir o reexame de uma decisão”.


Sob a perspectiva dos interesses das partes que se submetem às decisões judiciais, ou seja, os jurisdicionados, o recurso é um pedido de nova decisão judicial. Há manifestação de inconformismo cuja pretensão final é a obtenção de nova decisão diferente da anterior e, no plano jurídico ou prático, menos gravosa ou mais favorável. Observamos, portanto, que o duplo grau de jurisdição integra o exercício da ampla defesa.


Porém, há, também, a perspectiva do interesse do Estado no controle dos atos jurisdicionais por ele praticados, quando irá revelar-se público, se a orientação for pela preocupação com a qualidade e a regularidade da atividade jurisdicional (PACELLI, 2011, p. 839).


Entendemos que, quanto maior o número de recursos, fato que propicia a referida amplitude de defesa, mais numerosas serão às possibilidades das devidas tutelas de direito. Por outro lado, um número excessivo de recursos transforma a atividade jurisdicional lenta e, por consequência, oferece uma justiça ineficiente.


A busca pela celeridade processual, tão desejada e comentada nos últimos tempos, deve ser criteriosa e cautelosa, ou seja, a efetividade processual não poderá ultrapassar os limites das garantias individuais. Assim, nos ensina o Professor Pacelli, referindo-se às súmulas vinculantes:


“Alertávamos, em nota à edição anterior, que o processo de sumulalização – duvidamos, sinceramente, da existência de semelhante palavra – em matéria penal e processual penal poderia se revelar inconveniente, na medida em que a justiça acabaria por tender à massificação da realidade dos fenômenos do dia a dia, pondo em risco as especificidades de cada caso concreto”. (PACELLI, 2011, p. 841)


O recurso depende de previsão legal. Ou seja, é sempre na lei que se baseia a existência de recurso contra decisão judicial. E pela Constituição Federal é direito de toda pessoa submetida a processo penal obter nova decisão sobre a matéria de seu interesse.


Esta nova decisão, da segunda instância, irá substituir àquela impugnada na via recursal. Porém, pode o litigante pretender uma anulação e não uma substituição da decisão, por exemplo, quando se tratar de alegação de nulidade do processo ou da decisão, o que ocorrerá é a sua desconstituição, a reclamar a renovação do ato na mesma instância recorrida (PACELLI, 2011, p. 842). Ou seja, o processo retornará à 1ª instância para a renovação do ato.


Salientamos, todavia, que a legislação reserva ao recurso a função de impugnação, exclusivamente, de decisões ainda não transitadas em julgado. Aos casos de sentenças transitadas em julgado são reservadas as ações autônomas de impugnação, como, por exemplo, a ação de revisão criminal.


Abordam-se como fundamentos do recurso à necessidade psicológica do vencido, a falibilidade humana e as razões históricas do próprio direito.


– A necessidade psicológica do vencido pode ser explicada como interesse subjetivo inerente do ser humano, de não aceitar uma decisão desfavorável a si, que lhe traga algum gravame ou prejuízo.


– Da falibilidade humana parte-se em ter o recurso como um remédio jurídico previsto para corrigir erros, já que o julgador, na qualidade de ser humano, é passível de erro, falha.


– As razões históricas do direito advêm da época do Império Romano, com o Imperador Adriano, onde primeiro surgiu o Recurso de Apelação como forma de rever decisões dos magistrados, por ser uma decisão errada, ilegal ou injusta.


3. Princípios recursais


3.1 Princípio do Duplo Grau de Jurisdição


O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição garante ao litigante a possibilidade de submeter ao reexame das decisões proferidas em primeiro grau, desde que atendidos os requisitos previstos em lei. Quando falamos em duplo grau entendemos que a revisão será feita por outro órgão da jurisdição, hierarquicamente superior na estrutura jurisdicional.


A base jurídica dos recursos está no próprio texto constitucional, quando este organiza o Poder Judiciário em duplo grau com a atribuição primordialmente recursal dos Tribunais.


O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição representa maior certeza e segurança na aplicação do Direito. Objetiva a proteção ou restauração do direito porventura violado. É necessário, para uma justa composição do conflito de interesses, um segundo exame da relação jurídica posta em litígio.


A exigência do duplo grau não alcança os acórdãos proferidos nas provocações que ocorrem por meio de recurso extraordinário e recurso especial. Ora, se o Supremo Tribunal Federal é competente para julgar uma lide originariamente, da sua decisão caberá recurso para quem? Trata-se aqui de clara hipótese de não cabimento do Duplo Grau de Jurisdição.


Observamos, portanto, pela situação acima especificada, que a Constituição tacitamente admitiu que a supressão do direito de apelar não ofende o direito ao devido processo legal, na medida em que garantido está o acesso a mais alta Corte, a fim de proteger os direitos fundamentais.


 Como nos ensina o ilustre Professor Pacelli, a jurisdição do STF e do STJ, quando alcançada pelos referidos recursos, cumpre outra missão e assim exemplifica:


“Assim, em uma ação penal da competência originária dos tribunais de segunda instância, por exemplo, não se poderá alegar violação ao duplo grau de jurisdição, pela inexistência de recurso ordinário cabível. O referido órgão colegiado, nessas situações, estará atuando diretamente sobre as questões de fato e de direito, realizando, então, a instrução probatória e o julgamento. Estará garantindo, portanto, o reexame da matéria por mais de um único juiz (a pluralidade da decisão, pois), sobretudo quando a competência para o julgamento for atribuída, no respectivo Regimento Interno, ao Plenário do Tribunal. De todo modo, o afastamento da exigência do duplo grau em tais casos decorreria da própria Constituição”. (PACELLI, 2011, p. 844)


3.2 Princípio da Voluntariedade dos Recursos


À parte sucumbente é conferida ampla liberdade para interpor recurso, objetivando a reforma ou a anulação da decisão com a qual se sentiu lesada. Em princípio somente a essa parte deve ser conferida ampla liberdade para interpor o recurso, demonstrando, assim, sua concordância ou não com o pronunciamento jurisdicional. Por isso se fala em recurso voluntário.


