Resumo: O novo Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015, trouxe importante inovação em matéria de distribuição do ônus da prova, inserindo no sistema processual civil regra conhecida como distribuição dinâmica do ônus probatório. O antigo Código de Processo Civil, de 1973, em seu artigo 333, trazia uma regra estática dos encargos probatórios. Assim, o presente trabalho propõe-se a analisar a criação e o desenvolvimento desta regra no atual ordenamento jurídico, bem como trazer os possíveis impactos da distribuição dinâmica do ônus da prova no esquema pragmático da norma.
Palavras-chave: NCPC. Distribuição dinâmica. Ônus da Prova. Teoria.
Abstract: The new Civil procedure rules, introduced by Law no. 13,105, dated March 16, 2015, brought important innovation in the distribution of the burden of proof, inserting in the civil procedural system rule known as dynamic distribution of the burden of proof. The former Civil procedure rules, 1973, in its article 333, contained a static rule of burden of proof. Thus, the present work proposes to analyze the creation and development of this rule in the current legal system, as well as to bring the possible impacts of the dynamic distribution of the burden of proof in the pragmatic scheme of the norm.
Keywords: NCPC. Dynamic distribution. Burden of proof. Theory.
Sumário: Introdução. 1. Breves notas sobre a prova e ônus probatório. 2. Críticas ao sistema de distribuição do ônus da prova no CPC/73. 3. A inversão do ônus da prova. 3.1. O momento de inversão do ônus da prova. 4. Da distribuição dinâmica do ônus da prova no novo Código de Processo Civil. Considerações finais. Referências.
Introdução.
A expressão “prova” não é exclusivamente do campo do Direito. Pelo contrário, trata-se de termo comumente conhecido a todos os ramos da ciência, a qual é empregada para significar a validação dos diversos processos empíricos.
No Direito, no entanto, a prova apresenta certas peculiaridades e, por isso, merece um estudo reservado, não podendo confundir-se com outros conceitos e regras das demais ciências empíricas.
Conforme se verificará no presente artigo, no Direito Processual a prova possui várias acepções. Na prática, a prova é estuda sob dois aspectos: o aspecto objetivo, que se refere ao conjunto de meios utilizados para demonstrar a existência de fatos relevantes para a solução do litígio; e o aspecto subjetivo, que é a própria convicção que se forma no espírito do julgador a respeito da existência e veracidade dos fatos alegados no processo.
Dessa forma, a prova mostra-se indispensável não apenas para a apuração da verdade dos fatos, como também para cumprir o escopo de garantir a segurança das decisões produzidas pelo Poder Judiciário e ainda, secundariamente, manter a credibilidade da atividade jurisdicional.
Tal qual é a relevância dessa sistemática envolvendo a prova no Direito Processual Civil, seja igualmente para a busca da verdade dos fatos, conhecida como verdade material, como ainda para servir de base ao convencimento do juiz. É, portanto, dessa dinâmica processual que surgem as regras de distribuição do ônus da prova, que ora serão estudadas.
1. Breves notas sobre a prova e o ônus probatório.
Comumente a prova é entendida como um processo empírico de aferição de uma verdade apresentada sob o manto de uma proposição ou de um fato narrado. Mas no Direito a prova é conceituada como um instrumento de demonstração dos fatos alegados no processo (LOPES, 2007, p. 25), sendo conhecida também como prova judiciária.
Contudo, dentro do campo do Direito são encontradas divergências conceituais, mesmo porque são diversas as áreas afetas à questão da prova.
Moacyr Amaral dos Santos, sempre se preocupou com a etimologia das palavras e para o termo “prova” aponta sua derivação do latim “probatio” (do verbo “probare”), que significa verificação, ensaio, inspeção, exame, argumento, razão, confirmação. (1970, p. 11).
A etimologia traz muitos significados e significações ao termo “prova”. Desse modo, muitos doutrinadores optaram por definir prova com base em seu objetivo, entendendo referir-se aos meios que levam à formação do convencimento do juiz (CÂMARA, 2003, p. 393); outros com base em seu aspecto subjetivo, entendem que a prova é a prova convicção sobre os fatos alegados em juízo. (AMARAL SANTOS, 1970, p. 17).
