Resumo: Em uma primeira plana, a fim de sedimentar conceitos essenciais para a compreensão do instituto em destaque, revela-se imperioso compreender a acepção de pessoa jurídica, a partir das concepções estruturadas tanto pela legislação como pela doutrina. Pois bem, impende assinalar que a pessoa jurídica é descrita como uma ficção jurídica, estruturadas pela legislação com o escopo de suprir a inquietação humana. Denota-se, desse modo, que os sócios da pessoa jurídica, com personalidade diversa da natural, passam a atuar no mundo dos negócios. Verifica-se que a personalidade da pessoa jurídica afigura-se como verdadeiro escudo, que oculta os protagonistas das relações jurídicas. Logo, no ordenamento jurídico pátrio, há duas espécies de pessoas: a pessoa natural do sócio e a pessoa jurídica. Ao lado disso, há que se assinalar que, em razão da distinção supra, se desfralda como flâmula orientadora o princípio da separação patrimonial entre os bens do sócio e os bens da sociedade, o qual tem como fito precípuo traçar linhas limitadoras no que concerne à responsabilidade do sócio, resguardando, por conseguinte, o patrimônio pessoal de eventuais intempéries. Nesta linha, o presente debruça-se sobre a análise da desconsideração da personalidade jurídica no Direito do Consumidor, colocando em destaque a proeminência da teoria em comento como elemento de proteção e defesa do consumidor, possibilitando, em decorrência do aspecto de vulnerabilidade, o levantamento do véu da personalidade jurídica, a fim de colocar em salvaguarda o consumidor.
Palavras-chaves: Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Direito do Consumidor. Construção Jurisprudencial.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Notas ao Aspecto de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo na Aplicação dos Ordenamentos Jurídicos; 3 A Proteção do Consumidor como Direito Fundamental consagrado na Constituição de 1988; 4 A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código de Defesa do Consumidor
1 Comentários Introdutórios: Notas ao Aspecto de Mutabilidade da Ciência Jurídica
Em sede de comentários inaugurais, ao se dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica, enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que a integra, reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os valores adotados pela coletividade, tal como os proeminentes cenários apresentados com a evolução da sociedade, passam a figurar como elementos que influenciam a confecção e aplicação das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Deste modo, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está assentado em assegurar que inexista a difusão da prática da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo na Aplicação dos Ordenamentos Jurídicos
Adotando como pilares de sustentação as ponderações vertidas até o momento, ao se esmiuçar a influência do fenômeno pós-positivista, nos ordenamentos jurídicos, imperioso se faz lançar mão dos ensinamentos apresentados por Marquesi[4] que, com substancial pertinência, dicciona que os postulados e dogmas se afiguram como a gênese, o ponto de partida ou mesmo o primeiro momento da existência de algo. Ao lado disso, quadra evidenciar, com bastante ênfase, que os princípios se apresentam como verdades fundamentais, que suportam ou asseguram a certeza de uma gama de juízos e valores que norteiam as aplicações das normas diante da situação concreta, adequando o texto frio, abstrato e genérico, às nuances e particularidades apresentadas pela interação do ser humano. Objetiva, por conseguinte, com a valoração dos princípios vedar a exacerbação errônea do texto da lei, conferindo-lhe dinamicidade ao apreciar as questões colocadas em análise. Desta maneira, os corolários e cânones se apresentam como instrumentos que visam manutenir a contemporaneidade do ordenamento jurídico aos fatos concretos apresentados pela sociedade.
Com supedâneo em tais ideários, salientar se faz patente que os dogmas, valorados pelas linhas do pós-positivismo, são responsáveis por fundar o Ordenamento Jurídico e atuar como normas vinculantes, verdadeiras flâmulas desfraldadas na interpretação do Ordenamento Jurídico. Desta sorte, insta obtemperar que “conhecê-los é penetrar o âmago da realidade jurídica. Toda sociedade politicamente organizada baseia-se numa tábua principiológica, que varia segundo se altera e evolui a cultura e modo de pensar”[5]. Nesta toada, em razão do aspecto essencial que apresentam, os preceitos podem variar, de maneira robusta, adequando-se à realidade vigorante em cada Estado, ou seja, os corolários são resultantes dos anseios sagrados em cada população. Entrementes, o que assegura a característica fundante dos axiomas é o fato serem alçados ao patamar de preceito basilar, escrito pelos representantes da nação ou, ainda, adotados como regramento costumeiro, aderido, democraticamente, pela população.