Também o Ministério Público pode discordar da decisão e interpor o recurso como representante da parte/ Estado (titular da ação penal) ou como custos legis (fiscal da lei). O MP, tratando-se de ação penal pública, é regido pelo princípio da obrigatoriedade, mas em relação ao recurso não é obrigado a recorrer, só recorrendo se houver interesse na reforma ou na anulação da decisão (art. 574). Porém, para o parquet vigora a indisponibilidade, uma vez que, interposto o recurso, não poderá dele desistir (art. 576).


“Art. 576.  O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto.”


Mas, a lei abre exceções em relação ao Princípio da Voluntariedade do recurso, prevendo o denominado recurso de ofício (recurso obrigatório, recurso necessário – reexame necessário). Trata-se de recurso que obrigatoriamente deve ser interposto pelo juiz. Ao contrário, a decisão não transitará em julgado (súmula 423, STF), ou seja, não produzirá efeitos.


3.2.1 Recurso de Ofício (lei) ou reexame necessário (doutrina)


“STF Súmula nº 423 – 01/06/1964 – DJ de 6/7/1964:


Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso “ex-oficio”, que se considera interposto “ex-lege”.”


Em apenas três situações, o atual CPP condiciona a validade da decisão judicial ao reexame da matéria pelo órgão de hierarquia superior (recurso de ofício). São as seguintes:


– Da decisão concessiva de habeas corpus (574, I);


– Absolvição Sumária nos termos do art. 411 (574, II). (A Lei nº. 11.689/08 extinguiu esta hipótese, derrogando o art. 411 do CPP);


– Crimes contra a economia popular – art. 7º da Lei n. 1.521/51 – Os juízes recorrerão de ofício sempre que absolverem os acusados em processo por crime contra a economia popular ou contra a saúde pública, ou quando determinarem o arquivamento dos autos do respectivo inquérito policial;


– Da decisão que conceder a reabilitação (art. 746, CPP – ação destinada a apagar os antecedentes criminais).


O recurso de ofício é considerado por muitos como uma extravagância judiciária e arcaica, hoje totalmente desnecessária. Para o Profº. Pacelli, são vigências inaceitáveis, vejamos seu parecer:


“Não há como aceitar a vigência de quaisquer uma delas, dentro de um contexto garantista, e em cujo interior se reserva ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública. No sistema do Código de Processo Penal , de 1941, a medida era compreensível, já que até mesmo a iniciativa de instauração da ação penal era reservada ao juiz. (…) Mas da perspectiva do reexame necessário, não há como aceitá-las.” (PACELLI, 2011, p. 845)


Podemos observar que nas três situações de recurso de ofício no Processo Penal, há um dado comum entre elas: referem-se às decisões contrárias aos interesses das funções acusatórias, pois, todas apresentam casos de deferimentos positivos ao acusado.


Este ponto em comum estremece o Princípio Constitucional de Inocência do Acusado, onde a regra é a liberdade, e não a prisão. Neste aspecto, retorna-se a época da presunção da culpabilidade e não o da não-culpabilidade dos dias atuais.


Certamente, o recurso de ofício não se sustenta em nenhuma justificação racional, mas, na realidade, representa, como muitos outros dispositivos do CPP, as características básicas do sistema instituído pelo Código de Processo Penal de 1941 e suas influências inquisitivas, onde a iniciativa da ação penal podia partir do próprio juiz e até mesmo da autoridade policial o que era de grande contribuição para a vigência do sistema inquisitivo.


De qualquer forma, alguns apontamentos são relevantes sobre os dispositivos, pois, continuam em vigência. Vejamos:


– quanto ao recurso da decisão que concede habeas corpus, não tem ele efeito suspensivo, ou seja, concedida à ordem, o acusado deve ser posto imediatamente em liberdade (art. 660, § 1º).  


– o Ministério Público conhecerá da ordem de habeas corpus concedida, conforme art. 660, § 5º, portanto, caso o parquet entenda como necessário e cabível, poderá interpor o recurso em sentido estrito (art. 581, X).


– em relação à Lei 1.521/51, salienta-se que, na atualidade, a matéria relativa aos crimes contra a economia popular, encontra-se regulada pela Lei nº. 8.137/90, na qual não há previsão de exigência de recurso de ofício ou reexame necessário.


– em relação à decisão concessiva da reabilitação, o Ministério Público é regularmente intimado da aludida decisão (art. 745), portanto, sempre poderá, isto quando interessar a não-reabilitação, interpor o recurso de apelação (por tratar-se de decisão com força definitiva).


– alguns autores entendem que o recurso ex officio é inconstitucional (embora esta interpretação seja minoritária) por não ter sido recepcionado pela Constituição Federal (129, I, CF – função do MP promover, privativamente, a ação pública, na forma da lei). STF já se manifestou pela constitucionalidade do recurso de ofício. Vejamos:


“STJ – “PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO CONCESSIVA DE HABEAS CORPUS. REMESSA DE OFÍCIO (ART. 574, INCISO I, DO CPP). DISPOSITIVO NÃO REVOGADO PELO ART. 129, INCISO I, DA CF/88. Na linha de precedentes do Pretório Excelso, o reexame necessário previsto no art. 574 do CPP não foi tacitamente revogado pelo art. 129, inciso I, da Constituição Federal, devendo o juiz de primeiro grau remeter a decisão que conceder habeas corpus à apreciação da instância superior. Recurso provido.” (STJ, 5ª Turma, REsp 760.221/PA, Rel. Min. FELIX FISCHER, j. 15.12.2005, DJ 27.03.2006)