Já Candido Rangel Dinamarco, com base em seu aspecto instrumental, conceitua a prova como sendo “o conjunto de atividades de verificação e demonstração, que tem como objetivo chegar à verdade relativa às alegações de fatos que sejam relevantes para o julgamento”. (2003, p. 43).
No mesmo sentido destacam-se o conceito trazido por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, segundo o qual: “A prova é todo meio retórico, regulado pela lei, e dirigido a, dentro dos parâmetros fixados pelo Direito e de critérios racionais, convencer o Estado-juiz da validade das proposições, objeto de impugnação, feitas no processo”. (2005, p. 91).
Por sua vez, o termo ônus refere-se a uma faculdade, uma opção dada a alguém sob pena da perda de um benefício, não confundindo, portanto, com dever, muito menos com obrigação.
Francesco Carnelutti há muito lecionava que o ônus deve ser definido como a condição para a obtenção de certa vantagem, e que para tanto o ônus seria uma faculdade cujo exercício é necessário para a realização de um interesse. E esclarece ainda que dever e ônus têm em comum apenas o elemento formal, consistente no vínculo à vontade, mas diverso o elemento substancial, porquanto o vínculo é imposto, quando se trata de dever, e tratando-se de ônus é facultativo. (1936, p. 51.).
No processo, ônus está atrelada à ideia de carga probante, ou seja, a parte a quem é atribuído por lei um ônus tem interesse em dele ver cumprido, mas se não o fizer será consequentemente prejudicado, uma vez que o juiz levará em conta todos os elementos dos autos ao julgar a demanda.
Em síntese, o cumprimento do ônus, por não ser um dever, é apenas um instrumento para a obtenção de uma decisão favorável. Mas como observa Eduardo Cambi, tal fato não impede que o juiz possa, dentro de seu livre convencimento motivado, dar razão à parte contrária. (2006, p. 316).
A prova no processo civil, quando vista sob o prisma de sua regra de distribuição do ônus, funciona, então, como mecanismo para a resolução dos conflitos, nos casos em que o juiz se depare com dúvida acerca de como deverá decidir a causa.
Como princípio geral de direito o autor deverá provar os fatos que constituem o seu direito, por si alegados, enquanto ao réu caberá demonstrar os fatos que impeçam a constituição do direito do autor ou que o extinga ou modifique. Tais regras encontravam-se no artigo 333 do CPC de 1973, e continua sendo reproduzida no atual CPC/15, em seu artigo 373, in verbis:
“Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.”
Não obstante a tal regramento, se uma das parte encontrar-se onerada e não conseguir produzir prova que seria imprescindível para o deslinde da demanda, o juiz, sempre que se encontrar em estado de dúvida, poderá e deverá determinar a realização das provas que julgar necessárias para a instrução processual, baseando-se no caput do artigo 370 do CPC/15[1], in verbis:
“Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.”
Prevalecia na doutrina o entendimento de que as disposições previstas nos caputs dos artigos 333 e 130, do CPC/73, correspondentes aos artigos 373 e 370, do CPC/15, respectivamente, tratavam-se de regras de julgamento, e não de procedimento (de instrução), sendo estas, portanto, dirigidas ao magistrado, que as levará em conta no momento da decisão, conforme observa Luiz Guilherme Marinoni (2005, p. 269).
O ônus probatório tem o escopo de determinar qual das partes possui o encargo de produzir determinada prova, com o intuito de obter um provimento jurisdicional. E caso haja dúvida, pela insuficiência ou inexistência de provas produzidas nos autos, o juiz poderá julgar em desfavor daquele a quem incumbia o ônus probatório.
Portanto, o critério de distribuição do ônus da prova teria relevância apenas quando o juiz, em sede de julgamento, se deparasse com a ausência ou insuficiência da prova produzida, servindo como instrumento de eliminação de dúvidas a permitir o julgamento do mérito, julgando contra aquele que não se desincumbiu de tal ônus.
