Resumo: O direito constitucional e o direito processual civil encontram-se irmanados na busca da efetividade e realização da justiça social. O que se pretende neste artigo é analisar as causas e os efeitos das transformações ocorridas no direito constitucional e no direito processual civil contemporâneos à luz do instituto da efetividade. O problema da investigação consiste em avaliar a constitucionalização de institutos e princípios processuais civis, a fim de alcançar a efetividade, entendida como a realização da finalidade primeira do processo, propiciando ao jurisdicionadoprocesso e dos recursos, prorpiciando finalidade preco legal a tutela mais adequada, reconhecendo e realizando o direito material de forma célere, satisfatória e segura, tudo isso com comprometimento social e com a satisfação virtuosa do “justo”. O método da investigação consistiu em revisão bibliográfica, perpassando a análise de doutrinadores e do texto constitucional. Os resultados encontrados apontam para a prevista correlação entre a prática processual civil à luz da Constituição Federal no contexto do fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: constitucionalização, efetividade, processo civil, princípios.
Abstract: Constitutional law and civil process are united in the struggle for the enforcement and realization of social justice. The aim of this article is to analyze the causes and effects of changes occurring in constitutional law and civil process in light of the contemporary institution of effectiveness. The problem of research is to assess the constitutionalization of institutions and principles of civil process in order to achieve effectiveness, understood as the realization of the first purpose of the process, providing courts to the most appropriate jurisdiction, recognizing and realizing the substantive law of the case quickly satisfactory and safe, all with social commitment and satisfaction with the virtuous “fair.” The research methodology consisted of literature review, bypassing the analysis of scholars and the constitutional text as the main baptizing. The results show the expected correlation between the practice of civil process in light of the Federal Constitution in the context of strengthening of the Democratic State of Law.
Keywords: constitutionalization, effectiveness, civil process, principles.
Sumário: Introdução. 1 – A constitucionalização do Direito e a efetividade. 2 – Princípios Constitucionais: a efetividade. Considerações Finais. Referências.
Introdução
O renascimento do direito constitucional no Brasil se deu no ambiente de reconstitucionalização do país, por ocasião da discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição de 1988. Sem embargo de vicissitudes de maior ou menor gravidade no seu texto, e da compulsão com que tem sido emendada ao longo dos anos, a Constituição foi apta a promover, de forma bem sucedida, a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritário para um Estado democrático de direito. Nos dizeres do ilustre professor Luís Roberto Barroso:
“Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração. Uma Constituição não é só técnica. Tem que haver, por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços. O surgimento de um sentimento constitucional no País é algo que merece ser celebrado. Trata-se de um sentimento ainda tímido, mas real e sincero, de maior respeito pela Lei Maior, a despeito da volubilidade de seu texto. É um grande progresso. Superamos a crônica indiferença que, historicamente, se manteve em relação à Constituição. E, para os que sabem, é a indiferença, não o ódio, o contrário do amor”.[1]
O posicionamento de Barroso é elucidativo quanto ao caráter simbólico do texto constitucional. Simbolismo que aponta a conquista social de mobilização, restando agora um maior contato com a nossa Carta Magna. Assim, a Constituição, nos dias atuais, assumiu o papel de protagonista do ordenamento jurídico brasileiro, ganhando relevo ímpar, de forma que os assuntos de maior destaque passaram e ser disciplinados sob o seu manto, visando dar-lhes uma estabilidade e segurança jurídica maior em relação à legislação ordinária, o que ocorreu com os institutos mais relevantes do direito processual civil, sobretudo no que diz respeito ao princípio da efetividade, conforme demonstrar-se-á ao longo deste artigo.
Este artigo procura estudar as causas e os efeitos das transformações ocorridas no direito constitucional e no direito processual civil contemporâneos, lançando sobre elas uma visão positiva e construtiva com o objetivo de contribuir com a ciência jurídica, especialmente na interlocução desta temática com os especialistas. O instituto da efetividade será palco de análise, dado que, em última instância a ciência jurídica busca realizar a justiça.