3.3 Princípio da Unirrecorribilidade (singularidade)


O Princípio da Unirrecorribilidade significa que de cada decisão só cabe um recurso. Logo cada decisão pressupõe um recurso especifico. Porém, existem exceções a esse princípio. Citamos um exemplo:


– réu condenado por dois crimes – 155 (furto) e 157 (roubo), CP;


– o réu ingressa com apelação e o Tribunal mantém a condenação, nos dois crimes, sendo a decisão do 155 unânime e a do 157, por 2 x 1;


– embora seja um único acórdão, existem duas decisões: uma unânime e outra por maioria; 


– quanto ao crime unânime, a única alternativa é a interposição de recurso especial ou extraordinário;


– mas a decisão do 157 desafia embargos infringentes e de nulidade;


– Trata-se do denominado acórdão subjetivamente complexo. O réu irá interpor os dois recursos, o extraordinário e os embargos infringentes.


Outra ressalva diz respeito aos recursos extraordinários, pois, apesar de o Recurso Extraordinário e o Recurso Especial estarem previstos para o mesmo momento processual (devem ser interpostos ao mesmo tempo), desde que presentes os pressupostos de admissibilidade, não constituem exceções ao referido principio, já que possuem fundamentos distintos (violação de texto expresso na Constituição e violação de texto expresso em lei ordinária, respectivamente). Alguns autores consideram tal hipótese inconstitucional, mas é um entendimento minoritário.


Não há que se confundir este princípio com o da taxatividade, pois para este, todos os recursos estão previsto em um rol exaustivo, enquanto que para o da singularidade há a correspondência do recurso à decisão prolatada. Pode-se dizer que um princípio completa o outro.


3.4 Princípio da Fungibilidade dos Recursos


Expressamente previsto no texto processual penal (art. 579), o Principio da Fungibilidade possibilita a aceitação do recurso mesmo que interposto erroneamente no lugar de outro. Para tanto, a ausência da má-fé é imprescindível para que seja interpretado como mero erro de forma. Assim, Profº. Pacelli o define:  


“Trata-se da possibilidade do conhecimento dos recursos pelo órgão de revisão (competente para o seu julgamento), independente do acerto quanto à modalidade recursal prevista na lei. Nunca é demais lembrar: processo é meio, e não o fim do direito. Eventuais dificuldades na identificação do recurso cabível não devem conduzir à sua rejeição, sem o exame cuidadoso do caso concreto.”


A fungibilidade recursal é largamente utilizada pelo Supremo Tribunal Federal. Vejamos uma decisão do Pretório Excelso:


“DIREITO PROCESSUAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA. CONTRADIÇÃO INEXISTENTE. RECURSO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. IMPROVIMENTO. 1. Trata-se de Embargos de Declaração opostos pelo Reclamante, alegando contradição na decisão monocrática que negou seguimento à Reclamação ajuizada. 2. Com base no princípio da fungibilidade, deve ser conhecido como agravo o recurso interposto. 3. Irretocável é a decisão que negou seguimento à reclamação, eis que ficou evidenciado o cumprimento do julgado, não havendo a alegada contradição indicada nas razões recursais. 4. Embargos de declaração conhecidos como agravo regimental, e como tal improvido.” (Rcl 5150 ED / SP – SÃO PAULO, EMB.DECL.NA RECLAMAÇÃO. Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Julgamento:  02/09/2008)


No entanto, no Processo Penal à análise do prazo especifico do recurso possui grande relevância à verificação da utilização do Principio da Fungibilidade, ou seja, caso o recurso (errado) tenha sido apresentado dentro do seu prazo, porém, além do prazo previsto para o recurso cabível (o que seria o recurso correto), aquele (o errado) não será abrangido pelo principio, sendo considerado precluso. Posição esta prevalecente pelo Supremo Tribunal Federal.


3.5 Princípio da Vedação da Reformatio in pejus


“Dispõe o art. 617 do Código de Processo Penal: “O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença” (grifou-se).


Fundamentos: o Tribunal não pode proceder de ofício contra o réu; ademais, houve trânsito em julgado para a acusação. E se o Tribunal viola essa regra? Há nulidade absoluta. Aliás, nem sequer nulidade absoluta pode o Tribunal reconhecer contra o réu (Súmula 160 do STF), quando somente ele recorreu.


“Súmula 160 do STF diz o seguinte: “É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”.


Assim, no caso de interposição de recurso apenas do réu, fica o juízo, responsável pela revisão da decisão, impossibilitado de agravar a situação do recorrente (art. 617), conforme preceitua o princípio da reformatio in pejus. Entretanto, no caso de apresentação de recursos por ambas as partes essa limitação não ocorre. Importante observarmos as possibilidades.


– Quando somente a defesa recorre, trata-se de um desdobramento do direito de defesa, não podendo o Tribunal piorar a situação do réu, mas pode melhorar. E o efeito da proibição da reformatio in pejus quando somente a defesa recorre.


– Em contrapartida, se houver recurso interposto somente pela acusação (Parquet, querelante ou assistente de acusação), poderá a instância superior impor gravame maior ao condenado, desde que, exista pedido nesse sentido.


– Por outro lado, se o réu foi condenado e tanto a defesa quanto o MP recorreu, o Tribunal pode piorar a situação, negar provimento a ambos os recursos, negar o recurso da acusação e dar provimento ao recurso da defesa ou mesmo dar provimento parcial a ambos. O Tribunal pode fazer qualquer coisa, não estando atrelado às razões recursais.


– A reformatio in mellius, assim denominada por alguns autores, que consiste na alteração favorável da situação do réu em recurso exclusivo da acusação, é perfeitamente possível, pela ausência de qualquer obstáculo de índole constitucional. Ou seja, o MP interpor o recurso e pedir a melhora da situação do réu.