Todavia, este entendimento deve ser relativizado em face da nova redação dada ao § 1º, do artigo 373, do NCPC, segundo a qual:
“Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.”
Nota-se que ao dispor pela possibilidade do juiz atribuir o ônus da prova diverso do estabelecido no caput do artigo 373, desde que por decisão fundamentada e oferecendo a oportunidade da parte cumprir com o que lhe foi atribuído, revela nítida regra de procedimento (de instrução), e não mais exclusivamente como regra de julgamento.
E conforme se verificará no presente texto, tal regra não se confunde com as hipóteses de inversão do ônus da prova. Mais do que isso, trata-se de uma regra de distribuição dinâmica em razão das circunstâncias eleitas pelo legislador infraconstitucional, isto é: “Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo…”.
2. Críticas ao sistema de distribuição do ônus da prova no CPC/73.
A prova, ao passo que é ponto central para o deslinde da demanda, em processos que envolvam questões de fato, pode trazer enormes dificuldades para a sua realização a quem por lei era incumbido de cumprir.
Aponta Eduardo Cambi, que a aplicação rigorosa dos critérios previstos no artigo 333, do CPC/73, nem sempre se mostrava adequada à obtenção de uma decisão judicial justa, posto que o rigor desta regra processual inviabilizava, em muitos casos, o cumprimento de tal ônus. Para o autor, este modelo rígido de regra, era insuficiente, e potencialmente apto a causar desequilíbrio entre as partes do processo, onerando-as para além de suas capacidades, sem nenhum critério claro para solucionar a dinâmica dos fatos de cada caso em concreto (2006, p. 332).
Tal sistemática pode, inclusive, equivaler-se à negativa de acesso à justiça e a prestação da tutela jurisdicional, esculpidas no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, segundo a qual: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Para Marcelo Abelha Rodrigues (2007, p. 252), a adoção do artigo 333, como regra de julgamento traz apenas o reconhecimento da regra de que a prova penaliza aquele que não “desincumbiu” do seu “ônus”. E continua, com os seguintes apontamentos:
“Não há menor compromisso com a verdade (justiça) e com a ordem jurídica justa na adoção da regra de julgamento do artigo 333 em caso de non liquet. Essa solução, vista como ‘última’ saída para o juiz, é na verdade uma troca de incerteza, ou seja, na falta de firmeza e decisão acerca da pertinência do direito para uma das partes (…).”
Mas esta necessidade de aprimoramento legislativo do CPC não é apontado de agora, a exemplo de outros sistemas jurídicos que há muito tempo veiculam mecanismos de flexibilização deste modelo estático, notadamente pela regra de inversão do ônus da prova no âmbito do Direito do Consumidor (art. 6º, VIII, Lei 8.078/90, do Direito do Trabalho (art. 818, CLT) e nas ações civis públicas[2] (art. 6º, VIII, cc art. 21, da Lei 7.347/1985).
Desse modo, a carência de um regramento legal para dinamizar as regras de distribuição do ônus da prova, extensíveis às mais diversas questões apresentadas no processo, foi solucionada com o advento do novo CPC, com a introdução da regra prevista no § 1º, do artigo 373, já mencionado.
Mas antes de avançar especificamente sobre o novel instituto introduzido pelo NCPC, breves anotações sobre as regras de inversão do ônus da prova mostram-se pertinentes.
3. A inversão do ônus da prova.
Conforme visto até o momento, o CPC/73 havia adotado um sistema estanque de repartição do ônus da prova, segundo a natureza dos fatos, em que o autor possuía o ônus de provar os fatos constitutivos e o réu os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos de seu direito.
Em diversos sistemas jurídicos já existiam mecanismos de flexibilização deste modelo estático. O CPC/73 até reconhecia a possibilidade de inversão do ônus da prova, por convenção entre as partes, no parágrafo único, de seu artigo 333. Porém, tal possibilidade estava longe de permitir um julgamento justo, sequer garantia uma boa apreciação judicial nos casos de prévia convenção.