Nesta senda, os dogmas que são salvaguardados pela Ciência Jurídica passam a ser erigidos à condição de elementos que compreendem em seu bojo oferta de uma abrangência mais versátil, contemplando, de maneira singular, as múltiplas espécies normativas que integram o ordenamento pátrio. Ao lado do apresentado, com fortes cores e traços grossos, há que se evidenciar que tais mandamentos passam a figurar como supernormas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo”[6]. Os corolários passam a figurar como verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar[7]. Com efeito, tais valores são fortemente observados na elaboração da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[8] que, ao abarcar um sucedâneo de princípios e corolários, buscou acampar temas diversos, dotados de proeminência e importância no ordenamento pátrio, dentre os quais é possível colocar em evidência a proteção e defesa do consumidor, enquanto reflexo dos direitos humanos de terceira dimensão.
3 A Proteção do Consumidor como Direito Fundamental consagrado na Constituição de 1988
In primo loco, releva-se imperioso salientar que, em decorrência dos feixes albergados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[9], verifica-se que o consumidor passou a ser revestido de grande relevo no Ordenamento Pátrio, culminando, ulteriormente, na elaboração e promulgação do Código de Defesa do Consumidor[10], compêndio de dispositivos que sagram em suas linhas, como fito maior, a proteção daquele. Ao lado disso, gize-se, por carecido, que o Direito do Consumidor passou a gozar de irrecusável e sólida importância que influencia as órbitas jurídica, econômica e política, detendo aspecto robusto de inovação. No mais, insta sublinhar, com grossos traços que a Legislação Consumerista elevou a defesa do consumidor ao degrau de direito fundamental, sendo-lhe conferida o status de axioma estruturados e conformador da própria ordem econômica, sendo, inclusive, um dos pilares estruturante da ordem econômica, conforme se infere do inciso V do artigo 170 da Carta de Outubro[11].
Denota-se, desta sorte, que, em razão do manancial de inovações trazidos à baila pela Constituição Cidadã, os consumidores foram erigidos à condição de detentores de direitos constitucionais enumerados como fundamentais, conjugando, de sobremaneira, com o maciço fito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal carecidas, a fim de salvaguardar tal escopo. À luz do expendido, em um contato primitivo com o tema, salta aos olhos que o Código de Defesa do Consumidor, enquanto diploma legislativo impregnado de essência constitucional clama por uma interpretação sustentada pela tábua principiológica consagrada, de modo expresso, na Carta da República. Nesta senda de raciocínio, impõe ao Arquiteto do Direito, de maneira cogente, atentar-se para os corolários, desfraldados como flâmula orientadora, para conferir amoldagem as normas que versam acerca das relações de consumo a situações concretas, revestidas de nuances e particularidades singulares que oscilam de maneira saliente.
Além disso, com destaque, a proteção conferida pelo Ente Estatal ao consumidor, quer seja enquanto figura dotada de direito fundamental que foi positivada no próprio texto da Lei Maior, quer seja como mola propulsora da formulação e execução de políticas públicas, como também do exercício das atividades econômicas em geral. Plus ultra,acrescer se faz mister que ao se conferir tratamento robusto ao consumidor, ambicionou o Constituinte atribuir essência de meio instrumental, com vista a neutralizar o abuso do poder econômico praticado em detrimento de pessoas e de seu direito ao desenvolvimento, sem olvidar de uma existência considerada como digna e justa. Neste sentido, há que se trazer a lume o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça:
“Ementa: Processo Civil e Consumidor. Agravo de Instrumento. Concessão de Efeito Suspensivo. Mandado de Segurança. […] Relação de Consumo. Caracterização. Destinação Final Fática e Econômica do Produto ou Serviço. Atividade Empresarial. Mitigação da Regra. Vulnerabilidade da Pessoa Jurídica. Presunção Relativa. […] Uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites à presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, circunstância que não se coaduna com o princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF. […]” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ RMS 27512/BA/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 20.08.2009/ Publicado no DJe em 23.09.2009).