1 – A constitucionalização do Direito e a efetividade
Atendendo aos reclamos hodiernos de efetividade processual, mostra-se imprescindível que os novos dispositivos processuais alcancem os seus desideratos sem prejuízo ou risco aos direitos fundamentais e às garantias individuais, sobretudo sem qualquer afronta aos princípios processuais civis elencados na Constituição da República Federativa do Brasil. Trata-se de recente inovação no ordenamento jurídico a tendência de constitucionalização das regras de direito processual civil, como reflexo da busca incessante pela efetividade e da recente valorização da Constituição Federal.
Moacyr Amaral Santos explica a estreita relação existente entre o direito processual civil e a Constituição Federal: “No direito constitucional, cujo primado sobre os demais ramos do direito se tem por indiscutível, vai o direito processual encontrar as diretrizes jurídico-políticas da sua estrutura e da sua função. Na Constituição se esboçam os princípios fundamentais do processo”.[2] Ressaltamos a necessária consideração do texto constitucional para a prática processual civil.
Analisando-se o preâmbulo da Constituição Federal, encontramos os objetivos centrais de texto constitucional e, por conseqüência do Estado Brasileiro:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (grifou-se)
Ora, uma vez apontada a “justiça” como valor supremo a ser alcançado e por isso tutelado, a garantia do “exercício” de todos os direitos também afirmados depende, irrefutavelmente, de instrumento hábil e comprometido com a consecução do direito material, merecedor das garantias constitucionais, que se encerram nos princípios do processo civil previstos na Constituição Federal. O interesse público expresso no texto constitucional é, portanto, o de assegurar a efetividade dos direitos sociais e individuais, assumindo a justiça como fim último do Estado Democrático de Direito.
Hoje se acentua a ligação entre processo e Constituição no estudo concreto dos institutos processuais, não mais colhidos na esfera fechada do processo, mas no sistema unitário do ordenamento jurídico: é esse o caminho, foi dito com muita autoridade que transformará o processo de simples instrumento de justiça em garantia de liberdade.[3] Passa-se a analisar o escopo dos princípios constitucionais no que se refere à normatividade e à coercibilidade.
2 – Princípios Constitucionais: a efetividade
Os princípios constitucionais deixaram de ser apenas nortes a serem seguidos já que representam ditames dotados mesmo de normatividade e coercibilidade. Além disso, referidos princípios possuem a irrefutável importância de permitir o encontro do verdadeiro espírito das leis, razão pela qual são conhecidos como a “ponte de ouro” para a perfeita realização daquilo que foi objetivado originalmente pelo legislador. Importa, dessa forma, reconhecer o Direito Constitucional como supedâneo principal de todo o restante do ordenamento jurídico, como norma fundante de toda a dogmática, de onde se extraem os princípios norteadores e se concretiza o espírito informador de toda a legislação infraconstitucional.
De acordo com Marcos Destefenni “não podemos deixar de observar que os princípios e as regras são espécies de normas, de tal forma que têm efeito vinculante e aplicabilidade aos casos concretos”.[4] Desenvolve-se, assim, cada vez mais o denominado “direito processual constitucional”, reflexo dos tempos e das necessidades modernas. A cláusula do devido processo legal[5] é considerada a norma-mãe, aquela que “gera” os demais dispositivos, as demais regras constitucionais do processo. Embora sem previsão expressa na Constituição, fala-se que o devido processo legal é um processo efetivo, processo que realize o direito material vindicado. O Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil através do decreto 678, de 1992, prescreve o direito a um processo com duração razoável[6], de onde se retira o princípio constitucional da efetividade.[7]
Sobre a hierarquia legal do Pacto de São José da Costa Rica pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal no sentido de que tratados internacionais referentes aos direitos humanos possuem patamar supra legal quando adentrarem ao ordenamento jurídico brasileiro mediante processo ordinário de aprovação, e patamar constitucional quando se sujeitarem a processo extraordinário de aprovação.[8]