Desse modo, pautado no princípio de igualdade, a técnica de inversão do ônus da prova tem se mostrado como um instrumento capaz de viabilizar um julgamento mais justo em situações cujos as partes encontram-se presumivelmente em posições desiguais.
No direito processual civil, são encontrados três espécies de inversão do ônus probatório: a) convencional, b) legal, e c) judicial.
A inversão convencional decorre de um acordo de vontade entre as partes, que poderá ocorrer antes ou durante o processo, nos termos dos § 4º, do artigo 373, do CPC/15.
Ainda segundo dispõe o § 3º, existem limitações à convenção da inversão do ônus da prova, nos seguintes termos:
“§ 3º. A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.”
A segunda hipótese de limitação da inversão convencional, ou seja, nos casos em que a prova se tornar excessivamente difícil de ser produzida é denominada pelo professor Cassio Scarpinella Bueno, como “prova diabólica” (2007, p. 247), a exemplo da impossibilidade de se fazer prova sobre fatos negativos (e.g. demonstrar que nunca esteve em certo lugar).
A inversão legal encontra-se expressamente prevista em lei, não exigindo da parte interessada o preenchimento de requisitos ou o cumprimento de formalidades (2016, p. 660). Exemplos disso são encontrados no CDC (art. 6º) e, por interpretação teleológica e extensiva, na CLT e na Lei de Ação Civil Pública, conforme já mencionado.
Nas relações consumeristas, entretanto, observa Gisele Santos Fernandes Góes que existem dois requisitos, ainda que alternativos, para a concessão da inversão do ônus da prova: a hipossuficiência do consumidor (técnica, econômica ou jurídica) e a verossimilhança das alegações. (2005, p. 52).
Sendo assim, a inversão do ônus da prova não ocorre de forma automática, devendo ser concedida por decisão do juiz, após verificar a presença de todos os requisitos legais necessários, ante à análise do caso concreto.
A inversão judicial, aquela determinada discricionariamente pelo magistrado, foi a mais afetada pelo NCPC, deixando de ser uma mera possibilidade implícita, extraída da exegese do artigo 130 do CPC/73, para ser prevista de modo expresso no § 1º, do artigo 373, do CPC/15.
Aponta, assim, Daniel Amorim Assumpção Neves, que a partir da previsão contida neste dispositivo legal, a inversão judicial passou a ser regra geral no Processo Civil, de forma que “em toda relação jurídica de direito material levada a juízo será possível essa inversão em aplicação da teoria, agora consagrada legislativamente, da distribuição dinâmica do ônus da prova”. (2016, p. 660).
3.1. O momento de inversão do ônus da prova.
Questão tormentosa relacionada ao sistema de inversão do ônus probatório resta configurada a partir de sua visualização como regra de julgamento ou regra de procedimento, isto é, em seu aspecto objetivo ou subjetivo.
Quanto à inversão convencional e à legal não há dúvidas a respeito do momento da inversão do ônus da prova. Na primeira, o ônus deverá ser invertido a partir do acordo entre as partes, e na segunda a inversão deve ocorrer desde o início da demanda, uma vez que já estabelecido em lei.
Na hipótese judicial, entretanto, a inversão dependerá de uma decisão judicial prévia fundada no preenchimento de seus requisitos, não havendo assim unanimidade a respeito do momento da prolação dessa decisão.
Diferentemente da regra estática prevista no artigo 373, do CPC/15 (ou art. 333, do CPC/73), que se opera ope legis (automaticamente), em se tratando de inversão judicial, é o magistrado quem decide se é cabível ou não inverter o ônus (ope judicis).
Por essa razão surge o debate sobre o momento em que se deve operar esta inversão: no momento do julgamento, em caso de non liquet (dúvida do juiz), ou durante o processo, para oportunizar conhecimento às partes a quem caberá o onus probandi.