Saliente-se, com ênfase, que a proteção do consumidor e o desenvolvimento de instrumentos rotundos aptos a fomentar tal fito se revelam como característicos de assegurar a concretude e significado as proclamações contidas na Carta de 1988. Nesta esteira, evidencia-se, ainda, que a Lex Fundamentallis estabeleceu um estado de comunhão solidária entre as diversas órbitas políticas, que constituem a estrutura institucional da Federação Brasileira, agrupando-as ao redor de um escopo comum, detendo o mais elevado sentido social. Afora isso, os direitos do consumidor, conquanto despidos de caráter absoluto, qualificam-se, porém, como valores essenciais e condicionantes de qualquer processo decisório.
Além disso, os corolários de proteção ao consumidor, hasteados como flâmulas orientadoras, buscam neutralizar situações de antagonismos oriundos das relações de consumo que se processam, na esfera da vida social, de modo tão desigual, caracterizado corriqueiramente pela conflituosidade, opondo, por extensão, fornecedores e produtores, de um lado, a consumidores, do outro. No mais, o reconhecimento da proteção constitucional da figura como consumidor, traduz em verdadeira prerrogativa fundamental do cidadão, estando inerente à própria acepção do Estado Democrático e Social de Direito, motivo pelo qual cabe a toda coletividade extrair, dos direitos assegurados ao consumidor, a sua máxima eficácia
4 A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código de Defesa do Consumidor
A Legislação Consumerista vigente, em seu artigo 28, albergou a denominada Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica, prescrevendo que o magistrado poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocadas por má administração. Denota-se, desta feita, que o dispositivo 28 do Código de Defesa do Consumidor ressoa o fito precípuo erigido no diploma em comento, qual seja: a proteção ao consumidor, abarcando hipóteses mais amplas em que se operará a desconsideração da personalidade jurídica da empresa.
Ademais, deve-se gizar que o abuso de direito mencionado no caput do artigo 28 deve ser interpretado como o exercício de direitos que venham a feria a finalidade social a que se destina a pessoa jurídica. Assim, sempre que restar configurado quem um titular de direito opta pelo que é mais danoso para outrem, não sendo mais útil para si ou adequado ao espírito da instituição, comete um ato abusivo. Desta forma, o abuso de direito ocorrerá, por exemplo, quando o fornecedor, por força de lei ou ainda em decorrência dos estatutos sociais, puder praticar especificado ato, fazendo-o de maneira a prejudicar o consumidor. Igualmente, terá assento a teoria em comento quando ocorrer a infração à lei, logo, o que se pretende é tornar o controlador responsável pela infração da lei praticada pela sociedade que por ele é controlada, que venha a causar danos ao consumidor.
Outra hipótese consagrada no dispositivo em comento é quando houver excesso de poder, o qual se caracteriza quando o ato causados de lesão perante ao consumidor for perpetrado por quem não detenha poderes previstos no contrato social ou no estatuto, afigurando-se, nesta situação, de responsabilidade pessoal e direta do administrador. Quadra assinalar que a infração da lei é assim considerada quando houver violação literal a dispositivo legal, em razão da prática de ato ilícito é criado para o agente a responsabilidade de ressarcir os danos promovidos, o que será alvo de determinação e regulação pela lei civilista. Cuida trazer à colação os entendimentos jurisprudenciais que sustentam as ponderações apresentadas:
“Ementa: Direito do Consumidor e Processual Civil. Recurso Especial. Execução frustrada. Pedido de desconsideração da personalidade jurídica. Indeferimento. Fundamentação apoiada na inexistência dos requisitos previstos no art. 50 do Código Civil de 2002 (Teoria Maior). Alegação de que se tratava de relação de consumo. Incidência do art. 28, §5º, do CDC (Teoria Menor). Omissão. Ofensa ao art. 535 do CPC reconhecida. 1. É possível, em linha de princípio, em se tratando de vínculo de índole consumerista, a utilização da chamada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, a qual se contenta com o estado de insolvência do fornecedor, somado à má administração da empresa, ou, ainda, com o fato de a personalidade jurídica representar um "obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores" (art. 28 e seu § 5º, do Código de Defesa do Consumidor). 2. Omitindo-se o Tribunal a quo quanto à tese de incidência do art. 28, § 5º, do CDC (Teoria Menor), acolhe-se a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 1.111.153/RJ/ Relator: Ministro Luis Felipe Salomão/ Julgado em 06.12.2012/ Publicado no DJe em 04.02.2013).