É salutar a lembrança: ao Estado, e a toda a sociedade, interessa (e deve interessar), na mesma medida, tanto a condenação do culpado quanto a absolvição do inocente. (PACELLI, 2011, p. 850).


3.5.1 Princípio da Proibição da Reformatio in Pejus Indireta


A proibição da reformatio in pejus no processo penal tem aplicação tanto direta e indireta. Anulada uma sentença condenatória em recurso exclusivo do réu, não pode o juiz (na segunda sentença) fixar pena maior. Se pudesse o réu estaria sendo prejudicado (indiretamente) por um recurso interposto por ele mesmo.


Fala-se em reforma indireta em razão de não resultar diretamente da decisão do órgão de segunda instância, mas da nova decisão proferida pelo juiz da causa, após o reconhecimento da nulidade da sentença. Nessa hipótese, com efeito, o recurso da defesa, no qual se alegou a existência da nulidade, teria sido provido, não havendo de se falar em decisão in pejus. O prejuízo somente ocorreria e ocorrerá a partir da nova decisão, quando, afastada a nulidade, for confirmada (ou repetida) a condenação, com imposição, porém, de sanção mais grave. (PACELLI, 2011, p. 818)


3.6 Princípio da Personalidade do Recurso


“Art. 580.  No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.”


Com previsão no art. 580 do CPP, o Princípio da Personalidade consiste na idéia que o recurso penal de natureza pessoal poderá favorecer apenas a parte que o interpôs, no caso do processo com mais de um réu. Enquanto que a parte do recurso que tenha natureza geral pode ser aplicada a todos os réus.


No Processo Civil, o recurso somente favorece aquele que o interpôs. No Processo Penal, se o Tribunal der provimento ao recurso por critérios objetivos (que não sejam pessoais, como a menoridade), a decisão benéfica se estende à outra parte. Trata-se da extensibilidade dos efeitos das decisões benéficas dos recursos. Por exemplo: se em uma ação penal com vários réus, apenas um recorra da sentença condenatória, e o juízo ad quem anular o processo em função de uma nulidade insanável, todos os co-réus serão beneficiados.


3.7 Princípio da Irrecorribilidade das Interlocutórias


Ao contrário da matéria de Processo Civil, em que nas decisões interlocutórias cabe recurso de agravo, em matéria penal as decisões proferidas no curso do processo são irrecorríveis, com exceções previstas no artigo 581 do CPP e outras expressamente previstas em leis especiais. Porém, tais decisões poderão ser apreciadas no julgamento do recurso interposto contra a decisão de mérito (ou seja, não precluem).


3.8 Princípio da Disponibilidade do Recurso


O Princípio da Disponibilidade do Recurso se expressa de duas formas: renúncia e desistência. Esta leva à extinção da possibilidade de recurso, sendo que deve ocorrer após sua apresentação, diferentemente da renúncia, que ocorre antes da interposição do recurso e impossibilita sua ocorrência.


No caso da renúncia advinda do réu, pode ocorrer sua invalidação. Isto deriva do fato de o recurso poder ser apresentado pelo réu, seu procurador ou seu defensor, conforme art. 577. Além disso, importante ressaltar que caso haja divergência de pensamento entre o acusado e seu advogado, deve prevalecer a deste, já que pressupõe de conhecimento técnico. Posição esta ratificada pelo STF na súmula 705.


Diferente do que ocorre com o réu, no caso de Ação Penal de titularidade do Ministério Público, não pode o MP desistir do seu recurso após apresentado, conforme expresso no art. 576. Dessa forma, apenas o acusado, o querelante e seus respectivos defensores podem optar pela desistência do recurso de sua autoria.


3.9 Princípio da Taxatividade dos Recursos


O Princípio da Taxatividade prevê que os recursos devem estar expressamente previstos no texto legal, ou seja, estão disponíveis apenas os recursos que estejam presentes em lei, não podendo haver extensão. O rol é taxativo.


3.10 Princípio da Complementariedade


Conforme pacificado na doutrina e na jurisprudência, o Principio da Complementaridade prevê a possibilidade de complementação das razões recursais quando houver aclaramento, modificação ou acréscimo à decisão proferida anteriormente, como ocorre no caso do acolhimento dos Embargos de Declaração.


Importante frisar que a complementação do recurso deve respeitar os limites do acréscimo da decisão. Caso isto não seja respeitado correndo-se o risco de acarretar na ocorrência da preclusão consumativa.


3.11 Princípio da Dialeticidade


Segundo o Princípio da Dialeticidade, o recorrente deve expor as razões pelas quais deve ocorrer análise da decisão proferida anteriormente, expressando toda a revolta diante dessa, dando a oportunidade de a parte contraria contraditar especificamente as razões e delimitando o exame dos pedidos ao órgão jurisdicional.


Trata-se da garantia de que o contraditório será exercido.


3.12 Princípio da Tempestividade


A interposição do recurso deve ser feita dentro do prazo previsto em lei. A regra geral, no Processo Penal, é de 5 (cinco) dias, havendo alguns prazos menores e outros maiores. Os prazos recursais são fatais, peremptórios e contínuos, conforme previsão legal do artigo 798.


4. Classificações dos recursos


Além da distinção entre recurso voluntário (art. 574) e recurso de ofício, bem como, os recursos parciais e totais, outras classificações são estabelecidas pela doutrina ou pela lei.


4.1. Quanto às suas fontes informativas


– Recursos Constitucionais


São previstos pela Constituição Federal e que têm por finalidade levar aos Tribunais Superiores o seu conhecimento ou defender os direitos fundamentais do indivíduo (exemplos: habeas corpus, mandado de segurança, recurso especial, recurso extraordinário).