Assim, o pacto em questão trouxe uma nova garantia processual: o direito ao processo em prazo razoável, que passou a integrar as garantias do devido processo legal. Recentemente a Emenda Constitucional n. 45 deixou consignado, expressamente, no artigo 5º da Constituição Federal, com a inclusão do inciso LXXVIII, a garantia à prestação jurisdicional sem dilações indevidas: “LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Ressalte-se que mesmo antes da inclusão do dispositivo acima mencionado já era possível extrair-se o princípio constitucional da efetividade do inciso XXXV, do artigo 5º da Constituição Federal.[9] Nesse sentido, as palavras de Luiz Guilherme Marinoni:
“Assim, a sentença e a execução adequadas são óbvios corolários do direito de ação, impondo a conclusão de que o direito de ação, muito mais do que o direito ao julgamento do pedido, é o direito à efetiva tutela jurisdicional. Isso porque, por efetiva tutela jurisdicional, deve-se entender a efetiva proteção ao direito material, para a qual são imprescindíveis a sentença e o meio executivo adequados”.[10]
Assim, a extensão do direito de ação é muito mais ampla que o ato solitário de invocar a jurisdição ou do que o simples direito ao julgamento do mérito, mas é um complexo que objetiva a tutela jurisdicional efetiva. Aliás, o mesmo inciso XXXV, do artigo 5º da Constituição Federal também abarca a garantia de tempestividade da tutela jurisdicional. Pelo brilhantismo da explicação invocam-se uma vez mais as lições de Luiz Guilherme Marinoni:
“O direito à duração razoável do processo exige um esforço dogmático capaz de atribuir significado ao tempo processual. A demora para a obtenção da tutela jurisdicional obviamente repercute sobre a efetividade da ação. Isso significa que a ação não pode se desligar da dimensão temporal do processo ou do problema da demora para a obtenção daquilo que através dela se almeja. A efetividade da ação não depende apenas de técnicas processuais capazes de impedir que o dano interino ao processo possa causar prejuízo ao direito material. O direito de ação exige que o tempo para a concessão da tutela jurisdicional seja razoável, mesmo que não exista qualquer perigo de dano.’[11]
Ressalte-se também que a Constituição da República Federativa do Brasil contempla outros dispositivos que homenageiam o princípio da efetividade/tempestividade, como, por exemplo, o artigo 93, incisos XII[12] e XV[13], conforme explica Luiz Rodrigues Wambier, ao falar sobre o princípio acima indicado:
“Reflexo deste princípio está presente também no artigo 93, inciso XV (inserido pela EC n. 45/2004), que prevê a obrigatoriedade de distribuição imediata dos processos, em todos os graus de jurisdição (certamente visando a evitar o fenômeno do “represamento”, verificável em alguns tribunais, e consistente no fato de um recurso de apelação, por exemplo, aguardar distribuição durante longo período). Ao menos em tese, a previsão de “atividade jurisdicional ininterrupta”, contido no inciso XII do artigo 93 (também acrescido pela EC n. 45/2004), está igualmente ligada a esse princípio.”[14]
Neste ponto, merecem destaque algumas palavras sobre a “efetividade” propriamente dita.
De acordo com o dicionário Aurélio a efetividade é produção de resultado real, positivo.[15] Em uma definição mais apurada, considera-se a efetividade, em linhas mestras, como o alcance da finalidade precípua do processo, propiciando à pprocesso e dos recursos, prorpiciando finalidade preco legalarte a tutela jurisdicional mais adequada, reconhecendo e realizando o direito material de forma célere, satisfatória e segura, tudo isso com comprometimento social e com a realização virtuosa do “justo”.[16]
Ressalte-se, todavia, que a busca pela efetividade não se pode dar a qualquer custo, pois depende da preservação íntegra dos princípios gerais do Direito e processuais. Nesse sentido manifestou-se Célia Regina Gonçalves Marinelli: não se pode perder de vista “que a efetividade é um princípio do ordenamento jurídico e não um fim a ser conquistado a custo de injustiça e do desrespeito aos demais princípios que sustentam o processo e o ordenamento jurídico”.[17]
Em suma, a efetividade pode ser entendida como o direito a um processo rápido, seguro e eficaz, proporcionando às partes envolvidas no processo a tutela jurisdicional adequada. Mas não é só. Pode-se referir também como um verdadeiro princípio norteador do direito processual para realizar com eficiência a sua função instrumental dos direitos materiais, de forma justa a satisfatória. Ou seja, pode-se ainda concebê-la como um valor em si mesmo.