“Ementa: Direito Civil e do Consumidor. Desconsideração da personalidade jurídica. Pressupostos processuais e materiais. Observância. Citação dos sócios em prejuízo de quem foi decretada a desconsideração. Desnecessidade. Ampla defesa e contraditório garantidos com a intimação da constrição. Impugnação ao cumprimento de sentença. Via adequada para a discussão acerca do cabimento da disregard. Relação de consumo. Espaço próprio para a incidência da teoria menor da desconsideração. Art. 28, § 5º, CDC. Precedentes. 1. A desconsideração da personalidade jurídica é instrumento afeito a situações limítrofes, nas quais a má-fé, o abuso da personalidade jurídica ou confusão patrimonial estão revelados, circunstâncias que reclamam, a toda evidência, providência expedita por parte do Judiciário. Com efeito, exigir o amplo e prévio contraditório em ação de conhecimento própria para tal mister, no mais das vezes, redundaria em esvaziamento do instituto nobre. 2. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos, dispensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa apresentada a posteriori, mediante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade. […] 8. Recurso especial não provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 1.096.604/DF/ Relator: Ministro Luis Felipe Salomão/ Julgado em 02.08.2012/ Publicado no DJe em 16.10.2012).
“Ementa: Agravo Regimental – Agravo de Instrumento – Ação de execução de obrigação de fazer – Supressão de instância – Súmula 283/STJ – Requisitos para desconsideração da personalidade jurídica – Entendimento obtido da análise do conjunto fático-probatório – Impossibilidade de reexame – Aplicação da Súmula N. 7/STJ – Código de Defesa do Consumidor – Aplicação da teoria menor – Precedente – Recurso Improvido”. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ AgRg no Ag 1.342.443/PR/ Relator: Ministro Massami Uyeda/ Julgado em 15.05.2012/ Publicado no DJe em 24.05.2012).
No que concerne à violação do estatuto ou do contrato social, verifica-se que tal hipótese restará substanciada quando ocorrer a perpetração de atos que ultrapassem o objeto social constante do contrato. In veritas, a infração à lei, fato ou ato ilícito, assim como a violação dos estatutos e contrato social se afiguram como hipótese de responsabilidade pessoal e direta do administrador, sendo considerada, por alguns doutrinadores, como erronia sua inclusão nos casos de desconsideração, sendo insertos de modo equivocado como pressuposto para aplicação da teoria em análise. Também são casos que se enquadram na teoria adotada pelo caput do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor a falência, o estado de insolvência, o encerramento ou inatividade da pessoa jurídica decorrentes da má administração. Impõe assinalar que “a má administração nada mais é do que atos de gerenciamento incompetente e que ensejam a responsabilidade direta daquele que o cometeu”[12]
Outrossim, ainda nesta senda, o parágrafo 5º, do mesmo dispositivo, complementa, com bastante propriedade que também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízo causados aos consumidores. Ao lado disso, há que arrazoar que “sob a égide da legislação consumerista, deve ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade se mostra obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao consumidor”[13]. Impera sustar que:
“Ementa: Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º. […] – A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. – Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. – A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. – Recursos especiais não conhecidos.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ Resp 279.273/SP/ Relator Ministro Ari Pargendler/ Relatora para o acórdão Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 04.12.2003/ Publicado no DJ 29.03.2004, p. 230).
Como se infere do texto legal, o art. 28 reproduz todas as hipóteses materiais de incidência que fundamentam a aplicação da disregard doctrine às pessoas jurídicas, a saber: abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito e violação dos estatutos ou contrato social. Denota-se, desta sorte, que a norma consumerista, por mais uma vez hasteia sua flâmula principal, qual seja: a defesa do consumidor, o que, no caso contemplado do dispositivo ora aludido, consubstancia-se de maneira ampla, assegurando-lhe livre acesso aos bens patrimoniais dos administradores sempre que o direito subjetivo de crédito resultar de quaisquer das práticas abusivas elencadas no dispositivo.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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