Recursos Legais


São previstos no Código de Processo Penal ou em outras leis processuais especiais (exemplos: apelação, recurso em sentido estrito, embargos de declaração, carta testemunhável, revisão criminal).


– Recursos Regimentais


São os instituídos nos regimentos dos tribunais (exemplo: agravos regimentais).


Observação: nestas classificações foram consideradas, também, as ações de impugnações autônomas, como o habeas corpus, o mandado de segurança e a revisão criminal, estas que não são consideradas propriamente recursos.


4.2. Quantos aos seus critérios de motivação


– Recursos Extraordinários


Exigem requisitos próprios. São eles: recurso especial e extraordinário.


4.3. Recursos Ordinários


Baseiam-se no mero inconformismo. São todos os outros recursos. Exemplos: apelação, recurso em sentido estrito, etc.


5. Juízo de admissibilidade


Interposto o recurso, cabe ao órgão jurisdicional a quo verificar se deve ser ele processado e julgado. O juiz perante o qual é interposto o recurso deve realizar um juízo de sua admissibilidade, verificando se estão presentes, no caso, os pressupostos objetivos e subjetivos da impugnação, isto é, se há previsão legal e adequabilidade, se há tempestividade e se há legitimidade e interesse para recorrer.


Mas, o recebimento do recurso pelo juiz a quo não subtrai do Juízo ad quem o exame dos pressupostos da impugnação; se aquele o conhecer, é possível que este não o faça, por entender não estar presente algum dos pressupostos exigíveis na hipótese. Em regra, portanto, o juízo de admissibilidade do recurso é feito em dois graus, ressalvada a hipótese de recurso para o mesmo órgão julgador (exemplo: embargos declaratórios).


5.1. Admissibilidade


Os recursos regem-se, quanto à sua admissibilidade, pela lei em vigor ao tempo em que a decisão recorrida é proferida. Satisfeitos todos os pressupostos objetivos e subjetivos, o recurso deve ser recebido, processado e julgado; caso contrário não deve ser recebido ou conhecido. Neste caso, o recorrente passa a ser sucumbente, por lesão a seu direito, podendo lançar mão de outro recurso, se previsto em lei, para afastar a decisão de não conhecimento. Exemplos:


– recurso em sentido estrito, quando rejeitada a apelação (art. 581, XV);


– carta testemunhável na decisão de não conhecimento do recurso em sentido estrito (art. 639).


6. Pressupostos recursais


Os pressupostos recursais são àqueles que antecedem a interposição do próprio recurso, ou seja, são antecedentes logicamente necessários à própria existência do recurso. Assim, classificam-se os pressupostos recursais:


– pressuposto lógico: uma decisão judicial;


– pressuposto fundamental: a sucumbência.


Além destes pressupostos recursais existem os requisitos (por alguns teóricos, também, denominados pressupostos) próprios de cada recurso. Vejamos a seguir.


6.1 Requisitos específicos ou próprios


Objetivos


1. Cabimento


2. Adequação


3. Tempestividade


4. Regularidade procedimental


5. Impedimentos recursais: fatos impeditivos (surgem antes da interposição) e fatos extintivos (surgem depois da interposição).


Subjetivos


1. Legitimidade recursal


2. Interesse recursal (utilidade)


6.1.1 Requisitos recursais objetivos


a) Cabimento (taxatividade ou legalidade)


Para que se possa recorrer de uma decisão terminativa ou interlocutória, deve haver um recurso próprio previsto na lei.


– Princípio da irrecorribilidade autônoma das decisões interlocutórias (salvo cabimento de RESE).


b) Adequação


Para cada espécie de decisão cabe um recurso específico, não podendo a parte utilizar-se de mais de um meio recursal.


– Princípio da unirrecorribilidade (singularidade ou unicidade) CPP, art. 593, § 4º: “Quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra.”


Exceções, alguns exemplos:


– embargos de declaração e apelação;


– embargos infringentes/nulidade e REsp/RExt;


– REsp e RExt.


c) Tempestividade


As leis que instituem os Recursos prevêem para cada tipo recursal um prazo para sua interposição, devendo o lapso temporal ser observado sob pena de não ser conhecido pela instância superior.


Termo inicial do prazo CPP, art. 798, § 5º:


“Salvo os casos expressos, os prazos correrão:


a) da intimação;


b) da audiência ou sessão em que for proferida a decisão, se a ela estiver presente a parte;


c) do dia em que a parte manifestar nos autos ciência inequívoca da sentença ou despacho.”


Portanto, devemos salientar que o prazo é contado do dia da intimação e não da juntada do respectivo mandado aos autos (súmula 710 do STF), exceção da carta precatória, caso em que se conta da anexação do precatório.


O termo inicial da contagem do prazo CPP é especificado no art. 798, § 1º: “Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento.”


Ministério Público


Art. 800 § 2º: “Os prazos do Ministério Público contar-se-ão do termo de vista, salvo para a interposição do recurso (art. 798, § 5º).” Ou seja, o termo inicial para o MP recorrer é o mesmo estabelecido no art. 798, § 2º, acima citado.


Para melhor esclarecimento, vejamos uma decisão do STF:


“RECURSO. PRAZO. TERMO INICIAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. O termo inicial do prazo recursal para o Ministério Público, em ação penal, conta-se a partir da entrega do processo no setor administrativo da Procuradoria-Geral da Justiça, mediante carga devidamente formalizada, e não do ‘ciente’ que o membro do parquet, em dia que lhe interessar, venha a lançar. (Precedente: HC 83.255, Marco Aurélio, D.J. de 12.03.04). HC deferido para desconstituir o acórdão do Superior Tribunal de Justiça proferido no recurso especial intempestivo.” (STF, 2ª Turma, HC 84.153/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 01.06.2004, DJ 18.06.2004)


Defesa


Para a Defesa, intimação de acusado e defensor ⇒ começa a contagem depois da intimação do último. Vejamos uma decisão do STF que, apesar de antiga, esclarece a questão.