Prevalece entre os doutrinadores (BEDAQUE, 2006, p. 21; NERY JR, NERY, 2008, p. 640) o entendimento pelo qual se trata de regra de julgamento, pois, como bem observa Eduardo Cambi (2006, p. 429), o fato do juiz dar prévia ciência às partes a quem incumbirá o ônus da prova, tal inversão somente será aplicada no momento da prolação da sentença.
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de ser regra de procedimento (de instrução), pois para sua inversão deverá haver decisão prévia, bem como preceder à instrução probatória, de preferência no momento do saneamento do processo ou, quando excepcionalmente realizada após esse momento, deverá ser reaberta a instrução para a parte que recebe o ônus produzir suas provas.[3]
Todavia, atualmente, é apontada a irrelevância dessa discussão. Pelos ensinamento de Eduardo Cambi (2006, p. 429), verifica-se precipuamente nesta norma tratar-se de regra de comportamento, de conduta, porquanto possui como principal finalidade informar às partes quais os fatos que cada litigante deverá provar no processo, cumprindo assim os ditames constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Daí o porquê do autor justificar a irrelevância da classificação como regra de instrução ou de julgamento pelo simples fato da ciência prévia da regra de inversão, mesmo porque nada impede que o juiz recorra-se novamente à regra de inversão no momento da sentença.
4. Da distribuição dinâmica do ônus da prova no novo Código de Processo Civil.
Quanto ao sistema de distribuição do ônus da prova, o novo Código de Processo Civil veio a inovar, passando a adotar a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, a qual defende à possibilidade de aplicação, pelo juiz, das regras de distribuição do onus probandi com base na análise do caso concreto. (NEVES, 2016, p. 658).
Como esclarece Eduardo Cambi:
“Fala-se de carga dinâmica posto que não está atrelada a pressupostos prévios e abstratos, desprezando regras estáticas, para considerar a dinâmica – fática axiológica e normativa – presente no caso concreto, a ser explorada pelos operadores jurídicos (intérpretes).” (2006, p. 429).
Prevista no § 1º, do artigo 373, do NCPC, preconiza que, nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput do artigo 373, ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da probatório de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de cumprir com o ônus que lhe foi atribuído.
Este mecanismo de distribuição rompe com o rígido modelo estático de distribuição do ônus previsto no antigo artigo 333, do CPC/73, tornando esta regra mais flexível, dinâmica, adaptável a cada caso, sendo dirigida a parte mais preparada para a produção da prova.
É possível, inclusive, verificar nesta norma corolário do princípio da cooperação, esculpida no artigo 6º, do NCPC.[4]
Na realidade, como bem aponta Daniel Amorim Assumpção Neves, o CPC/15 adotou um sistema misto para a distribuição do ônus da prova, uma vez que reproduz a antiga regra estanque, automática, prevista no artigo 333, do CPC/73, para o caput, do artigo 373, do CPC/15, mas, ao mesmo tempo, permite em seu § 1º, a flexibilização do encargo probatório às peculiaridades do caso concreto. (2016, p. 657).
O novo diploma processual, portanto, estabelece a possibilidade para o juiz de atribuir o ônus da prova à parte que possui melhores condições de produzi-la no caso concreto, hipótese que também pode ocorrer por vontade da lei, presumivelmente, ou ainda por acordo entre as partes (art. 373, §§ 3º e 4º, CPC/15).
Além disso, o caput do artigo 357, e seu inciso III, complementam o novo regramento processual ao dispor que, não ocorrendo nenhuma das hipóteses de extinção do processo, deverá o juiz, em decisão de saneamento, definir a distribuição do ônus da prova, observado o artigo 373, do NCPC.
Nota-se também que referido dispositivo legal retira qualquer dúvida a respeito da natureza da nova sistemática de distribuição do ônus da prova do CPC/15, mostrando-se como verdadeira regra de instrução, de procedimento, à guisa do entendimento já consolidado pelo STJ.