Convém, ademais, trazer-se à baila a concepção doutrinária de “efetividade processual”.
Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco assim explicam a efetividade:
“Para a efetividade do processo, ou seja, para a plena consecução de sua missão oficial de eliminar conflitos e fazer justiça, é preciso, de um lado, tomar consciência dos escopos motivadores de todo o sistema (sociais, políticos, jurídicos) e, de outro lado, superar os óbices que a experiência mostra estarem constantemente a ameaçar a boa qualidade de seu produto final.” [18]
Já o professor Humberto Theodoro Júnior explica que “efetivo, portanto, é o processo justo, ou seja, aquele que, com a celeridade possível, mas com o respeito à segurança jurídica (contraditório e ampla defesa), proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material”.[19]
Ainda sobre a questão da efetividade, o ilustre ministro Cesar Asfor Rocha leciona: “a jurisdição, para ser efetiva, necessita que a tutela por ela prestada seja eficaz, isto é, que o vencedor da demanda obtenha o bem da vida pleiteado no processo em um período de tempo razoável”. [20]
Considerações finais
Restou bem nítida a tendência de “constitucionalização” do processo civil moderno para a salvaguarda da efetividade processual. A corroborar a tese invoca-se o pensamento de Luís Roberto Barroso:
“Quanto ao ponto aqui relevante, é bem de ver que todos os principais ramos do direito infraconstitucional tiveram aspectos seus, de maior ou menor relevância, tratados na Constituição. A catalogação dessas previsões vai dos princípios regrais às regras miúdas levando o leitor do espanto ao fastio. Assim se passa com o direito administrativo, civil, penal, do trabalho, processual civil e penal, financeiro e orçamentário, tributário, internacional e mais além.”[21]
O posicionamento de Barroso explicita a dimensão processual civil como instância da tendência de constitucionalização como temos tentado demonstrar ao longo destas reflexões. Da mesma forma, mas em outra perspectiva, Alvim evidencia os nexos da realização da justiça como atividade precisamente do Estado: “a realização da justiça é por excelência uma atividade pública, praticada por um dos poderes do Estado. Sendo assim, é compreensível que ela radique seus traços fundamentais do Direito Constitucional”.[22]
Então, a tendência de “constitucionalização” dos princípios e garantias do processo civil é resultado da marcante busca pela efetividade processual, que deve ser perquirida sempre, mas nunca ser conquistada com o comprometimento dos princípios informadores e basilares da ciência processual, bem como do processo de valorização e reconhecimento da força normativa da Constituição Federal, ocorrido com o advento da Carta Magna de 1988.
Por derradeiro, a “constitucionalização” do princípio da efetividade processual mostra-se um assunto absolutamente atual, na consideração de sua singular importância para a realidade do Poder Judiciário brasileiro. O posicionamento do ilustre ministro Celso Asfor Rocha corrobora esta percepção, ao afirmar que: “a questão da eficácia da função jurisdicional é pauta do dia na doutrina processual civil brasileira e que o legislador está atendendo, na medida do possível, às reclamações dos consumidores da jurisdição”.[23]
Enfim, o direito constitucional e o direito processual civil estão realmente irmanados na busca da efetividade e realização da justiça social, como sinalizamos no início destas reflexões. A avaliação da constitucionalização de institutos e princípios processuais civis, na busca da efetividade, entendida como a realização da finalidade primeira do processo, de fato propicia ao jurisdicionadoprocesso e dos recursos, prorpiciando finalidade preco legal a tutela mais adequada, reconhecendo e realizando o direito material de forma célere, satisfatória e segura, tudo isso com comprometimento social e com a satisfação virtuosa do “justo”; afinal, qual a razão do direito processual civil se não a constante busca pela realização da justiça?
Defensora Pública em SP. Pós-Graduada em Direito do Estado pela UNIDERP. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Professor titular da Faculdade de Direito da PUC Campinas. Coordenador do Mestrado em Educação da PUC Campinas.
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