“STF – “[…]. INTIMAÇÃO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA – CONDENADO E DEFENSOR TÉCNICO, CONSTITUÍDO OU DATIVO – ORDEM DAS INTIMAÇÕES – TERMO INICIAL DO PRAZO RECURSAL – PRECEDENTES. Com a exigência da dupla intimação (…) É irrelevante a ordem em que essas intimações sejam feitas. Revela-se essencial, no entanto, que o prazo recursal só se inicie a partir da última intimação.” (STF, 1ª Turma, HC 67.714/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 20.03.1990, DJ 15.03.1991)


Defensoria Pública


O prazo será contado em dobro para o Defensor Público, conforme Lei n. 1.060/50, art. 5º, § 5º:


“Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos.”


Observação: STF: não se conta em dobro o prazo para o advogado dativo.


“PROCESSUAL CIVIL. ADVOGADO DATIVO: PRAZO EM DOBRO: IMPOSSIBILIDADE. Lei 1.060/50, redação da Lei 7.871/89, art. 5º, § 5º. I. – Não se aplica ao advogado dativo a norma inscrita no art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50, redação da Lei 7.871/89, dado que as prerrogativas processuais da intimação pessoal e do prazo em dobro somente concernem aos Defensores Públicos (LC 80/94, art. 44, I, art. 89, I e art. 128, I). II. – Precedentes do STF: Pet 932-SP, Min. Celso de Mello; Ag 166.716-RS, Min. Moreira Alves; Ag 166.754-RS, Min. Sepúlveda Pertence; Ag 167.023-RS, Min. Celso de Mello; Ag 167.086-RS, Min. Marco Aurélio. III. – Agravo não provido.” (STF, Tribunal Pleno, CR-AgR-AgR 7870/EU, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, j. 07.03.2001, DJ 14.09.2001).


d) Regularidade procedimental


Para todo tipo de Recurso, deve-se observar as formalidades legais exigíveis para sua interposição.


O CPP dispõe no art. 578, caput: “O recurso será interposto por petição ou por termo nos autos, assinado pelo recorrente ou por seu representante.” A regra é a petição.


Observações:


– recursos que podem ser interpostos também por termo: Apelação e Recurso em Sentido Estrito.


– recursos que só podem ser interpostos por petição: Embargos Infringentes, Embargos Declaratórios, Carta Testemunhável, Recurso Especial, Recurso Extraordinário, Correição Parcial, além das ações constitucionais de habeas corpus e Revisão Criminal.


Não há obrigação alguma que determine ao recorrente, no ato da interposição da petição ou termo, de dar seus motivos para a interposição, bastando que declare sua inconformidade com a sentença. A motivação será exposta nas razões do recurso.


No processo penal, em atenção ao Princípio Constitucional da Ampla Defesa, não se pode levar o formalismo exagerado ao extremo de não se admitir o recurso apenas porque dessa manifestação não consta, expressamente, as palavras sacramentais exigíveis pela boa técnica processual.


Neste aspecto é salutar a observação do art. 577 que prevê a possibilidade de recurso até mesmo pelo réu, pessoalmente, portanto haverá casos que os formalismos da petição e a própria motivação recursal será dispensada.


Assim, repita-se a regra: no âmbito dos recursos da via ordinária, dispensam motivação para o respectivo conhecimento – excetos nos recursos de fundamentação vinculada, como os recursos extraordinários. (PACELLI, 2011, p. 863)


Observação: a Lei 9800/99 dispõe sobre a interposição do recurso por meio de telex ou fax. Em seu art. 2º é expresso que a petição original deve ser entregue em juízo até 5 (cinco) dias da data do término do prazo recursal.


e) Ausências de fatos impeditivos e extintivos


– Fato impeditivo (antes da interposição)


É aquele que impede a interposição do recurso ou o seu recebimento, e, portanto, surge antes de o recurso ser interposto. Considera-se fato impeditivo a renúncia ao direito de recorrer.


A renúncia deve ser feita por manifestação expressa do ofendido. Em relação ao MP, não se trata propriamente de renúncia, pois, não há a necessidade de manifestação expressa pelo parquet, bastando que a impugnação não seja apresentada, assim, deixando o prazo recursal escoar. (PACELLI, 2011, p. 863)


Observações:


– o MP não pode renunciar nem desistir do recurso interposto (Princípio da Indisponibilidade).


– antes de 2008, o não recolhimento à prisão nos casos que a lei exigisse, também, era um fato impeditivo para a interposição do recurso, porém, o art. 594 foi revogado expressamente pela Lei n.º 11.719/2008.


E, ainda, observando que o art. 387, parágrafo único, dispõe:


“O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta”. (grifado)


Ou seja, a prisão não configura mais pressuposto recursal. A pessoa pode recorrer sem estar presa (pela revogação do art. 594). Porém, o juiz poderá determinar a prisão preventiva (em casos específicos e extremamente necessários – em conformidade com a nova Lei 12.403/2011). Ou ainda, pode-se concluir que o processamento do recurso independe da necessidade da prisão cautelar ou de outra medida cautelar.


Súmula n. 705 do STF: A renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem a assistência do defensor, não impede o conhecimento da apelação por este interposta.


Neste caso, entende-se que o defensor é o profissional que possui técnica e conhecimento para verificar o que é melhor ao condenado.


– Fatos extintivos (depois da interposição)


São fatos supervenientes à interposição do recurso, que impede seu conhecimento. Consideram-se fatos extintivos a desistência e a deserção por falta de preparo (pagamentos das custas processuais).


Observação: lembrando que a hipótese de deserção como fuga do condenado, depois da interposição da apelação, também, era considerada como fato extintivo, porém, o art. 595, que previa a referida hipótese, foi revogado pela Lei nº 12.403, de 2011.