No entanto, faz-se necessário observar, por técnica legislativa, que o próprio dispositivo legal esculpido no artigo 373, do CPC/15, evidencia à possibilidade de distribuição dinâmica de modo excepcional, na medida em que a regra geral encontra-se prevista no caput, do referido artigo. Esse entendimento já era observado por Luiz Eduardo Boaventura Pacífico, quando a distribuição dinâmica da prova ainda era apenas teoria no ordenamento jurídico. (2011, p. 226).
Outro ponto a ser observado é a orientação prevista no § 2º, do artigo 373, do NCPC, que veda a distribuição dinâmica, isto é, de modo diverso do previsto no caput do artigo 373, quando puder tornar a produção da prova impossível ou excessivamente dificultosa à parte destinatária do encargo, in verbis:
“§ 2º. A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.”
Concluem disso, Marinoni, Arenhart e Mitidiero, que não há razão alguma dinamizar o ônus da prova se a atribuição do encargo à uma das partes acarretar em “probatio diabólica reversa” (2015, p. 396).
Dessa forma, verifica-se pela análise sistêmica do artigo 373, do CPC/15, que nem sempre aquele que tem “melhores condições” de produzir a prova deverá ser eleito para o encargo de produzi-la, cabendo ao julgador melhor aferição no critério da “prova impossível” ou da “prova excessivamente difícil” para não lesionar direito de uma das partes.
De se assinalar, por fim, que da decisão que distribuir de modo dinâmico o ônus da prova, nos moldes do § 1º, do artigo 373, do CPC/15, poderá ser impugnada por meio de recurso de agravo de instrumento, por expressa previsão contida no inciso XI, do artigo 1.015, do mesmo diploma processual.[5]
Considerações finais.
Como se pode notar do presente estudo, o novo sistema processual brasileiro passou a adotar a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, em contrapartida ao antigo sistema estanque de distribuição previsto no artigo 333 do CPC/73.
Por outro lado, o artigo 373 do CPC/15 veio reproduzir essa antiga regra de distribuição do onus probandi, segundo a qual incumbirá à prova ao autor, quanto aos fatos constitutivos de seu direito e ao réu, a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
Mas conforme analisado, apesar da reprodução dessa antiga regra de distribuição do ônus, o § 1º, do artigo 373, do CPC/15, permite que o juiz, nos casos em que a lei autorize ou diante da peculiaridade da causa, relacionada à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo ou ainda à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, atribua, em decisão fundamentada e com respeito ao princípio do contraditório, o ônus da prova de forma diversa.
Desse modo, é possível aferir que o atual CPC/15 adotou um sistema misto de distribuição do ônus da prova, onde como regra geral aplica-se o comando legal preconizado no caput do artigo 373, e incisos I e II, podendo, porém, ser estabelecido este encargo de modo diverso pelo juiz, diante das peculiaridades do caso.
No caso, o magistrado continua sendo o gestor da prova, mas a diferença é que agora o CPC/15 lhe atribui mais poderes instrutórios, cabendo a ele verificar quem está em melhores condições de produzir a prova e, então, distribuir nesse sentido o ônus.
Quanto à determinação do encargo probatório, optou-se, portanto, por critérios subjetivos, os quais levarão em consideração à parte que detiver maiores conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos levantados no processo, bem como a maior facilidade em sua produção, seja também pelo aspecto técnico, como também pelos aspectos financeiro ou jurídico, a critério fundamentado do juiz.
Assim, o magistrado, utilizando-se das máximas de experiência e cautela, determinará quais fatos devem ser provados pelo demandante e quais fatos devem ser demonstrados pelo demandado, não havendo nessa distribuição dinâmica uma inversão, e sim, verdadeira regra de distribuição, porquanto, não se decorre de regra prévia (estática), nem tão pouco de norma abstrata. Pela regra da distribuição dinâmica do ônus da prova é o juiz, diante das peculiaridades do caso concreto, quem cria a norma procedimental.
Advogado e professor universitário. Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura – EPM. Ex-Conselheiro Julgador no Conselho Municipal de Tributos de São Paulo – CMT
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