Desistência


Por força do Princípio da Indisponibilidade o MP não pode desistir de recurso que haja interposto, em conformidade com o art. 576. Portanto, somente a Defesa (acusado e defensor) pode desistir do recurso interposto, isto pelo Princípio da Disponibilidade recursal.


Falta de preparo


“CPP, art. 806. “Salvo o caso do art. 32, nas ações intentadas mediante queixa, nenhum ato ou diligência se realizará, sem que seja depositada em cartório a importância das custas. § 1º Igualmente, nenhum ato requerido no interesse da defesa será realizado, sem o prévio pagamento das custas, salvo se o acusado for pobre. § 2º A falta do pagamento das custas, nos prazos fixados em lei, ou marcados pelo juiz, importará renúncia à diligência requerida ou deserção do recurso interposto.” (Grifado)


Entende-se que, somente nas ações privadas que não houve declarações de pobreza (Lei 1060/50 – assistência judiciária aos necessitados), às custas serão devidas. E, nestes casos, haverá a deserção por falta de preparo. Por outro lado, havendo tais declarações não serão casos de deserção.


6.1.2 Requisitos recursais subjetivos


a) Legitimidade


“Art. 577: O recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público, ou pelo querelante, ou pelo réu, seu procurador ou seu defensor.


Parágrafo único.  Não se admitirá, entretanto, recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão.”


Legitimidade do Ministério Público


– Ações penais públicas – como parte parcial/ acusação – PODE RECORRER;


– Ações penais privadas com sentença absolutória – NÃO PODE RECORRER;


– Ações penais privadas com sentença condenatória – atua como órgão da justiça/ fiscal da lei – PODE RECORRER.


Legitimidade do ofendido/ querelante


– Ações penais privadas exclusivas – ofendido, seu representante legal e seus sucessores – PODEM RECORRER;


– Ações penais privadas personalíssimas – ofendido e seu representante legal – PODEM RECORRER;


– Ações penais privadas subsidiárias da pública – ofendido, seu representante legal e seus sucessores – PODEM RECORRER;


– Ações penais públicas – pelo assistente da acusação (se habilitado: prazo para recorrer será o mesmo do MP. Se não habilitado: ele poderá recorrer no prazo de 15 dias, contados do término do prazo do MP – art. 598, parágrafo único) – PODE RECORRER.


Legitimação do acusado/ defensor


– Acusado e defensor: legitimação autônoma e concorrente – PODEM RECORRER.


– Acusado possui capacidade postulatória (manifestação do direito de autodefesa).


b) Interesse (utilidade)


CPP, art. 577, parágrafo único: “Não se admitirá, entretanto, recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão.”


MINISTÉRIO PÚBLICO


O MP tem interesse recursal como parte parcial (acusação) ou como órgão da justiça (fiscal da lei).


– Pode recorrer na qualidade de fiscal da lei, buscando a correta aplicação da lei, ainda que o resultado do recurso venha a beneficiar o acusado.


Ação penal privada comum


– Sentença absolutória: NÃO TEM INTERESSE em recorrer se o querelante não o fez (princípio da disponibilidade da ação penal privada).


– Sentença condenatória: TEM INTERESSE me recorrer, por exemplo, para o aumento da pena (correta aplicação da lei).


Ação penal privada subsidiária


– TEM INTERESSE em interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.


ACUSADO


– Sentença condenatória: TEM INTERESSE em recorrer sempre que houver prejuízos ou decisões insatisfatórias.


– Sentença absolutória: TEM INTERESSE em recorrer para alteração do seu fundamento (motivo: repercussão extrapenal – efeitos civis).


OFENDIDO


– Sentença absolutória: TEM INTERESSE.


– Sentença condenatória: TEM INTERESSE em recorrer, por exemplo, visando à exata aplicação da justiça penal.


Observação: o ofendido NÃO TEM INTERESSE em recorrer contra a concessão de benefícios penais da execução da pena, como o sursis (a atuação do ofendido se restringe à fase de conhecimento).


7. Efeitos dos recursos


O efeito extrínseco dos recursos é evitar a coisa julgada. Ademais, além deste efeito temos:


– devolutivo;


– suspensivo;


– extensivo;


– regressivo.


7.1 Efeito Devolutivo


Trata-se, no sentido amplo, de um efeito comum a todos os recursos. Ou seja, em todos há a transferência do conhecimento de determinada questão, tanto à instância superior como, eventualmente, à própria instância que proferiu a decisão (por exemplo, no caso de embargos de declaração).


Em sentido estrito, efeito devolutivo só existe nos recursos em que se reexamina o mérito, como na apelação e na revisão, e não nos demais, em que pode ser examinada apenas uma questão processual.


A instância superior pode avaliar questões de nulidade absoluta que envolva as partes, mesmo que não solicitadas, especialmente quando há prejuízo para o réu.


Observação: entende-se devolutivo como remetivo – ato de remeter ao órgão superior toda a matéria controvérsia. Ou ainda, entende-se como “transferido”, ou seja, a controvérsia é transferida ao órgão superior para a devida apreciação.


7.2 Efeito suspensivo


Pelo efeito suspensivo, o recurso funciona como condição suspensiva da eficácia da decisão, que não pode ser executada até que ocorra o seu julgamento.


A lei deve prever expressamente as hipóteses em que ocorre tal efeito; no seu silêncio, o recurso não impede a eficácia da decisão recorrida.


Exemplo: como não há mais a prisão para apelar, o réu solto, somente será levado à prisão, se condenado, depois do trânsito em julgado (que ocorre depois de ultrapassados os prazos para recorrer). Assim, podemos concluir que a apelação interposta contra sentença condenatória terá sempre o efeito suspensivo (PACELLI, 2011, p. 855).


Observação: o mesmo não ocorrerá quando se tratar de sentença absolutória. Nesse caso, a lei impõe que o réu seja posto imediatamente em liberdade (art. 596), com o que o recurso contra ela interposto não terá efeito suspensivo (PACELLI, 2011, p. 855).


7.3 Efeito extensivo


O efeito extensivo está previsto no artigo 580:


“No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.”


Trata-se de uma exceção ao Princípio da Personalidade do recurso. Por exemplo, não haveria sentido em manter-se a condenação de um co-réu quando, para outro, se decidiu no recurso que não há prova do fato criminoso; de manter a condenação por furto praticado durante o repouso noturno, quando para o co-réu ficou reconhecido que o crime não ocorreu em tal situação temporal; de manter-se a prisão de um quando se revelou que a prisão em flagrante do co-réu, detido nas mesmas circunstâncias, era irregular etc.


O reconhecimento de uma causa extintiva da punibilidade comunicável (exemplo: renúncia ao direito de queixa ou representação) também se estende aos co-réus não recorrentes.


Por outro lado, por exemplo, a atenuação da pena de um, por ser menor de 21 anos, por ter praticado o crime em virtude de violenta emoção ou pela concessão da liberdade provisória por ser primário e de bons antecedentes, não são estendidas o outro co-réu. 


7.4 Efeito regressivo (ou iterativo, ou diferido)


Fala-se, por fim, no efeito regressivo, que é o juízo de retratação possibilitado ao prolator da decisão, que pode alterá-la ou revogá-la inteiramente, quando se trata de determinadas impugnações, como no caso de recurso em sentido estrito (art. 589) e nos embargos de declaração, portanto, trata-se de possibilidades de retratação por parte do juízo a quo, àquele que proferiu a sentença.


8. Extinção


Os recursos podem ser extintos antes de seu julgamento pelo juízo ou tribunal ad quem, se ocorrem certos fatos que a lei dá caráter de força extintiva.


A primeira delas é a deserção, que ocorre pela falta de preparo ou pagamento das despesas exigidas por lei (art. 806, § 2).


É também causa de extinção a desistência, faculdade concedida ao réu, seu defensor e curador, ao querelante e ao assistente. Não, porém, ao Ministério Público, como já visto.


9. Tabela de prazos recursais (rito ordinário – regras gerais)


9.1. Súmulas sobre os prazos


– Súmula 310 STF. Quando a intimação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicação com efeito de intimação for feita nesse dia, o prazo judicial terá início na segunda-feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir.


– Súmula 710 STF. No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem.


– Súmula 428 STF. Não fica prejudicada a apelação entregue em cartório no prazo legal, embora despachada tardiamente.


Observação: para Defensor Público, Defensor Dativo e Ministério Público, o prazo inicia no primeiro dia após a intimação pessoal.


10. Tabela de competência recursal



11.  Comentários finais


Por fim, como o trabalho desenvolvido objetivou o conhecimento didático, é salutar a lembrança dos critérios da classificação doutrinária em relação às normas. Fala-se em normas de Direito Material, ou substancial, e em normas de Direito Processual, sendo que, no contexto geral as referidas normas se complementam. As primeiras são normas primárias, de primeiro grau e as segundas normas secundárias, de segundo grau, portanto, normas instrumentais (GONÇALVES, 1992, p. 48).


Chegamos, assim, à importante conclusão de que o Direito Processual disciplina a função jurisdicional e a própria manifestação do processo, mas, é um importante instrumento para a aplicação do Direito Material. Porém, esta ciência autônoma do conhecimento jurídico, como instrumento, deve ser muito bem conhecida e estudada pelos operadores do Direito.


O sistema recursal criminal representa o fundamental direito de um novo julgamento que envolve garantias preciosas, como a vida e a liberdade. Tais garantias não podem ser suprimidas pela celeridade, não-observância de técnicas fundamentais ou pela simples manifestações de subjetivismos decisórios. Entende-se que o poder legitimamente constituído se exerce nos limites da lei.


Através da técnica recursal os Princípios do Contraditório, da Ampla Defesa, do Devido Processo Legal e do Duplo Grau de Jurisdição são consagrados ao caso concreto.


O operador do Direito deve dominar “o saber técnico”, pois, somente, desta forma, efetivará suas funções em consonância com o Estado Democrático de Direito. Neste sentido, salienta-se que não é mais admissível compreender e muito menos seguir aplicando o Processo Penal sem a filtragem constitucional. O Código de Processo Penal de 1941 não está superado apenas pelo tempo; está superado também por força da incompatibilidade normativa com o texto de 1988, em cujo bojo se constituiu um sistema de garantias individuais com abrangência suficiente para fazer evaporar diversos dispositivos do nosso CPP (PACELLI, 2011, p. 3). Fala-se, portanto, em um Direito Processual Constitucional.


                                                                            


Referências bibliográficas:

GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro: AIDE, 1992.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15ª ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011.

PELLEGRINI GRINOVER, Ada; MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio; SCARANCE FERNANDES, Antonio. Recursos no Processo Penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.

______. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Senado, 1941. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-lei/Del3689.htm>.

______. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Rio de Janeiro: 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-lei/Del2848.htm>.

______. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro De 1973. Institui o Código de Processo Civil. Brasília: Senado, 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>.

______. Lei n. 10406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Senado 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>.

Informações Sobre o Autor

Mary Mansoldo.

Advogada. Graduada pelo Curso de Direito da Universidade Unifenas. Pós-graduanda em Processo Civil. Integrante da equipe do Escritório Junqueira Sampaio Advogados. Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MG. Coordenadora dos Trabalhos da Ouvidoria Eleitoral da OAB/MG


Equipe Âmbito Jurídico

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